SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 4
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
PRO-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA
PIBID LETRAS
PROJETO:
CliC
CUlTURA, liTERATURA E CRiATiViDADE: DO
ERUDiTO AO POPUlAR
PROFESSORES:
FLÁVIA KELLYANE MEDEIROS DA SILVA
FLÁVIA OLIVEIRA LOPES
GABRIELA SANTANA DE OLIVEIRA
PRISCILA DA SILVA SANTANA RODRIGUES
MÓDULO 04: AVUlsO: CRôniCA
ALUNO:___________________________________________________
wwwprojetoclicraul.blogspot.com
Para ler e refletir:
A Última Crônica
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café
junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais
um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia
apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico.
Nesta perseguição do acidental, quer num
flagrante de esquina, quer nas palavras de uma
criança ou num acidente doméstico, torno-me
simples espectador e perco a noção do
essencial. Sem mais nada para contar, curvo a
cabeça e tomo meu café, enquanto o
verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu
quereria o meu último poema". Não sou poeta e
estou sem assunto. Lanço então um último olhar
fora de mim, onde vivem os assuntos que
merecem uma crônica. Ao fundo do botequim
um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das
últimas mesas de mármore ao longo da parede de
espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se
acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda
arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as
perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos
que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade.
Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou
do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um
pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente
ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido
do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a
reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a
ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-
o no pratinho -- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho
que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai,
mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de
plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos,
e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais o
observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia
do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como
a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força,
apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada,
cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns
pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa.
A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-
lo. A mulher está olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo,
limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim satisfeito,
como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a
observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido -- vacila, ameaça
abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. Assim eu
quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
Fernando Sabino
Disponível em: http://intervox.nce.ufrj.br/~jobis/s-ult.html. Acesso em: 18 de
Maio de 2012.
Fernando Sabino - Vida e obra
Fernando Tavares Sabino nasceu em Belo Horizonte em
1923. Tradutor de Flaubert e Henry James, entre outros,
Fernando Sabino, desde sua estréia em 1941, vem escrevendo
contos, novelas, crônicas, romances e biografias. Trabalhou
como jornalista e, durante o período em que teve uma
importante editora, publicou livros de escritores brasileiros do
porte de Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade,
Vinícius de Moraes, Rachel de Queiroz e Autran Dourado,
além da obra de Gabriel García Márquez e Mario Vargas
Llosa. Através de um estilo ágil e direto, que confere a seus
escritos um tom quase que de confidência oral, várias situações do cotidiano vão surgindo
repletas de vibração e absurdo. A ausência de sentido das coisas, entretanto, aparece em
inúmeras variações entre dois extremos: do aspecto noturno da inutilidade, que leva à
fragilidade e à solidão humanas, ao diurno, no qual o cotidiano é visto como propiciador
do cômico. Dele, já foi dito ser um "Kafka de eletricidade positiva", ou seja, um escritor
para o qual o mundo só é suportável, e até mesmo divertido, justamente pelo absurdo
que lhe é inerente.
Obras:
Os Grilos não Cantam Mais (1941)
A Marca (1944)
A Cidade Vazia, Medo em Nova York (1950)
A Vida Real (1952)
O Encontro Marcado (1956)
O Homem Nu (1960)
A Mulher do Vizinho (1962)
O Grande Mentecapto (1979)
O Menino no Espelho (1982)
A Faca de Dois Gumes (1985)
A Volta por Cima (1990)
Com a Graça de Deus (199

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Conferencia pedagogía lúdica y videojuegos en redes sociales.
Conferencia pedagogía lúdica y videojuegos en redes sociales.Conferencia pedagogía lúdica y videojuegos en redes sociales.
Conferencia pedagogía lúdica y videojuegos en redes sociales.graciela alicia es.
 
Na hora do testemunho
Na hora do testemunhoNa hora do testemunho
Na hora do testemunhoanaccc2013
 
Hecho en méxico, hecho en gf k confianza del consumidor en 2011
Hecho en méxico, hecho en gf k  confianza del consumidor en 2011Hecho en méxico, hecho en gf k  confianza del consumidor en 2011
Hecho en méxico, hecho en gf k confianza del consumidor en 2011Walkiria Calva
 
Presenatcion ppt
Presenatcion pptPresenatcion ppt
Presenatcion pptadrusli
 
Web W&S situacion resultante
Web W&S situacion resultanteWeb W&S situacion resultante
Web W&S situacion resultanteWorkandSport
 
