Entrevista Alberto Jardim recorda governação na Madeira e futuro político
1. Outlook
Após 37 anos de governação, o histórico líder
da Madeira recorda as “fanfarronices” de outros
tempos, a universidade e a tropa, e as pessoas
que mais o marcaram. E assume que o seu futuro
político pode passar por São Bento ou Belém.
Uma vida em conversa.
Este suplemento faz parte integrante
do Diário Económico Nº 6106
e não pode ser vendido separadamente
6 Fevereiro 2015
LIVRO
O que dizia
Tsipras antes
de ser primeiro-
-ministro da Grécia
As confissões
de Jardim
GregórioCunha
OPINIÃO
Lucy Kellaway
esclarece se o
silêncio é ou não
a melhor resposta
2. 2 Outlook Sexta-feira, 6 de Fevereiro 2015
G
AlbertoJoãoJardimaindanãodecidiuoquevaifazernofuturo,masassu-
mequetem“curiosidadeemconheceraquelacasa”:aAssembleiadaRepú-
blica.SobreumapossívelcandidaturaàpresidênciadaRepública,nãoes-
peraqualquerapoiodoPSDatéporque“arelaçãocomopresidentedopar-
tidoecomaComissãoPolíticaéirreconciliável”. Fotografiasde GregórioCunha
arantequesaipeloprópriopéerecusadarconse-
lhos ao sucessor. Alberto João Jardim já bateu “o
recorde do Dr. Salazar” e acha que Kadhafi era
“umtipocompiada”.Pioréarelaçãocomoactual
primeiro-ministro e com o próprio PSD: “Já não
estouparaaturá-los!”
A imprensa internacional descreve-o como
um político fora do comum. Como é que se
descreveria?
Nãotenhoquemedefinir,porquecorrooriscoou
desernarcisistaoudemeapoucaramimpróprio.
Fujo de me questionar. Isso é com os outros. Eu
tenho que saber desenrascar-me em função do
que os outros pensam de mim. Muitas vezes, fiz e
dissecoisasqueaspessoasficavamdecabelosem
pé.Masestavaprocurarumdeterminadoefeito.
Quandodizoquepensa,éporqueesperauma
reacçãodooutrolado?
Não.Digooquepensopormaneiradeser.Etenho
uma vantagem: não guardo rancor de ninguém.
Porque disse o que pensava. Deitei cá para fora.
Paguei preços muito duros, arranjei uma porção
deinimigos...Sersincero,dizeroquepenso,mes-
mo correndo riscos, como terapia é o melhor que
podehaver.
Está quase há 40 anos no Governo Regional
daMadeira.
Como chefe de Governo já bati o recorde do Dr.
Salazar. E, ainda por cima, eleito - coisa que ele
nuncafoi.
Outra pessoa que também nunca foi eleita e
tem um recorde parecido com o seu foi
Kadhafi.Sabia?
Eraumtipocompiada!Houveumavezqueiame
metendonumsarilho.Acertaaltura,oKadhafire-
solveuqueasilhasatlânticasportuguesasdeviam
pertencer à Organização dos Estados Africanos
porque eram África. A Madeira está de facto,
numa latitude africana, está mais ou menos à
mesma latitude de Marraquexe e Casablanca.
Portanto, geograficamente somos africanos. Mas
osAçores,não!Sãobemeuropeus!Eotipo,numa
entrevista ao Diário de Notícias, dizia que me co-
nheciaequetinhatidoumareuniãocomigonaLí-
bia,emTripoli,sítioondenuncapusospés.
Ainda se lembra da sua primeira maioria ab-
soluta?
Foram tantas… Eu fiz 45 eleições! E fiz sempre as
eleiçõesregionaisemclimadefesta.
Aquesabeumamaioriaabsoluta?
Estamosmaisentusiasmadosenquantodecorreo
período de campanha do que no dia. Mesmo ten-
do uma maioria absoluta, que não é vulgar em
Portugal,aideiaé‘party’sgone’,afestaacabou.Há
umacertanostalgiadosdiasanteriores.
Porqueachaqueconquistavaoeleitorado?
Ninguémvotanumindivíduoquenãodeuprovas.
