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A sul, o deserto. Antes dele, os oásis, as cidades, a arquitetura
cor de areia e a paisagem, até mesmo a mais improvável e por
isso cenário de filmes futuristas como a saga dA Guerra das
Estrelas. É assim um dos trechos mais mágicos da Tunísia onde
sempre acabamos por voltar. Como se fosse um chamamento.
T E X T O D E J O Ã O M I G U E L S I M Õ E S I F O T O G R A F I A S D E P A U L O S O U S A C O E L H O
TUNÍSIA
DESERTO
O CHAMAMENTO DO
68 Volta ao Mundo novembro 2013
N
esta reportagem não fala-
remos da queda do regime
ditatorial de Ben Ali, en-
tre dezembro de 2010 e
janeiro de 2011, nem de
toda a sucessão de aconte-
cimentos que ficarão para
a história como a Revolução de Jasmim.
Não se trata de subestimar a importância
destes factos nem as suas consequências, passados
quase três anos, para a a estabilidade política e
para a viabilidade económica do país. Tão pouco
pretendemos fazer tábua rasa dos incidentes que
fizeram manchete em todo o mundo ou fazer
pouco caso dos que, legitimamente, se interro-
gam sobre os caminhos a seguir por esta jovem
democracia do Norte de África.
Trata-se, isso sim, de um voto de otimismo.
Uma espécie de «pensamento positivo», se qui-
serem, para que a Tunísia e os tunisinos possam
voltar a receber, sem restrições, sem avanços e
recuos, turistas em número suficiente que garanta
o bom funcionamento desta indústria e o retorno
devido por todo o investimento feito, a duras
penas, nos últimos anos
Se há coisa que os tunisinos sabem fazer
é bem receber. É uma vocação que se tornou
também uma necessidade, fruto da importância
do turismo, mas que não é só para «turista ver
e comprar».
Claro que é um privilégio desfrutar do melhor
do país sem as habituais hordas de turistas, a
preços mais convidativos ainda por cima e, para
quem prestar atenção (que foi o que fizemos nesta
reportagem), já com um outro tipo de apostas que
surgem como uma clara alternativa ao turismo
de massas que por muitos e bons anos foi quase
uma fórmula exclusiva do turismo local. Mas não
há volta a dar: sem receitas não há como manter
um padrão de turismo de qualidade.
Quem vive do turismo e quem investiu no
turismo na Tunísia sente-o na pele. Quem está
de fora, e lamentou o quase fecho do hotel
Dar Hi – ele chegou a encerrar as portas, mas
um movimento de solidariedade e um voto
de confiança junto dos seus credores permitiu
que reabrisse –, nem sempre percebe que boas
intenções não bastam.
Muitos dos empreendimentos turísticos de
geração recente na Tunísia abriram pouco tempo
antes da revolução e foram apanhados no meio.
E são eles agora, mais do que todos os outros,
que querem e fazem de tudo para que antigos e
novos visitantes elejam a Tunísia como destino
de férias.
Cientes do nosso papel, a Volta ao Mundo
viajou recentemente ao Sul da Tunísia, um dos
seus pontos mais turísticos pela proximidade
ao deserto, e voltámos para contar o que vimos
e vivemos.
Não com a intenção de convencer quem
quer que seja, porque não é essa a nossa missão,
mas para relatar, como sempre fazemos, uma
experiência de viagem que pode – e, isso sim,
garantimos – ser vivida por qualquer um. Basta
estar disposto a dar o benefício da dúvida e
ter, inclusive, a noção de que, em tempo de
crise, a Tunísia apresenta, neste momento,
mais ainda do que antes, um custo-benefício
difícil de bater.
AENTRADA
Douz, Nefta e Tozeur são
as habituais portas de
entrada no Sul tunisino.
Ainda não se avistam as
grandes dunas de areia,
mas a cor das casas não
engana. O deserto está
à porta.
COMO IR
A Tunisair (tunisair.com)
voa a partir de Lisboa para
Tunes. Da capital há ligações
regulares para Tozeur
com a Tunisair Express
(tunisairexpress.com.tn).
METEOROLOGIA
Para visitar os oásis de
montanha e o sul, propostos
nesta reportagem, a melhor
altura, para evitar o excesso
de calor, é o começo da
primavera e, já no outono,
os meses de outubro
e novembro. Atenção,
sobretudo para quem pensa
acampar no deserto, que
à noite as temperaturas
descem consideravelmente.
69Volta ao Mundo outubro 2011
70
OÁSIS
Chebika, Midès
e Tamerza são
os oásis mais
visitados da
Tunísia e não
defraudam as
expectativas
de quem busca
uma miragem
luxuriante.
PORTA-MOEDAS
A moeda oficial é o dinar
(€ 1=2 dinares). É possível
levantar dinheiro em caixas
multibanco, nos lugares
mais turísticos, e os cheques
de viagem da American
Express, Visa e Thomas Cook
são largamente aceites,
sobretudo os emitidos em
dólares ou euros (mas é
cobrada uma taxa). Não é
permitido trocar dinares
fora da Tunísia (para
cambiar dirija-se aos
bancos e estabelecimentos
autorizados). Uma refeição
média num bom restaurante
oscila entre € 12 e € 18.
C
hegamos a Tozeur já é noite cerrada. O
corpo entorpecido pelas horas de viagem
de carro desde Jerba. Prevalece, contudo,
aquele estado de alerta próprio de todo o viajan-
te que se sabe em território familiar. Passaram
muitos anos, é certo, mas digo-me que Tozeur,
um dos oásis mais conhecidos do mundo e cuja
Palmeraie, com cerca de mil hectares, abriga
várias centenas de milhares de palmeiras, não
poderá ter mudado tanto assim...
Na manhã seguinte, já a caminho dos três
grandes oásis de montanha que se encontram
nos arredores de Tozeur, e são pontos de visita
incontornáveis em qualquer roteiro turístico que
se preze, esperam-me algumas surpresas.
