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Luiz Egon Richter
Oficial designado do Registro de Imóveis
Lajeado-RS
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um
novo marco institucional para os serviços
notariais e de registros públicos, e não é
demasia
afirmar,
que
ocorreu
na
oportunidade, uma quebra de paradigma.
A despeito das disposições constitucionais e da
lei regulamentadora que instituiu o Estatuto do
Notário e do Registrador Público, existe a
necessidade de se fazer um clareamento sobre
alguns aspectos institucionais, em especial a
natureza
jurídica
das
atividades
tabelioas, notarial e registral e do regime
jurídico da delegação.
Não se tem a pretensão de apresentar respostas
definitivas
às
reflexões,
mas
levantar
questionamentos acerca do tema, para que se
estabeleça a discussão e a partir daí se construam
respostas com amparo jurídico-constitucional, que
contribuam para um melhor conhecimento da
natureza jurídica das atividades e da relação de
delegação entre o Poder Público e os
Tabeliães, Notários e Registradores.
Noções gerais sobre serviço público
 Conceituar o serviço público, é uma árdua tarefa, por várias

razões:
 a) dificuldade em estabelecer os elementos definidores do

conceito no ordenamento jurídico pátrio;
 b) a multiplicidade de atividades executadas pelo Estado

em razão das contingências sociais, políticas e econômicas
envolvidas na definição de serviços públicos.
No plano histórico, a formação da noção jurídica
de serviço público se desenvolveu na primeira terça
parte do século XX, por força dos estudos
realizados por Duguit e Jezè, entre outros, que
deram origem à Escola do Serviço Público na
França.
A Escola do Serviço Público teve um papel
importantíssimo na construção do direito
administrativo francês, a despeito das críticas que
possam ser feitas aos critérios adotados à época.
Duguit se baseava no realismo jurídico, para
conceituar
o
serviço
público, afastando, portanto, qualquer concepção
metafísica, procedimentos artificiais e ficções na
conceituação do objeto.
Para Duguit serviço público é um dado objetivo
e material, que se constata no mundo
fenomênico, que emerge naturalmente das
relações sociais. Ou seja, o serviço público se
origina da realidade social e não da vontade do
governante.
Jezè, por sua vez, se baseava no positivismo
jurídico.
Para ele, serviço público é um procedimento
de direito público, “a pedra angular do direito
administrativo francês”. O serviço público é
atividade qualifica como tal por meio de eleição
do governante e do legislador e a sujeição deste
serviço a um procedimento de direito público.
A construção conceitual do serviço público, ao logo
da história, se valeu, em linhas gerais, de três critérios
clássicos e outros acidentais ou contingenciais. Os
critérios clássicos são: subjetivo ou orgânico, que tem
como ideia nuclear a máxima de que serviço público é
qualquer atividade desempenhada pelo Poder Público;
pelo critério objetivo ou material, serviço público é toda
atividade que tenha por objeto a satisfação de
necessidade ou interesse geral, coletivo, público e, de
acordo com o critério formal, serviço público é aquele
submetido a um procedimento de direito público.
A despeito da multiplicidade de noções conceituais do
serviço público, formuladas pela doutrina nacional, é
possível, afirmar de forma sucinta que o serviço público
no Brasil, pressupõe um vínculo orgânico com o
Estado, é de natureza econômica prestacional, para
assegurar
a
materialização
de
diretos
fundamentais,
cuja
execução
deve
ser
predominantemente pelo regime jurídico de direito
público. Atividades materiais ou ajurídicas, tais como
água, energia elétrica, transporte público, saneamento
básico, telefonia fixa, etc., para diferenciar das demais
atividades desempenhadas pela Administração Pública:
função de polícia, intervenção na propriedade e
economia e fomento público.
A Constituição Federal no artigo 175, de forma
expressa prevê que incumbe ao Poder Público, na
forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão
ou permissão, sempre através de licitação, a prestação
de serviços públicos. . Ou seja, a responsabilidade pela
oferta, disposição e prestação do serviço público, é
atribuição do Estado, embora a execução possa ser
repassada à iniciativa privada.
Atividades atípicas ou ajurídicas de Estado são
aquelas que visam atender às demandas sociais.
Atividades típicas ou jurídicas de Estado são
aquelas com expressão jurídica, ou seja, contribuem
para a segurança jurídica do cidadão e da sociedade
como um todo, que de acordo com os ensinamentos
de Tácito, “atende-se à preservação do direito
objetivo, à ordem pública, à paz e à segurança
coletivas”.
Diogo
de
Figueiredo
Moreira
Neto.
“Existem, porém, certas atividades, consideradas como
indelegáveis, as assim denominadas atividades
jurídicas, que são impostas como próprias do Estado, e
necessária condição de sua existência. As demais, tidas
como delegáveis, incluem-se entre as chamadas atividades
sociais, ou impróprias do Estado, que lhe são cometidas
na medida em que não pareçam fundamentais à sua
preservação, embora úteis à sociedade.”
“Serviços públicos são as atividades de prestação de
utilidades
econômicas
a
indivíduos
determinados, colocadas pela Constituição ou pela
Lei a cargo do Estado, com ou ser reserva de
titularidade, e por ele desempenhadas diretamente
ou
por
seus
delegatários,
gratuita
ou
remuneradamente, com vistas ao bem-estar da
coletividade.” Alexandre dos Santos Aragão
As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos
são atividades típicas de Estado, porque jurídicas, e de
certa forma, decisórias de Estado, à medida que o
Tabelião, Notário e Registrador Público tomam decisões
de Estado aceitando ou não a formalização de atos por
instrumentos públicos; deferindo ou indeferindo a
publicidade registral de atos e negócios jurídicos.
Da natureza jurídica das atividades tabelioas, notarial e registral

No plano doutrinário, as atividades notariais e de registros
públicos ainda são carecedoras de estudos acadêmicos que
têm
por
objeto
enfrentar
questões
como
conceitualização, classificação, natureza jurídica, delegação
entre outros pontos, o que gera controvérsias.
