Mundo
Aúltima fotodo
Presidenteda
Venezuela,com as
filhas,tirada nodia 15
deFevereiro
57
D
uassemanasdepoisdetervolta-
doàVenezuela,vindodeCuba,
HugoChávezmorreuvítimade
uma infecção respiratória. O
anúncio foi feito na terça-feira,
5,às21h55,horadeLisboa,pelohomemque
o Presidente nomeara seu sucessor, o vice-
presidenteNicolasMaduro: “Recebemosain-
formaçãomais trágica. OcomandanteHugo
Chávezmorreu.”Logoaseguir,anunciouque
tinhacolocadoemalertaoExército.
Horasantes,Madurotinhareunidoascú-
pulas militares e políticas e dito,
emdirectonaTV,queoPresiden-
teestavaapassaroseumomento
mais difícil. Prometeu criar uma
comissãoparainvestigaraorigem
dadoençaeacusouosEUAdeten-
taremdesestabilizaropaís.
O Presidente não voltou a ser visto, nem
ouvido,desdequea11deDezembrofoiope-
radoemCuba,pelaquartavezem18meses,
aumtumornapélvis. Váriasnotíciasderam
contadecomplicações,provocadaspelostra-
tamentos,equeimpediramque,emJaneiro,
tomasseposseparaumterceiromandato.
OsrumoreslevaramoGovernoamostrar
na televisão fotografias de Hugo Chávez a
sorrir,aoladodasfilhas,aolharparaaedição
davéspera,dia14deFevereiro,dojornalcu-
banoGranma. Três dias depois,os venezue-
lanosforamsurpreendidosporumamensa-
gemdeChávez, enviadaatravés dasuacon-
ta no Twitter, que estava inactiva desde
Novembro:“HemosllegadodenuevoalaPatria
venezolana. Gracias Dios mío!! Gracias Pueblo
amado!!Aquícontinuaremoseltratamiento.”
LevadoparaoHospitalMilitar,HugoChá-
vez continuou, oficialmente, adirigir o país
por escrito – a traqueotomia a que foi sub-
metido impedia-o defalar. O único agaran-
tir publicamente que o estado de saúde do
Presidenteeragravefoioex-embaixadordo
PanamánaOrganizaçãodosEstadosAmeri-
canos. Guillermo CochezdisseàCNNqueo
PresidentedaVenezuelaestavaemmortece-
rebraldesde30deDezembroeporissoregres-
saraàVenezuela. Naterça-feiraànoite,osite
dodiárioespanholABCchegouaavançarque
Chávez teriamorrido em Cuba– paraonde
teriasidolevadonasexta-feira–11horasan-
tes doanúnciooficial.
Nasegunda-feira, 4, pelaprimeiravez, o
GovernoadmitiuqueHugoChávezpiorara:
“Apresentaumanovaeseverainfecção.”Eno
dia seguinte Nicolas Maduro dramatizou:
“OcomandanteChávezfoiatacado.”Nãore-
sistiu.MorreunomesmodiadeEstaline,60
anos depois.
OSÚLTIMOS
DIASDO
COMANDANTE
ESPECIAL.ALUTADECHÁVEZCONTRAOCANCRO
OPresidentedaVenezuelanãoresistiuaumainfecção
respiratóriae,naúltimaterça-feira,morreunoHospital
MilitardeCaracas.Tinha58anos.PorNunoTiagoPinto
Em FevereirooGoverno
mostrou fotografiasde Hugo
Chávezcom asduasfilhas
REUTERS
MUNDO
58
E
raaquartavisitaoficialdeHugoChá-
vezaPortugaldesdequeJoséSócra-
tes se tornara primeiro-ministro.
Comoeraseuhábito,oPresidenteve-
nezuelano chegouatrasado. Só que,
dessavez,desembarcouno Aeroporto Fran-
ciscoSáCarneiro,noPorto,a24deOutubro
de2010,umdiadepoisdoprevisto.Àespera
tinhaoentãosecretáriodeEstadodoComér-
cio,ServiçoseDefesadoConsumidor.“Cum-
primentámo-nos e ele disse que tinha de ir
falar aos jornalistas, mas que fazia questão
quefossecomeleparaVianadoCastelo”,re-
cordaFernandoSerrasqueiroàSÁBADO.
DepoisdeouvirHugoChávezelogiarabe-
lezadasrepórteresqueoaguardavamedizer
quevinhadar“asduasmãos”aPortugaleao
amigo JoséSócrates, Fernando Serrasqueiro
dirigiu-se ao carro reservado ao Presidente
venezuelano.Derepente,estegritou:“Nãoé
esse, anda.” Surpreendido, o português viu
HugoChávezencaminhar-separaumacarri-
nhaMercedesdestinadaàrestantecomitiva.
“Mandouosministroseafilhaentrarecome-
çouaperguntaraomotoristacomoéqueaqui-
loseconduzia. Enquantoocondutorlheex-
plicava, ele dizia-me: ‘Fixa para me dizeres
comoé’”,contaFernandoSerrasqueiro.“En-
troueperguntou-me:‘Estáscommedo?Não
tenhas queeuguiobem.’”
Comaescoltapolicialàfrente,HugoChá-
vezconduziuos 67kmqueseparamoaero-
porto do Porto dos Estaleiros Navais deVia-
nado Castelo (ENVC). “Foio caminho todo
acantar”,dizFernandoSerrasqueiro.“Eobri-
gouos ministros acantarcomele.”
ÀchegadaaosENVC,osecretáriodeEsta-
OsamigosemPortugal
ESPECIAL.ASEXCENTRICIDADESEOSNEGÓCIOSCONCRETIZADOSEMVÁRIASVISITAS
Conduziuumacarrinhaacantar,passeoupelaAvenidadaLiberdadecomMárioLino,
jantounaBicadoSapato,dormiuemLisboaemsegredo–edeixoucámuitosmilhões
HugoChávezcom o
retratodoseu ídolo
aofundo: Simón Bolívar,
ohomem quelibertou
a América Latina
dodomínioespanhol
NUNO TIAGO PINTO
SÁBADO
do teve ainda de impedir Hugo Chávez de
voltarafuraro protocolo quando viu ama-
nifestaçãodoMovimentoNaturalmenteNão
àsPortagens.“Perguntou-meseeramcomu-
nistas.Eupensavaqueeramdacomissãode
trabalhadoresedissequesim.Elerespondeu
logoqueentãoiaresolveroproblemaequis
pararocarro.Sóamuitocustoconseguicon-
vencê-lodequeeramelhornãoporqueopri-
meiro-ministroestavaàespera”,diz.
José Sócrates já sabia que Hugo Chávez
não iano automóvel previsto – o secretário
deEstadotinha-oavisadoduranteaviagem.
Aindaassim,ficouespantadoaovê-loentrar
nos ENVCsorridenteeabuzinar.
APESAR DE TER considerado José Sócrates
umgrandeamigo,arelaçãoentreosdoisnão
começou damelhor forma. Em 2005, o go-
verno socialista recusou dois pedidos de
Hugo Chávez paravisitarPortugaldevido à
detenção,naVenezuela,dopilotoportuguês
Luís Santos, acusado de tráfico de droga. A
aproximação deu-se no ano seguinte. “Em
Maiode2006,houveareuniãoanualentrea
União Europeiae aAméricaLatina, emVie-
na.Disseaoprimeiro-ministroque
deviafalarcomHugoChávezasós
algunsminutosporquepodiasair
dali muita coisa para os dois paí-
ses”,dizàSÁBADOoantigoembai-
xador de Portugal na Venezuela,
VascoBramãoRamos,quenaépo-
caeraorepresentanteportuguêsnaÁustria.
“Ele respondeu: ‘Jáo viumaouduas vezes,
mastodaagentemedizqueotiponãointe-
ressa’”,conta.
A reunião em Viena não estava prevista.
Mas acabou por se realizar. “Depois soube
queHugoCháveziapararemLisboaacami-
nhodaRússiaesugeriaoprimeiro-ministro
que pedisse para se encontrarem”, diz
Bramão Ramos. A23 deJulho de2006, José
Sócrateseolídervenezuelanoreuniram-sena
sala VIP do aeroporto de Lisboa durante
1h45m. Falaram da situação internacional,
massobretudodeoportunidadesdenegócio.