Naprimeiravezqueganhei,tiveessecuidado.Fui
director do “Jornal da Madeira” e as pessoas liam
oqueeuqueriaparaaMadeira…E,naaltura,vota-
ram.Escreviaumeditorialtodososdias.Emais:a
primeira página, a terceira e a última eram mi-
nhas. Não foi um trabalho colectivo. Onde eu es-
tou, quem manda, manda. Tem é de mandar de
maneira a que o colectivo aceite fazer equipa co-
migo.Aíéqueestavaosegredodaquestão.Maseu
nuncaabdiquei,enquantochefia,demandarefec-
tivamente. Nada de hipocrisias democráticas. Às
vezes, digo, em tom de brincadeira, que a demo-
cracia é a arte de fazer o que quero, convencendo
os outros de que estou a fazer o que eles querem.
Costumo dizer aos principiantes da política que
há duas coisas que são fundamentais para ganhar
eleições: primeiro, mostrar trabalho; segundo,
nãomentir.Estafranqueza,nãoandaracaçarvo-
toseaprometeroquenãoposso,deuconfiançaàs
pessoas.Quandoénão,umgajodizmesmonão.
Nuncamentiu?
Menti, mas involuntariamente. Vou dar-lhe dois
exemplos. A Madeira foi posta sob um plano de
ajustamento financeiro injustamente. O Estado
portuguêsconsiderouqueaMadeiranãoeraPor-
“Setivessedeescolher
entrePassos
eSócratesfugia”
Fiz4.840etal
inauguraçõesaté
aodiadeontem.
Aquecorreumal
nemfoiculpa
política.
Nãovejo
quesepossam
construir
estradascom
ananasesou
folhasde
bananeira.
Tenho
curiosidadeem
vercomoaquela
coisa
[Parlamento]
funcionapor
dentro.Vivi
sempreafastado
dapolítica
deLisboa.
“
CONVERSAS COM VIDA por Marta Rangel
3. Outlook 3Sexta-feira, 6 de Fevereiro 2015
tugal, portanto, o plano de ajustamento financei-
ro da Madeira é diferente do nacional, quando o
Estado central, durante 550 anos, levou o que a
Madeira produziu e, por isso, nós éramos a zona
do país mais atrasada, na altura do 25 de Abril. A
dívidadaMadeirafoifeitapararecuperardotem-
po em que nos extorquiram aquilo que produzi-
mos. Lisboa não entende nada disto e também já
nãotenhopachorraparalhesexplicar.
E quanto aos dois exemplos em que mentiu
involuntariamente…
OEstadoimpôs-nosesseplanodeajustamentoe,
por causa disso, tive obras incompletas que são
fundamentais para não desertificar o norte da
ilha.Eudissequeiafazer,comecei,masnãoconse-
gui acabar. As pessoas vão pensar “este tipo men-
tiu”.Aoutraquestãofoiquandocomeceiadiscutir
oplanodeajustamentoparaaMadeira,eudisseàs
pessoas que ia tentar fazer isto sem aumento de
impostos. Mas Lisboa impôs aumento de impos-
tos. O relacionamento com este primeiro-minis-
tro,mesmoanívelpessoal,nuncafoifácil.
Maisdifícildoquecomoutros?
Com o eng.º Sócrates também não foi fácil, mas,
nofim,tornou-semaisfácil.
Se tivesse de escolher entre Passos Coelho e
Omeupartido
nãomeapoia.
Atéporque,
nestemomento,
aminharelação
comopresidente
ecomacomissão
políticaé
irreconciliável.
Discordo,em
absoluto,da
políticaqueeles
desenvolveram
emrelação
àMadeira.
“
sas horríveis foi eu ter saído quando quis (risos).
Preparei com as datas e tudo e escolhi o Natal e o
FimdeAnoparadiluirosefeitosdeumconfronto
eleitoral interno. Devido à tradição, nestas altu-
ras, a população está muito mais entretida nou-
trascoisasdoqueabrincaraospartidos.Agora,só
falta o PSD ganhar com maioria absoluta para eu
verificar que foi tudo bem preparado e passou-se
tudo como eu queria – pessoas à parte. Daí por
diante,estãoentreguesàsuavida.