A primeira paragem faz-se em Chebika e
UM , DOIS, TRÊS
71Volta ao Mundo novembro 2013
fico logo atordoado. Recordava o oásis de outra
forma. Para ali chegarmos tivemos de passar por
uma estrada que atravessa o chott El-Gharsa, o
segundo maior lago salgado depois de El-Djerid.
Antigo posto de defesa romano, Chebika
apresenta-se como um oásis que emerge de uma
garganta profunda. A entrada é agora muito
mais turística do que sonhara, com abundância
de vendedores e construções toscas. Afortuna-
damente, assim que começamos a descer umas
centenas de metros, seguindo o curso de água até
chegar a uma pequena catarata, o cenário torna-se
mais genuíno, ainda que não intocado. Para ter
a melhor vista é preciso subir até ao mausoléu e
aí, sim, o panorama será recompensador: chott,
oásis e montanhas.
Tamerza está mais próximo, mas, por uma
questão de logística, vamos primeiro ao oásis
seguinte, o de Midès, a um mero quilómetro da
fronteira tuniso-argelina. A beleza dos seus des-
filadeiros – parte deles, consta, terá sucumbido à
força de os aldeões os tentarem domar – justifica
plenamente o apelido de «faroeste tunisino». Não
há vaqueiros, mas há gargantas abissais. Mas não
é isso que inflama o imaginário da maioria dos
visitantes, muito mais excitados mal escutam
que foram aqui rodadas algumas cenas de O
Paciente Inglês.
COMO SE DESLOCAR
Em alguns casos, sobretudo
nas Palmeraies de Tozeur e
Nefta, vai poder andar a pé,
de bicicleta ou até mesmo
de calèche, mas a grande
maioria dos turistas chega
já com um pacote de viagem
organizada que inclui,
entre outras coisas, guia e
transporte em veículos todo-
-o-terreno.
REFRESCO
Para fugir à paisagem
árida e às temperaturas
elevadas, a Palmeraie
de Tozeur (em baixo)
ou o oásis de Chebika
(à esquerda) são
perfeitos.
COMPRAS
No bairro mais antigo
de Tozeur vai encontrar
algumas lojas de artesanato
que vale a pena espreitar,
como é o caso da Alef
(ao n.º13 do Souk Rebaa).
No resto, o mais comum,
para quem sempre
aprecia trazer algo
de recordação, é ir
comprando (nunca se
esqueça de regatear
o preço) aos vários
vendedores ambulantes
que sempre surgem
pelo caminho.
No aeroporto de Tozeur
existe também uma loja,
mas há mais variedade
no aeroporto da capital
(onde só aceitam euros).
T
amerza fica para o fim e ainda bem que
assim é. Como oásis, se comparado aos
dois outros, fica a perder. O seu interesse
resume-se praticamente às quedas de
água. O mesmo já não se pode dizer do Tamerza
Palace Spa, digno de ser, ele sim, chamado de
oásis entre montanhas.
Com um enquadramento paisagístico cuidado,
é um dos mais luxuosos da Tunísia, mas fá-lo sem
cair na ostentação ou no kitsch. A ideia é propor-
cionar experiências, desde o spa, que respeita as
tradições berberes, até a um jantar à luz de cinco
mil velas nas ruínas da antiga aldeia de Tamerza.
Sente-se um toque de modernidade, sobretudo
nos quartos, que não era muito comum, há uns
anos, no país. Ainda assim, a maior inovação,
em matéria de hotelaria, não a iremos encontrar
em Tamerza, mas em Nefta, já muito próximo de
Tozeur e do deserto.
A localização, no bairro Ezzaouia, não é evi-
dente, mas o Dar Hi é tudo menos um hotel
evidente ou igual aos demais. Idealizado por um
franco-tunisino e um francês, que já haviam testa-
do o conceito urbano em Nice, o Dar Hi abriu as
portas em dezembro de 2010, mas foram cinco anos
entre a compra do terreno e as obras. A designer
Matali Crasset, antiga colaboradora de Philippe
Starck, e os proprietários, Patrick Elouarghi
e Philippe Chapelet, não desistiram enquanto
não viram de pé um projeto de apenas 17 quartos
que tenta recriar de forma ecológica (painéis de
energia solar, utilização de uma fonte de água
quente para aquecer a piscina e o hammam), e
com uma arquitetura no mínimo inesperada com
muito cimento mas camuflada na paisagem, a vida
de uma cidadela no deserto.
O hotel, que passou por um período difícil este
ano (chegou a fechar, mas reabriu meses depois,
a pedido de muitos), é considerado um marco na
região, tendo recorrido a materiais locais como
madeira de palmeira, tijolos de argila e cal em
vez de tinta. Os seus quartos Troglodytes, sem
janelas, são reinterpretações das cavernas tro-
gloditas; já as Pill Houses surgem suspensas, com
ares de roulotte, em estacas, aproveitando a área
de baixo para colocar camas de dia e chuveiros; e,
por fim, os Dunes são mais abertos e curvilíneos
como uma duna.
HOTEL-OÁSIS
Situado no oásis de
Tamerza, esta unidade
de cinco estrelas é
uma das mais bem
conseguidas da Tunísia,
contando com um bom
restaurante e um spa.
COMO NUM
N
ão é muito comum encontrar turistas
durante o dia em Tozeur. Considerada
uma cidade-escala para quem percorre
o Sul tunisino em veículos 4x4, Tozeur é tam-
bém um ponto místico, com vários marabouts
(mausoléus que se distinguem pelas suas cúpulas
alvas) nos arredores, o que ajuda a entender o
maior recato com que vivem os seus habitantes.
Também eles são difíceis de avistar durante as
horas de maior calor.
Quem se dispuser a explorar, pelo menos, o
velho bairro de Ouled-el-Hadef vai ainda assim
encontrar os inevitáveis pontos de venda de
artesanato, mas, para lá das evidências, descobrir
igualmente, e em primeira mão, a sua arquitetura
típica, cujo tom ocre, na verdade quase alaran-
jado, se deve a uma mistura de areia com argila.