“AVenezuelainteressava-nos pordois mo-
tivos: garantirasegurançados 500milpor-
tugueses quelávivemeaumentaras expor-
tações, que rondavamos 16 milhões de eu-
ros”, diz àSÁBADO um ex-assessor de José
Sócrates. “Hugo Chávez queria abrir uma
portaparaaEuropa. Diziaquenão gostáva-
mos dele e que o achávamos um ditador”,
lembraFernandoSerrasqueiro.
O encontro no aeroporto correutão bem
que, dois meses depois, Hugo Chávez usou
umafotografiacomJoséSócratesnumcartaz
dasuacampanhaeleitoralcomasfrasesRom-
piendo el bloqueo. Venezuela se respeta! “Não
caiubem. Bastouumtelefonemaeeles reti-
raramlogoocartaz”,contafontediplomáti-
ca. Mas houve um segundo factorque con-
tribuiudecisivamenteparaaaproximaçãoen-
treos dois homens: MárioSoares.
Duassemanasantesdoencontronoaero-
porto,oex-PresidentedaRepúblicatinhaes-
tadonaVenezuelaaconvitedeRaulMorodo,
seuamigopessoaleentãoembaixadorespa-
nhol em Caracas. Nessa ocasião, conheceu
HugoChávez.“Convidou-meeaoRaulMo-
rodo para dar uma volta de avião”, contou
MárioSoaresementrevistaaoExpresso.Soa-
res ficou impressionado com o que viu. “É
um homem de convicções. Tem uma refe-
rência:SimónBolívar.Acreditanaintegração
da América Latina”, disse na mesma entre-
vista.Ficaramamigos.EmAbrilde2007,Soa-
resregressouaCaracas.Nessavez,HugoChá-
vez ofereceu-lhe umaespadadouradaigual
à do revolucionário que libertou a América
LatinadodomínioespanholnoséculoXVIII.
Terá sido graças à intervenção do ex-Presi-
denteque,a2deOutubro desseano,aGalp
EnergiaeaPetróleosdaVenezuela(PDVSA)
assinaramumacordoquepreviaaparticipa-
ção daempresaportuguesanaexploração e
produçãodepetróleonafaixadoOrinoco.
OIMPULSODEFINITIVOparaasrelaçõesen-
trePortugaleaVenezueladeu-se,porém,em
Novembrode2007,naCimeiraIbero-Ame-
ricana,emSantiagodoChile,quandooRei
de Espanha respondeu aos constantes in-
sultosdeHugoChávezaoantigoPresiden-
tedogovernoespanholcomoagorafamo-
so“Porquénotecallas?”. O incidentearrefe-
ceu as relações entre Espanha e Venezuela
–eabriuasportasàsempresasportuguesas.
Nessacimeira, Sócrates convidouCháveza
visitarLisboa, o que aconteceua21 de No-
vembro, no regresso deumaviagemqueo
levouao Irão e aParis.
Nas quatro horas que passou na capital
portuguesa, o líder venezuelano deu uma
conferênciadeimprensaejantouemSãoBen-
tocomoprimeiro-ministro,váriosmembros
do governo e Mário Soares. Arefeição (me-
Mandou osministrosentrarna
carrinha eobrigou-osa cantar
com eleaolongode67km
REUTERS
©DISNEY
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t
MUNDO
60
dalhõesdetamboril,leite-cremeefrutos)cen-
trou-se na polémica com Juan Carlos. “Foi
quaseoúnicotema.JoséSócratesintercedeu
afavordoRei.Via-sequeHugoChávezesta-
vaemocionado. Acertaalturadisse: ‘Se pu-
desse, resolviao problemajá. Mas não pos-
so’”,lembraàSÁBADOoex-ministrodaEco-
nomia,ManuelPinho.Nessaocasião,Sócrates
aconselhouaindaChávez adiversificarcon-
tactos.“Disse-lhequenãodeviairapenasao
IrãoeàBielorrússia,paísesditatoriais”,con-
tafontedogabinete.
Nosmesesseguintes,oPresidentedaVe-
nezuela passou discretamente por Lisboa,
ondeparavaemescalastécnicas.“Fuimuitas
vezesaoaeroportodeFigoMadurocumpri-
mentá-lo.Namaioriadasvezes,elenemsaía
do avião, mas chegou air ao bar comer um
pastelde nata”, contaFernando Serrasquei-
ro.Oproblemaerasaberaquehorasoavião
aterrava. “A certa altura comecei a pedir ao
embaixador português em Caracas que me
avisassequandoelelevantavavooporquees-
tavasempreairao aeroporto eavoltarpara
trás porque ele estava atrasado”, diz. Algu-
masdestasparagens(comoaqueocorreuno
fimdeAbrilde2008 equelevouMárioLino
eManuelPinhoaoaviãopresidencial)servi-
ramparaprepararavisitadeJoséSócrates à
Venezuela.
A13 deMaiode2008,oprimeiro-minis-
tro português chegou a Caracas com uma
comitivade80empresários. Mais umavez,
HugoChávezalterouoprotocolo.“Quando
chegou à altura da assinatura dos acordos,
vieramperguntar-nossenosimportávamos
que o Presidente fizesse as apresentações”,
conta à SÁBADO fonte do ante-
riorgoverno.Nãoseimportaram.
Alémdeapresentarcadaumdos
empresários,HugoChávezexpli-
coucadaumdos 45 acordos aos
venezuelanos que, ao longo de
três horas, assistiram à cerimó-
niaemdirecto pelatelevisão.
Osacordospreviamatrocadeprodutose
serviçosdeempresasportuguesasporpetró-
leo venezuelano. Umterço do dinheiro gas-
to porPortugal em petróleo eradepositado
numacontadaVenezuelanaCaixaGeralde
Depósitos edepois usadoparapagaràs em-
Grandeparteda
comunidade
portuguesaque
vivena
Venezuelaé
origináriada
Madeira. Chávez
sabe-oevisitou
oarquipélago
Na segunda visita de Mário
Soares, Hugo Chávezdeu-lhe
uma espada igual à de Bolívar
presasportuguesas.Àmedidaqueasexpor-
taçõesaumentaram(alimentos,medicamen-
tos,roupa,máquinas,etc.),essapercentagem
foicrescendo.Seem2007asexportaçõespara
aVenezuelaeramde16milhõesdeeuros,no
anoseguintepassarampara50milhõeseem
2009 atingiram os 163 milhões. Até Setem-
bro de 2012, segundo dados daAICEP, esse
valorchegouaos 226milhões deeuros.
EMCARACAS,NOFIMdacerimónia,umgru-
pomaisrestritodeslocou-seemtrêshelicóp-
teros militares àfaixado Orinoco, 500 kma
suldeCaracas.Oúltimoadescolartranspor-
tavaosresponsáveisdaGalpealgunsjorna-
listas. Ao sobrevoaracordilheiraquerodeia
acapitalvenezuelana,umabutrefoisugado
pelashélicesepartiuovidrodacabinedopi-
loto.“Ohelicópterodeuumabanãotremen-
JAIME GAMA
Em Março de 2001, o então
ministro dos Negócios Estran-
geiros fez uma visita oficial
a Caracas
JOSÉ SÓCRATES
O primeiro-ministro aproxi-
mou-se de Hugo Chávez
quando ele tinha más
relaçõescom Espanha
AFP
t
SÁBADO
do e perdeu altitude com a despressuriza-
ção”,contaàSÁBADOoentãoadministrador
daempresa,FernandoGomes.“Derepentevi
acarado piloto cheiadesangueesó depois
repareinopássaro. Foiumsusto”,diz.
O helicóptero regressou à base, os ocu-
pantes foramlevados paraoutroaparelhoe
voltaramadescolar. Entretanto, nafaixado
Orinoco,HugoChávezeJoséSócratesinau-
guravamabombadeextracçãodepetróleo.
O Presidente daVenezuelanão sabiao que
tinha acontecido ao terceiro helicóptero e
perguntouaoentãoministrodas
ObrasPúblicas,MárioLino,pelo
presidente daGalp. “Contei-lhe
o episódio do pássaro e ele res-
pondeu: ‘Devia ser um abutre
gringo’”,contaarir.