Dequeéquevaitermaissaudades?
Vou ter saudades destas entrevistas, em que me
fazemprovocaçõeseeufarto-mederir.
Jádecidiuoquevaifazernofuturo?
Aindanão.
Quandovaifazer?
Quando me apetecer. Comigo, às vezes, é de im-
proviso.
Imagina-seaviveremLisboa?
SeforaLisboa,paraaAssembleia…OnovoGover-
no, na Madeira, deve tomar posse em meados de
Abril… Eu ia fazer Maio, Junho, parte de Julho…
Depois a Assembleia vai para férias porque há
eleições… Não era muito tempo! No fundo, era
comoirpassarumaestânciabalnearaLisboa!
Parece-lhebemessaestânciabalnear?
Tenhocuriosidadeemvercomoaquelacoisafun-
cionapordentro.Vivisempreafastadodapolítica
deLisboa.
AdecisãodesecandidatarounãoàPresidên-
ciadaRepública…
Não tomei decisão nenhuma. O que costumo di-
zeré:seapareceremasassinaturas,vamosver.Há
outracoisa:ouhácondiçõesdeigualdadeemrela-
ção aos candidatos dos partidos, ou continuamos
com esta pouca vergonha em que os candidatos
dospartidostêmumtratamentonacomunicação
socialeosoutrossãocandidatosdesegunda.Nis-
so,nãoalinho.
Tambémérelevanteoapoiodoseupartido?
O meu partido não me apoia. Até porque, neste
momento, a minha relação com o presidente e
comaComissãoPolíticaéirreconciliável.Discor-
do, em absoluto, da política que eles desenvolve-
ram e das posições deles em relação à Madeira.
Não tem a ver com o partido, mas com o trata-
mentoinstitucional.
Queconselhosdáaoseusucessor?
Nãodouconselhosaninguém.Sãotodosadultose
vacinados,têmobrigaçãodeterjuízo.
Um dia que não esteja cá, o que é que gostava
quedissessemsobresi?
Gostaria que não dissessem muito mal de mim.
Achoque,seaspessoasforemjustascomigo,pelo
que foi a transformação da Madeira, vou ficar sa-
tisfeitoefeliz.
JoséSócrates?
Fugia!
“VenhaoDiaboeescolha”:éoquediria?
Não diria isso. Mas era a primeira vez na vida
quefugia!
VítorGasparrevelouqueadívidadaMadeira
eramuitosuperioraoquesepensava…
Isso é uma coisa que está mais do que explicada!
AtéhouveinvestigaçãojudicialeoMinistérioPú-
blico arquivou. Agora dizem-me que tornaram a
abrir o processo porque uns tipos de extrema-di-
reitapediram.Masestálátudoclarinhonodespa-
chodearquivamentodoMinistérioPúblico.Toda
agenteagiudeboafé.Nóstomámosainiciativade
alertarasentidadesdoEstadoquehaviaisso.
Nãohouveocultaçãodedívida?
Não houve ocultação! Foram os nossos inimigos
políticos que resolveram arranjar isso. A nossa
política foi sempre dizer a Lisboa que o dinheiro
não chegava para aquilo que estávamos a fazer.
Aindaiaocultar?Issoeraumabsurdo!
Todaadespesafoibemgasta?
Pensoquesim.Poderáhaverumaououtraquefoi
menos bem conseguida. Houve uma que correu
francamente mal. Eu fiz quatro mil oitocentas e
40 e tal inaugurações até ao dia de ontem. A que
correu mal nem foi culpa política. Foi um azar,
mas nem é da nossa responsabilidade. As entida-
desprojectistasdaobraatéestãoemtribunal.
Há quem o acuse de conquistar o eleitorado à
conta de obras públicas, inaugurações e fun-
dosestruturais.Oquelhesresponde?