“É antiga a controvérsia sobre a natureza jurídica desses
serviços. Não raro são chamados serventias de justiça, de
acordo com a concepção de que seriam auxiliares da justiça.
Mas essa caracterização só tem sentido real em relação à
escrivães e secretários do juízo. O mesmo, porém, não se dá
em relação aos notários e registradores, visto como são
profissionais autônomos pelos atos de seu ofício, “gozam de
independência no exercício de suas atribuições” – bem o diz
o art. 28 da Lei 8935/1994. De fato, a doutrina
contemporânea excluiu do quadro dos auxiliares da Justiça
todos aqueles que exerçam atividades que não sejam
inerentes às que se realizam no processo, como são as
serventias do foro extrajudicial”. José Afonso da Silva
Ordinariamente as atribuições do Estado estão
vinculadas competencialmente aos órgãos clássicos:
Executivo, Legislativo e Judiciário e a execução pode
se dar de forma direta ou indireta. Na primeira
hipótese a execução se dá por meio de seus próprios
órgãos e agentes e, quando a execução é indireta, se
dá por interposta pessoa, ou seja, por meio de outra
pessoa.
As atividades tabelioas, notariais e de registros
públicos, de acordo com a Constituição federal, não
estão vinculadas competencialmente a nenhum dos
órgãos clássicos do Estado. Estão previstas no artigo
236 das Disposições Constitucionais Gerais, o que
sinaliza que estas atividades estão vinculadas a
corpos intermediários – instituições – que ficam
entre os poderes clássicos do Estado, cuja finalidade
é atender demandas jurídicas da sociedade.
O Estado moderno tem na sua estrutura três poderes
clássicos – Executivo, Legislativo e Judiciário – que
desempenham duas funções básicas: estruturam o
Estado e executam atividades jurídicas e sociais para
atender as demandas da sociedade. As atividades
tabelioas, notariais e de registros públicos não são
estruturais do Estado, mas estão voltadas diretamente à
segurança jurídica de atos, fatos e negócios jurídicos da
vida civil, ou seja, a finalidade é dar segurança jurídica
aos atos e fatos da vida privada.
As atividades tabelioas, notariais e de registros
públicos, têm por finalidade prevenir conflitos e dar
segurança jurídica em face dos atos e fatos da vida
civil. São serviços voltados diretamente ao
cidadão, por meio de instituições denominadas de
instituições da comunidade, que podem ser
consideradas como parcelas do Estado.
As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos
que contribuem para viabilizar a concretização dos direitos
fundamentais do cidadão, razão pela qual, a natureza
pública é inafastável. Contudo, não possuem natureza
prestacional, como as atividades materiais que o Estado
executa ou coloca à disposição da sociedade para maior
comodidade ou utilidade pública.
No plano conceitual Mello afirma: que a atividade notarial
e de registro, embora não considerada um serviço público
de ordem material (atividade de oferecimento de utilidade
ou comodidade material fruível diretamente pelos
administrados, prestada pelo Estado ou por quem lhe faça
às vezes, sob um regime de direito público), o é de ordem
puramente jurídica.”
Tratam-se de atividades jurídico-administrativas, embora
não sejam atividades de Administração Pública, porque os
tabeliães, notários e registradores não integram a
Administração Pública. Também não se trata de atividade
jurisdicional, porque não integra o Poder Judiciário. São
atividades administrativas que ficam entre as atividades da
Administração Pública e as atividades jurisdicionais.
O artigo 3.º da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994
prevê expressamente que Notário, ou tabelião, e
oficial de registro, ou registrador, são profissionais do
direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício da atividade notarial e de registro. Logo, são
operadores técnico-jurídicos que executam atividades
jurídicas, ou seja, função pública, por força de
delegação remunerada pelo interessado no serviço.
Os serviços notariais e de registros públicos são considerados
como atividades jurídicas específicas, prestadas ou colocadas
à disposição dos interessados, de forma divisível, logo, os
emolumentos cobrados pela sua prestação, são taxas.

.
O Supremo Tribunal Federal, em face do regime
jurídico dos serviços notariais e de registros públicos, e
da conseqüente natureza jurídica, função revestida de
estatalidade, sujeita a um regime jurídico de direito
público, firmou entendimento no sentido de que
emolumentos possuem natureza de taxa.
As atividades tabelioas, notariais e de registros
públicos, por serem eminentemente públicas, são
executadas por agentes públicos, pessoas naturais que
executam funções regidas predominantemente por
um regime de direito público. “A função é o círculo de
assuntos do Estado que uma pessoa, ligada pela
obrigação do direito público de servir ao Estado, deve
gerir
Exercer uma função pública, também não é
exclusividade de agente público titular de cargo
público, vinculado a órgãos do Poder Público central ou
entidades de natureza autárquica, assim como de
ocupantes de empregos públicos. Função pública
pode, também, ser desempenhada por agente
delegado.
“É fora de qualquer dúvida que as serventias notariais e
registrais exercem função pública. Os prestados pelas
serventias do foro extrajudicial são serviços de ordem
jurídica ou formal,(...) por isso têm antes a característica
de ofício ou de função pública, mediante a qual o
Estado intervém em atos ou negócios da vida privada
para conferir-lhes certeza, eficácia e segurança jurídica;
por isso, sua prestação indireta configura delegação de
função ou ofício público,” José Afonso da Silva
As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos
são espécie de serviço público lato sensu, de natureza
eminentemente jurídica, que compreendem o exercício
de uma parcela de autoridade do Estado, executadas por
agentes públicos delegatários, dotados de fépública, cuja certificação goza de presunção juris
tantum, sujeitos a um regime jurídico de direito
público, com a finalidade de prevenir conflitos e
assegurar a publicidade, a autenticidade, a segurança e a
eficácia de atos e fatos jurídicos da vida civil.
