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Ele era magro, cabelos encaracolados, pele morena descuidada, olhar tristonho de quem
nunca conheceu a alegria de viver.
Ele era um menino comum, menino do povo, menino sem sonhos, sem brinquedos, sem boa
alimentação. Eu o via passar sempre aquela mesma hora, a hora crepuscular. Era um menino
sério que não sabia sorrir. Um pequeno homem com um montão de preocupações.
Um menino de nove anos de idade! Um menino que precisava lutar como adulto para
alimentar os seus três irmãos menores e sua velha mãe inválida. Ele lavava carros, limpava
casa de madames, era babá, ajudante de cozinheira e menino de recado.
E no final da semana ele tinha no bolso menos de R$ 100,00!
Mas onde ele ia todas as tardes?
A curiosidade fez-me segui-lo certo dia. E justamente era o dia 12 de outubro. Dia dedicado a
todas as crianças do mundo inteiro.
Eu o segui à distância. A apreensão tomava conta de todo meu ser.
Eu o vi entrar no cemitério! Coisa estranha! O que faria ali uma criança de nove anos de idade
que poderia estar brincando de bola?
O garoto ajoelhou-se diante de uma humilde sepultura e falou baixinho:
- Hoje está muito frio... Choveu a noite inteira... E você aqui sozinho... Pensei em você, meu
amigo, e chorei. Você se foi e eu fiquei tão triste. Não gosto de brincar. Não tenho amigos...
Papai querido, como sinto falta de você!...
As lágrimas, eu as bebia sem sentir.
Uma dor dilacerante rasgou o meu ridículo orgulho de ser gente. Ser gente! Então aquela
criança não o era?
E sem saber por que eu me dirigi à criança anônima e sofrida e lhe rendi uma singela
homenagem...
Ela apenas me olhou com respeito. E voltando-se para a cova do pai, exclamou amarga:
- Dia das crianças!... Acaso não sabe papai, que deixei de ser criança quando perdir você?...
E foi embora silenciosamente, sem me fitar, sem me sorrir, sem demonstrar ao menos um
pouco da criança que era.
Foi embora sem olhar uma só vez para trás. O tempo tinha mudado e a chuva não demoraria
a cair.
Ele era uma criança anônima como milhares de crianças do nosso Brasil.

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