A minha política foi para elevar a qualidade de
vida das pessoas. Não vejo que se possam cons-
truirestradascomananasesoufolhasdebananei-
ra.Nemfazercasascomfolhasdebambu.Foipre-
ciso fazer infraestruturas. Estou-me nas tintas
para o que os contemporâneos agora dizem de
mim.Nemvaleapenaligar-lhes.Oqueéprecisoé
determinação. É preciso que quem manda, man-
da.Omeuavôdiziasempre:“Quandotemosacer-
teza,nãolhesligamosefazemosnamesma!”.
Háquemdigaqueconfundemaioriaabsoluta
compoderabsoluto…
Oh minha senhora! Estou a ver que tomou um
chazinho com gente muito indecorosa! O que é
isso? Isso é chamar-me analfabeto e nunca nin-
guém me tinha chamado. É tudo tretas da oposi-
ção! Houve uma geração, após o 25 de Abril, que
estavamconvencidosqueserjornalistaeraiguala
militânciapolítica.
E,porisso,zangou-secomosjornalistas?
Não.Zanguei-mecomosquenãosãohonestos.
Odia12deDezembrode2014foidifícil?
Não!Foipreparadopormim.Umadasfúriasdes-
sagentecomquemfalouequelhedisseessascoi-
Conversas com Vida, hoje, 22h00
Veja a entrevista com Alberto João
Jardim, gravada na sede do Governo
Regional da Madeira, no Funchal.
HD
4. 4 Outlook Sexta-feira, 6 de Fevereiro 2015
P
erdeu o pai aos 11 anos e
tornou-se um “menino
mimado”: “Até me aper-
tavam os sapatos para eu
nãomagoarascostas”.Na
juventude aborrecia-se
na escola e “quis ser li-
vre”. Era “um gozão”,
pregavapartidasaosprofessoreseconquistavaos
colegas - e as namoradas - com anedotas. A farra
foitalquedemoroumaisdedezanosafazerocur-
so de Direito, entre Lisboa e Coimbra. E precisou
davigilânciadamãe,quesejuntavaaeleemépoca
deexames.Entrounapolíticaapóso25deAbrile
ficou36anos,apesardastentativasdaesposaÂn-
geladeodemoverdacarreirapolítica.
Aindaalguémlhechama‘Janinha’?
O meu pai, que faleceu quando tinha 11 anos, foi
praticamenteoúnicoquemechamouassim.
Comofoilidaraos11anoscomessaperda?
Foiumchoquemuitoduroporquesoufilhoúnico
e o mundo quase girava à minha volta. O meu pai
“Aminhamulherquis
demover-meelevousopa”
era a companhia para tudo: as idas ao futebol, ao
restaurante, aos cafés, aos espectáculos. Houve
um choque grande e um sentimento de solidão
muitoprofundo,quedepoiscomeceiatentarcon-
trariar. Se calhar, o meu feitio expansivo deve-se
aoesforçoquefiznessaidadeparacombateraso-
lidão.Tinhadecomunicarcomosoutros.
Eraoseucúmplicedebrincadeiras?
Sim, de tudo. Por exemplo, não havia ainda os li-
vros do “Tio Patinhas” em português, mas publi-
cava-se“OsMosquitos”,“OCavaleiroAndante”e
eu tinha um baú enorme lá em casa cheio dessas
coisas. Ele começou a comprar-me o “Pato Do-
nald” e eu aprendi a ler com cinco anos. Aos sete,
jáliaojornal.Comeceialeremcastelhanoporque
os desenhos animados do Walt Disney eram em
castelhano.
O seu pai teve tempo de lhe transmitir algum
ensinamentoparaavida?
Guardo uma imagem que nunca esqueci. Esta-
mos nos princípios dos anos 50 e, um dia, apare-
ceu um pescador que vinha descalço na rua. Ele
conheciaomeupai,omeupaiestendeu-lheamão
eeu,pordistraçãoouqualqueroutracoisa,nãoes-
tendi.Deviateruns9ou10anosnessaaltura.Le-
vei ali mesmo um tabefe! E disse-me: “Tens que
daramãoatodaagente!”.E,apartirdaí,aquilofi-
cou-me sempre marcado. Hoje chego a qualquer
sítio e começo a cumprimentar toda a gente, não
Provocador,sempapasnalínguae,assumida-
mente,“gozão”,AlbertoJoãoJardiméadmira-
doporunsedetestadoporoutros.Após37
anosàfrentedoGovernoRegional,umacoisa
écerta:aMadeiranuncamaisseráamesma.
sóporcausadocargo,masporqueéumhábito.
