O documento discute como o marketing influenciou negativamente a mídia e o jornalismo. A mídia tende a promover apenas um ponto de vista e defender os interesses de grandes empresas, em vez de questionar suas ações. A saúde pública também é criticada por falhar em apoiar mulheres em situação de vulnerabilidade.
1. Jornalismo aprende lições do marketing
Por Cláudia Rodrigues em 10/4/2006
O marketing é mesmo a ciência do século. Desafortunadamente atinge todas as tribos
profissionais. Médicos, engenheiros, jornalistas, advogados, professores; nenhuma cadeia de
profissionais resistiu aos apelos do marketing. Cursos de capacitação para lidar com
problemas ambientais que ensinam os gerentes de marketing a dizer que todos os problemas
serão resolvidos, que a empresa está empenhada em sanar todo e qualquer impacto – até
derivações estratosféricas como a armada pela reportagem do Fantástico a respeito da moça
que arquitetou com o namorado e o ex-futuro cunhado o assassinato dos pais.
Vale tudo por dinheiro, como diz o SBT. Vale tudo por qualquer causa e só são denunciadas
atitudes como a do advogado de Suzane [o Fantástico gravou secretamente as instruções dele
à cliente]. Quem se importa se a herança vai ficar com Suzane ou com o irmão dela? A mídia
já decidiu, e talvez esteja correta, que a moça merece ser condenada e o irmão é quem tem
direito à herança, portanto fica fácil denunciar esse tipo de farsa.
O mercado tem pressa
Mas... e quanto aos cursos de capacitação que ensinam a mentir deslavadamente? E sobre a
própria mídia, que detém essa arte para conduzir a opinião pública numa única direção? Os
requintes de perversidade do marketing deram agora uma volta completa: a mídia tem o
poder de escolher, de acordo com seus interesses ou desinteresses, o que desarmar e a quem
atacar em nome da ética e dos bons costumes.
Enquanto isso, a cada acidente ambiental, dessa ou daquela empresa, os telespectadores
ouvem que tudo será resolvido, que a empresa está ciente e tomará todas as atitudes
cabíveis. Todos já sabemos o que vamos ouvir das fontes oficiais e empresariais. É muito
cinismo.
Na semana passada todos os jornais publicaram que a Confederação Nacional da Indústria
está pressionando o governo para agilizar as licenças ambientais em nome do
desenvolvimento, dos investimentos e do crescimento de empregos. Curiosamente, nenhum
biólogo, antropólogo ou historiador independente foi ouvido sobre o que isso significa do
ponto de vista prático. O mercado tem pressa, o mercado médico e dos laboratórios também
tem pressa e em nome da pressa libera testes com cobaias humanas, que acabam mortas,
como aconteceu há duas semanas na Inglaterra. Sob o ponto de vista da economia vigente, a
urgência continua longe de atender às lentas e onerosas necessidades humanas e sempre
com um discurso único: "Tudo faremos para apurar e esclarecer, os responsáveis serão
punidos, a OAB vai tomar providências".
Mãe execrada
Essas declarações que a mídia nos faz engolir também poderiam ser desmascaradas, se ela
tivesse o mesmo fôlego que teve ao delatar um caso pessoal de violação de privacidade, em
meio a tanta lama que escorre edições abaixo e com proporções sociais muito maiores do que
o caso da infeliz família Richthofen.
Em tempo: mais um bebê abandonado, desta vez às vésperas da Páscoa, numa estação do
metrô de São Paulo. Os meios de comunicação continuam na mesma, dando a notícia, mas
sempre sem questionar o funcionamento da saúde pública e seus hospitalões imundos que
não mantêm qualquer tipo de infra-estrutura humana, absolutamente desvinculados da
história pessoal de cada paciente, totalmente alheios às necessidades de políticas públicas e
privadas de inclusão social.
Como dar alta, sem qualquer encaminhamento digno, a uma mulher miserável que não tem
como alimentar e cuidar dignamente de seu bebê? Isso certamente não é problema do
hospital, nem da mídia, que já julgou a mãe, execrando-a.