A cidade cresceu muito, e nem sempre de uma
forma ordeira e ordenada. Foram cometidos erros
e atropelos nas décadas seguintes ao despertar
turístico do país. Alguns são irremediáveis, outros
ficaram como lição e levaram a que, a partir de
1996, passasse a haver um maior controlo na
construção de hotéis, um maior empenho na
preservação do património e um esforço para
reflorestar a Palmeraie, cujo ecossistema não se
compadeceu com o abatimento indiscriminado
de palmeiras.
FILME
ONDE FICAR
Dar Hi
Pequeno hotel, possui
apenas 18 quartos de três
tipos, constitui uma surpresa
em Nefta pelo seu estilo
arquitetónico arrojado, ainda
que camuflado
na paisagem, e pelo seu
conceito ecológico.
Quartos duplos a partir de
260 euros/noite em pensão
completa.
Tel.: [+216] 76 432 779
hi.life.net
Diar Abouhabibi
Localizado em plena
Palmeraie de Tozeur e
explorado por um francês,
não possui piscina,
mas não lhe falta área livre
e um conceito que encanta,
pois as cabanas de estilo
saariano, num total de 12,
encontram-se sobre estacas,
criando a ilusão de casas na
árvore.Pacote de 3 dias/2
noites a partir de 630 euros.
Tel.: [+216] 76 460 270
diarhabibi.com
Hôtel Tamerza Palace & Spa
Um dos hotéis, no oásis
de Tamerza, mais bem
conseguidos da Tunísia,
pelo seu enquadramento
paisagístico e pela forma
como consegue ser
contemporâneo sem deixar
de nos remeter para a
realidade local. O seu spa é
disso prova, mas o hotel está,
no geral, vocacionado para
proporcionar experiências
ímpares.
Quartos duplos a partir
de 136 euros/noite
Tel.: [+216] 76 485 344
tamerza-palace.com
MADRUGAR
Vale a pena o esforço
suplementar de sair
ainda de madrugada,
a bordo de um 4x4, para
chegar ao deserto antes
de o Sol raiar e ser um
dos primeiros a visitar
o antigo cenário de
filmagens da saga
A Guerra das Estrelas.
Coisa de filme.
Esta será uma das
primeiras ideias a
passar pela cabeça
do visitante que
se depara com
cenários dignos de
produções como
O Paciente Inglês
ou Os Salteadores
da Arca Perdida.
P
or isso mesmo, começar o dia no Eden
Palm tem um sabor especial. Primeiro,
conquistam-nos pelo estômago, propor-
cionando um farto pequeno-almoço servido entre
tamareiras. Os mais atentos hão de notar desde
logo que muitas das iguarias servidas são à base de
tâmara, o que não é uma coincidência.
Com mais de 250 espécies diferentes de ta-
mareiras, a Tunísia tem nestas plantas e nos seus
frutos uma das maiores riquezas. O Eden Palm
dispõe-se, de forma mais ou menos lúdica, a ex-
plicar como tudo se passa e como tanto a árvore
como o fruto podem ter aproveitamentos muito
diferentes, quer no dia a dia das populações quer
na sua tranformação à escala industrial.
Entre outras coisas, saímos de lá com a lição
aprendida e a saber que, por exemplo, as tâmaras
podem até parecer todas iguais, mas não são. A
melhor, e a mais cara de todas, responde pelo nome
de Deglet noua, que é como quem diz dedos de luz.
Mas, por mais que se tente contornar o óbvio,
há coisas que são inevitáveis. E ninguém, no seu
juízo perfeito, vem a Tozeur sem ir, no mínimo,
às portas do Sahara. Para tal, os jipes costumam
rumar a Nefta, a cerca de 20 quilómetros de Tozeur,
tida como a cidade mais próxima da fronteira com
a Argélia. A Pameraie de Nefta é ainda maior e
mais imponente do que a de Tozeur, mas isso não
diminui o seu encanto.
O nosso propósito é apanhar o pôr do Sol.
Tozeur e o deserto tunisino já foram cenário de
vários filmes que maravilharam espectadores de
todo o mundo. Entre os mais conhecidos, sem ser
mais segredo, estão a saga da Guerra das Estrelas, o
Indiana Jones – Os Salteadores da Arca Perdida ou o
Paciente Inglês. No primeiro caso, George Lucas foi
mais longe e construiu vários sets que, terminadas
as filmagens, ficaram para a posteridade. Visitámos
um deles, ainda antes dos primeiros raios do astro-
-rei em Ong El Djemal, onde o principal vilão da
saga, Darth Sidious, fez a sua primeira aparição.
É um aperitivo ao deserto, sem chá como no
filme de Bertolucci, que permite já vislumbrar um
mar de areia a perder de vista. Por minutos faz-
-se silêncio. Que só não é total porque os nossos
telefones e máquinas disparam a cada minuto.
RESTAURANTES E BARES
Eden Palm
Além do carácter
didático desta espécie de
cooperativa-museu, que
exemplifica todo o ciclo
das tamareiras e a sua
utilização no artesanato e na
indústria, vale juntar o útil
ao agradável, reservando
aqui um pequeno-almoço ou
um chá da tarde, servidos ao
ar livre, com exotismo q.b.
Tel.: [+216] 76 454 474
eden-palm
Chak Wak Tozeur
O grande complexo Chak
Wak, a cargo do grupo
Dar Cherait, entre outras
coisas, prepara, sob reserva,
banquetes debaixo de uma
tenda berbere, a céu aberto,
com pétalas de rosa na
mesa, tocadores de alaúde e
um menu que inclui cordeiro
assado em potes de barro
sobre um braseiro de folhas
de palmeira.
Tel.: [+216] 76 460 400
chakwak.com.tn
Hôtel Tamerza Palace
& Spa
No caso de não ficar
hospedado neste hotel,
faça, ao menos, por fazer
coincidir a sua visita ao
oásis de Tamerza com uma
refeição no seu restaurante.