Da natureza jurídica dos tabeliães, notários e registradores em
face da delegação

 Os tabeliães, notários e registradores são pessoas naturais

que exercem uma função pública.
 Titularizam cargos públicos?
 Os atos por eles praticados são privados ou públicos?
As atividades tabelioas, notariais e de registros
públicos, a despeito da natureza tipicamente
estatal, por serem atividades jurídicas, voltadas à
segurança jurídica dos atos e fatos da vida privada, por
opção político-constitucional, obrigatoriamente têm o
seu exercício delegado a particulares. Estes
particulares, não titularizam cargos públicos, porque
estas
funções
não
estão
vinculadas
competencialmente a nenhum dos Poderes clássicos
do Estado.
Conclui-se, portanto, que os tabeliães, notários e
registradores são agentes públicos, investidos em
funções públicas tipicamente estatais, cujos atos
praticados no exercício da função são imputados ao
Estado por força da relação institucional do regime
de delegação que na sequência será objeto de
considerações.
Noções gerais sobre o regime delegatário
A
palavra
delegar
significa
realizar
uma
transmissão, concessão de poderes; conferir a alguém poder e
representatividade; a palavra delegante significa aquele que
delega; e delegatário é aquele que recebe de alguém a
incumbência para representá-lo. Na seara do Direito
Administrativo, em especial a matéria de serviços públicos, a
palavra delegação é considerada como gênero na qual estão
compreendidas as espécies concessão e permissão. A primeira
apresenta,
ainda,
as
sub-espécies
concessão
comum, concessão patrocinada e concessão administrativa.
O artigo 175 da Constituição federal prevê que
incumbe ao Poder Público, na forma da
lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação
de serviços públicos.
Ordinariamente as atividades tipicamente estatais têm a
sua execução reservada aos órgãos do Estado ou entidades
autárquicas, se a natureza da atividade permitir e a
Constituição Federal não vedar. Estas atividades geram
efeitos jurídicos, razão pela qual, a execução está
reservada ao próprio Estado ou então às entidades
autárquicas, consideradas extensão do próprio Estado.
A Constituição Federal ao dispor no artigo 236, que os
serviços notariais e de registro são exercidos em caráter
privado, por delegação do Poder Público, abriu uma
exceção à regra geral, que é a da execução direta das
atividades jurídico-estatais.
Trata-se de uma delegação diferente da delegação de
serviço público?
Da natureza jurídica da delegação dos serviços notariais e de
registros públicos
O

instituto da delegação ainda não foi estudado
suficientemente na doutrina brasileira, o que contribui em
parte para que se faça a seguinte indagação: a delegação
dos serviços notariais e de registros públicos caracteriza um
instituto jurídico novo, com um significado diferente
daquele que sempre orientou a doutrina e a jurisprudência?

 A doutrina, de uma forma geral, vem se mantendo fiel ao

conceito de delegação como forma de repassar em favor de
um terceiro a incumbência para executar determinada
atividade, por sua conta e risco.
Definir a natureza jurídica de um instituto é buscar
entender a sua essência, a sua razão de ser, o motivo
pelo qual existe num determinado ordenamento
jurídico, fixando seus elementos constitutivos e seu
alcance na ordem jurídica. Ao definir a natureza
jurídica, procura-se estabelecer de forma precisa
os seus contornos e a sua substância, de sorte a
tornar inequívoco o instituto em face dos demais.
A falta de clareza na definição de um instituto jurídico
pode prejudicar o seu perfeito entendimento e
comprometer a sua função no universo jurídico.
A compreensão e a definição da natureza jurídica de
qualquer instituto jurídico, impõe, de plano, situá-lo
no ordenamento positivo e, a partir de então, construir
suas diretrizes de formação e esclarecer seu alcance no
ordenamento jurídico. Isto requer especializá-lo em
face dos demais institutos análogos. A especialização
de
um
instituto
jurídico
passa, inexoravelmente, pela hermenêutica
jurídica, que de acordo com os ensinamentos de
Barroso,
“...é
um
domínio
teórico, especulativo, cujo objeto é a formulação, o
estudo e a sistematização dos princípios e regras
de interpretação do direito.”

Quando a interpretação for insuficiente, deve ser
utilizada a construção!
Luís Roberto Barroso: “Enquanto a interpretação é a
arte de encontrar o verdadeiro sentido de qualquer
expressão, a construção significa tirar conclusões a
respeito de matérias que estão fora e além das
expressões contidas no texto e dos fatores nele
considerados. São conclusões que se colhem no
espírito, embora não na letra da norma. A interpretação
é limitada à exploração do texto, ao passo que a
construção vai além e pode recorrer a considerações
extrínsecas.”
É preciso, portanto, conciliar a interpretação do texto
constitucional com a realidade jurídica do instituto da
delegação dos serviços notariais e de registros públicos e
para isto é necessário construir sua natureza jurídica
específica. Há que se descortinar o disposto no artigo
236 da Constituição, ultrapassar a noção clássica de
delegação de serviços públicos, para concretizar um
entendimento que seja compatível com a realidade
da delegação dos serviços notariais e de registros
públicos.
A dicção constitucional “são exercidos em caráter
privado” quer dizer que a organização interna e a
gestão dos serviços notariais e de registro são regidos
pelo direito privado, ou seja, os meios materiais e
humanos para a execução desses serviços
sofrem, predominantemente, a incidência do direito
civil e do direito do trabalho.
Por outro lado, a natureza jurídica dos serviços
notariais e de registros é pública embora a natureza
dos meios de sua execução seja privada.