Comunicato n. 25 del 13 05-2013
Comunicato n. 25 del 13 05-2013Comunicato n. 25 del 13 05-2013
Comunicato n. 25 del 13 05-2013Dino Gazzetta
 
Kohti kasvuyrittäjyyttä osa 44 - Tavoitteena tuloksellinen palaveri
Kohti kasvuyrittäjyyttä osa 44 - Tavoitteena tuloksellinen palaveriKohti kasvuyrittäjyyttä osa 44 - Tavoitteena tuloksellinen palaveri
Kohti kasvuyrittäjyyttä osa 44 - Tavoitteena tuloksellinen palaverionni orava
 
Zumo del cumple de bruno
Zumo  del cumple de brunoZumo  del cumple de bruno
Zumo del cumple de brunoJORGE GIMENO
 

Destaque (18)

Conferencia pedagogía lúdica y videojuegos en redes sociales.
Conferencia pedagogía lúdica y videojuegos en redes sociales.Conferencia pedagogía lúdica y videojuegos en redes sociales.
Conferencia pedagogía lúdica y videojuegos en redes sociales.
 
Na hora do testemunho
Na hora do testemunhoNa hora do testemunho
Na hora do testemunho
 
Hecho en méxico, hecho en gf k confianza del consumidor en 2011
Hecho en méxico, hecho en gf k  confianza del consumidor en 2011Hecho en méxico, hecho en gf k  confianza del consumidor en 2011
Hecho en méxico, hecho en gf k confianza del consumidor en 2011
 
Chocolate cream
Chocolate creamChocolate cream
Chocolate cream
 
Presenatcion ppt
Presenatcion pptPresenatcion ppt
Presenatcion ppt
 
El Punto
El PuntoEl Punto
El Punto
 
Proleće u srcu Šumadije
Proleće u srcu ŠumadijeProleće u srcu Šumadije
Proleće u srcu Šumadije
 
3presentación ucm
3presentación ucm3presentación ucm
3presentación ucm
 
Egemen sayı24
Egemen sayı24Egemen sayı24
Egemen sayı24
 
Tdd
TddTdd
Tdd
 
Market Mix Modelling
Market Mix ModellingMarket Mix Modelling
Market Mix Modelling
 
Web W&S situacion resultante
Web W&S situacion resultanteWeb W&S situacion resultante
Web W&S situacion resultante
 
SOFTWARE
SOFTWARESOFTWARE
SOFTWARE
 
Doc1
Doc1Doc1
Doc1
 
Comunicato n. 25 del 13 05-2013
Comunicato n. 25 del 13 05-2013Comunicato n. 25 del 13 05-2013
Comunicato n. 25 del 13 05-2013
 
Kohti kasvuyrittäjyyttä osa 44 - Tavoitteena tuloksellinen palaveri
Kohti kasvuyrittäjyyttä osa 44 - Tavoitteena tuloksellinen palaveriKohti kasvuyrittäjyyttä osa 44 - Tavoitteena tuloksellinen palaveri
Kohti kasvuyrittäjyyttä osa 44 - Tavoitteena tuloksellinen palaveri
 
Zumo del cumple de bruno
Zumo  del cumple de brunoZumo  del cumple de bruno
Zumo del cumple de bruno
 
Editora Abril - Naspers
Editora Abril - NaspersEditora Abril - Naspers
Editora Abril - Naspers
 

Semelhante a Modulo 4 avulso

Projeto A crônica nossa de cada dia
Projeto A crônica nossa de cada diaProjeto A crônica nossa de cada dia
Projeto A crônica nossa de cada diaTamarShumiski
 
A última crônica - Fernando Sabino
A última crônica - Fernando SabinoA última crônica - Fernando Sabino
A última crônica - Fernando SabinoMima Badan
 
Crônica de Fernando Sabino
Crônica de Fernando SabinoCrônica de Fernando Sabino
Crônica de Fernando Sabinolugarbuio
 
A ultima cronica_texto_e_questoes
A ultima cronica_texto_e_questoesA ultima cronica_texto_e_questoes
A ultima cronica_texto_e_questoesRosemeire Silva
 
A Última Crônica (Fernando Sabino)
A Última Crônica (Fernando Sabino)A Última Crônica (Fernando Sabino)
A Última Crônica (Fernando Sabino)Paulo Bouhid
 
Cefet 2011[1]
Cefet 2011[1]Cefet 2011[1]
Cefet 2011[1]cavip
 
A caminho do verão - Sarah Dessen
A caminho do verão - Sarah DessenA caminho do verão - Sarah Dessen
A caminho do verão - Sarah DessenJuFlores98
 