É um dos melhores da
região, servindo cozinha
regional e mediterrânica.
E os olhos também comem.
Tel.: [+216] 76 485 344
tamerza-palace.com
ATIVIDADES
Os amantes de desportos
radicais, como escalada,
arvorismo ou rappel, vão
apreciar o circuto do Sahara
Lounge (sahara-lounge.
com), que está inserido na
Palmeraie de Tozeur. Já
em Douz, no centro Pégase
(pegasesahara.com.tn), o
forte são atividades como
passeios de dromedário ou
voos em ultraleve.
78
IMAGINÁRIO
Hotéis como o Dar
Hi (à esquerda), em
Nefta, fazem uma
reinterpretação
interessante da
arquitetura local (à
direita). Nesta foto,
Luciano Longo, o
italiano proprietário do
centro de atividades
Pégase, em Douz.
GUIAS DE VIAGEM
O Loney Planet é já um
clássico para quem gosta de
viajar bem informado, mas,
se preferir ler em francês,
deve optar por Le Guide
du Routard-Tunisie 2013
(compre em Portugal, pois
não o encontrará na Tunísia).
Em português, destaque
para o ilustrado American
Express, ótimo para lhe dar
uma ideia do que vai ver.
79
A
ssim que o Sol se vai, as grandes dunas
ficam também para trás. Mas quando
se está no oásis de Tozeur, o deserto,
de uma maneira ou de outra, está
sempre presente nos pensamentos. Ou nos sapatos
e botas de quem, no entusiasmo de querer abraçar
aquele mundo de areias móveis, caminhou (e se
enterrou) até onde o bom senso permitiu. Alguns
libertar-se-ão dos grãos ali mesmo, à entrada dos
jipes; outros, mais sentimentais, carregarão os
despojos como um troféu de viagem, a juntar às
rosas do deserto e às bujigangas arrematadas por
onde foram passando durante a jornada.
De dia, a Palmeraie permite passeios didáticos
e bucólicos de bicicleta ou até na lombada de um
burro, mas, à noite, quando todos os gatos são
pardos, ela pode, com a iluminação e mise-en-
-scène adequadas, transformar-se numa autêntica
miragem digna das mil e uma noites.
Mil noites não terá, mas mesmo que só dis-
ponha de uma, a derradeira, vale a pena arriscar
a sorte num programa que faça esta valer por mil
(pelo menos em matéria de memórias). A chegada
ao grande complexo Chak Wak, a cargo do grupo
Dar Cherait, faz-se iluminados pelo luar e pela
luz de archotes. Entre as suas ofertas destaca-se
a de um verdadeiro festim numa tenda berbere,
a céu aberto.
É o tipo de coisa que nunca falha. Porque,
por mais encenado que tudo seja, se houver
bom gosto, como é o caso, até os viajantes mais
empedernidos e ácidos vão amolecer os seus
corações. Chak Wak prevê de tudo, de museus
a acampamentos, de passeios a cocktails, mas,
neste caso, aproveitando o ambiente da Palme-
raie, foi pensada uma ceia com pétalas de rosa
na mesa, tocadores de alaúde (missão ingrata
a sua, para fazer prevalecer a música entre gar-
galhadas e tagarelice) e um menu que costuma
incluir cordeiro assado em potes de barro (que
serão depois quebrados, antes do dito chegar à
mesa em travessas, para gáudio geral) sobre um
braseiro de folhas de palmeira.
Fiel depositária de tradições mais conservado-
ras do Sul, Tozeur é, para quem se dispuser a não
fazer dela uma mera cidade-escala antes de partir
para o deserto, o local ideal para se observarem
determinados rituais. Como os casamentos, por
exemplo. Anos atrás, numa outra incursão por
estas paragens, tive o privilégio de assisitir a
um e de confirmar que nos copos d'água locais
a generosidade dos anfitriões é proporcional à
UMA NOITE
EM MIL
Com o seu oásis,
Tozeur é muitas
vezes encarada
como uma mera
cidade de escala
na entrada para
o deserto, mas a
sua arquitetura
«cor de areia»
merece uma outra
atenção.
Com mais de 250
espécies diferentes
de tamareiras,
aTunísia tem
nesta planta e
nos frutos uma
das suas maiores
riquezas e fontes
de inspiração.
NA INTERNET
routard.com
tunisiaturismo.com.pt
bonjour-tunisie.com
AGRADECIMENTOS
DelegaçãoOficialdoTurismodaTunísia
Tunisair
curiosidade de quem está de fora. Por isso não
estranhe que, mesmo não tendo sido convidado
ou estando só de passagem, caso deem por si, o
mais certo será convidarem-no a juntar-se à festa
com honras e atenções especiais.
E não é folclore. É algo que sempre funcionou
assim e que tem a ver com a noção de partilha e
hospitalidade. Um casamento de um ente querido
é um momento de felicidade e, logo, algo para
ser partilhado com os demais.
Um outro exemplo disso mesmo é, no centro
de Tozeur, na Medina, o café cultural Hoch El
Abbes. Quem não saiba, ou não esteja familiari-
zado com o conceito, poderá até, num primeiro
instante, sentir algum tipo de desconforto ou
constrangimento, mas não é caso para isso. Trata-
se de uma casa particular, mantida com o maior
desvelo pelo seu proprietário e mestre de ceri-
mónias, Mondher Abbes. Depois de nos receber
à porta, retira-se para uma das salas contíguas ao
pátio florido (ao final da tarde, religiosamente,
há de refrescar solo e plantas com regadores de
água) e deixa-nos à vontade. Interagir, pedir
uma bebida ou comprar um dos seus CD fica ao
critério de cada um. De uma delicadeza extrema,
Abbes não se impõe.