Nosmesesseguintesarelação
entre Hugo Chávez e Portugal
atingiuoauge.EmJulhode2008,
o Presidente venezuelano fez
umavisitadetrêsdiasaLisboa–
duranteaqualfoirecebidoporCavacoSilva
edepositouumacoroadefloresnaestátuade
SimónBolívar,naAvenidadaLiberdade.Uma
noite surpreendeuao contrariarasuaequi-
padesegurançaeaceitarumconvitedeJosé
Sócrates para jantar no restaurante Bica do
Sapato.“Ossegurançasdisseram-lhequeha-
viadificuldades, mas JoséSócrates garantiu
queemLisboanãohaviaproblemas”,conta
Fernando Serrasqueiro. “Todaagenteficou
espantada quando viu o primeiro-ministro
entrarcomHugoChávez”,dizMárioLino.O
grupo ficoudividido emquatro mesas. “Ele
gostoumuito.Elogiouacomida,foivisitara
cozinha e cumprimentar os empregados”,
lembraoex-ministro.
CavacoSilva disse
aoembaixador
americanoem
Lisboa que
Chávezera doido
MANUELPINHO
O ex-ministro
foi várias vezes
à Venezuela e
chegou a partici-
par no programa
Aló, Presidente
LUSA
AFP
AFP
PUB
t
MUNDO
62 7 MARÇO 2013
Estaproximidademotivouqueixasdoen-
tão embaixador norte-americano em Lis-
boa,AlHoffman.Deacordocomostelegra-
mas daembaixadados EUAem Lisboa, re-
velados pelo WikiLeaks, os responsáveis
portuguesesgarantiramaosamericanosque
passavammensagensdurasnosencontros.
“O Presidente Cavaco Silvaresumiu bema
questãoquandodisseaoembaixador:‘Têm
de compreender a nossa posição. Temos
500 mil portugueses lá. Sabemos – e eu já
estivecomele– queeleédoido,mas...”,lê-
-se numdocumento.
MASPORTUGALPRECISAVAdediversificar
as exportações. Na visita de Hugo Chávez
aLisboa,foramformalizadosacordosfeitos
emCaracaseassinadosdoisnovosmemo-
randosdeentendimentonaáreadasObras
Públicas.AsmissõesàVenezuelacontinua-
ram aum ritmo quase mensal. Só Fernan-
do Serrasqueiro esteve em Caracas 25 ve-
zes.“Quandofazíamosalgumnegócioten-
távamoslançaropróximo”,conta.Foiassim
que nasceu o negócio dos Magalhães.
“Numadas visitas, falei-lhe nos computa-
dores eeleficouinteressado”,recordaMá-
rio Lino. “Disse-lhe que quando viesse a
Portugallhe levavaum.”
Cercadeumasemanadepois,HugoChá-
vez fez umaescalaemLisboaacaminho da
Europa de Leste. Eram altas horas da noite.
Mário Lino e Fernando Serrasqueiro foram
cumprimentá-loelevaramumcomputador.
“Encenámos umacoisa. Aodar-lheoMaga-
lhães, o Mário Lino deixou-o cairde propó-
sito”,contaoex-secretáriodeEstado.“Elefi-
cou aflito, mas dissemos-lhe que não havia
problema, que ele continuava a trabalhar e
queerabomparaascrianças”,dizoex-minis-
tro. Em Setembro de 2008, o Presidente ve-
nezuelano deixavao computadorcairnate-
AsfrasesmaismarcantesdeHugoChávez
DOS ELOGIOS A FIDEL CASTRO AOS INSULTOS AOS ESTADOS UNIDOS E A GEORGE W. BUSH
O NEOLIBERALISMO
É O CAMINHO QUE
LEVA AO INFERNO
TU [FIDEL CASTRO]
ÉS O PAI DOS
REVOLUCIONÁ-
RIOS DO NOSSO
CONTINENTE, TU
ÉS O NOSSO PAI
Creio que sofremos de impo-
tência política. Precisamos
de um viagra político
Seriaestranhoquetivessem
desenvolvidoumatecnologia
parainduzirocancroeninguém
osaibaatéagoraesedescubra
istodentrode50anos?
Vãoparaocaralho,ianquesde
merda,queaquiháumpovodigno.
Vãoparaocaralho100vezes
O mundo deve
esquecer o
petróleo barato
SERRICOÉMAU,ÉDESUMANO.
ASSIMODIGOECONDENOOSRICOS
ÉS UM IGNORANTE,
MISTER DANGER, ÉS
UM BURRO OU, PARA
TE DIZER ISTO NO MEU
BAD ENGLISH: YOU ARE
A DONKEY, MR.
DANGER. (...)
COBARDE, ASSASSINO,
GENOCIDA, ÉS UM
ALCOÓLICO, MISTER
DANGER, ÉS DO PIOR
Israel critica muito Hitler,
nós também, mas eles fize-
ram algo parecido ou até
pior do que os nazis fizeram
O DIABO ESTEVE AQUI, NESTE
LUGAR [BENZEU-SE NO PÚLPITO
DA ONU ONDE BUSH ESTIVERA].
AINDA CHEIRA A ENXOFRE
O Papa não é
nenhum embaixa-
dor de Cristo na
Terra, como eles
dizem. Por amor
de Deus! O que é
isso? Embaixador
de Cristo. Cristo
não precisa de
embaixador, Cristo
está no povo
OBAMA, ÉS
UMA FRAUDE,
UMA FRAUDE
TOTAL. SE EU
PUDESSE SER
CANDIDATO
NOS ESTADOS
UNIDOS, VAR-
RIA-TE, GANHA-
VA-TE 80-20
DÁ-ME ATUACOROA,
CRISTO, DÁ-ME ATUA
COROAQUE EU SAN-
GRO. DÁ-ME ATUA
CRUZ, 100 CRUZES,
QUE EU LEVO-AS,
MAS DÁ-ME VIDA
PORQUE AINDA
TENHO COISAS POR
FAZER POR ESTE
POVO, POR ESTA
PÁTRIA. NÃO ME
LEVES AINDA
D.R.
D.R
t
63
levisãovenezuelanaparamostrarcomooapa-
relho era bom. “Aguenta bombardeamen-
tos”, disse. Na mesma ocasião, anunciou a
compra de um milhão de computadores –
queforamrebaptizados de“Canaima”.
Ocontratofoiassinadoa26deSetembro,
porocasião dapenúltimavisitaaPortugal
deHugoChávez,quefoirecebidonoaero-
porto de Figo Maduro por Mário Lino. O
ministroacompanhou-oatéaoHotelTivo-
li,naAvenidadaLiberdade,ondeficouins-
talado devido àproximidadedaestátuade
SimónBolívar.“Quandomeiadespedir,ele
pediu-me para esperar. Deixou as malas,
desceusemsegurançaefomosdarumpas-
seiopelaavenida”,recorda. “Descemosaté
aosRestauradoresesentámo-nosnumban-
co a conversar. Houve alguns turistas que
o reconheceram e foram cumprimentar. E
ele ficou ali a falar com eles. Era uma pes-
soamuito acessível.”
Os negócios entre os dois países conti-
nuaram a crescer. Mas teria de passar um
anoemeioatéHugoChávezeJoséSócrates
voltaremaencontrar-se.Oprimeiro-minis-
tro português aproveitou a deslocação ao
Brasil para se encontrar com o líder vene-
zuelanoereforçaracooperaçãoeconómica.
Oencontroteráservidotambémparadesblo-
quearacordosjáfeitosqueestavamparados.
“OsprocessosnaVenezuelasãolentos.Aes-
truturaémuitoburocráticaeinstável. Além
dos ministros, háaindaos responsáveis da
PetróleosdaVenezuelaSAquetutelamáreas
específicas,comoasredesdedistribuiçãode
alimentosfinanciadascomodinheirodope-
tróleo”, explica Fernando Serrasqueiro. Foi
o caso da construção, anunciada em 2008,
de50milcasasdehabitaçãosocialpelogru-
poLena.Onegócio,avaliadoemmaisde600
milhões de euros, sofreu várias alterações.
Primeiro foidesdobrado emvárias fases de
construção.Depois,HugoChávezexigiuque
a empresa fizesse 15 mil casas e instalasse
no país uma fábrica para as restantes. Pelo
meio, a queda no preço do petróleo dimi-
nuiuacapacidadefinanceiraao país.
Navisita,JoséSócratestentouresolverum
problemados Estaleiros de Vianado Caste-
lo: o que fazeraos navios Atlântidae Antici-
clone, rejeitados pelo Governo dos Açores.
“No caminho até ao palácio de Miraflores,
disseao primeiro-ministro queos venezue-
lanos estavamàprocurade uns barcos para
aligaçãoàilhaMargarita. E JoséSócrates fa-
lou-lhe no Atlântida”, conta Fernando Ser-
rasqueiro.“Eleachouinteressante,disseaos
ministros para tomarem nota e começou a
riscarnummapaotrajecto”,continua.