Semelhante a Modulo 4 avulso (10)

Projeto A crônica nossa de cada dia
Projeto A crônica nossa de cada diaProjeto A crônica nossa de cada dia
Projeto A crônica nossa de cada dia
 
A última crônica - Fernando Sabino
A última crônica - Fernando SabinoA última crônica - Fernando Sabino
A última crônica - Fernando Sabino
 
Crônica de Fernando Sabino
Crônica de Fernando SabinoCrônica de Fernando Sabino
Crônica de Fernando Sabino
 
A ultima cronica_texto_e_questoes
A ultima cronica_texto_e_questoesA ultima cronica_texto_e_questoes
A ultima cronica_texto_e_questoes
 
29
2929
29
 
A Última Crônica (Fernando Sabino)
A Última Crônica (Fernando Sabino)A Última Crônica (Fernando Sabino)
A Última Crônica (Fernando Sabino)
 
A ultima cronica portugues
A ultima cronica portuguesA ultima cronica portugues
A ultima cronica portugues
 
Cefet 2011[1]
Cefet 2011[1]Cefet 2011[1]
Cefet 2011[1]
 
A caminho do verão - Sarah Dessen
A caminho do verão - Sarah DessenA caminho do verão - Sarah Dessen
A caminho do verão - Sarah Dessen
 
Lembranças de família
Lembranças de famíliaLembranças de família
Lembranças de família
 

Mais de stuff5678

Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontoModulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontostuff5678
 
Módulo 2 pibid 2012 corrigido e finalizado pronto
Módulo 2 pibid 2012 corrigido e finalizado prontoMódulo 2 pibid 2012 corrigido e finalizado pronto
Módulo 2 pibid 2012 corrigido e finalizado prontostuff5678
 
Modulo3 poesia
Modulo3 poesiaModulo3 poesia
Modulo3 poesiastuff5678
 
Colhemos o que palantamos
Colhemos o que palantamosColhemos o que palantamos
Colhemos o que palantamosstuff5678
 
Módulo 6 teatro ditadura militar
Módulo 6 teatro ditadura militarMódulo 6 teatro ditadura militar
Módulo 6 teatro ditadura militarstuff5678
 
Modulo 5 pibid
Modulo 5 pibidModulo 5 pibid
Modulo 5 pibidstuff5678
 
Modulo 4 pibid
Modulo 4 pibidModulo 4 pibid
Modulo 4 pibidstuff5678
 
Módulo 5 avulso teatro
Módulo  5 avulso teatroMódulo  5 avulso teatro
Módulo 5 avulso teatrostuff5678
 
Módulo 5 teatro ditadura militar
Módulo  5  teatro ditadura militarMódulo  5  teatro ditadura militar
Módulo 5 teatro ditadura militarstuff5678
 
Modulo3 poesia (1) pronto
Modulo3 poesia (1) prontoModulo3 poesia (1) pronto
Modulo3 poesia (1) prontostuff5678
 
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontoModulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontostuff5678
 
Módulo avulso (gregório de matos)
Módulo avulso (gregório de matos)Módulo avulso (gregório de matos)
Módulo avulso (gregório de matos)stuff5678
 
Slide.terceiro encontro
Slide.terceiro encontroSlide.terceiro encontro
Slide.terceiro encontrostuff5678
 
Música casa no campo (slide)
Música casa no campo (slide)Música casa no campo (slide)
Música casa no campo (slide)stuff5678
 
Fuga bucólica
Fuga bucólicaFuga bucólica
Fuga bucólicastuff5678
 
Dinâmica observando o arcadismo
Dinâmica observando o arcadismoDinâmica observando o arcadismo
Dinâmica observando o arcadismostuff5678
 
Desvendando o poeta e suas poesias
Desvendando o poeta e suas poesiasDesvendando o poeta e suas poesias
Desvendando o poeta e suas poesiasstuff5678
 
Desvendando o poeta e suas poesias
Desvendando o poeta e suas poesiasDesvendando o poeta e suas poesias
Desvendando o poeta e suas poesiasstuff5678
 

Mais de stuff5678 (18)

Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontoModulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
 
Módulo 2 pibid 2012 corrigido e finalizado pronto
Módulo 2 pibid 2012 corrigido e finalizado prontoMódulo 2 pibid 2012 corrigido e finalizado pronto
Módulo 2 pibid 2012 corrigido e finalizado pronto
 
Modulo3 poesia
Modulo3 poesiaModulo3 poesia
Modulo3 poesia
 
Colhemos o que palantamos
Colhemos o que palantamosColhemos o que palantamos
Colhemos o que palantamos
 