Alguém me disse, durante mais este regresso
à Tunísia, que o grande potencial dos tunisinos é
a educação. Apetece-me acrescentar, já em nota
final, a gentileza. Oxalá, o mundo, da forma certa,
lhes saiba retribuir. Os tunisinos não precisam
de esmolas nem de comiseração. Precisam que
o turismo, a sua principal base de sustentação,
volte à normalidade. E que a curiosidade dos
turistas prevaleça sobre a indiferença. n
80 Volta ao Mundo novembro 2013
81Volta ao Mundo outubro 2011
EXOTISMO
EmTozeur,a
exuberânciada
Palmeraieinspirou
espaçoscomoo
polivalenteEdenPalm
ouoSaharaLounge,
napáginaàesquerda,
ehotéiscomoDiar
Abouhabibi(emcima).

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Tunísia Sul-Volta ao Mundo November 2013

  • 1. A sul, o deserto. Antes dele, os oásis, as cidades, a arquitetura cor de areia e a paisagem, até mesmo a mais improvável e por isso cenário de filmes futuristas como a saga dA Guerra das Estrelas. É assim um dos trechos mais mágicos da Tunísia onde sempre acabamos por voltar. Como se fosse um chamamento. T E X T O D E J O Ã O M I G U E L S I M Õ E S I F O T O G R A F I A S D E P A U L O S O U S A C O E L H O TUNÍSIA DESERTO O CHAMAMENTO DO
  • 2.
  • 3. 68 Volta ao Mundo novembro 2013 N esta reportagem não fala- remos da queda do regime ditatorial de Ben Ali, en- tre dezembro de 2010 e janeiro de 2011, nem de toda a sucessão de aconte- cimentos que ficarão para a história como a Revolução de Jasmim. Não se trata de subestimar a importância destes factos nem as suas consequências, passados quase três anos, para a a estabilidade política e para a viabilidade económica do país. Tão pouco pretendemos fazer tábua rasa dos incidentes que fizeram manchete em todo o mundo ou fazer pouco caso dos que, legitimamente, se interro- gam sobre os caminhos a seguir por esta jovem democracia do Norte de África. Trata-se, isso sim, de um voto de otimismo. Uma espécie de «pensamento positivo», se qui- serem, para que a Tunísia e os tunisinos possam voltar a receber, sem restrições, sem avanços e recuos, turistas em número suficiente que garanta o bom funcionamento desta indústria e o retorno devido por todo o investimento feito, a duras penas, nos últimos anos Se há coisa que os tunisinos sabem fazer é bem receber. É uma vocação que se tornou também uma necessidade, fruto da importância do turismo, mas que não é só para «turista ver e comprar». Claro que é um privilégio desfrutar do melhor do país sem as habituais hordas de turistas, a preços mais convidativos ainda por cima e, para quem prestar atenção (que foi o que fizemos nesta reportagem), já com um outro tipo de apostas que surgem como uma clara alternativa ao turismo de massas que por muitos e bons anos foi quase uma fórmula exclusiva do turismo local. Mas não há volta a dar: sem receitas não há como manter um padrão de turismo de qualidade. Quem vive do turismo e quem investiu no turismo na Tunísia sente-o na pele. Quem está de fora, e lamentou o quase fecho do hotel Dar Hi – ele chegou a encerrar as portas, mas um movimento de solidariedade e um voto de confiança junto dos seus credores permitiu que reabrisse –, nem sempre percebe que boas intenções não bastam. Muitos dos empreendimentos turísticos de geração recente na Tunísia abriram pouco tempo antes da revolução e foram apanhados no meio. E são eles agora, mais do que todos os outros, que querem e fazem de tudo para que antigos e novos visitantes elejam a Tunísia como destino de férias. Cientes do nosso papel, a Volta ao Mundo viajou recentemente ao Sul da Tunísia, um dos seus pontos mais turísticos pela proximidade ao deserto, e voltámos para contar o que vimos e vivemos. Não com a intenção de convencer quem quer que seja, porque não é essa a nossa missão, mas para relatar, como sempre fazemos, uma experiência de viagem que pode – e, isso sim, garantimos – ser vivida por qualquer um. Basta estar disposto a dar o benefício da dúvida e ter, inclusive, a noção de que, em tempo de crise, a Tunísia apresenta, neste momento, mais ainda do que antes, um custo-benefício difícil de bater. AENTRADA Douz, Nefta e Tozeur são as habituais portas de entrada no Sul tunisino. Ainda não se avistam as grandes dunas de areia, mas a cor das casas não engana. O deserto está à porta. COMO IR A Tunisair (tunisair.com) voa a partir de Lisboa para Tunes. Da capital há ligações regulares para Tozeur com a Tunisair Express (tunisairexpress.com.tn). METEOROLOGIA Para visitar os oásis de montanha e o sul, propostos nesta reportagem, a melhor altura, para evitar o excesso de calor, é o começo da primavera e, já no outono, os meses de outubro e novembro. Atenção, sobretudo para quem pensa acampar no deserto, que à noite as temperaturas descem consideravelmente.