NA PASSAGEM PELOS ENVC, Hugo Chávez
visitouoAtlântidaemostrou-seinteressado
em comprar um barco “bom e barato” – o
que acaboupornão acontecerporque as al-
terações necessárias iriam encarecê-lo. Nes-
saocasião,oPresidentevenezuela-
noassinouocontratodecomprade
doisnaviosasfalteiros,novalorde
129milhõesdeeuros.AVenezue-
laacabouporadiantar13 milhões
de euros para a compra de ferro,
mas os ENVC usaram o dinheiro
noutrasdespesaseaconstruçãofoiatrasada.
“Osestaleiroséqueestãoemfalta.Oprimei-
ro barco deviaestaraserentregue”, diz Fer-
nandoSerrasqueiro.
Namesmavisita,osresponsáveisportu-
guesespuderamverHugoChávezaactuar
emdirectoparaatelevisão.“Eletraziasem-
pre a própria equipa ”, diz à SÁBADO um
antigo colaborador de José Sócrates. “Os
assessorestraziamumascartolinasquedi-
ziam‘emdirecto’ e quando as mostravam
elevirava-separaas câmaras ecomeçavaa
falar. Nosestaleirosesteveemdirectoaex-
plicarondeestavaeoqueiaacontecendo”,
continua.
DepoisdeVianadoCastelo,acomitivafoi
almoçaràCasadeChádaBoaNova,emLeça
daPalmeira,umadasprimeirasobrasdeSiza
Vieira.“Queríamosvenderaarquitecturapor-
tuguesa porque eles tinham projectos para
auditórios”, diz Fernando Serrasqueiro. No
fimdarefeição,JoséSócratesregressouaLis-
boa.HugoChávezaindavisitouaprodutora
do Magalhães, a JP Sá Couto, e assinou um
acordoparaofornecimentodemaisummi-
lhãoemeiodecomputadores.Nãochegoua
recebê-los todos.
Em 2006,HugoChávezusou uma fotografia
com JoséSócratesnum cartazeleitoral
PertodosRestauradores
algunsturistasreconheceram
Chávezeficaram à conversa
Há 500mil portuguesesna Venezuela.
Opotencial denegócioséimenso
AFPCM
MUNDO
64
Objectivo:governara
H
ugo Chávez fora enviado pelo
exército para combater um
movimento rebelde, no iní-
cio dadécadade80. Ao des-
cobrirquealgunssuspeitos
tinhamsidoespancadosetorturados,
resolveu falar com o irmão mais ve-
lho, um professor marxista, sobre o
assunto. Durante a conversa terá tido
umaespéciedeepifania.Eem1983reu-
niu-secomoutrosmilitaressobaárvore
ondeSimónBolívargostavadedescansar
ecriouoMovimentoRevolucionárioBoli-
variano200–osanosqueseparavamogru-
po do nascimento do libertadordaAmérica
Latinadodomínioespanhol.Objectivo:subs-
tituirogoverno.
Filho de dois professores comascendên-
ciaindígena,africanaeespanhola,passouos
anos seguintes a recrutar elementos para a
causa. Nascido a 28 de Julho de 1954 num
bairropobredeSabatena,viveupartedaado-
lescênciaemcasadaavó.Dividiaotempoli-
vre avender os bolos que elafaziae ajogar
basebol. Alto, magro e compés grandes, ti-
nha a alcunha de Pateta. Sonhava ser joga-
dorprofissionalefoiporisso queseinscre-
veunaacademiamilitar.Esperavaqueavida
emCaracaslhepermitisseentrarnumaequi-
pa. Mas apaixonou-sepelatropa.
A4deFevereirode1992,HugoRafaelChá-
vez Frías julgou que tinha chegado a sua
hora.LiderouumgolpecontraoPresidente
CarlosAndrésPérez.Oplanofalhou.Captu-
rado,foiàtelevisãopediraoscamaradaspara
deporemasarmas.Eusouominutoquelhe
deramparaseapresentaraopaís.“Ouçamo
comandanteChávez”,disse.Assumiuares-
ponsabilidadedofracassoeproclamouque
os objectivos nãotinhamsidoalcançados –
“por agora”. Nos dias seguintes, a venda
de boinas vermelhas como as que usava
NUNO TIAGO PINTO
Tentouserjogadordebasebol,mas apaixonou-sepelavidamilitar.Admirador d
ESPECIAL.AADOLESCÊNCIA,ASPOLÉMICASEOPODER
4
Número de eleições para
a presidência da Vene-
zuela ganhas porHugo
Chávezdesde 1998
9
Horas que esteve a dis-
cursarnoparlamentodu-
rante o debate sobre o es-
tado da nação em 2012
20
Anos que estaria no po-
derse cumprisse o man-
dato para que foi eleito
em Outubrode2012
200
Anos que separavam o
nascimento de Simón Bo-
lívarda criação do Movi-
mentoBolivariano200
2
Anos que esteve preso
após a tentativa falhada
degolpedeEstadoem
Fevereiro de 1992
REUTERS
7 MARÇO 2013
65
ratéaos95anos
disparounos bairros. Tornara-seumherói.
Estevepresodoisanos.Libertadograçasà
amnistiadoPresidenteRafaelCalderaRodrí-
guez,fundouoMovimentoVRepública.A6
de Dezembro de 1998, foi eleito Presidente
comapromessaderedistribuirariquezado
petróleopelospobres.Nasreuniõesdecam-
panha, havia sempre uma cadeira vazia ao
seulado– eraolugardo“libertador”.
ASSIMQUETOMOUPOSSE,promoveuuma
novaConstituição.Odocumentoautorizou-
oacumprirdoismandatosdeseisanos(era
sóum,decinco),acrescentouBolivarianaao
nomedopaís(RepúblicaBolivarianadaVe-
nezuela), passouacontrolaro exér-
cito e eliminouumacâmarado par-
lamento. Depois distribuiu o livro
pelo povo.
A 11 de Abril de 2002, foi vítima
de umgolpe de Estado apoiado pe-
los EUA. O chefe do exército, Lucas
Rincón (actual embaixador em Portugal),
anunciou que Chávez tinha resignado. No
entanto,oPresidenteconseguiuenviaruma
mensagemadesmenti-lo.Milharesdepes-
soasexigiramoseuregressoeumgrupode
militaresleaislibertou-o.Ogolpedurou47
horas.Devoltaaopoder,radicalizou-se.Na-
cionalizou parte da economia, afastou os
juízes do Supremo Tribunal e entrou em
confronto com os media que apoiavam a
oposição. AosaberqueWashingtonapoia-
rao golpe, passouaatacaros EUA.
Quando os professores e médicos vene-
zuelanos recusaram participar em campa-
nhasnosbairrospobres,fezumacordocom
o amigo Fidel Castro: em trocade petróleo,
o líder cubano enviou profissionais para as
chamadasmissõesbolivarianas.HugoChá-
vezesforçou-sepormanterabasedeapoio.
Fazia-oatravésdoprogramadeTVsemanal
Aló,Presidente,noqualfalavadurantehoras,
resolviaproblemas e até chegouademitire
nomear ministros em directo. Foi também
natelevisãoquecomeçouarevelaroseues-
tado de saúde. A9 de Maio de 2011, telefo-
nou para um programa e disse que dores
numjoelhooobrigavamadescansar.“Pode
sernecessárioumacirurgia”,explicou.
Ummês depois foioperado de urgência,
emCuba.OGovernodesmentiuquetivesse
cancro. Atéquea30deJulho,numdiscurso
emHavana, Chávezrevelouquelheforare-
tirado umtumor, semespecificaro tipo. De
cabeçarapada, dissequeos tratamentos es-
tavamaresultar.Apósváriassessõesdequi-
mioterapia, anunciou tervencido adoença.
Atéque,a21deFevereirode2012,foinova-
menteoperado. AntesdaseleiçõesdeOutu-
bro,voltouadizerqueestavacurado.
Maisumavez,foireeleito.Sóperdeuuma
eleição: oreferendoquepretendiaeliminar
os limites ao número de mandatos conse-
cutivos. No entanto, nesse mesmo ano
(2007), contornou a decisão e fez aprovar
umaemendaàconstituiçãoparafazercum-
prir a sua vontade. Nessa altura disse que
queriacontinuarno poderaté 2049, quan-
do faria95 anos. Não conseguiu.
r deBolívar,tornou-seoheróidospobres.EraodiadopelaclassemédiaeafrontavaosEUA
Amigoeadmirador
de Fidel Castro,era o
segundodeseisirmãos.
