A Operação Albatroz foi uma grande operação policial em 2004 que desmascarou um esquema de fraude em licitações públicas no Amazonas, envolvendo políticos e empresários. Ela teve grandes impactos políticos, levando à cassação do mandato de um deputado e influenciando as eleições municipais daquele ano em Manaus, onde Serafim Corrêa foi eleito prefeito. Anos depois, a Justiça condenou os principais responsáveis pelo esquema.
Eleições 2020: 2ª Pesquisa do Segundo Turno para Prefeito de Manaus
História recente do Amazonas marcada pela Operação Albatroz
1. Um voo pela história
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ALBATROZ:
O P E R A Ç Ã O
2. Um voo pela história
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Agosto é o mês do aniversário da Operação Albatroz, uma
grande ofensiva da Polícia Federal (PF) deflagrada em 2004, com
múltiplos impactos na política amazonense e nas eleições
municipais daquele ano. O nome “Albatroz” é uma alusão ao jatinho
usado pelos criminosos para transportar enormes somas de
dinheiro a ser lavado, com destinos que variavam entre São Paulo,
Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Uruguai.
Por mobilizar 174 policiais, uma numerosa equipe da Receita
Federal e “braços” em diversos estados, Albatroz é tida, até hoje,
como uma das maiores operações já desencadeadas no Brasil,
responsável pelo desmascaramento de um esquema cujo coração
pulsava na Comissão Geral de Licitação do Estado do Amazonas
(CGL-AM). Levantar a cronologia básica dos eventos é uma via
segura para entendermos a história recente e os caminhos que nos
trouxeram até aqui.
O calendário marcava 10 de agosto de 2004 quando a Polícia
Federal alardeou o início oficial da Operação. Naquela terça-feira
nada comum, o objetivo foi cumprir 32 mandados de busca e
apreensão e 20 mandados de prisão temporária contra membros da
organização criminosa que atuava na fraude de licitações públicas
no Amazonas. O montante desviado era estimado em mais de R$
500 milhões.
Nos dois anos anteriores, os agentes haviam se debruçado em
pistas que levavam a um grupo liderado pelo deputado estadual
Antônio do Nascimento Cordeiro (PPS). Na casa dele, na Ponta
Negra, seriam encontrados, em um cofre subterrâneo, R$ 500 mil
em dinheiro e outros R$ 1,5 milhão em títulos. Para a verificação das
notas, os policiais chegaram a pedir emprestada uma máquina de
contar dinheiro.
3. Por possuir imunidade parlamentar, Cordeiro não foi preso
naquele momento, apenas indiciado. Ele prestaria depoimento em
sua casa, no dia 13 de agosto. Porém, pessoas ligadas ao deputado
foram detidas ainda no dia 10: sua esposa (Ednéia de Alencar
Ribeiro da Costa), seu cunhado (Edicson de Alencar Ribeiro) e um
nome de sua assessoria (Elioneide Oliveira Soares, vulgo Biela).
Junto com eles, dezenas de envolvidos e alguns peixes grandes: o
ex-secretário estadual de Fazenda, Alfredo Paes, o presidente da
Comissão Geral de Licitação, João Gomes Vilela, e o então prefeito
de Presidente Figueiredo, Romeiro Mendonça (PFL).
A imprensa noticiou fartamente as acusações que pesavam
sobre o grupo: lavagem de dinheiro, corrupção, sonegação fiscal,
tráfico de influência, evasão de divisas, crimes eleitorais e contra a
lei de licitações, formação de quadrilha e improbidade
administrativa. Ciente das sombras que se erguiam no horizonte, o
governador Eduardo Braga (PPS) reagiu rápido, anunciando, em
nota oficial, a criação da Comissão Geral de Ética, a ser presidida
por Afrânio de Sá, e da Secretaria de Controle Interno e
Transparência Administrativa. Garantiu também o afastamento dos
servidores públicos mencionados no inquérito até a apuração
completa dos fatos. E, por fim, indicou o procurador de Justiça,
Mauro Luiz Campbell Marques, secretário de estado do Controle
Interno, para a presidência da Comissão Geral de Licitação, com a
missão de revisar todos os processos licitatórios.
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4. NOVOS INDICIADOS
Antes do final de agosto, no dia 24, novas surpresas: a PF
indicia, por envolvimento com o esquema, o candidato a
vice-prefeito de Manaus na chapa de Amazonino Mendes (PFL),
Bosco Saraiva (PPS), que havia sido secretário de Obras do governo
Eduardo Braga. O outro indiciado é Ari Moutinho, titular da Casa Civil
do Estado e um dos homens fortes de Braga. O governador teria
outros nomes de suas relações ligados ao escândalo. No dia 25, a
PF intima seu motorista particular por mais de 20 anos, Ubiracy
Bezerra de Araújo, o Bira. No dia 26 de agosto, é indiciado o
secretário de Fazenda do Amazonas, Isper Abrahim Lima.