Para José Afonso da Silva, “Uma coisa, porém, é a natureza
do serviço em si; outra é a natureza do regime de sua
prestação. O Poder Público detém discricionariedade
organizativa para eleger o modo de oferecimento desses
serviços. Pode prestá-los diretamente por meio de
servidores públicos, como se dá com as serventias
oficializadas, que assim se caracterizam como típicas
repartições públicas; aqui, tanto o serviço como a forma
de sua prestação são públicos. Ou pode prestá-los pelo
método indireto, delegando sua execução a
particulares. Este método é o que tem prevalecido em
relação à prestação dos notariais e de registros
públicos. Não é comum prestá-los por serventia
oficializada; o comum e tradicional é outorgá-los a
particulares,
por
via
de
delegação.
A
constituição, agora, consagra em definitivo essa forma
indireta de prestação desses serviços, como se lê no artigo
Os serviços executados por Tabeliães, Notários e
Registradores são de natureza jurídica e a organização dos
serviços é privada, com derrogações de ordem pública em
razão da natureza estatal dos serviços. Por esta razão o
regime do vínculo jurídico entre os delegatários e o Poder
Público delegante é de natureza pública, institucional e
não contratual, como ocorre com a concessão e permissão
dos serviços públicos.
A questão nuclear que se apresenta é a de justamente
definir a natureza jurídica da delegação das atividades
tabelioas, notariais e de registro, procurando esclarecer se
a delegação destas atividades também se caracteriza como
forma indireta de execução de serviços estatais ou
estamos diante de um instituto jurídico novo, que se
caracteriza como execução direta do Estado por meio de
uma delegação sui generis, ou seja, diferente daquela que
o Direito consagrou ao longo do tempo.
O regime jurídico da delegação das atividades
tabelioas, notariais e de registros públicos é distinto
as outras formas de prestação descentralizada de
serviços pelo Estado.
A delegação dos serviços notariais e de registros
públicos, embora também sujeitas a um regime
estatutário, o vínculo se inicia com o Estado por meio de
ato administrativo – ato de delegação – e não por meio de
contrato. Ademais, os serviços notariais e de registros
públicos são os de organização técnica e administrativa
destinados
a
garantir
a
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos
jurídicos, enquanto que as concessionárias e
permissionárias executam serviços públicos que
apresentam maior comodidade e utilidade aos cidadãos.
O artigo 236 da Constituição Federal dispõe que os
serviços notariais e de registro são exercidos em
caráter privado, por delegação do Poder Público.
Esta disposição constitucional prevê:
a) - a execução privada dos serviços notariais e de
registros; e,
a) - exercício de uma função pública.
De um lado tem-se a disposição constitucional de que as
atividades tabelioas, notariais e de registros públicos
devem ser executadas em caráter privado, ou seja, o
delegatário tem a reponsabilidade pela realização da
atividade, atividade por sua conta e risco. Neste aspecto
estão presentes os traços da noção ordinária de
delegação, ou seja, a transferência do exercício de
determinada atividade em favor de um particular
que a assume por sua conta e risco e, em
contrapartida, recebe o pagamento do usuário do
serviço.
Mas de outro lado, tem o serviço propriamente
dito, a atividade fim executada pelo Tabelio, Notarial
ou Registral, de natureza tipicamente estatal e que
por ser atividade estatal, não pode ser imputada à
pessoa do delegatário. Neste ponto, parece-me que
reside uma diferença em relação à delegação
ordinária de serviço público.
Na delegação de serviço público, atividade material, a
execução
do
serviço
é
imputado
ao
delegatário, concessionário, permissionário ou
mesmo ao autorizatário. Ou seja, a execução do
serviço é personalíssima do delegatário e não do
Poder Público delegante.
Na delegação das atividades tabelioas, notariais
e de registros públicos, o exercício destas
funções públicas são delegadas em favor de
pessoas naturais, mas neste caso o ato
executado pelo delegatário não é imputado
ao executor material, mas ao Estado que é o
titular do serviço.
Aqui reside o traço diferencial da delegação das atividades
tabelioas, notariais e de registros públicos se comparada
com a delegação ordinária de serviço público. O
delegatário das atividades tabelioas, notariais e de registro
não faz às vezes do Estado, mas atua na qualidade de
Estado, enquanto que o delegatário de serviço público faz
as vezes do Estado.
Na delegação das atividades tabelioas, notariais e
de registros públicos o Estado age por meio de
delegatários que, por sua vez, não atuam como
terceiros, mas como agentes do próprio Estado. A
despeito do vínculo ser de delegação, os atos são
imputados ao próprio Estado, como ocorre com os
atos executados pelo agente público titular ou
ocupante de cargo público.
Cada serviço de natureza tabeliã, notarial e registral
pode ser considerado como um órgão público lato
sensu, que contempla uma parcela de atribuições do
Estado, portanto, espécies de repartições públicas, a
despeito dos meios de execução destas atividades
serem regidas predominantemente pelo direito
privado.
O Supremo Tribunal Federal já expôs o entendimento
de que “as serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder
Público para o desempenho de funções técnicoadministrativas destinadas “a garantir a publicidade, a
autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos”
(...), constituem órgãos públicos titularizados por
agentes...”
STF – ADIN 1.378-5 – Espírito Santo - Rel. Min. Celso de
Mello – DJ 30.05.1997.
Ministro Sepúlveda Pertence em voto vencido na
ADInMC 1583/RJ, em que expressou o seguinte: “Os
ofícios do notariado e dos registros públicos são
órgãos do Estado, na medida em que instrumentos
do desempenho de funções públicas: organismos
dotados de fé pública, está dito, hão de ser serviços
estatais.”
Órgão não atua em nome próprio, mas em nome da
pessoa jurídica da qual é integrante. Por isso o agente
titular de órgão público também não atua em nome
próprio ou apenas representando o Estado, mas como
presentante do Estado, ou seja, no exercício da função
ele é o próprio Estado.