  • 4. 69Volta ao Mundo outubro 2011
  • 5. 70 OÁSIS Chebika, Midès e Tamerza são os oásis mais visitados da Tunísia e não defraudam as expectativas de quem busca uma miragem luxuriante. PORTA-MOEDAS A moeda oficial é o dinar (€ 1=2 dinares). É possível levantar dinheiro em caixas multibanco, nos lugares mais turísticos, e os cheques de viagem da American Express, Visa e Thomas Cook são largamente aceites, sobretudo os emitidos em dólares ou euros (mas é cobrada uma taxa). Não é permitido trocar dinares fora da Tunísia (para cambiar dirija-se aos bancos e estabelecimentos autorizados). Uma refeição média num bom restaurante oscila entre € 12 e € 18. C hegamos a Tozeur já é noite cerrada. O corpo entorpecido pelas horas de viagem de carro desde Jerba. Prevalece, contudo, aquele estado de alerta próprio de todo o viajan- te que se sabe em território familiar. Passaram muitos anos, é certo, mas digo-me que Tozeur, um dos oásis mais conhecidos do mundo e cuja Palmeraie, com cerca de mil hectares, abriga várias centenas de milhares de palmeiras, não poderá ter mudado tanto assim... Na manhã seguinte, já a caminho dos três grandes oásis de montanha que se encontram nos arredores de Tozeur, e são pontos de visita incontornáveis em qualquer roteiro turístico que se preze, esperam-me algumas surpresas. A primeira paragem faz-se em Chebika e UM , DOIS, TRÊS
  • 6. 71Volta ao Mundo novembro 2013 fico logo atordoado. Recordava o oásis de outra forma. Para ali chegarmos tivemos de passar por uma estrada que atravessa o chott El-Gharsa, o segundo maior lago salgado depois de El-Djerid. Antigo posto de defesa romano, Chebika apresenta-se como um oásis que emerge de uma garganta profunda. A entrada é agora muito mais turística do que sonhara, com abundância de vendedores e construções toscas. Afortuna- damente, assim que começamos a descer umas centenas de metros, seguindo o curso de água até chegar a uma pequena catarata, o cenário torna-se mais genuíno, ainda que não intocado. Para ter a melhor vista é preciso subir até ao mausoléu e aí, sim, o panorama será recompensador: chott, oásis e montanhas. Tamerza está mais próximo, mas, por uma questão de logística, vamos primeiro ao oásis seguinte, o de Midès, a um mero quilómetro da fronteira tuniso-argelina. A beleza dos seus des- filadeiros – parte deles, consta, terá sucumbido à força de os aldeões os tentarem domar – justifica plenamente o apelido de «faroeste tunisino». Não há vaqueiros, mas há gargantas abissais. Mas não é isso que inflama o imaginário da maioria dos visitantes, muito mais excitados mal escutam que foram aqui rodadas algumas cenas de O Paciente Inglês. COMO SE DESLOCAR Em alguns casos, sobretudo nas Palmeraies de Tozeur e Nefta, vai poder andar a pé, de bicicleta ou até mesmo de calèche, mas a grande maioria dos turistas chega já com um pacote de viagem organizada que inclui, entre outras coisas, guia e transporte em veículos todo- -o-terreno. REFRESCO Para fugir à paisagem árida e às temperaturas elevadas, a Palmeraie de Tozeur (em baixo) ou o oásis de Chebika (à esquerda) são perfeitos.
  • 7.
  • 8. COMPRAS No bairro mais antigo de Tozeur vai encontrar algumas lojas de artesanato que vale a pena espreitar, como é o caso da Alef (ao n.º13 do Souk Rebaa). No resto, o mais comum, para quem sempre aprecia trazer algo de recordação, é ir comprando (nunca se esqueça de regatear o preço) aos vários vendedores ambulantes que sempre surgem pelo caminho. No aeroporto de Tozeur existe também uma loja, mas há mais variedade no aeroporto da capital (onde só aceitam euros). T amerza fica para o fim e ainda bem que assim é. Como oásis, se comparado aos dois outros, fica a perder. O seu interesse resume-se praticamente às quedas de água. O mesmo já não se pode dizer do Tamerza Palace Spa, digno de ser, ele sim, chamado de oásis entre montanhas. Com um enquadramento paisagístico cuidado, é um dos mais luxuosos da Tunísia, mas fá-lo sem cair na ostentação ou no kitsch. A ideia é propor- cionar experiências, desde o spa, que respeita as tradições berberes, até a um jantar à luz de cinco mil velas nas ruínas da antiga aldeia de Tamerza. Sente-se um toque de modernidade, sobretudo nos quartos, que não era muito comum, há uns anos, no país. Ainda assim, a maior inovação, em matéria de hotelaria, não a iremos encontrar em Tamerza, mas em Nefta, já muito próximo de Tozeur e do deserto. A localização, no bairro Ezzaouia, não é evi- dente, mas o Dar Hi é tudo menos um hotel evidente ou igual aos demais. Idealizado por um franco-tunisino e um francês, que já haviam testa- do o conceito urbano em Nice, o Dar Hi abriu as portas em dezembro de 2010, mas foram cinco anos entre a compra do terreno e as obras. A designer Matali Crasset, antiga colaboradora de Philippe Starck, e os proprietários, Patrick Elouarghi e Philippe Chapelet, não desistiram enquanto não viram de pé um projeto de apenas 17 quartos que tenta recriar de forma ecológica (painéis de energia solar, utilização de uma fonte de água quente para aquecer a piscina e o hammam), e com uma arquitetura no mínimo inesperada com muito cimento mas camuflada na paisagem, a vida de uma cidadela no deserto. O hotel, que passou por um período difícil este ano (chegou a fechar, mas reabriu meses depois, a pedido de muitos), é considerado um marco na região, tendo recorrido a materiais locais como madeira de palmeira, tijolos de argila e cal em vez de tinta. Os seus quartos Troglodytes, sem janelas, são reinterpretações das cavernas tro- gloditas; já as Pill Houses surgem suspensas, com ares de roulotte, em estacas, aproveitando a área de baixo para colocar camas de dia e chuveiros; e, por fim, os Dunes são mais abertos e curvilíneos como uma duna. HOTEL-OÁSIS Situado no oásis de Tamerza, esta unidade de cinco estrelas é uma das mais bem conseguidas da Tunísia, contando com um bom restaurante e um spa.