Gostava dejogar
basebol,decantar
etevecincofilhos
dedoiscasamentos
Depoisdelideraruma
tentativa degolpedeEstado,
ficou presodurantedoisanos
CORES
A boina vermelha
tornou-seumsímbolo.
Tal comoosfatosde
treinocom a
bandeira
Correcção
A hora tardia a que foi anunciada a
morte de Hugo Chávez obrigou a alte-
rações de última hora no plano da re-
vista. Por esse motivo, em algumas
edições o sumário sai desactualizado.
REUTERS

Hugo Chavez em Portugal

  • 1.
  • 2.
    57 D uassemanasdepoisdetervolta- doàVenezuela,vindodeCuba, HugoChávezmorreuvítimade uma infecção respiratória.O anúncio foi feito na terça-feira, 5,às21h55,horadeLisboa,pelohomemque o Presidente nomeara seu sucessor, o vice- presidenteNicolasMaduro: “Recebemosain- formaçãomais trágica. OcomandanteHugo Chávezmorreu.”Logoaseguir,anunciouque tinhacolocadoemalertaoExército. Horasantes,Madurotinhareunidoascú- pulas militares e políticas e dito, emdirectonaTV,queoPresiden- teestavaapassaroseumomento mais difícil. Prometeu criar uma comissãoparainvestigaraorigem dadoençaeacusouosEUAdeten- taremdesestabilizaropaís. O Presidente não voltou a ser visto, nem ouvido,desdequea11deDezembrofoiope- radoemCuba,pelaquartavezem18meses, aumtumornapélvis. Váriasnotíciasderam contadecomplicações,provocadaspelostra- tamentos,equeimpediramque,emJaneiro, tomasseposseparaumterceiromandato. OsrumoreslevaramoGovernoamostrar na televisão fotografias de Hugo Chávez a sorrir,aoladodasfilhas,aolharparaaedição davéspera,dia14deFevereiro,dojornalcu- banoGranma. Três dias depois,os venezue- lanosforamsurpreendidosporumamensa- gemdeChávez, enviadaatravés dasuacon- ta no Twitter, que estava inactiva desde Novembro:“HemosllegadodenuevoalaPatria venezolana. Gracias Dios mío!! Gracias Pueblo amado!!Aquícontinuaremoseltratamiento.” LevadoparaoHospitalMilitar,HugoChá- vez continuou, oficialmente, adirigir o país por escrito – a traqueotomia a que foi sub- metido impedia-o defalar. O único agaran- tir publicamente que o estado de saúde do Presidenteeragravefoioex-embaixadordo PanamánaOrganizaçãodosEstadosAmeri- canos. Guillermo CochezdisseàCNNqueo PresidentedaVenezuelaestavaemmortece- rebraldesde30deDezembroeporissoregres- saraàVenezuela. Naterça-feiraànoite,osite dodiárioespanholABCchegouaavançarque Chávez teriamorrido em Cuba– paraonde teriasidolevadonasexta-feira–11horasan- tes doanúnciooficial. Nasegunda-feira, 4, pelaprimeiravez, o GovernoadmitiuqueHugoChávezpiorara: “Apresentaumanovaeseverainfecção.”Eno dia seguinte Nicolas Maduro dramatizou: “OcomandanteChávezfoiatacado.”Nãore- sistiu.MorreunomesmodiadeEstaline,60 anos depois. OSÚLTIMOS DIASDO COMANDANTE ESPECIAL.ALUTADECHÁVEZCONTRAOCANCRO OPresidentedaVenezuelanãoresistiuaumainfecção respiratóriae,naúltimaterça-feira,morreunoHospital MilitardeCaracas.Tinha58anos.PorNunoTiagoPinto Em FevereirooGoverno mostrou fotografiasde Hugo Chávezcom asduasfilhas REUTERS
  • 3.
    MUNDO 58 E raaquartavisitaoficialdeHugoChá- vezaPortugaldesdequeJoséSócra- tes se tornaraprimeiro-ministro. Comoeraseuhábito,oPresidenteve- nezuelano chegouatrasado. Só que, dessavez,desembarcouno Aeroporto Fran- ciscoSáCarneiro,noPorto,a24deOutubro de2010,umdiadepoisdoprevisto.Àespera tinhaoentãosecretáriodeEstadodoComér- cio,ServiçoseDefesadoConsumidor.“Cum- primentámo-nos e ele disse que tinha de ir falar aos jornalistas, mas que fazia questão quefossecomeleparaVianadoCastelo”,re- cordaFernandoSerrasqueiroàSÁBADO. DepoisdeouvirHugoChávezelogiarabe- lezadasrepórteresqueoaguardavamedizer quevinhadar“asduasmãos”aPortugaleao amigo JoséSócrates, Fernando Serrasqueiro dirigiu-se ao carro reservado ao Presidente venezuelano.Derepente,estegritou:“Nãoé esse, anda.” Surpreendido, o português viu HugoChávezencaminhar-separaumacarri- nhaMercedesdestinadaàrestantecomitiva. “Mandouosministroseafilhaentrarecome- çouaperguntaraomotoristacomoéqueaqui- loseconduzia. Enquantoocondutorlheex- plicava, ele dizia-me: ‘Fixa para me dizeres comoé’”,contaFernandoSerrasqueiro.“En- troueperguntou-me:‘Estáscommedo?Não tenhas queeuguiobem.’” Comaescoltapolicialàfrente,HugoChá- vezconduziuos 67kmqueseparamoaero- porto do Porto dos Estaleiros Navais deVia- nado Castelo (ENVC). “Foio caminho todo acantar”,dizFernandoSerrasqueiro.“Eobri- gouos ministros acantarcomele.” ÀchegadaaosENVC,osecretáriodeEsta- OsamigosemPortugal ESPECIAL.ASEXCENTRICIDADESEOSNEGÓCIOSCONCRETIZADOSEMVÁRIASVISITAS Conduziuumacarrinhaacantar,passeoupelaAvenidadaLiberdadecomMárioLino, jantounaBicadoSapato,dormiuemLisboaemsegredo–edeixoucámuitosmilhões HugoChávezcom o retratodoseu ídolo aofundo: Simón Bolívar, ohomem quelibertou a América Latina dodomínioespanhol NUNO TIAGO PINTO
  • 4.