O seu avô materno substituiu a figura do
seu pai?
Sim, foi o meu segundo pai. A minha mãe e eu vi-
víamos com ele. O avô era um homem rural, do
Norte da ilha, um ‘self made man’. De soldado
chegou a oficial, fundou a sopa dos pobres, foi da
Santa Casa da Misericórdia, foi vereador da Câ-
maraMunicipal12anosou16anoseaindaprocu-
radoràjunta-geral.Umhomemquejogoubridge
atéaos96anos.
Eraumhomemsevero?
Não,eraumhomemteimoso.Rígidonasposições
quetomava,discutia,masnãoeraagressivo.Ago-
ra,erainabalávelnaquiloemqueacreditava.
Herdouateimosiadele?
Um pouco. Mas faço mais humor. O meu pai era
umhomemquegozavacomtudoecomtodosedi-
zem que ele tinha um piadão. Eu não uso bem a
teimosia,usomaisohumor.E,porisso,tantagen-
te me detesta. Sentem-se gozados em vez de se
sentiremconfrontados.
Éverdadequeoseuavôtentouproibirduran-
te algum tempo o namoro entre os seus pais?
É verdade. Se passar na casa do Quebra-Costas,
queeradaminhamãeestãoláumasbarrasdefer-
ro. O meu avô mandou pô-las na janela que dá
para o rés-do-chão. Se a minha mãe quisesse na-
morar,eraatrásdasbarrasdeferro.
Depois do falecimento do seu pai tornou-se
umacriançamaisprotegida?
Extremamente protegida. Era uma altura de
mão-de-obra barata e, lá em casa, tínhamos duas
empregadasdomésticas.Comeceiasentirquees-
tava a ficar apaparicado demais e que o meu des-
envolvimento não era bem como o desenvolvi-
mentodosmeuscolegas.Elesjáfaziamcoisasque
eu não fazia, até do ponto de vista físico. Lá em
casa tinham sempre muitos cuidados comigo.
Eu,atéaoquinto
ano,tivesempre
turmasde
rapazes.Mas,no
sexto,aos15anos
pareciaumgalo
palheironomeio
dogalinheiro.
“
Gregório Cunha
5. Outlook 5Sexta-feira, 6 de Fevereiro 2015
Não me deixavam amarrar os sapatos porque po-
dia-me fazer mal à coluna! Coisas deste género!
Porvoltados13anospercebiquenãopodiaconti-
nuarassim.
Omeninoprotegidotornou-serebelde.
Não é rebelde, no sentido contestatário. Tornou-
-selivre!Tinhaumavantagem:aminhamãetinha
amaniaqueeutinhadesaberlínguasmuitocedo.
Aos sete anos, comecei a aprender francês; aos
nove,comeceiaaprenderinglês.Quandofuipara
o liceu, já tinha lido toda a História de Portugal.
Porisso,tornei-menumcábula!
Como já tinha aprendido, aborrecia-se nas
aulas...
Aborrecia e comecei a ficar um traquina. Havia
professoresquejánãomepodiamver!
Pregavapartidas.
Sim… Comecei a aprender alemão um ano antes
de ir para o sexto ano. Eu, até ao quinto ano, tive
sempre turmas de rapazes, mas, no sexto, aos
quinzeanosdeidade,pareciaumgalopalheirono
meio de um galinheiro. Com aquela idade parva,
tudo o que pudesse exibir às meninas, aproveita-
va.Comosabe,oalemãodosaustríacosémuitíssi-
momaiscerrado.Então,imitavaapronúnciaaus-
tríaca.Eeratudonagargalhada!Atéque,umdia,a
minha professora de alemão, disse: ‘Alberto, dou-
-teum20paratedispensardeexamedeadmissão
àfaculdade,masporamordeDeussaidaMadeira’
(risos). Era um pouco esse o ambiente que tinha
dentrodoliceu.
Depois foi para Direito e começou a vida aca-
démicaemLisboa.