Módulo 6 teatro ditadura militar
Módulo 6 teatro ditadura militarMódulo 6 teatro ditadura militar
Módulo 6 teatro ditadura militar
 
Modulo 5 pibid
Modulo 5 pibidModulo 5 pibid
Modulo 5 pibid
 
Modulo 4 pibid
Modulo 4 pibidModulo 4 pibid
Modulo 4 pibid
 
Módulo 5 avulso teatro
Módulo  5 avulso teatroMódulo  5 avulso teatro
Módulo 5 avulso teatro
 
Módulo 5 teatro ditadura militar
Módulo  5  teatro ditadura militarMódulo  5  teatro ditadura militar
Módulo 5 teatro ditadura militar
 
Modulo3 poesia (1) pronto
Modulo3 poesia (1) prontoModulo3 poesia (1) pronto
Modulo3 poesia (1) pronto
 
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura prontoModulo 1 conhecendo a literatura pronto
Modulo 1 conhecendo a literatura pronto
 
Módulo avulso (gregório de matos)
Módulo avulso (gregório de matos)Módulo avulso (gregório de matos)
Módulo avulso (gregório de matos)
 
Slide.terceiro encontro
Slide.terceiro encontroSlide.terceiro encontro
Slide.terceiro encontro
 
Música casa no campo (slide)
Música casa no campo (slide)Música casa no campo (slide)
Música casa no campo (slide)
 
Fuga bucólica
Fuga bucólicaFuga bucólica
Fuga bucólica
 
Dinâmica observando o arcadismo
Dinâmica observando o arcadismoDinâmica observando o arcadismo
Dinâmica observando o arcadismo
 
Desvendando o poeta e suas poesias
Desvendando o poeta e suas poesiasDesvendando o poeta e suas poesias
Desvendando o poeta e suas poesias
 
Desvendando o poeta e suas poesias
Desvendando o poeta e suas poesiasDesvendando o poeta e suas poesias
Desvendando o poeta e suas poesias
 

Modulo 4 avulso

  • 1. UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA PRO-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA PIBID LETRAS PROJETO: CliC CUlTURA, liTERATURA E CRiATiViDADE: DO ERUDiTO AO POPUlAR PROFESSORES: FLÁVIA KELLYANE MEDEIROS DA SILVA FLÁVIA OLIVEIRA LOPES GABRIELA SANTANA DE OLIVEIRA PRISCILA DA SILVA SANTANA RODRIGUES MÓDULO 04: AVUlsO: CRôniCA ALUNO:___________________________________________________
  • 2. wwwprojetoclicraul.blogspot.com Para ler e refletir: A Última Crônica A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome. Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga- o no pratinho -- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais o observa além de mim. São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força,
  • 3. apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê- lo. A mulher está olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido -- vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso. Fernando Sabino Disponível em: http://intervox.nce.ufrj.br/~jobis/s-ult.html. Acesso em: 18 de Maio de 2012. Fernando Sabino - Vida e obra Fernando Tavares Sabino nasceu em Belo Horizonte em 1923. Tradutor de Flaubert e Henry James, entre outros, Fernando Sabino, desde sua estréia em 1941, vem escrevendo contos, novelas, crônicas, romances e biografias. Trabalhou como jornalista e, durante o período em que teve uma importante editora, publicou livros de escritores brasileiros do porte de Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Rachel de Queiroz e Autran Dourado, além da obra de Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Através de um estilo ágil e direto, que confere a seus escritos um tom quase que de confidência oral, várias situações do cotidiano vão surgindo repletas de vibração e absurdo. A ausência de sentido das coisas, entretanto, aparece em inúmeras variações entre dois extremos: do aspecto noturno da inutilidade, que leva à fragilidade e à solidão humanas, ao diurno, no qual o cotidiano é visto como propiciador do cômico. Dele, já foi dito ser um "Kafka de eletricidade positiva", ou seja, um escritor para o qual o mundo só é suportável, e até mesmo divertido, justamente pelo absurdo que lhe é inerente. Obras: Os Grilos não Cantam Mais (1941) A Marca (1944) A Cidade Vazia, Medo em Nova York (1950) A Vida Real (1952) O Encontro Marcado (1956)
  • 4. O Homem Nu (1960) A Mulher do Vizinho (1962) O Grande Mentecapto (1979) O Menino no Espelho (1982) A Faca de Dois Gumes (1985) A Volta por Cima (1990) Com a Graça de Deus (199