SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
A ETERNA MALDIÇÃO


       O que será verdade e o que será mentira quando se tenta resgatar a trágica e
fugaz existência de Isidore Ducasse, o conde de Lautréamont? E o que será verdade
ou fruto de uma delirante imaginação quando mergulhamos nas páginas deste
estranho, anfractuoso e sombrio relato biográfico que leva o título de Cantos de
outono, em que o escritor Ruy Câmara busca recompor o que foi o breve e turbulento
périplo terrestre do autor dos Chants de Maldoror? É pouquíssimo o que se sabe
acerca da vida (e mesmo da obra) de Lautréamont. Filho do cônsul francês em
Montevidéu, François Ducasse, Isidore nasceu na capital uruguaia a 4 de abril de
1846 e faleceu em Paris a 4 de novembro de 1870, aos 24 anos de idade. A não ser
pelas poucas cartas que deixou – às quais Ruy Câmara exaustivamente recorreu -,
quase nada se sabe de concreto sobre a sua existência na capital francesa, supondo-se
vagamente que haja participado dos círculos revolucionários que então agitavam
Paris. Em verdade Lautréamont é o Astro Negro de que Baudelaire e Nerval teriam
sido os mais altos representantes na França. Léon Bloy e Rémy de Gourmont o
tinham na conta de alienado mental, tese considerada insustentável pela crítica
moderna. Não resta dúvida de que Lautréamont encarnou como poucos aquela
condição de poeta maldito tão em voga no século XIX, mas seu satanismo tinha óbvia
origem romântica e pouco abriga daquele caráter luciferino de que é pródiga a
literatura gótica. Talvez Gide o tenha compreendido melhor do que os próprios
surrealistas quando denunciou, em 1905, o que Lautréamont, fingindo-se de “froid” e
“sans être ému”, jamais admitira confessar os motivos psicológicos e a causa da sua
revolta contra todas as convenções da existência do mundo.
       A biografia, ou o romance, ou seja o que preferirem definir o texto que se lerá,
de Ruy Câmara parte daquele nada documental a que já aludimos, apoiando-se
estritamente nas beneditinas pesquisas pessoais que o autor levou a cabo em
Montevidéu a na França. Se já é espantoso o que conseguiu reunir o romancista no
que toca a uma documentação que jazia esquecida ou ignorada, mais espantoso ainda
é como operou o milagre de conferir tamanha veracidade ficcional a todo esse frio e
distante resíduo biográfico. Lautréamont ressurge vivo e mais maldito do que nunca
nessas páginas de insólito e alucinado memorialismo, e há passagens em que somos
remetidos como cúmplices àqueles momentos de um passado que, embora morto,
insiste em não morrer, como é o caso da viagem marítima que fez Isidore Ducasse,
aos 13 anos de idade, entre Montevidéu e Tarbes, cujo liceu freqüentou, ou o
frustrado encontro que teve com um Baudelaire afásico e moribundo ou, ainda, o
fantástico diálogo que travou com o espectro de Voltaire no Panthéon de Paris. E
terrível é a descrição da morte do poeta, vítima de uma overdose de metileno,
anfetamina, mandrágora, dedaleira, quinino e outras plantas alucinógenas misturadas
ao vinho. Caberia dizer que, em certo sentido, Ruy Câmara renova o gênero da
biografia romanceada na medida em que se deixa intencionalmente “contaminar”
pelo drama existencial e a loucura do biografado, aproximando-se assim de instâncias
anímicas e psicopatológicas que lhe seriam inacessíveis caso seu relato mantivesse
aquela distância histórica e emocional que tanto prezam todos os biógrafos desde
James Boswell. E daí resulta um retrato que se diria táctil e quase sangrento deste até
hoje pouco conhecido Isidore Ducasse, tão explorado pelos estudos psicanalíticos e as
teses existencialistas durante o século XX, que será um dia novamente esquecido e
depois, por várias vezes, outra vez redescoberto, como o foi agora, no limiar do
terceiro milênio, pelo romancista Ruy Câmara nestes esplêndidos e perturbadores
Cantos de outono.