Ministro Joaquim Barbosa: “Trata-se de atividade
revestida de fé pública, que visa à garantia da segurança
dos atos jurídicos, à garantia da publicidade, da
autenticidade. Os cargos são criados por lei, são
providos mediante concurso público. Os respectivos
titulares são impedidos de exercer advocacia e
qualquer outro cargo público. Portanto, a única
distinção entre notários e demais servidores públicos diz
respeito à forma de remuneração: aqueles são
remunerados de forma diferenciada, mediante os
chamados “emolumentos”.
ADIn 2602-MG
Conclusão:
As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos são
atividades jurídicas do Estado.
O regime jurídico de delegação é sui generis. A atividade
meio sujeita-se ao regime delegatário ordinário e os atos
praticados pelos tabeliães, Notários e Registradores
sujeitam-se a um regime jurídico diferente, por força do
qual, ainda que a função tenha sido delegada, os atos são
imputados ao Poder Público delegante.
Muito obrigado.

Luiz Egon Richter
51 3710-2688
luizegon@regimo.com.br
www.regimo.com.br

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Apresentacao irib-da-natureza-juridica-da-delegacao-das-funcoes-publicas luiz-egon

  • 1. Luiz Egon Richter Oficial designado do Registro de Imóveis Lajeado-RS
  • 2. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo marco institucional para os serviços notariais e de registros públicos, e não é demasia afirmar, que ocorreu na oportunidade, uma quebra de paradigma.
  • 3. A despeito das disposições constitucionais e da lei regulamentadora que instituiu o Estatuto do Notário e do Registrador Público, existe a necessidade de se fazer um clareamento sobre alguns aspectos institucionais, em especial a natureza jurídica das atividades tabelioas, notarial e registral e do regime jurídico da delegação.
  • 4. Não se tem a pretensão de apresentar respostas definitivas às reflexões, mas levantar questionamentos acerca do tema, para que se estabeleça a discussão e a partir daí se construam respostas com amparo jurídico-constitucional, que contribuam para um melhor conhecimento da natureza jurídica das atividades e da relação de delegação entre o Poder Público e os Tabeliães, Notários e Registradores.
  • 5. Noções gerais sobre serviço público  Conceituar o serviço público, é uma árdua tarefa, por várias razões:  a) dificuldade em estabelecer os elementos definidores do conceito no ordenamento jurídico pátrio;  b) a multiplicidade de atividades executadas pelo Estado em razão das contingências sociais, políticas e econômicas envolvidas na definição de serviços públicos.
  • 6. No plano histórico, a formação da noção jurídica de serviço público se desenvolveu na primeira terça parte do século XX, por força dos estudos realizados por Duguit e Jezè, entre outros, que deram origem à Escola do Serviço Público na França. A Escola do Serviço Público teve um papel importantíssimo na construção do direito administrativo francês, a despeito das críticas que possam ser feitas aos critérios adotados à época.
  • 7. Duguit se baseava no realismo jurídico, para conceituar o serviço público, afastando, portanto, qualquer concepção metafísica, procedimentos artificiais e ficções na conceituação do objeto. Para Duguit serviço público é um dado objetivo e material, que se constata no mundo fenomênico, que emerge naturalmente das relações sociais. Ou seja, o serviço público se origina da realidade social e não da vontade do governante.
  • 8. Jezè, por sua vez, se baseava no positivismo jurídico. Para ele, serviço público é um procedimento de direito público, “a pedra angular do direito administrativo francês”. O serviço público é atividade qualifica como tal por meio de eleição do governante e do legislador e a sujeição deste serviço a um procedimento de direito público.
  • 9. A construção conceitual do serviço público, ao logo da história, se valeu, em linhas gerais, de três critérios clássicos e outros acidentais ou contingenciais. Os critérios clássicos são: subjetivo ou orgânico, que tem como ideia nuclear a máxima de que serviço público é qualquer atividade desempenhada pelo Poder Público; pelo critério objetivo ou material, serviço público é toda atividade que tenha por objeto a satisfação de necessidade ou interesse geral, coletivo, público e, de acordo com o critério formal, serviço público é aquele submetido a um procedimento de direito público.
  • 10. A despeito da multiplicidade de noções conceituais do serviço público, formuladas pela doutrina nacional, é possível, afirmar de forma sucinta que o serviço público no Brasil, pressupõe um vínculo orgânico com o Estado, é de natureza econômica prestacional, para assegurar a materialização de diretos fundamentais, cuja execução deve ser predominantemente pelo regime jurídico de direito público. Atividades materiais ou ajurídicas, tais como água, energia elétrica, transporte público, saneamento básico, telefonia fixa, etc., para diferenciar das demais atividades desempenhadas pela Administração Pública: função de polícia, intervenção na propriedade e economia e fomento público.
  • 11. A Constituição Federal no artigo 175, de forma expressa prevê que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. . Ou seja, a responsabilidade pela oferta, disposição e prestação do serviço público, é atribuição do Estado, embora a execução possa ser repassada à iniciativa privada.
  • 12. Atividades atípicas ou ajurídicas de Estado são aquelas que visam atender às demandas sociais. Atividades típicas ou jurídicas de Estado são aquelas com expressão jurídica, ou seja, contribuem para a segurança jurídica do cidadão e da sociedade como um todo, que de acordo com os ensinamentos de Tácito, “atende-se à preservação do direito objetivo, à ordem pública, à paz e à segurança coletivas”.
  • 13. Diogo de Figueiredo Moreira Neto. “Existem, porém, certas atividades, consideradas como indelegáveis, as assim denominadas atividades jurídicas, que são impostas como próprias do Estado, e necessária condição de sua existência. As demais, tidas como delegáveis, incluem-se entre as chamadas atividades sociais, ou impróprias do Estado, que lhe são cometidas na medida em que não pareçam fundamentais à sua preservação, embora úteis à sociedade.”