  • 9. COMO NUM N ão é muito comum encontrar turistas durante o dia em Tozeur. Considerada uma cidade-escala para quem percorre o Sul tunisino em veículos 4x4, Tozeur é tam- bém um ponto místico, com vários marabouts (mausoléus que se distinguem pelas suas cúpulas alvas) nos arredores, o que ajuda a entender o maior recato com que vivem os seus habitantes. Também eles são difíceis de avistar durante as horas de maior calor. Quem se dispuser a explorar, pelo menos, o velho bairro de Ouled-el-Hadef vai ainda assim encontrar os inevitáveis pontos de venda de artesanato, mas, para lá das evidências, descobrir igualmente, e em primeira mão, a sua arquitetura típica, cujo tom ocre, na verdade quase alaran- jado, se deve a uma mistura de areia com argila. A cidade cresceu muito, e nem sempre de uma forma ordeira e ordenada. Foram cometidos erros e atropelos nas décadas seguintes ao despertar turístico do país. Alguns são irremediáveis, outros ficaram como lição e levaram a que, a partir de 1996, passasse a haver um maior controlo na construção de hotéis, um maior empenho na preservação do património e um esforço para reflorestar a Palmeraie, cujo ecossistema não se compadeceu com o abatimento indiscriminado de palmeiras. FILME
  • 10. ONDE FICAR Dar Hi Pequeno hotel, possui apenas 18 quartos de três tipos, constitui uma surpresa em Nefta pelo seu estilo arquitetónico arrojado, ainda que camuflado na paisagem, e pelo seu conceito ecológico. Quartos duplos a partir de 260 euros/noite em pensão completa. Tel.: [+216] 76 432 779 hi.life.net Diar Abouhabibi Localizado em plena Palmeraie de Tozeur e explorado por um francês, não possui piscina, mas não lhe falta área livre e um conceito que encanta, pois as cabanas de estilo saariano, num total de 12, encontram-se sobre estacas, criando a ilusão de casas na árvore.Pacote de 3 dias/2 noites a partir de 630 euros. Tel.: [+216] 76 460 270 diarhabibi.com Hôtel Tamerza Palace & Spa Um dos hotéis, no oásis de Tamerza, mais bem conseguidos da Tunísia, pelo seu enquadramento paisagístico e pela forma como consegue ser contemporâneo sem deixar de nos remeter para a realidade local. O seu spa é disso prova, mas o hotel está, no geral, vocacionado para proporcionar experiências ímpares. Quartos duplos a partir de 136 euros/noite Tel.: [+216] 76 485 344 tamerza-palace.com MADRUGAR Vale a pena o esforço suplementar de sair ainda de madrugada, a bordo de um 4x4, para chegar ao deserto antes de o Sol raiar e ser um dos primeiros a visitar o antigo cenário de filmagens da saga A Guerra das Estrelas.
  • 11. Coisa de filme. Esta será uma das primeiras ideias a passar pela cabeça do visitante que se depara com cenários dignos de produções como O Paciente Inglês ou Os Salteadores da Arca Perdida. P or isso mesmo, começar o dia no Eden Palm tem um sabor especial. Primeiro, conquistam-nos pelo estômago, propor- cionando um farto pequeno-almoço servido entre tamareiras. Os mais atentos hão de notar desde logo que muitas das iguarias servidas são à base de tâmara, o que não é uma coincidência. Com mais de 250 espécies diferentes de ta- mareiras, a Tunísia tem nestas plantas e nos seus frutos uma das maiores riquezas. O Eden Palm dispõe-se, de forma mais ou menos lúdica, a ex- plicar como tudo se passa e como tanto a árvore como o fruto podem ter aproveitamentos muito diferentes, quer no dia a dia das populações quer na sua tranformação à escala industrial. Entre outras coisas, saímos de lá com a lição aprendida e a saber que, por exemplo, as tâmaras podem até parecer todas iguais, mas não são. A melhor, e a mais cara de todas, responde pelo nome de Deglet noua, que é como quem diz dedos de luz. Mas, por mais que se tente contornar o óbvio, há coisas que são inevitáveis. E ninguém, no seu juízo perfeito, vem a Tozeur sem ir, no mínimo, às portas do Sahara. Para tal, os jipes costumam rumar a Nefta, a cerca de 20 quilómetros de Tozeur, tida como a cidade mais próxima da fronteira com a Argélia. A Pameraie de Nefta é ainda maior e mais imponente do que a de Tozeur, mas isso não diminui o seu encanto. O nosso propósito é apanhar o pôr do Sol. Tozeur e o deserto tunisino já foram cenário de vários filmes que maravilharam espectadores de todo o mundo. Entre os mais conhecidos, sem ser mais segredo, estão a saga da Guerra das Estrelas, o Indiana Jones – Os Salteadores da Arca Perdida ou o Paciente Inglês. No primeiro caso, George Lucas foi mais longe e construiu vários sets que, terminadas as filmagens, ficaram para a posteridade. Visitámos um deles, ainda antes dos primeiros raios do astro- -rei em Ong El Djemal, onde o principal vilão da saga, Darth Sidious, fez a sua primeira aparição. É um aperitivo ao deserto, sem chá como no filme de Bertolucci, que permite já vislumbrar um mar de areia a perder de vista. Por minutos faz- -se silêncio. Que só não é total porque os nossos telefones e máquinas disparam a cada minuto.
  • 12. RESTAURANTES E BARES Eden Palm Além do carácter didático desta espécie de cooperativa-museu, que exemplifica todo o ciclo das tamareiras e a sua utilização no artesanato e na indústria, vale juntar o útil ao agradável, reservando aqui um pequeno-almoço ou um chá da tarde, servidos ao ar livre, com exotismo q.b. Tel.: [+216] 76 454 474 eden-palm Chak Wak Tozeur O grande complexo Chak Wak, a cargo do grupo Dar Cherait, entre outras coisas, prepara, sob reserva, banquetes debaixo de uma tenda berbere, a céu aberto, com pétalas de rosa na mesa, tocadores de alaúde e um menu que inclui cordeiro assado em potes de barro sobre um braseiro de folhas de palmeira. Tel.: [+216] 76 460 400 chakwak.com.tn Hôtel Tamerza Palace & Spa No caso de não ficar hospedado neste hotel, faça, ao menos, por fazer coincidir a sua visita ao oásis de Tamerza com uma refeição no seu restaurante. É um dos melhores da região, servindo cozinha regional e mediterrânica. E os olhos também comem. Tel.: [+216] 76 485 344 tamerza-palace.com ATIVIDADES Os amantes de desportos radicais, como escalada, arvorismo ou rappel, vão apreciar o circuto do Sahara Lounge (sahara-lounge. com), que está inserido na Palmeraie de Tozeur. Já em Douz, no centro Pégase (pegasesahara.com.tn), o forte são atividades como passeios de dromedário ou voos em ultraleve.