                                       Ivan Junqueira
                                da Academia Brasileira de Letras

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados (18)

Tintim#4
Tintim#4Tintim#4
Tintim#4
 
História guernica picasso - px ja
História guernica   picasso - px jaHistória guernica   picasso - px ja
História guernica picasso - px ja
 
About ‘hamlet, o príncipe da dinamarca
About ‘hamlet, o príncipe da dinamarcaAbout ‘hamlet, o príncipe da dinamarca
About ‘hamlet, o príncipe da dinamarca
 
Crítica de Cornelia Mareia Savu Romênia
Crítica de Cornelia Mareia Savu  RomêniaCrítica de Cornelia Mareia Savu  Romênia
Crítica de Cornelia Mareia Savu Romênia
 
Guernica
GuernicaGuernica
Guernica
 
7756
77567756
7756
 
Guernica - picasso
Guernica - picassoGuernica - picasso
Guernica - picasso
 
"A Arte" - Filosofia: "Guernica"
"A Arte" - Filosofia: "Guernica""A Arte" - Filosofia: "Guernica"
"A Arte" - Filosofia: "Guernica"
 
Atividade Avaliativa sobre Romantismo
Atividade Avaliativa sobre RomantismoAtividade Avaliativa sobre Romantismo
Atividade Avaliativa sobre Romantismo
 
Albert Camus: A Revolta do Homem Absurdo
Albert Camus: A Revolta do Homem AbsurdoAlbert Camus: A Revolta do Homem Absurdo
Albert Camus: A Revolta do Homem Absurdo
 
As comédias de shakespeare
As comédias de shakespeareAs comédias de shakespeare
As comédias de shakespeare
 
Vanguardas Europeias
Vanguardas EuropeiasVanguardas Europeias
Vanguardas Europeias
 
Romance
RomanceRomance
Romance
 
Conto
ContoConto
Conto
 
Caracteristicas do romantismo
Caracteristicas do romantismoCaracteristicas do romantismo
Caracteristicas do romantismo
 
Contexto artístico no início do século XX
Contexto artístico no início do século XXContexto artístico no início do século XX
Contexto artístico no início do século XX
 
Leituras
LeiturasLeituras
Leituras
 
Vanguarda europeia
Vanguarda europeiaVanguarda europeia
Vanguarda europeia
 

Semelhante a !Orelha Do Ivan Junqueira

O romantismo em_portugal
O romantismo em_portugalO romantismo em_portugal
O romantismo em_portugalDaianniSilv
 
Marcel.proust.em.busca.do.tempo.perdido.1.no.caminho.de.swann
Marcel.proust.em.busca.do.tempo.perdido.1.no.caminho.de.swannMarcel.proust.em.busca.do.tempo.perdido.1.no.caminho.de.swann
Marcel.proust.em.busca.do.tempo.perdido.1.no.caminho.de.swannAriane Mafra
 
Romantismo Parte 1
Romantismo   Parte 1Romantismo   Parte 1
Romantismo Parte 1guestc1495d6
 
Crítica De Cornelia Mareia Savu Romenia
Crítica De  Cornelia  Mareia  Savu   RomeniaCrítica De  Cornelia  Mareia  Savu   Romenia
Crítica De Cornelia Mareia Savu RomeniaAndre Lima
 
Romantismo parte 1
Romantismo parte 1Romantismo parte 1
Romantismo parte 1newtonbonfim
 
Biografia de Luís Vaz de Camões
Biografia de Luís Vaz de CamõesBiografia de Luís Vaz de Camões
Biografia de Luís Vaz de CamõesAnaRita9
 
Memórias de um_sargento_de_milícias_-_material
Memórias de um_sargento_de_milícias_-_materialMemórias de um_sargento_de_milícias_-_material
Memórias de um_sargento_de_milícias_-_materialrafabebum
 
Os lusíadas luís de camões- Poesia Lirica- marcos, mariana, paulo-
Os lusíadas  luís de camões- Poesia Lirica- marcos, mariana, paulo- Os lusíadas  luís de camões- Poesia Lirica- marcos, mariana, paulo-
Os lusíadas luís de camões- Poesia Lirica- marcos, mariana, paulo- teresakashino
 
Viagens na minha terra
Viagens na minha terra Viagens na minha terra
Viagens na minha terra maariane27
 
Viagens na minha terra (Garrett)
Viagens na minha terra (Garrett)Viagens na minha terra (Garrett)
Viagens na minha terra (Garrett)maariane27
 