  • 14. “Serviços públicos são as atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados, colocadas pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou ser reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade.” Alexandre dos Santos Aragão
  • 15. As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos são atividades típicas de Estado, porque jurídicas, e de certa forma, decisórias de Estado, à medida que o Tabelião, Notário e Registrador Público tomam decisões de Estado aceitando ou não a formalização de atos por instrumentos públicos; deferindo ou indeferindo a publicidade registral de atos e negócios jurídicos.
  • 16. Da natureza jurídica das atividades tabelioas, notarial e registral No plano doutrinário, as atividades notariais e de registros públicos ainda são carecedoras de estudos acadêmicos que têm por objeto enfrentar questões como conceitualização, classificação, natureza jurídica, delegação entre outros pontos, o que gera controvérsias.
  • 17. “É antiga a controvérsia sobre a natureza jurídica desses serviços. Não raro são chamados serventias de justiça, de acordo com a concepção de que seriam auxiliares da justiça. Mas essa caracterização só tem sentido real em relação à escrivães e secretários do juízo. O mesmo, porém, não se dá em relação aos notários e registradores, visto como são profissionais autônomos pelos atos de seu ofício, “gozam de independência no exercício de suas atribuições” – bem o diz o art. 28 da Lei 8935/1994. De fato, a doutrina contemporânea excluiu do quadro dos auxiliares da Justiça todos aqueles que exerçam atividades que não sejam inerentes às que se realizam no processo, como são as serventias do foro extrajudicial”. José Afonso da Silva
  • 18. Ordinariamente as atribuições do Estado estão vinculadas competencialmente aos órgãos clássicos: Executivo, Legislativo e Judiciário e a execução pode se dar de forma direta ou indireta. Na primeira hipótese a execução se dá por meio de seus próprios órgãos e agentes e, quando a execução é indireta, se dá por interposta pessoa, ou seja, por meio de outra pessoa.
  • 19. As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos, de acordo com a Constituição federal, não estão vinculadas competencialmente a nenhum dos órgãos clássicos do Estado. Estão previstas no artigo 236 das Disposições Constitucionais Gerais, o que sinaliza que estas atividades estão vinculadas a corpos intermediários – instituições – que ficam entre os poderes clássicos do Estado, cuja finalidade é atender demandas jurídicas da sociedade.
  • 20. O Estado moderno tem na sua estrutura três poderes clássicos – Executivo, Legislativo e Judiciário – que desempenham duas funções básicas: estruturam o Estado e executam atividades jurídicas e sociais para atender as demandas da sociedade. As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos não são estruturais do Estado, mas estão voltadas diretamente à segurança jurídica de atos, fatos e negócios jurídicos da vida civil, ou seja, a finalidade é dar segurança jurídica aos atos e fatos da vida privada.
  • 21. As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos, têm por finalidade prevenir conflitos e dar segurança jurídica em face dos atos e fatos da vida civil. São serviços voltados diretamente ao cidadão, por meio de instituições denominadas de instituições da comunidade, que podem ser consideradas como parcelas do Estado.
  • 22. As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos que contribuem para viabilizar a concretização dos direitos fundamentais do cidadão, razão pela qual, a natureza pública é inafastável. Contudo, não possuem natureza prestacional, como as atividades materiais que o Estado executa ou coloca à disposição da sociedade para maior comodidade ou utilidade pública. No plano conceitual Mello afirma: que a atividade notarial e de registro, embora não considerada um serviço público de ordem material (atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestada pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de direito público), o é de ordem puramente jurídica.”
  • 23. Tratam-se de atividades jurídico-administrativas, embora não sejam atividades de Administração Pública, porque os tabeliães, notários e registradores não integram a Administração Pública. Também não se trata de atividade jurisdicional, porque não integra o Poder Judiciário. São atividades administrativas que ficam entre as atividades da Administração Pública e as atividades jurisdicionais.
  • 24. O artigo 3.º da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994 prevê expressamente que Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. Logo, são operadores técnico-jurídicos que executam atividades jurídicas, ou seja, função pública, por força de delegação remunerada pelo interessado no serviço.
  • 25. Os serviços notariais e de registros públicos são considerados como atividades jurídicas específicas, prestadas ou colocadas à disposição dos interessados, de forma divisível, logo, os emolumentos cobrados pela sua prestação, são taxas. .
  • 26. O Supremo Tribunal Federal, em face do regime jurídico dos serviços notariais e de registros públicos, e da conseqüente natureza jurídica, função revestida de estatalidade, sujeita a um regime jurídico de direito público, firmou entendimento no sentido de que emolumentos possuem natureza de taxa.
  • 27. As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos, por serem eminentemente públicas, são executadas por agentes públicos, pessoas naturais que executam funções regidas predominantemente por um regime de direito público. “A função é o círculo de assuntos do Estado que uma pessoa, ligada pela obrigação do direito público de servir ao Estado, deve gerir
  • 28. Exercer uma função pública, também não é exclusividade de agente público titular de cargo público, vinculado a órgãos do Poder Público central ou entidades de natureza autárquica, assim como de ocupantes de empregos públicos. Função pública pode, também, ser desempenhada por agente delegado.
  • 29. “É fora de qualquer dúvida que as serventias notariais e registrais exercem função pública. Os prestados pelas serventias do foro extrajudicial são serviços de ordem jurídica ou formal,(...) por isso têm antes a característica de ofício ou de função pública, mediante a qual o Estado intervém em atos ou negócios da vida privada para conferir-lhes certeza, eficácia e segurança jurídica; por isso, sua prestação indireta configura delegação de função ou ofício público,” José Afonso da Silva
  • 30. As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos são espécie de serviço público lato sensu, de natureza eminentemente jurídica, que compreendem o exercício de uma parcela de autoridade do Estado, executadas por agentes públicos delegatários, dotados de fépública, cuja certificação goza de presunção juris tantum, sujeitos a um regime jurídico de direito público, com a finalidade de prevenir conflitos e assegurar a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia de atos e fatos jurídicos da vida civil.