    SÁBADO do teve aindade impedir Hugo Chávez de voltarafuraro protocolo quando viu ama- nifestaçãodoMovimentoNaturalmenteNão àsPortagens.“Perguntou-meseeramcomu- nistas.Eupensavaqueeramdacomissãode trabalhadoresedissequesim.Elerespondeu logoqueentãoiaresolveroproblemaequis pararocarro.Sóamuitocustoconseguicon- vencê-lodequeeramelhornãoporqueopri- meiro-ministroestavaàespera”,diz. José Sócrates já sabia que Hugo Chávez não iano automóvel previsto – o secretário deEstadotinha-oavisadoduranteaviagem. Aindaassim,ficouespantadoaovê-loentrar nos ENVCsorridenteeabuzinar. APESAR DE TER considerado José Sócrates umgrandeamigo,arelaçãoentreosdoisnão começou damelhor forma. Em 2005, o go- verno socialista recusou dois pedidos de Hugo Chávez paravisitarPortugaldevido à detenção,naVenezuela,dopilotoportuguês Luís Santos, acusado de tráfico de droga. A aproximação deu-se no ano seguinte. “Em Maiode2006,houveareuniãoanualentrea União Europeiae aAméricaLatina, emVie- na.Disseaoprimeiro-ministroque deviafalarcomHugoChávezasós algunsminutosporquepodiasair dali muita coisa para os dois paí- ses”,dizàSÁBADOoantigoembai- xador de Portugal na Venezuela, VascoBramãoRamos,quenaépo- caeraorepresentanteportuguêsnaÁustria. “Ele respondeu: ‘Jáo viumaouduas vezes, mastodaagentemedizqueotiponãointe- ressa’”,conta. A reunião em Viena não estava prevista. Mas acabou por se realizar. “Depois soube queHugoCháveziapararemLisboaacami- nhodaRússiaesugeriaoprimeiro-ministro que pedisse para se encontrarem”, diz Bramão Ramos. A23 deJulho de2006, José Sócrateseolídervenezuelanoreuniram-sena sala VIP do aeroporto de Lisboa durante 1h45m. Falaram da situação internacional, massobretudodeoportunidadesdenegócio. “AVenezuelainteressava-nos pordois mo- tivos: garantirasegurançados 500milpor- tugueses quelávivemeaumentaras expor- tações, que rondavamos 16 milhões de eu- ros”, diz àSÁBADO um ex-assessor de José Sócrates. “Hugo Chávez queria abrir uma portaparaaEuropa. Diziaquenão gostáva- mos dele e que o achávamos um ditador”, lembraFernandoSerrasqueiro. O encontro no aeroporto correutão bem que, dois meses depois, Hugo Chávez usou umafotografiacomJoséSócratesnumcartaz dasuacampanhaeleitoralcomasfrasesRom- piendo el bloqueo. Venezuela se respeta! “Não caiubem. Bastouumtelefonemaeeles reti- raramlogoocartaz”,contafontediplomáti- ca. Mas houve um segundo factorque con- tribuiudecisivamenteparaaaproximaçãoen- treos dois homens: MárioSoares. Duassemanasantesdoencontronoaero- porto,oex-PresidentedaRepúblicatinhaes- tadonaVenezuelaaconvitedeRaulMorodo, seuamigopessoaleentãoembaixadorespa- nhol em Caracas. Nessa ocasião, conheceu HugoChávez.“Convidou-meeaoRaulMo- rodo para dar uma volta de avião”, contou MárioSoaresementrevistaaoExpresso.Soa- res ficou impressionado com o que viu. “É um homem de convicções. Tem uma refe- rência:SimónBolívar.Acreditanaintegração da América Latina”, disse na mesma entre- vista.Ficaramamigos.EmAbrilde2007,Soa- resregressouaCaracas.Nessavez,HugoChá- vez ofereceu-lhe umaespadadouradaigual à do revolucionário que libertou a América LatinadodomínioespanholnoséculoXVIII. Terá sido graças à intervenção do ex-Presi- denteque,a2deOutubro desseano,aGalp EnergiaeaPetróleosdaVenezuela(PDVSA) assinaramumacordoquepreviaaparticipa- ção daempresaportuguesanaexploração e produçãodepetróleonafaixadoOrinoco. OIMPULSODEFINITIVOparaasrelaçõesen- trePortugaleaVenezueladeu-se,porém,em Novembrode2007,naCimeiraIbero-Ame- ricana,emSantiagodoChile,quandooRei de Espanha respondeu aos constantes in- sultosdeHugoChávezaoantigoPresiden- tedogovernoespanholcomoagorafamo- so“Porquénotecallas?”. O incidentearrefe- ceu as relações entre Espanha e Venezuela –eabriuasportasàsempresasportuguesas. Nessacimeira, Sócrates convidouCháveza visitarLisboa, o que aconteceua21 de No- vembro, no regresso deumaviagemqueo levouao Irão e aParis. Nas quatro horas que passou na capital portuguesa, o líder venezuelano deu uma conferênciadeimprensaejantouemSãoBen- tocomoprimeiro-ministro,váriosmembros do governo e Mário Soares. Arefeição (me- Mandou osministrosentrarna carrinha eobrigou-osa cantar com eleaolongode67km REUTERS ©DISNEY 6-7 ABRIL PAVILHÃO ATLÂNTICOBILHETES À VENDA: Bilheteiras Pavilhão Atlântico, lojas Fnac, El Corte Inglés, lojas Worten, Media Markt, Agências ABEP e Alvalade, Turismo de Lisboa. Tel.: 707 780 000 Online: www.blueticket.pt WWW.DISNEYONICE.COM.PT Class. Etária: M/3 - Info: www.ritmoseblues.ptClass. Etária: M/3 - Info: www.ritmoseblues.pt Embarca nesta viagem, na companhia de mais de 45 personagens Disney PUB t
  • 5.
    MUNDO 60 dalhõesdetamboril,leite-cremeefrutos)cen- trou-se na polémicacom Juan Carlos. “Foi quaseoúnicotema.JoséSócratesintercedeu afavordoRei.Via-sequeHugoChávezesta- vaemocionado. Acertaalturadisse: ‘Se pu- desse, resolviao problemajá. Mas não pos- so’”,lembraàSÁBADOoex-ministrodaEco- nomia,ManuelPinho.Nessaocasião,Sócrates aconselhouaindaChávez adiversificarcon- tactos.“Disse-lhequenãodeviairapenasao IrãoeàBielorrússia,paísesditatoriais”,con- tafontedogabinete. Nosmesesseguintes,oPresidentedaVe- nezuela passou discretamente por Lisboa, ondeparavaemescalastécnicas.“Fuimuitas vezesaoaeroportodeFigoMadurocumpri- mentá-lo.Namaioriadasvezes,elenemsaía do avião, mas chegou air ao bar comer um pastelde nata”, contaFernando Serrasquei- ro.Oproblemaerasaberaquehorasoavião aterrava. “A certa altura comecei a pedir ao embaixador português em Caracas que me avisassequandoelelevantavavooporquees- tavasempreairao aeroporto eavoltarpara trás porque ele estava atrasado”, diz. Algu- masdestasparagens(comoaqueocorreuno fimdeAbrilde2008 equelevouMárioLino eManuelPinhoaoaviãopresidencial)servi- ramparaprepararavisitadeJoséSócrates à Venezuela. A13 deMaiode2008,oprimeiro-minis- tro português chegou a Caracas com uma comitivade80empresários. Mais umavez, HugoChávezalterouoprotocolo.“Quando chegou à altura da assinatura dos acordos, vieramperguntar-nossenosimportávamos que o Presidente fizesse as apresentações”, conta à SÁBADO fonte do ante- riorgoverno.Nãoseimportaram. Alémdeapresentarcadaumdos empresários,HugoChávezexpli- coucadaumdos 45 acordos aos venezuelanos que, ao longo de três horas, assistiram à cerimó- niaemdirecto pelatelevisão. Osacordospreviamatrocadeprodutose serviçosdeempresasportuguesasporpetró- leo venezuelano. Umterço do dinheiro gas- to porPortugal em petróleo eradepositado numacontadaVenezuelanaCaixaGeralde Depósitos edepois usadoparapagaràs em- Grandeparteda comunidade portuguesaque vivena Venezuelaé origináriada Madeira. Chávez sabe-oevisitou oarquipélago Na segunda visita de Mário Soares, Hugo Chávezdeu-lhe uma espada igual à de Bolívar presasportuguesas.Àmedidaqueasexpor- taçõesaumentaram(alimentos,medicamen- tos,roupa,máquinas,etc.),essapercentagem foicrescendo.Seem2007asexportaçõespara aVenezuelaeramde16milhõesdeeuros,no anoseguintepassarampara50milhõeseem 2009 atingiram os 163 milhões. Até Setem- bro de 2012, segundo dados daAICEP, esse valorchegouaos 226milhões deeuros. EMCARACAS,NOFIMdacerimónia,umgru- pomaisrestritodeslocou-seemtrêshelicóp- teros militares àfaixado Orinoco, 500 kma suldeCaracas.Oúltimoadescolartranspor- tavaosresponsáveisdaGalpealgunsjorna- listas. Ao sobrevoaracordilheiraquerodeia acapitalvenezuelana,umabutrefoisugado pelashélicesepartiuovidrodacabinedopi- loto.“Ohelicópterodeuumabanãotremen- JAIME GAMA Em Março de 2001, o então ministro dos Negócios Estran- geiros fez uma visita oficial a Caracas JOSÉ SÓCRATES O primeiro-ministro aproxi- mou-se de Hugo Chávez quando ele tinha más relaçõescom Espanha AFP t
  • 6.