Estive três anos em Lisboa. Saí daqui com 17
anos. Na altura, não havia aeroporto na Madeira
e isso significava despedir-me da família, o que
davaumcertojeito.Àmedidaquecorriaascasas
de família, davam-nos, na altura, cem pataqui-
nhas,cemescudos,quedavamumjeitãoenorme
para um estudante. Estamos a falar de 1960. An-
dei à solta em Lisboa. Tinha a sensação era de
que o mundo era todo meu! No primeiro ano,
nem livros comprei. No segundo ano, fiquei en-
vergonhado de ter chumbado– a minha mãe fi-
cava aflitíssima - e lá fiz o primeiro ano. Mas, no
terceiro ano de Lisboa, tornei a não fazer nada.
Então tomei a decisão: “ Isto não é vida, vou mas
éparaCoimbra”.
Em Lisboa, o que é que encontrou que não ti-
nhanaMadeira?
Tudo. Não posso entrar em pormenores, mas co-
nheci desde as classes mais altas e sofisticadas, à
vidadanoitemaisrascaquepodehaver.Enãofo-
ramtrêsanosperdidos,porqueeuliamuitoeaex-
periênciadevidaparaquemsaidasilhas…
Porqueéquedizquenãoquerentraremmui-
tos pormenores sobre Lisboa? A sua esposa
zangava-se?
Elajásabeoqueacasagasta.
Tevemuitasnamoradasnaadolescência?
Umcavalheironãofaladessascoisas.
Então falemos de Coimbra. O que é que mu-
dounavidaacadémica?
Pude pôr mais ordem na minha vida, mais méto-
do de trabalho, embora tenha sido sempre uma
vida muito boémia. Ainda chumbei mais um ano
em Coimbra.
VivianoFaroldasIlhas.
Aindahojeexiste.Estáláumagrandevacadema-
deira,queéumapipapordentroesaivinhopelas
tetas.Foramprecisos12homensparalevaraque-
la vaca para casa. Lembro-me que andei uns dias
comosanguepisadonosombros.
PorquelhechamavamBarãonessaaltura?
Talvez pelas minhas fanfarronices de pequeno.
Havia uns filmes em que apareciam os barões
disto. Então eles, no gozo, em alemão, diziam
Baron von Quebra Costas, que era o nome da
ruaondeeuvivia.
E,noliceu,teveoutrasalcunhas,porsermui-
toarrumadinho.
E por ser muito branquinho… Chamavam-me
Dona Branca! A Dona Branca da literatura por-
tuguesa.
Entre Lisboa e Coimbra passaram dez anos
parafazerocurso.
Não, oito! Depois fui chamado para a tropa. Dez
anoséacontarcomocursoterminadonoserviço
militar. Fui chamado 15 dias depois de casar. Fui
àsCanáriasemluademele,quandocheguei,dois
diasdepois,fuiparaMafra.Achamadaluademel
comosargento.
ComoforamessestrêsmesesemMafra?
Ali a tropa era a sério. Era duro, mas havia uma
cultura de unidade militar. Foi óptimo para mim,
sempreindisciplinadoegozão.
Etinhajeitoparaoserviçomilitar?
Às vezes, tinha dificuldade nas provas físicas. Por
exemplo,tenhovertigens,masfaziaasprovasque
tinham abismos. No que eu tinha mais dificulda-
de,eraasubirumaspaliçadas.Umaveztiveazare
fiquei preso pelos arreios, parecia que estava a
voar pendurado naquilo. De resto, não tive pro-
blemas. Em tiro, tive sempre a melhor nota mili-
tar, tinha a minha pontaria. Hoje, com a idade, a
mãoécapazdejánãoestartãofirme.
O seu primeiro discurso político, na década
de60,foiemhonradeSalazar…
Naaltura,pelaeducaçãoepelafamíliaquetinha
- pessoas que tinham trabalhado com o anterior
regime - eu era admirador do Salazar. Não nego.
E, portanto, vieram pedir-me para falar numa
coisa que se chamava ‘Associação 28 de Maio’
que,nofundo,eraumgrupodelegionáriosbêba-
dos todos a gritar numa voz de aguardente ‘Viva
Salazar’. Era um caos lá dentro. Lá fiz o discurso
evim-meembora.