  • 31. Da natureza jurídica dos tabeliães, notários e registradores em face da delegação  Os tabeliães, notários e registradores são pessoas naturais que exercem uma função pública.  Titularizam cargos públicos?  Os atos por eles praticados são privados ou públicos?
  • 32. As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos, a despeito da natureza tipicamente estatal, por serem atividades jurídicas, voltadas à segurança jurídica dos atos e fatos da vida privada, por opção político-constitucional, obrigatoriamente têm o seu exercício delegado a particulares. Estes particulares, não titularizam cargos públicos, porque estas funções não estão vinculadas competencialmente a nenhum dos Poderes clássicos do Estado.
  • 33. Conclui-se, portanto, que os tabeliães, notários e registradores são agentes públicos, investidos em funções públicas tipicamente estatais, cujos atos praticados no exercício da função são imputados ao Estado por força da relação institucional do regime de delegação que na sequência será objeto de considerações.
  • 34. Noções gerais sobre o regime delegatário A palavra delegar significa realizar uma transmissão, concessão de poderes; conferir a alguém poder e representatividade; a palavra delegante significa aquele que delega; e delegatário é aquele que recebe de alguém a incumbência para representá-lo. Na seara do Direito Administrativo, em especial a matéria de serviços públicos, a palavra delegação é considerada como gênero na qual estão compreendidas as espécies concessão e permissão. A primeira apresenta, ainda, as sub-espécies concessão comum, concessão patrocinada e concessão administrativa.
  • 35. O artigo 175 da Constituição federal prevê que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
  • 36. Ordinariamente as atividades tipicamente estatais têm a sua execução reservada aos órgãos do Estado ou entidades autárquicas, se a natureza da atividade permitir e a Constituição Federal não vedar. Estas atividades geram efeitos jurídicos, razão pela qual, a execução está reservada ao próprio Estado ou então às entidades autárquicas, consideradas extensão do próprio Estado.
  • 37. A Constituição Federal ao dispor no artigo 236, que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, abriu uma exceção à regra geral, que é a da execução direta das atividades jurídico-estatais. Trata-se de uma delegação diferente da delegação de serviço público?
  • 38. Da natureza jurídica da delegação dos serviços notariais e de registros públicos O instituto da delegação ainda não foi estudado suficientemente na doutrina brasileira, o que contribui em parte para que se faça a seguinte indagação: a delegação dos serviços notariais e de registros públicos caracteriza um instituto jurídico novo, com um significado diferente daquele que sempre orientou a doutrina e a jurisprudência?  A doutrina, de uma forma geral, vem se mantendo fiel ao conceito de delegação como forma de repassar em favor de um terceiro a incumbência para executar determinada atividade, por sua conta e risco.
  • 39. Definir a natureza jurídica de um instituto é buscar entender a sua essência, a sua razão de ser, o motivo pelo qual existe num determinado ordenamento jurídico, fixando seus elementos constitutivos e seu alcance na ordem jurídica. Ao definir a natureza jurídica, procura-se estabelecer de forma precisa os seus contornos e a sua substância, de sorte a tornar inequívoco o instituto em face dos demais. A falta de clareza na definição de um instituto jurídico pode prejudicar o seu perfeito entendimento e comprometer a sua função no universo jurídico.
  • 40. A compreensão e a definição da natureza jurídica de qualquer instituto jurídico, impõe, de plano, situá-lo no ordenamento positivo e, a partir de então, construir suas diretrizes de formação e esclarecer seu alcance no ordenamento jurídico. Isto requer especializá-lo em face dos demais institutos análogos. A especialização de um instituto jurídico passa, inexoravelmente, pela hermenêutica jurídica, que de acordo com os ensinamentos de Barroso, “...é um domínio teórico, especulativo, cujo objeto é a formulação, o estudo e a sistematização dos princípios e regras de interpretação do direito.” Quando a interpretação for insuficiente, deve ser utilizada a construção!
  • 41. Luís Roberto Barroso: “Enquanto a interpretação é a arte de encontrar o verdadeiro sentido de qualquer expressão, a construção significa tirar conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões contidas no texto e dos fatores nele considerados. São conclusões que se colhem no espírito, embora não na letra da norma. A interpretação é limitada à exploração do texto, ao passo que a construção vai além e pode recorrer a considerações extrínsecas.”
  • 42. É preciso, portanto, conciliar a interpretação do texto constitucional com a realidade jurídica do instituto da delegação dos serviços notariais e de registros públicos e para isto é necessário construir sua natureza jurídica específica. Há que se descortinar o disposto no artigo 236 da Constituição, ultrapassar a noção clássica de delegação de serviços públicos, para concretizar um entendimento que seja compatível com a realidade da delegação dos serviços notariais e de registros públicos.
  • 43. A dicção constitucional “são exercidos em caráter privado” quer dizer que a organização interna e a gestão dos serviços notariais e de registro são regidos pelo direito privado, ou seja, os meios materiais e humanos para a execução desses serviços sofrem, predominantemente, a incidência do direito civil e do direito do trabalho. Por outro lado, a natureza jurídica dos serviços notariais e de registros é pública embora a natureza dos meios de sua execução seja privada.
  • 44. Para José Afonso da Silva, “Uma coisa, porém, é a natureza do serviço em si; outra é a natureza do regime de sua prestação. O Poder Público detém discricionariedade organizativa para eleger o modo de oferecimento desses serviços. Pode prestá-los diretamente por meio de servidores públicos, como se dá com as serventias oficializadas, que assim se caracterizam como típicas repartições públicas; aqui, tanto o serviço como a forma de sua prestação são públicos. Ou pode prestá-los pelo método indireto, delegando sua execução a particulares. Este método é o que tem prevalecido em relação à prestação dos notariais e de registros públicos. Não é comum prestá-los por serventia oficializada; o comum e tradicional é outorgá-los a particulares, por via de delegação. A constituição, agora, consagra em definitivo essa forma indireta de prestação desses serviços, como se lê no artigo
  • 45. Os serviços executados por Tabeliães, Notários e Registradores são de natureza jurídica e a organização dos serviços é privada, com derrogações de ordem pública em razão da natureza estatal dos serviços. Por esta razão o regime do vínculo jurídico entre os delegatários e o Poder Público delegante é de natureza pública, institucional e não contratual, como ocorre com a concessão e permissão dos serviços públicos.