10 livros para se ler
10 livros para se ler10 livros para se ler
10 livros para se lerDavid Souza
 
Destaques Enciclopédia 08-12-2014 a 14-12-2014
Destaques Enciclopédia 08-12-2014 a 14-12-2014Destaques Enciclopédia 08-12-2014 a 14-12-2014
Destaques Enciclopédia 08-12-2014 a 14-12-2014Umberto Neves
 
Power point Sexualidade na Literatura
Power  point Sexualidade na LiteraturaPower  point Sexualidade na Literatura
Power point Sexualidade na Literaturagracafigueiredo2
 
Slide - Biografia de Luís de Camões
Slide - Biografia de Luís de CamõesSlide - Biografia de Luís de Camões
Slide - Biografia de Luís de CamõesPIBID HISTÓRIA
 
Romanceiro da Inconfidência - análise.pdf
Romanceiro da Inconfidência - análise.pdfRomanceiro da Inconfidência - análise.pdf
Romanceiro da Inconfidência - análise.pdfrafabebum
 

Semelhante a !Orelha Do Ivan Junqueira (20)

O romantismo em_portugal
O romantismo em_portugalO romantismo em_portugal
O romantismo em_portugal
 
Marcel.proust.em.busca.do.tempo.perdido.1.no.caminho.de.swann
Marcel.proust.em.busca.do.tempo.perdido.1.no.caminho.de.swannMarcel.proust.em.busca.do.tempo.perdido.1.no.caminho.de.swann
Marcel.proust.em.busca.do.tempo.perdido.1.no.caminho.de.swann
 
Romantismo Parte 1
Romantismo   Parte 1Romantismo   Parte 1
Romantismo Parte 1
 
Romantismo ii
Romantismo iiRomantismo ii
Romantismo ii
 
Crítica De Cornelia Mareia Savu Romenia
Crítica De  Cornelia  Mareia  Savu   RomeniaCrítica De  Cornelia  Mareia  Savu   Romenia
Crítica De Cornelia Mareia Savu Romenia
 
Romantismo Parte 1
Romantismo Parte 1Romantismo Parte 1
Romantismo Parte 1
 
Romantismo parte 1
Romantismo parte 1Romantismo parte 1
Romantismo parte 1
 
Biografia de Luís Vaz de Camões
Biografia de Luís Vaz de CamõesBiografia de Luís Vaz de Camões
Biografia de Luís Vaz de Camões
 
Memórias de um_sargento_de_milícias_-_material
Memórias de um_sargento_de_milícias_-_materialMemórias de um_sargento_de_milícias_-_material
Memórias de um_sargento_de_milícias_-_material
 
Os lusíadas luís de camões- Poesia Lirica- marcos, mariana, paulo-
Os lusíadas  luís de camões- Poesia Lirica- marcos, mariana, paulo- Os lusíadas  luís de camões- Poesia Lirica- marcos, mariana, paulo-
Os lusíadas luís de camões- Poesia Lirica- marcos, mariana, paulo-
 
Viagens na minha terra
Viagens na minha terra Viagens na minha terra
Viagens na minha terra
 
Viagens na minha terra (Garrett)
Viagens na minha terra (Garrett)Viagens na minha terra (Garrett)
Viagens na minha terra (Garrett)
 
10 livros para se ler
10 livros para se ler10 livros para se ler
10 livros para se ler
 
Literatura
LiteraturaLiteratura
Literatura
 
Destaques Enciclopédia 08-12-2014 a 14-12-2014
Destaques Enciclopédia 08-12-2014 a 14-12-2014Destaques Enciclopédia 08-12-2014 a 14-12-2014
Destaques Enciclopédia 08-12-2014 a 14-12-2014
 
Power point Sexualidade na Literatura
Power  point Sexualidade na LiteraturaPower  point Sexualidade na Literatura
Power point Sexualidade na Literatura
 
Slide - Biografia de Luís de Camões
Slide - Biografia de Luís de CamõesSlide - Biografia de Luís de Camões
Slide - Biografia de Luís de Camões
 
Romantismo parte 1
Romantismo parte 1Romantismo parte 1
Romantismo parte 1
 
Viagens na minha terra.pptx
Viagens na minha terra.pptxViagens na minha terra.pptx
Viagens na minha terra.pptx
 