A temperatura da campanha eleitoral, que já estava elevada,
sobe mais ainda. O governador alega que o indiciamento de pessoas
ligadas a ele é fruto do oportunismo político, iniciado assim que
declarou apoio à candidatura de Amazonino à Prefeitura de Manaus.
Em paralelo, ainda no dia 26 de agosto, a Assembleia Legislativa
aprova, por unanimidade, a instauração do processo de investigação
do possível envolvimento do deputado Antônio Cordeiro nos crimes
investigados pela Operação Albatroz. O processo é encaminhado
para a Comissão de Ética da Casa.
No dia seguinte, a PF indicia mais um auxiliar de Eduardo
Braga: o diretor-técnico da Secretaria de Saúde, Roberto Lisboa
Pimenta. Porém, no dia 31, os jornais divulgam que a Polícia Federal
nega o envolvimento do governador na Operação Albatroz e que ele
não está sendo investigado. Em setembro, Braga recebe o apoio da
Assembleia Legislativa do Estado, que publica uma moção de
solidariedade nos jornais, subscrita pelos deputados. As entidades
de classes também declaram apoio ao governador, em nota
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5. assinada por vários líderes. O presidente do Tribunal de Contas do
Estado (TCE), Lyzandro Garcia Gomes, garante que a prestação de
conta do governo do Amazonas referente ao ano de 2003 foi
rigorosamente examinada, não havendo nenhuma irregularidade.
No dia 3 de setembro, a Comissão Geral de Licitação informa
que as empresas Tetoplan Construções Ltda. e Pointer Ltda.,
citadas no inquérito da Operação Albatroz, não ganharam todas as
licitações que participaram no estado e que, em algumas delas,
foram desclassificadas e inabilitadas. A análise faz parte da revisão
de todos os processos de concorrência realizados pelo governo.
Para reforçar as medidas que vinham sendo tomadas, Braga assina
decreto proibindo a participação, em licitações do estado, de
empresas arroladas no inquérito da Operação Albatroz, e torna
públicas as licitações do governo.
Finalmente, no dia 21 de setembro, a Polícia Federal conclui o
indiciamento de 45 pessoas no Amazonas. Com 4 mil páginas de
depoimentos e conclusões, o inquérito é entregue à Justiça. A maior
parte dos crimes é creditada ao deputado Cordeiro, que continua
gozando da imunidade parlamentar. Sua defesa seria apresentada
em outubro à Comissão de Ética da Aleam pelo advogado Domingos
Chalub, que alega não ter recebido os autos do inquérito.
A poucas semanas das eleições, a disputa pela Prefeitura da
capital continua acirrada, com seis candidatos concorrendo ao
cargo de prefeito, além de 37 vereadores em campanha. Até então
resguardando-se do burburinho, ogovernador Eduardo Braga grava
participação no programa eleitoral de Amazonino Mendes. E no dia
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PRIMEIRA ETAPA VENCIDA
6. 3 de outubro, os eleitores consagram Amazonino (PFL) e Serafim
Corrêa (PSB) os dois candidatos mais votados, respectivamente
com 43,46% e 28,81% dos votos válidos. A terceira colocada é
Vanessa Grazziotin (PCdoB), apoiada pelo vice-governador Omar
Aziz.
Os números indicavam que o 2º turno seria um “passeio” para
Amazonino, mas várias pedras surgiram no caminho desse veterano
das urnas. Uma delas ficou conhecida como “Caso Soraia” e, a
princípio, deveria favorecer o candidato do PFL. Mas os
desdobramentos tomaram rumos inesperados.
No dia 19 de outubro, o vereador Sabino Castelo Branco (PP)
leva à Câmara Municipal de Manaus a médica Maria Soraia Elias
Pereira, que acusa Serafim Corrêa de ser pai de seu filho, sendo ela
supostamente ameaçada de morte desde que anunciara a gravidez,
em setembro de 2003. Por causa disso, Soraia pede proteção à
Casa. Dois dias depois, o caso fica mais nebuloso, com uma
denúncia feita pela vereadora Glória Carrate (PP) contra agressões
que teriam sido sofridas por Soraia na noite de 20 de outubro. A
vereadora, porém, não apresenta testemunhas nem exame de corpo
de delito. Indignado, o vereador Francisco Praciano (PT) diz
acreditar que tudo não passa de uma armação contra a candidatura
de Serafim Corrêa. Ele aponta o marqueteiro Egberto Batista,
coordenador da campanha do candidato Amazonino Mendes, como
mentor da encenação.