  • 46. A questão nuclear que se apresenta é a de justamente definir a natureza jurídica da delegação das atividades tabelioas, notariais e de registro, procurando esclarecer se a delegação destas atividades também se caracteriza como forma indireta de execução de serviços estatais ou estamos diante de um instituto jurídico novo, que se caracteriza como execução direta do Estado por meio de uma delegação sui generis, ou seja, diferente daquela que o Direito consagrou ao longo do tempo.
  • 47. O regime jurídico da delegação das atividades tabelioas, notariais e de registros públicos é distinto as outras formas de prestação descentralizada de serviços pelo Estado.
  • 48. A delegação dos serviços notariais e de registros públicos, embora também sujeitas a um regime estatutário, o vínculo se inicia com o Estado por meio de ato administrativo – ato de delegação – e não por meio de contrato. Ademais, os serviços notariais e de registros públicos são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, enquanto que as concessionárias e permissionárias executam serviços públicos que apresentam maior comodidade e utilidade aos cidadãos.
  • 49. O artigo 236 da Constituição Federal dispõe que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Esta disposição constitucional prevê: a) - a execução privada dos serviços notariais e de registros; e, a) - exercício de uma função pública.
  • 50. De um lado tem-se a disposição constitucional de que as atividades tabelioas, notariais e de registros públicos devem ser executadas em caráter privado, ou seja, o delegatário tem a reponsabilidade pela realização da atividade, atividade por sua conta e risco. Neste aspecto estão presentes os traços da noção ordinária de delegação, ou seja, a transferência do exercício de determinada atividade em favor de um particular que a assume por sua conta e risco e, em contrapartida, recebe o pagamento do usuário do serviço.
  • 51. Mas de outro lado, tem o serviço propriamente dito, a atividade fim executada pelo Tabelio, Notarial ou Registral, de natureza tipicamente estatal e que por ser atividade estatal, não pode ser imputada à pessoa do delegatário. Neste ponto, parece-me que reside uma diferença em relação à delegação ordinária de serviço público.
  • 52. Na delegação de serviço público, atividade material, a execução do serviço é imputado ao delegatário, concessionário, permissionário ou mesmo ao autorizatário. Ou seja, a execução do serviço é personalíssima do delegatário e não do Poder Público delegante.
  • 53. Na delegação das atividades tabelioas, notariais e de registros públicos, o exercício destas funções públicas são delegadas em favor de pessoas naturais, mas neste caso o ato executado pelo delegatário não é imputado ao executor material, mas ao Estado que é o titular do serviço.
  • 54. Aqui reside o traço diferencial da delegação das atividades tabelioas, notariais e de registros públicos se comparada com a delegação ordinária de serviço público. O delegatário das atividades tabelioas, notariais e de registro não faz às vezes do Estado, mas atua na qualidade de Estado, enquanto que o delegatário de serviço público faz as vezes do Estado.
  • 55. Na delegação das atividades tabelioas, notariais e de registros públicos o Estado age por meio de delegatários que, por sua vez, não atuam como terceiros, mas como agentes do próprio Estado. A despeito do vínculo ser de delegação, os atos são imputados ao próprio Estado, como ocorre com os atos executados pelo agente público titular ou ocupante de cargo público.
  • 56. Cada serviço de natureza tabeliã, notarial e registral pode ser considerado como um órgão público lato sensu, que contempla uma parcela de atribuições do Estado, portanto, espécies de repartições públicas, a despeito dos meios de execução destas atividades serem regidas predominantemente pelo direito privado.
  • 57. O Supremo Tribunal Federal já expôs o entendimento de que “as serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnicoadministrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (...), constituem órgãos públicos titularizados por agentes...” STF – ADIN 1.378-5 – Espírito Santo - Rel. Min. Celso de Mello – DJ 30.05.1997.
  • 58. Ministro Sepúlveda Pertence em voto vencido na ADInMC 1583/RJ, em que expressou o seguinte: “Os ofícios do notariado e dos registros públicos são órgãos do Estado, na medida em que instrumentos do desempenho de funções públicas: organismos dotados de fé pública, está dito, hão de ser serviços estatais.”
  • 59. Órgão não atua em nome próprio, mas em nome da pessoa jurídica da qual é integrante. Por isso o agente titular de órgão público também não atua em nome próprio ou apenas representando o Estado, mas como presentante do Estado, ou seja, no exercício da função ele é o próprio Estado.
  • 60. Ministro Joaquim Barbosa: “Trata-se de atividade revestida de fé pública, que visa à garantia da segurança dos atos jurídicos, à garantia da publicidade, da autenticidade. Os cargos são criados por lei, são providos mediante concurso público. Os respectivos titulares são impedidos de exercer advocacia e qualquer outro cargo público. Portanto, a única distinção entre notários e demais servidores públicos diz respeito à forma de remuneração: aqueles são remunerados de forma diferenciada, mediante os chamados “emolumentos”. ADIn 2602-MG
  • 61. Conclusão: As atividades tabelioas, notariais e de registros públicos são atividades jurídicas do Estado. O regime jurídico de delegação é sui generis. A atividade meio sujeita-se ao regime delegatário ordinário e os atos praticados pelos tabeliães, Notários e Registradores sujeitam-se a um regime jurídico diferente, por força do qual, ainda que a função tenha sido delegada, os atos são imputados ao Poder Público delegante.
  • 62. Muito obrigado. Luiz Egon Richter 51 3710-2688 luizegon@regimo.com.br www.regimo.com.br