Romanceiro da Inconfidência - análise.pdf
Romanceiro da Inconfidência - análise.pdfRomanceiro da Inconfidência - análise.pdf
Romanceiro da Inconfidência - análise.pdf
 

Mais de Andre Lima

UBE União Brasileira de Escritores Ruy Câmara
UBE União Brasileira de Escritores  Ruy CâmaraUBE União Brasileira de Escritores  Ruy Câmara
UBE União Brasileira de Escritores Ruy CâmaraAndre Lima
 
O Fantástico Romance de Ruy Câmara
O Fantástico Romance de Ruy CâmaraO Fantástico Romance de Ruy Câmara
O Fantástico Romance de Ruy CâmaraAndre Lima
 
O Nordeste.com Ruy Câmara
O Nordeste.com  Ruy CâmaraO Nordeste.com  Ruy Câmara
O Nordeste.com Ruy CâmaraAndre Lima
 
Cartea Prieteniei Si A Generozitatii
Cartea Prieteniei Si A GenerozitatiiCartea Prieteniei Si A Generozitatii
Cartea Prieteniei Si A GenerozitatiiAndre Lima
 
O Enigmático Lautréamont num Romance de Sombras
O Enigmático Lautréamont num Romance de SombrasO Enigmático Lautréamont num Romance de Sombras
O Enigmático Lautréamont num Romance de SombrasAndre Lima
 
Cadre Din Scena Unei Vieti
Cadre Din Scena Unei VietiCadre Din Scena Unei Vieti
Cadre Din Scena Unei VietiAndre Lima
 
!Orelha do Ivan Junqueira
!Orelha do Ivan Junqueira!Orelha do Ivan Junqueira
!Orelha do Ivan JunqueiraAndre Lima
 
Traduceri Cantece de Toamna
Traduceri Cantece de ToamnaTraduceri Cantece de Toamna
Traduceri Cantece de ToamnaAndre Lima
 
Scriitorul Ruy Camara Isi Lanseaza La Bucuresti Volumul Cantece De To
Scriitorul Ruy Camara Isi Lanseaza La Bucuresti Volumul Cantece De ToScriitorul Ruy Camara Isi Lanseaza La Bucuresti Volumul Cantece De To
Scriitorul Ruy Camara Isi Lanseaza La Bucuresti Volumul Cantece De ToAndre Lima
 
Cultura Do Po E Circo
Cultura Do Po E CircoCultura Do Po E Circo
Cultura Do Po E CircoAndre Lima
 
O Que Elas EstãO Lendo
O Que Elas EstãO LendoO Que Elas EstãO Lendo
O Que Elas EstãO LendoAndre Lima
 
O Romance De Uma Sombra
O Romance De Uma SombraO Romance De Uma Sombra
O Romance De Uma SombraAndre Lima
 
O Romance De Uma Sombra
O Romance De Uma SombraO Romance De Uma Sombra
O Romance De Uma SombraAndre Lima
 
Brazilianul Lui Maldoror
Brazilianul Lui MaldororBrazilianul Lui Maldoror
Brazilianul Lui MaldororAndre Lima
 
Coo Jornal Revista Rio Total
Coo Jornal   Revista Rio TotalCoo Jornal   Revista Rio Total
Coo Jornal Revista Rio TotalAndre Lima
 

Mais de Andre Lima (16)

UBE União Brasileira de Escritores Ruy Câmara
UBE União Brasileira de Escritores  Ruy CâmaraUBE União Brasileira de Escritores  Ruy Câmara
UBE União Brasileira de Escritores Ruy Câmara
 
O Fantástico Romance de Ruy Câmara
O Fantástico Romance de Ruy CâmaraO Fantástico Romance de Ruy Câmara
O Fantástico Romance de Ruy Câmara
 
O Nordeste.com Ruy Câmara
O Nordeste.com  Ruy CâmaraO Nordeste.com  Ruy Câmara
O Nordeste.com Ruy Câmara
 
Cartea Prieteniei Si A Generozitatii
Cartea Prieteniei Si A GenerozitatiiCartea Prieteniei Si A Generozitatii
Cartea Prieteniei Si A Generozitatii
 
O Enigmático Lautréamont num Romance de Sombras
O Enigmático Lautréamont num Romance de SombrasO Enigmático Lautréamont num Romance de Sombras
O Enigmático Lautréamont num Romance de Sombras
 