Em Janeiro de 2011, sofreu um enfarte do
miocárdio.Temeupelavida?
Quando se está naquelas circunstâncias não se
pensa na morte. A natureza está tão bem feita
que, quando temos um problemas desses, esta-
mos a pensar mais “agora como é que eu saio
desta?”. Só depois, passado algum tempo, come-
çamos a reflectir e a pensar “Eu podia ter morri-
do, como seria a reacção da família, da política”.
Mas só muito depois se pensa nisso. Na altura, é
oimediato.Eaindabemqueéassimparanãoen-
trarmosempânico.
Assusta-oessaideia?
Não! Eu sou crente. A ideia da morte não me as-
susta. Não vou andar assustado com uma coisa
queéinevitável..
Tem três filhos: duas filhas e um filho. Algum
seguiuaspisadasdopaiouaindaquerseguir?
Penso que eles foram muito influenciados pela
mãequeéanti-militânciapolíticaenuncagostou
muito da minha opção de vida. Eles têm as suas
opções políticas. O rapaz chegou a andar comigo
em campanha. Mas nenhum estava inscrito no
PSD, só um genro, que até é membro da Assem-
bleiaMunicipalaquidoFunchal.Osoutros,agora
queeuiasair,équeseinscreveramparavotarnes-
taseleiçõesinternas.
AsuaesposaÂngelaalgumaveztentoudemo-
vê-lodacarreirapolítica?
Desde o primeiro dia (risos). Mas levou sopa!
(risos)
Oquelhedizia?
Há um episódio engraçado que agora já posso
contar. Para ela aceitar que eu entrasse no pri-
meiro mandato, foi um sarilho. Eu tinha a mi-
nha vida mais ou menos feita, estava bem. E,
para a acalmar, eu dizia que era só um mandato
e depois passava aquilo a outro. Então, ela pe-
diu-me para assinar um papel a prometer que
fazia só um mandato. Mas o meu avô dizia que
nunca se assina nada! E eu disse-lhe: “Assinei o
do casamento e já vais com sorte!” (risos). Lá
fui andando. Cheguei ao fim do sétimo manda-
to – já vou no décimo – e ela vira-se para mim e
diz: “Prometeste que só fazias um mandato! Eu
ainda fiz sete! A partir de agora, só vou onde me
apetecer!” E tem sido assim. Nos três últimos
mandatos,praticamentedesapareceudomapa.
Quando apanhou o susto com a saúde, a sua
esposa tentou demovê-lo de regressar à po-
lítica?
Não, porque ela viu que eu podia ficar ferido se
viesse com essa conversa. Poderia sentir-me di-
minuído ou achar que não estava capaz. Curiosa-
mente, depois disso, ela nunca mais repetiu essa
conversa.
Disse, numa entrevista, que costuma ensinar
os seus netos a ser mal-criados. Como assim?
Disse isso na brincadeira. Os netos são uma coisa
engraçada. Às vezes, parecem um brinquedo. E
vê-los sempre a ouvir “não faças isso, não faças
aquilo”.Muitarigidez.Istoéumbocadodeegoís-
mo… Mas eu gosto de ver a natureza a expandir-
-se!Pararirumbocado,ensino-lhesumasdiabru-
ras.Ascoisascertasensinamospaiseasavós. Eu
façoapartelúdicaeensinocoisasmeiastontas.
Apesar da família
estar ligada ao
antigo Regime,
Alberto João
Jardim teve “uma
posição política ao
lado de Sá
Carneiro”. Em
baixo, o presidente
demissionário do
Governo Regional
da Madeira a
animar o Carnaval
da região, uma das
suas imagens de
marca.
Aminhamulher
pediu-mepara
assinarumpapel
aprometerque
faziasóum
mandato.
Chegueiaofim
dosétimoeela
disse-me:‘a
partirdeagora
sóvouondeme
apetecer.Nos
trêsúltimos
mandatosquase
desapareceu
domapa.
“
Fernando Baião / Lusa
Homem de Gouveia / Lusa