O FAXINEIRO - Pedro Balduino - CENA 1 e 2 - IMPÉRIO FILMES
1. 1 INT. CASA DO FAXINEIRO - DIA
Abrimos em um plano médio de uma sala de estar desgastada de
tempo e imundície, na qual é possível ver um sofá e uma mesinha
alinhados no centro do plano. O sofá é de couro e possui
profundas fissuras das quais transbordam porções de espumas
encardidas. Alguns lençóis estão jogados sobre o sofá e, sobre
a mesinha, jornais amarelados. A parede por trás do sofá é
decorada com tinta velha e descascada e dois quadros de
molduras tortas e vidros embolorados.
Um dos quadros é uma réplica em tamanho pequeno de "O Cristo
Amarelo" de Gauguin, e o outro uma fotografia de Jacob Riis que
representa uma família alojada em uma casa em miséria, tal qual
encontra-se aquele cenário. Entre os dois quadros, um relógio
de ponteiros quadrado que marca 6:56h.
O Som de fundo é marcado por buzinas, carros, vozes e outros
barulhos de um início de manhã de segunda-feira. A cidade está
acordando.
FAXINEIRO surge da esquerda do plano, uniformizado de cobrador
de ônibus e com uma xícara de café frio na mão. Possui um
relógio de pulso prateado e um óculos de sol pendurado no
primeiro botão da camisa.
Ele senta no meio do sofá, posiciona a xícara de café sobre a
mesinha e apanha as folhas de jornal amarelas.
Tenta ler por alguns instantes mas desiste, devolvendo o jornal
para sua posição inicial.
Curvando-se e apoiando os cotovelos sobre os joelhos, ele
atenta para a xícara de café sem fumaça como que esperasse algo
saltar dela. Aos poucos o som do ponteiro do relógio na parede
vai aumentando, substituindo a predominância dos ruídos de
amanhecer da metrópole, até que não se ouve mais nada senão o
relógio.
Com um baque de surpresa surge a música, anunciando o texto em
sobreposição: "O FAXINEIRO". A música some como surge, dum
susto e junto ao texto.
O relógio de pulso prateado apita discretamente, despertando o
nosso protagonista de sua hipnose aparente. Ele pisca os olhos
devagar enquanto desliga o alarme do relógio e se levanta no
ritmo de sua lentidão, dirigindo-se com calma até a porta e
saindo por ela.
Texto em sobreposição com caracteres que sangram: 7:00h
2. 2.
2 I/E. ÔNIBUS - DIA
FAXINEIRO está sentado na cadeira de cobrador de um ônibus
público, usando os óculos de sol no rosto e sendo alvejado nas
costas por raios de sol matinais. Seu rosto brilha de suor e
seu humor não é dos melhores.
O ônibus está cheio.
Ele finge não perceber estar sendo observado por uma senhorinha
que está de pé ao seu lado, de óculos grandes, cabelo preso e
apoiando sobre a canela um saco de compras de supermercado. Ela
é DONA MARILENE. O observa com um discreto sorriso e ar de
curiosidade.
DONA MARILENE
Esse ônibus é bem velho, sabia? Dá
pra ver pelos remendos no chão.
FAXINEIRO sequer dá atenção.
DONA MARILENE (CONT.)
Eu sei disso por que eu pego esse
mesmo ônibus toda semana... é o
trajeto que eu faço de casa pra
feira, faz uns 15 anos...
FAXINEIRO está perdendo a paciência.
DONA MARILENE (CONT.)
Eu só tô dizendo isso porque eu nunca
vi o senhor em nenhum ônibus desse...
o senhor trabalha nessa linha faz
tempo?
FAXINEIRO
(relutante a dialogar)
Não.
DONA MARILENE
Mas menino... eu conheço esse povo
todo que trabalha na GUAMAPARA, tu
deve ser novo sim, né possível...
agora, eu não sei se é novo na
GUAMAPARA ou se é novo como cobrador
de ônibus.
FAXINEIRO tira os óculos de sol e com um suspiro de calor
sucumbe à insistente conversa anunciada.
FAXINEIRO
Sou novo na GUAMAPARA. Mas como
cobrador de ônibus eu já tenho uns 10
anos.
3. 3.
DONA MARILENE
Mas homee... e como é que eu nunca te
vi? Ave Maria... eu ando essa cidade
todinha e nunca vi esse home...
FAXINEIRO
É porque eu só trabalho
meio-período... desde sempre...
DONA MARILENE
E o que é que faz com o resto?
FAXINEIRO
(confuso)
Resto do quê?
DONA MARILENE
Do tempo, abestalhado!
FAXINEIRO
(pensa um pouco antes de
dizer)
...Nada!
DONA MARILENE
Pois então trate de fazer alguma
coisa... é possível um homem do seu
tamanho se sustentar com meio salário
de cobrador? Tu tem cara de quem nem
gosta desse emprego. Tem alguma coisa
que tu goste de fazer? Tu podia
pensar em largar esse trabalho.
FAXINEIRO
Tem não...
DONA MARILENE
Pense direitinho, num tem nenhum
talento ou alguma coisa que gosta de
fazer pra passar tempo? Eu, por
exemplo, sou costureira. Fiz um curso
técnico de enfermagem faz um tempão,
mas nunca gostei. Eu sei que se eu
trabalhasse em hospital eu ganharia
bem mais dinheiro. Mas eu não suporto
ver gente doente, sabe? Machucado,
ferida, essas coisas, Deeus me
livre...
FAXINEIRO agora já dá completa atenção à DONA MARILENE.
4. 4.
DONA MARILENE (CONT.)
Em compensação, eu adoro costurar.
Adoro ver as coisas certinha,
amarradinha, junta... num sei, acho
que dá uma sensação de organização no
mundo, na minha vida pelo menos...
uma sensação de que as coisas tão
certas e tão bem... Não tem nada que
faça você se sentir assim?
FAXINEIRO observa os remendos no chão do ônibus, pensativo e
tensionado. A música se mistura com os sons do motor do ônibus,
acompanhando sua tensão.
Texto em sobreposição com caracteres que sangram: 11:00h