Cadre Din Scena Unei Vieti
Cadre Din Scena Unei VietiCadre Din Scena Unei Vieti
Cadre Din Scena Unei Vieti
 
!Orelha do Ivan Junqueira
!Orelha do Ivan Junqueira!Orelha do Ivan Junqueira
!Orelha do Ivan Junqueira
 
Traduceri Cantece de Toamna
Traduceri Cantece de ToamnaTraduceri Cantece de Toamna
Traduceri Cantece de Toamna
 
Scriitorul Ruy Camara Isi Lanseaza La Bucuresti Volumul Cantece De To
Scriitorul Ruy Camara Isi Lanseaza La Bucuresti Volumul Cantece De ToScriitorul Ruy Camara Isi Lanseaza La Bucuresti Volumul Cantece De To
Scriitorul Ruy Camara Isi Lanseaza La Bucuresti Volumul Cantece De To
 
Especial
EspecialEspecial
Especial
 
Cultura Do Po E Circo
Cultura Do Po E CircoCultura Do Po E Circo
Cultura Do Po E Circo
 
O Que Elas EstãO Lendo
O Que Elas EstãO LendoO Que Elas EstãO Lendo
O Que Elas EstãO Lendo
 
O Romance De Uma Sombra
O Romance De Uma SombraO Romance De Uma Sombra
O Romance De Uma Sombra
 
O Romance De Uma Sombra
O Romance De Uma SombraO Romance De Uma Sombra
O Romance De Uma Sombra
 
Brazilianul Lui Maldoror
Brazilianul Lui MaldororBrazilianul Lui Maldoror
Brazilianul Lui Maldoror
 
Coo Jornal Revista Rio Total
Coo Jornal   Revista Rio TotalCoo Jornal   Revista Rio Total
Coo Jornal Revista Rio Total
 

Último

Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelGilber Rubim Rangel
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdflucassilva721057
 
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxD9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxRonys4
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADOcarolinacespedes23
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinhaMary Alvarenga
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Mary Alvarenga
 
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptxthaisamaral9365923
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxkarinedarozabatista
 
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfPortfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfjanainadfsilva
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasRosalina Simão Nunes
 
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManuais Formação
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumAugusto Costa
 
A poesia - Definições e Característicass
A poesia - Definições e CaracterísticassA poesia - Definições e Característicass
A poesia - Definições e CaracterísticassAugusto Costa
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaronaldojacademico
 
ANATOMIA-EM-RADIOLOGIA_light.plçkjkjiptx
ANATOMIA-EM-RADIOLOGIA_light.plçkjkjiptxANATOMIA-EM-RADIOLOGIA_light.plçkjkjiptx
ANATOMIA-EM-RADIOLOGIA_light.plçkjkjiptxlvaroSantos51
 
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.silves15
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividadeMary Alvarenga
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBAline Santana
 
Literatura Brasileira - escolas literárias.ppt
Literatura Brasileira - escolas literárias.pptLiteratura Brasileira - escolas literárias.ppt
Literatura Brasileira - escolas literárias.pptMaiteFerreira4
 

Último (20)

Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
 
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptxD9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
D9 RECONHECER GENERO DISCURSIVO SPA.pptx
 
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADOactivIDADES CUENTO  lobo esta  CUENTO CUARTO GRADO
activIDADES CUENTO lobo esta CUENTO CUARTO GRADO
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinha
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
 
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
“Sobrou pra mim” - Conto de Ruth Rocha.pptx
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
 
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfPortfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
 
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULACINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
 
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envioManual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
Manual da CPSA_1_Agir com Autonomia para envio
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
 
A poesia - Definições e Característicass
A poesia - Definições e CaracterísticassA poesia - Definições e Característicass
A poesia - Definições e Característicass
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
 
ANATOMIA-EM-RADIOLOGIA_light.plçkjkjiptx
ANATOMIA-EM-RADIOLOGIA_light.plçkjkjiptxANATOMIA-EM-RADIOLOGIA_light.plçkjkjiptx
ANATOMIA-EM-RADIOLOGIA_light.plçkjkjiptx
 
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
A horta do Senhor Lobo que protege a sua horta.
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
 
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASBCRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
CRÔNICAS DE UMA TURMA - TURMA DE 9ºANO - EASB
 