O alegado filho ilegítimo nunca apareceu e o Caso Soraia se
mostrou improcedente, sendo varrido para debaixo do tapete que
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MAIS PEDRAS NO CAMINHO
7. acolhe os subenredos eleitorais. Ao entrar para o folclore político
amazonense, de nada ajudou a campanha de Amazonino.
A campanha, aliás, seguia dividindo o eleitorado. Três dias
antes do novo escrutínio, marcado para 31 de outubro, as atenções
se voltam para um debate realizado na TV A Crítica, quando Serafim
leva documentos comprovando que Amazonino está devendo R$ 5
mil de IPTU. “Ele não tem compromisso em pagar os impostos.
Como alguém que não paga IPTU poderá cobrar do restante da
população?’, pergunta Serafim ao adversário, que tropeça em mais
uma pedra no caminho.
As urnas do segundo turno acabariam por consagrar Serafim
Corrêa o novo prefeito de Manaus, com 51,68% dos votos – uma
virada histórica. Naquele dia, o vice de Amazonino, Bosco Saraiva
(PPS), fora flagrado por suspeita de promover carreatas e comprar
votos. O toque pitoresco do relato é que, ao reagir à diligência das
autoridades, Bosco teve de ser dominado e algemado antes de
seguir para a sede da PF, onde permaneceu por algumas horas. No
seu carro foram encontrados R$ 20 mil em espécie, que os policiais
acreditavam ser para compra de votos.
Novembro chega com novidade para a Operação Albatroz. No
dia 24 – por 14 votos favoráveis, seis contra e duas abstenções –, a
Assembleia Legislativa do Estado cassa o mandato do deputado
estadual Antônio Cordeiro por quebra de decoro parlamentar. Com
isso, Cordeiro se torna o primeiro deputado cassado na história da
Aleam. Com muitos altos e baixos, nove anos se passam até que, no
dia 25 de setembro de 2013, a 2ª Vara da Justiça Federal da Seção
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VIRADA HISTÓRICA
8. Judiciária do Amazonas divulga sentença final do processo da
Operação Albatroz.
Dos 12 julgados, dois foram absolvidos: Alfredo Paes dos
Santos e Edilson Barata Ribeiro. Antônio Cordeiro foi condenado a
36 anos de reclusão pelo crime de continuidade delitiva. À sua
esposa coube a pena de 31 anos de reclusão por continuidade
delitiva e formação de quadrilha. Ambos já haviam sido presos em
abril de 2008, mas foram libertados cinco dias depois. Os outros
oito sentenciados pegaram penas de três a nove anos de reclusão
A análise fria dos fatos traz à tona mágoas que deixaram
fissuras no cenário político amazonense. Em 2005, ainda lambendo
as feridas de derrota sofrida no ano anterior, Amazonino Mendes,
em matéria publicada no jornal Correio Amazonense (23/06)
denuncia compras sem licitação feitas em 2003 e fala da Operação
Albatroz. Vale a transcrição: “Tenho observado uma tática muito
cômoda do atual governador quando vêm à tona problemas que
comprometem a lisura da administração estadual. Assim foi com a
Operação Albatroz, que o governador Eduardo Braga, embora eu
sendo candidato a prefeito e ‘apoiado’ por ele, não titubeou em dizer
em entrevista que se tratava de matéria de meu governo. Não disse
nada, fiquei calado, pois entendia que era ridícula a desculpa (...). A
investigação se deu exatamente no decurso da administração dele”.
Quatro anos depois (2017), em entrevista ao portal Amazonas
Atual, Bosco Saraiva declara que a Operação Albatroz teve
motivação política incentivada pelo governo petista. A intenção era
intimidar o governador Eduardo Braga a não apoiar a chapa
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FICARAM AS CINZAS
9. Amazonino-Bosco na eleição de 2004. “Ou o PT ganhava a eleição
ou os seus aliados. Essa era uma estratégia para as capitais e
grandes cidades brasileiras. Para continuação de poder comprando
votos, destruindo o País como foi comprovado anos depois”, disse.
Em 2010, Maria Soraia Elias Pereira se candidatou a deputada
estadual pelo PTB, com o nome Dra. Soraia e o número 14.444.
Quanto ao principal alvo da Operação Albatroz, o deputado Antônio
Cordeiro, terminou a vida esquecido e pobre, em Rio Branco-AC,
após anos enfrentando uma leucemia.
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