  • 13. 78 IMAGINÁRIO Hotéis como o Dar Hi (à esquerda), em Nefta, fazem uma reinterpretação interessante da arquitetura local (à direita). Nesta foto, Luciano Longo, o italiano proprietário do centro de atividades Pégase, em Douz. GUIAS DE VIAGEM O Loney Planet é já um clássico para quem gosta de viajar bem informado, mas, se preferir ler em francês, deve optar por Le Guide du Routard-Tunisie 2013 (compre em Portugal, pois não o encontrará na Tunísia). Em português, destaque para o ilustrado American Express, ótimo para lhe dar uma ideia do que vai ver.
  • 14. 79 A ssim que o Sol se vai, as grandes dunas ficam também para trás. Mas quando se está no oásis de Tozeur, o deserto, de uma maneira ou de outra, está sempre presente nos pensamentos. Ou nos sapatos e botas de quem, no entusiasmo de querer abraçar aquele mundo de areias móveis, caminhou (e se enterrou) até onde o bom senso permitiu. Alguns libertar-se-ão dos grãos ali mesmo, à entrada dos jipes; outros, mais sentimentais, carregarão os despojos como um troféu de viagem, a juntar às rosas do deserto e às bujigangas arrematadas por onde foram passando durante a jornada. De dia, a Palmeraie permite passeios didáticos e bucólicos de bicicleta ou até na lombada de um burro, mas, à noite, quando todos os gatos são pardos, ela pode, com a iluminação e mise-en- -scène adequadas, transformar-se numa autêntica miragem digna das mil e uma noites. Mil noites não terá, mas mesmo que só dis- ponha de uma, a derradeira, vale a pena arriscar a sorte num programa que faça esta valer por mil (pelo menos em matéria de memórias). A chegada ao grande complexo Chak Wak, a cargo do grupo Dar Cherait, faz-se iluminados pelo luar e pela luz de archotes. Entre as suas ofertas destaca-se a de um verdadeiro festim numa tenda berbere, a céu aberto. É o tipo de coisa que nunca falha. Porque, por mais encenado que tudo seja, se houver bom gosto, como é o caso, até os viajantes mais empedernidos e ácidos vão amolecer os seus corações. Chak Wak prevê de tudo, de museus a acampamentos, de passeios a cocktails, mas, neste caso, aproveitando o ambiente da Palme- raie, foi pensada uma ceia com pétalas de rosa na mesa, tocadores de alaúde (missão ingrata a sua, para fazer prevalecer a música entre gar- galhadas e tagarelice) e um menu que costuma incluir cordeiro assado em potes de barro (que serão depois quebrados, antes do dito chegar à mesa em travessas, para gáudio geral) sobre um braseiro de folhas de palmeira. Fiel depositária de tradições mais conservado- ras do Sul, Tozeur é, para quem se dispuser a não fazer dela uma mera cidade-escala antes de partir para o deserto, o local ideal para se observarem determinados rituais. Como os casamentos, por exemplo. Anos atrás, numa outra incursão por estas paragens, tive o privilégio de assisitir a um e de confirmar que nos copos d'água locais a generosidade dos anfitriões é proporcional à UMA NOITE EM MIL Com o seu oásis, Tozeur é muitas vezes encarada como uma mera cidade de escala na entrada para o deserto, mas a sua arquitetura «cor de areia» merece uma outra atenção.
  • 15. Com mais de 250 espécies diferentes de tamareiras, aTunísia tem nesta planta e nos frutos uma das suas maiores riquezas e fontes de inspiração. NA INTERNET routard.com tunisiaturismo.com.pt bonjour-tunisie.com AGRADECIMENTOS DelegaçãoOficialdoTurismodaTunísia Tunisair curiosidade de quem está de fora. Por isso não estranhe que, mesmo não tendo sido convidado ou estando só de passagem, caso deem por si, o mais certo será convidarem-no a juntar-se à festa com honras e atenções especiais. E não é folclore. É algo que sempre funcionou assim e que tem a ver com a noção de partilha e hospitalidade. Um casamento de um ente querido é um momento de felicidade e, logo, algo para ser partilhado com os demais. Um outro exemplo disso mesmo é, no centro de Tozeur, na Medina, o café cultural Hoch El Abbes. Quem não saiba, ou não esteja familiari- zado com o conceito, poderá até, num primeiro instante, sentir algum tipo de desconforto ou constrangimento, mas não é caso para isso. Trata- se de uma casa particular, mantida com o maior desvelo pelo seu proprietário e mestre de ceri- mónias, Mondher Abbes. Depois de nos receber à porta, retira-se para uma das salas contíguas ao pátio florido (ao final da tarde, religiosamente, há de refrescar solo e plantas com regadores de água) e deixa-nos à vontade. Interagir, pedir uma bebida ou comprar um dos seus CD fica ao critério de cada um. De uma delicadeza extrema, Abbes não se impõe. Alguém me disse, durante mais este regresso à Tunísia, que o grande potencial dos tunisinos é a educação. Apetece-me acrescentar, já em nota final, a gentileza. Oxalá, o mundo, da forma certa, lhes saiba retribuir. Os tunisinos não precisam de esmolas nem de comiseração. Precisam que o turismo, a sua principal base de sustentação, volte à normalidade. E que a curiosidade dos turistas prevaleça sobre a indiferença. n 80 Volta ao Mundo novembro 2013
  • 16. 81Volta ao Mundo outubro 2011 EXOTISMO EmTozeur,a exuberânciada Palmeraieinspirou espaçoscomoo polivalenteEdenPalm ouoSaharaLounge, napáginaàesquerda, ehotéiscomoDiar Abouhabibi(emcima).