    SÁBADO do e perdeualtitude com a despressuriza- ção”,contaàSÁBADOoentãoadministrador daempresa,FernandoGomes.“Derepentevi acarado piloto cheiadesangueesó depois repareinopássaro. Foiumsusto”,diz. O helicóptero regressou à base, os ocu- pantes foramlevados paraoutroaparelhoe voltaramadescolar. Entretanto, nafaixado Orinoco,HugoChávezeJoséSócratesinau- guravamabombadeextracçãodepetróleo. O Presidente daVenezuelanão sabiao que tinha acontecido ao terceiro helicóptero e perguntouaoentãoministrodas ObrasPúblicas,MárioLino,pelo presidente daGalp. “Contei-lhe o episódio do pássaro e ele res- pondeu: ‘Devia ser um abutre gringo’”,contaarir. Nosmesesseguintesarelação entre Hugo Chávez e Portugal atingiuoauge.EmJulhode2008, o Presidente venezuelano fez umavisitadetrêsdiasaLisboa– duranteaqualfoirecebidoporCavacoSilva edepositouumacoroadefloresnaestátuade SimónBolívar,naAvenidadaLiberdade.Uma noite surpreendeuao contrariarasuaequi- padesegurançaeaceitarumconvitedeJosé Sócrates para jantar no restaurante Bica do Sapato.“Ossegurançasdisseram-lhequeha- viadificuldades, mas JoséSócrates garantiu queemLisboanãohaviaproblemas”,conta Fernando Serrasqueiro. “Todaagenteficou espantada quando viu o primeiro-ministro entrarcomHugoChávez”,dizMárioLino.O grupo ficoudividido emquatro mesas. “Ele gostoumuito.Elogiouacomida,foivisitara cozinha e cumprimentar os empregados”, lembraoex-ministro. CavacoSilva disse aoembaixador americanoem Lisboa que Chávezera doido MANUELPINHO O ex-ministro foi várias vezes à Venezuela e chegou a partici- par no programa Aló, Presidente LUSA AFP AFP PUB t
  • 7.
    MUNDO 62 7 MARÇO2013 Estaproximidademotivouqueixasdoen- tão embaixador norte-americano em Lis- boa,AlHoffman.Deacordocomostelegra- mas daembaixadados EUAem Lisboa, re- velados pelo WikiLeaks, os responsáveis portuguesesgarantiramaosamericanosque passavammensagensdurasnosencontros. “O Presidente Cavaco Silvaresumiu bema questãoquandodisseaoembaixador:‘Têm de compreender a nossa posição. Temos 500 mil portugueses lá. Sabemos – e eu já estivecomele– queeleédoido,mas...”,lê- -se numdocumento. MASPORTUGALPRECISAVAdediversificar as exportações. Na visita de Hugo Chávez aLisboa,foramformalizadosacordosfeitos emCaracaseassinadosdoisnovosmemo- randosdeentendimentonaáreadasObras Públicas.AsmissõesàVenezuelacontinua- ram aum ritmo quase mensal. Só Fernan- do Serrasqueiro esteve em Caracas 25 ve- zes.“Quandofazíamosalgumnegócioten- távamoslançaropróximo”,conta.Foiassim que nasceu o negócio dos Magalhães. “Numadas visitas, falei-lhe nos computa- dores eeleficouinteressado”,recordaMá- rio Lino. “Disse-lhe que quando viesse a Portugallhe levavaum.” Cercadeumasemanadepois,HugoChá- vez fez umaescalaemLisboaacaminho da Europa de Leste. Eram altas horas da noite. Mário Lino e Fernando Serrasqueiro foram cumprimentá-loelevaramumcomputador. “Encenámos umacoisa. Aodar-lheoMaga- lhães, o Mário Lino deixou-o cairde propó- sito”,contaoex-secretáriodeEstado.“Elefi- cou aflito, mas dissemos-lhe que não havia problema, que ele continuava a trabalhar e queerabomparaascrianças”,dizoex-minis- tro. Em Setembro de 2008, o Presidente ve- nezuelano deixavao computadorcairnate- AsfrasesmaismarcantesdeHugoChávez DOS ELOGIOS A FIDEL CASTRO AOS INSULTOS AOS ESTADOS UNIDOS E A GEORGE W. BUSH O NEOLIBERALISMO É O CAMINHO QUE LEVA AO INFERNO TU [FIDEL CASTRO] ÉS O PAI DOS REVOLUCIONÁ- RIOS DO NOSSO CONTINENTE, TU ÉS O NOSSO PAI Creio que sofremos de impo- tência política. Precisamos de um viagra político Seriaestranhoquetivessem desenvolvidoumatecnologia parainduzirocancroeninguém osaibaatéagoraesedescubra istodentrode50anos? Vãoparaocaralho,ianquesde merda,queaquiháumpovodigno. Vãoparaocaralho100vezes O mundo deve esquecer o petróleo barato SERRICOÉMAU,ÉDESUMANO. ASSIMODIGOECONDENOOSRICOS ÉS UM IGNORANTE, MISTER DANGER, ÉS UM BURRO OU, PARA TE DIZER ISTO NO MEU BAD ENGLISH: YOU ARE A DONKEY, MR. DANGER. (...) COBARDE, ASSASSINO, GENOCIDA, ÉS UM ALCOÓLICO, MISTER DANGER, ÉS DO PIOR Israel critica muito Hitler, nós também, mas eles fize- ram algo parecido ou até pior do que os nazis fizeram O DIABO ESTEVE AQUI, NESTE LUGAR [BENZEU-SE NO PÚLPITO DA ONU ONDE BUSH ESTIVERA]. AINDA CHEIRA A ENXOFRE O Papa não é nenhum embaixa- dor de Cristo na Terra, como eles dizem. Por amor de Deus! O que é isso? Embaixador de Cristo. Cristo não precisa de embaixador, Cristo está no povo OBAMA, ÉS UMA FRAUDE, UMA FRAUDE TOTAL. SE EU PUDESSE SER CANDIDATO NOS ESTADOS UNIDOS, VAR- RIA-TE, GANHA- VA-TE 80-20 DÁ-ME ATUACOROA, CRISTO, DÁ-ME ATUA COROAQUE EU SAN- GRO. DÁ-ME ATUA CRUZ, 100 CRUZES, QUE EU LEVO-AS, MAS DÁ-ME VIDA PORQUE AINDA TENHO COISAS POR FAZER POR ESTE POVO, POR ESTA PÁTRIA. NÃO ME LEVES AINDA D.R. D.R t
  • 8.
    63 levisãovenezuelanaparamostrarcomooapa- relho era bom.“Aguenta bombardeamen- tos”, disse. Na mesma ocasião, anunciou a compra de um milhão de computadores – queforamrebaptizados de“Canaima”. Ocontratofoiassinadoa26deSetembro, porocasião dapenúltimavisitaaPortugal deHugoChávez,quefoirecebidonoaero- porto de Figo Maduro por Mário Lino. O ministroacompanhou-oatéaoHotelTivo- li,naAvenidadaLiberdade,ondeficouins- talado devido àproximidadedaestátuade SimónBolívar.“Quandomeiadespedir,ele pediu-me para esperar. Deixou as malas, desceusemsegurançaefomosdarumpas- seiopelaavenida”,recorda. “Descemosaté aosRestauradoresesentámo-nosnumban- co a conversar. Houve alguns turistas que o reconheceram e foram cumprimentar. E ele ficou ali a falar com eles. Era uma pes- soamuito acessível.” Os negócios entre os dois países conti- nuaram a crescer. Mas teria de passar um anoemeioatéHugoChávezeJoséSócrates voltaremaencontrar-se.Oprimeiro-minis- tro português aproveitou a deslocação ao Brasil para se encontrar com o líder vene- zuelanoereforçaracooperaçãoeconómica. Oencontroteráservidotambémparadesblo- quearacordosjáfeitosqueestavamparados. “OsprocessosnaVenezuelasãolentos.Aes- truturaémuitoburocráticaeinstável. Além dos ministros, háaindaos responsáveis da PetróleosdaVenezuelaSAquetutelamáreas específicas,comoasredesdedistribuiçãode alimentosfinanciadascomodinheirodope- tróleo”, explica Fernando Serrasqueiro. Foi o caso da construção, anunciada em 2008, de50milcasasdehabitaçãosocialpelogru- poLena.Onegócio,avaliadoemmaisde600 milhões de euros, sofreu várias alterações. Primeiro foidesdobrado emvárias fases de construção.Depois,HugoChávezexigiuque a empresa fizesse 15 mil casas e instalasse no país uma fábrica para as restantes. Pelo meio, a queda no preço do petróleo dimi- nuiuacapacidadefinanceiraao país. Navisita,JoséSócratestentouresolverum problemados Estaleiros de Vianado Caste- lo: o que fazeraos navios Atlântidae Antici- clone, rejeitados pelo Governo dos Açores. “No caminho até ao palácio de Miraflores, disseao primeiro-ministro queos venezue- lanos estavamàprocurade uns barcos para aligaçãoàilhaMargarita. E JoséSócrates fa- lou-lhe no Atlântida”, conta Fernando Ser- rasqueiro.“Eleachouinteressante,disseaos ministros para tomarem nota e começou a riscarnummapaotrajecto”,continua. NA PASSAGEM PELOS ENVC, Hugo Chávez visitouoAtlântidaemostrou-seinteressado em comprar um barco “bom e barato” – o que acaboupornão acontecerporque as al- terações necessárias iriam encarecê-lo. Nes- saocasião,oPresidentevenezuela- noassinouocontratodecomprade doisnaviosasfalteiros,novalorde 129milhõesdeeuros.AVenezue- laacabouporadiantar13 milhões de euros para a compra de ferro, mas os ENVC usaram o dinheiro noutrasdespesaseaconstruçãofoiatrasada. “Osestaleiroséqueestãoemfalta.Oprimei- ro barco deviaestaraserentregue”, diz Fer- nandoSerrasqueiro. Namesmavisita,osresponsáveisportu- guesespuderamverHugoChávezaactuar emdirectoparaatelevisão.“Eletraziasem- pre a própria equipa ”, diz à SÁBADO um antigo colaborador de José Sócrates. “Os assessorestraziamumascartolinasquedi- ziam‘emdirecto’ e quando as mostravam elevirava-separaas câmaras ecomeçavaa falar. Nosestaleirosesteveemdirectoaex- plicarondeestavaeoqueiaacontecendo”, continua. DepoisdeVianadoCastelo,acomitivafoi almoçaràCasadeChádaBoaNova,emLeça daPalmeira,umadasprimeirasobrasdeSiza Vieira.“Queríamosvenderaarquitecturapor- tuguesa porque eles tinham projectos para auditórios”, diz Fernando Serrasqueiro. No fimdarefeição,JoséSócratesregressouaLis- boa.HugoChávezaindavisitouaprodutora do Magalhães, a JP Sá Couto, e assinou um acordoparaofornecimentodemaisummi- lhãoemeiodecomputadores.Nãochegoua recebê-los todos. Em 2006,HugoChávezusou uma fotografia com JoséSócratesnum cartazeleitoral PertodosRestauradores algunsturistasreconheceram Chávezeficaram à conversa Há 500mil portuguesesna Venezuela. Opotencial denegócioséimenso AFPCM
  • 9.