Literatura Brasileira - escolas literárias.ppt
Literatura Brasileira - escolas literárias.pptLiteratura Brasileira - escolas literárias.ppt
Literatura Brasileira - escolas literárias.ppt
 

!Orelha Do Ivan Junqueira

  • 1. A ETERNA MALDIÇÃO O que será verdade e o que será mentira quando se tenta resgatar a trágica e fugaz existência de Isidore Ducasse, o conde de Lautréamont? E o que será verdade ou fruto de uma delirante imaginação quando mergulhamos nas páginas deste estranho, anfractuoso e sombrio relato biográfico que leva o título de Cantos de outono, em que o escritor Ruy Câmara busca recompor o que foi o breve e turbulento périplo terrestre do autor dos Chants de Maldoror? É pouquíssimo o que se sabe acerca da vida (e mesmo da obra) de Lautréamont. Filho do cônsul francês em Montevidéu, François Ducasse, Isidore nasceu na capital uruguaia a 4 de abril de 1846 e faleceu em Paris a 4 de novembro de 1870, aos 24 anos de idade. A não ser pelas poucas cartas que deixou – às quais Ruy Câmara exaustivamente recorreu -, quase nada se sabe de concreto sobre a sua existência na capital francesa, supondo-se vagamente que haja participado dos círculos revolucionários que então agitavam Paris. Em verdade Lautréamont é o Astro Negro de que Baudelaire e Nerval teriam sido os mais altos representantes na França. Léon Bloy e Rémy de Gourmont o tinham na conta de alienado mental, tese considerada insustentável pela crítica moderna. Não resta dúvida de que Lautréamont encarnou como poucos aquela condição de poeta maldito tão em voga no século XIX, mas seu satanismo tinha óbvia origem romântica e pouco abriga daquele caráter luciferino de que é pródiga a literatura gótica. Talvez Gide o tenha compreendido melhor do que os próprios surrealistas quando denunciou, em 1905, o que Lautréamont, fingindo-se de “froid” e “sans être ému”, jamais admitira confessar os motivos psicológicos e a causa da sua revolta contra todas as convenções da existência do mundo. A biografia, ou o romance, ou seja o que preferirem definir o texto que se lerá, de Ruy Câmara parte daquele nada documental a que já aludimos, apoiando-se estritamente nas beneditinas pesquisas pessoais que o autor levou a cabo em Montevidéu a na França. Se já é espantoso o que conseguiu reunir o romancista no que toca a uma documentação que jazia esquecida ou ignorada, mais espantoso ainda
  • 2. é como operou o milagre de conferir tamanha veracidade ficcional a todo esse frio e distante resíduo biográfico. Lautréamont ressurge vivo e mais maldito do que nunca nessas páginas de insólito e alucinado memorialismo, e há passagens em que somos remetidos como cúmplices àqueles momentos de um passado que, embora morto, insiste em não morrer, como é o caso da viagem marítima que fez Isidore Ducasse, aos 13 anos de idade, entre Montevidéu e Tarbes, cujo liceu freqüentou, ou o frustrado encontro que teve com um Baudelaire afásico e moribundo ou, ainda, o fantástico diálogo que travou com o espectro de Voltaire no Panthéon de Paris. E terrível é a descrição da morte do poeta, vítima de uma overdose de metileno, anfetamina, mandrágora, dedaleira, quinino e outras plantas alucinógenas misturadas ao vinho. Caberia dizer que, em certo sentido, Ruy Câmara renova o gênero da biografia romanceada na medida em que se deixa intencionalmente “contaminar” pelo drama existencial e a loucura do biografado, aproximando-se assim de instâncias anímicas e psicopatológicas que lhe seriam inacessíveis caso seu relato mantivesse aquela distância histórica e emocional que tanto prezam todos os biógrafos desde James Boswell. E daí resulta um retrato que se diria táctil e quase sangrento deste até hoje pouco conhecido Isidore Ducasse, tão explorado pelos estudos psicanalíticos e as teses existencialistas durante o século XX, que será um dia novamente esquecido e depois, por várias vezes, outra vez redescoberto, como o foi agora, no limiar do terceiro milênio, pelo romancista Ruy Câmara nestes esplêndidos e perturbadores Cantos de outono. Ivan Junqueira da Academia Brasileira de Letras