    MUNDO 64 Objectivo:governara H ugo Chávez foraenviado pelo exército para combater um movimento rebelde, no iní- cio dadécadade80. Ao des- cobrirquealgunssuspeitos tinhamsidoespancadosetorturados, resolveu falar com o irmão mais ve- lho, um professor marxista, sobre o assunto. Durante a conversa terá tido umaespéciedeepifania.Eem1983reu- niu-secomoutrosmilitaressobaárvore ondeSimónBolívargostavadedescansar ecriouoMovimentoRevolucionárioBoli- variano200–osanosqueseparavamogru- po do nascimento do libertadordaAmérica Latinadodomínioespanhol.Objectivo:subs- tituirogoverno. Filho de dois professores comascendên- ciaindígena,africanaeespanhola,passouos anos seguintes a recrutar elementos para a causa. Nascido a 28 de Julho de 1954 num bairropobredeSabatena,viveupartedaado- lescênciaemcasadaavó.Dividiaotempoli- vre avender os bolos que elafaziae ajogar basebol. Alto, magro e compés grandes, ti- nha a alcunha de Pateta. Sonhava ser joga- dorprofissionalefoiporisso queseinscre- veunaacademiamilitar.Esperavaqueavida emCaracaslhepermitisseentrarnumaequi- pa. Mas apaixonou-sepelatropa. A4deFevereirode1992,HugoRafaelChá- vez Frías julgou que tinha chegado a sua hora.LiderouumgolpecontraoPresidente CarlosAndrésPérez.Oplanofalhou.Captu- rado,foiàtelevisãopediraoscamaradaspara deporemasarmas.Eusouominutoquelhe deramparaseapresentaraopaís.“Ouçamo comandanteChávez”,disse.Assumiuares- ponsabilidadedofracassoeproclamouque os objectivos nãotinhamsidoalcançados – “por agora”. Nos dias seguintes, a venda de boinas vermelhas como as que usava NUNO TIAGO PINTO Tentouserjogadordebasebol,mas apaixonou-sepelavidamilitar.Admirador d ESPECIAL.AADOLESCÊNCIA,ASPOLÉMICASEOPODER 4 Número de eleições para a presidência da Vene- zuela ganhas porHugo Chávezdesde 1998 9 Horas que esteve a dis- cursarnoparlamentodu- rante o debate sobre o es- tado da nação em 2012 20 Anos que estaria no po- derse cumprisse o man- dato para que foi eleito em Outubrode2012 200 Anos que separavam o nascimento de Simón Bo- lívarda criação do Movi- mentoBolivariano200 2 Anos que esteve preso após a tentativa falhada degolpedeEstadoem Fevereiro de 1992 REUTERS 7 MARÇO 2013
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    65 ratéaos95anos disparounos bairros. Tornara-seumherói. Estevepresodoisanos.Libertadograçasà amnistiadoPresidenteRafaelCalderaRodrí- guez,fundouoMovimentoVRepública.A6 deDezembro de 1998, foi eleito Presidente comapromessaderedistribuirariquezado petróleopelospobres.Nasreuniõesdecam- panha, havia sempre uma cadeira vazia ao seulado– eraolugardo“libertador”. ASSIMQUETOMOUPOSSE,promoveuuma novaConstituição.Odocumentoautorizou- oacumprirdoismandatosdeseisanos(era sóum,decinco),acrescentouBolivarianaao nomedopaís(RepúblicaBolivarianadaVe- nezuela), passouacontrolaro exér- cito e eliminouumacâmarado par- lamento. Depois distribuiu o livro pelo povo. A 11 de Abril de 2002, foi vítima de umgolpe de Estado apoiado pe- los EUA. O chefe do exército, Lucas Rincón (actual embaixador em Portugal), anunciou que Chávez tinha resignado. No entanto,oPresidenteconseguiuenviaruma mensagemadesmenti-lo.Milharesdepes- soasexigiramoseuregressoeumgrupode militaresleaislibertou-o.Ogolpedurou47 horas.Devoltaaopoder,radicalizou-se.Na- cionalizou parte da economia, afastou os juízes do Supremo Tribunal e entrou em confronto com os media que apoiavam a oposição. AosaberqueWashingtonapoia- rao golpe, passouaatacaros EUA. Quando os professores e médicos vene- zuelanos recusaram participar em campa- nhasnosbairrospobres,fezumacordocom o amigo Fidel Castro: em trocade petróleo, o líder cubano enviou profissionais para as chamadasmissõesbolivarianas.HugoChá- vezesforçou-sepormanterabasedeapoio. Fazia-oatravésdoprogramadeTVsemanal Aló,Presidente,noqualfalavadurantehoras, resolviaproblemas e até chegouademitire nomear ministros em directo. Foi também natelevisãoquecomeçouarevelaroseues- tado de saúde. A9 de Maio de 2011, telefo- nou para um programa e disse que dores numjoelhooobrigavamadescansar.“Pode sernecessárioumacirurgia”,explicou. Ummês depois foioperado de urgência, emCuba.OGovernodesmentiuquetivesse cancro. Atéquea30deJulho,numdiscurso emHavana, Chávezrevelouquelheforare- tirado umtumor, semespecificaro tipo. De cabeçarapada, dissequeos tratamentos es- tavamaresultar.Apósváriassessõesdequi- mioterapia, anunciou tervencido adoença. Atéque,a21deFevereirode2012,foinova- menteoperado. AntesdaseleiçõesdeOutu- bro,voltouadizerqueestavacurado. Maisumavez,foireeleito.Sóperdeuuma eleição: oreferendoquepretendiaeliminar os limites ao número de mandatos conse- cutivos. No entanto, nesse mesmo ano (2007), contornou a decisão e fez aprovar umaemendaàconstituiçãoparafazercum- prir a sua vontade. Nessa altura disse que queriacontinuarno poderaté 2049, quan- do faria95 anos. Não conseguiu. r deBolívar,tornou-seoheróidospobres.EraodiadopelaclassemédiaeafrontavaosEUA Amigoeadmirador de Fidel Castro,era o segundodeseisirmãos. Gostava dejogar basebol,decantar etevecincofilhos dedoiscasamentos Depoisdelideraruma tentativa degolpedeEstado, ficou presodurantedoisanos CORES A boina vermelha tornou-seumsímbolo. Tal comoosfatosde treinocom a bandeira Correcção A hora tardia a que foi anunciada a morte de Hugo Chávez obrigou a alte- rações de última hora no plano da re- vista. Por esse motivo, em algumas edições o sumário sai desactualizado. REUTERS