SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 4
Baixar para ler offline
PauloAlexandreCoelho
Este suplemento faz parte integrante
do Diário Económico Nº 6178 e não pode ser
vendido separadamente | 22 Maio 2015
“Osportugueses
têmdeperceberque
oSNS édeles”
O director-geral de Saúde, Francisco George, garante que o SNS
funciona muito bem e que tem de ser cuidado pelos cidadãos.
Uma entrevista de vida onde fala também das aventuras em África.
PERFIL
ManuelCarvalho
daSilva,sociólogoe
docenteuniversitário,
avaliaoestadodoPaís
TECNOLOGIA
Asaplicaçõesda
semanaeo‘tablet’mais
leveefinodesempreda
Microsoft
4 E+Fim-de-Semana Sexta-feira, 22 de Maio 2015
T
“
Anda sempre num ritmo acelerado e, diz quem o conhece que, mesmo
os mais jovens, têm dificuldades em acompanhá-lo. Está há 15 anos na
Direcção-Geral da Saúde, já correu mundo e garante que nada o
assusta. Durante esta entrevista, Francisco George deixou cair a
aparente capa de ‘durão’ e revelou-se num registo “mais intimista do
que estava à espera”. FotografiasdePauloAlexandreCoelho
“Quandoeunão
estiverbem,
ninguémestará”
em uma história de vida recheada de persona-
gens e de aventuras. Dela fazem parte nomes so-
nantes–comoEduardoBarrosoouBragadeMa-
cedo-eoutrosdesconhecidoscomoaRosadosli-
mões.MastambémrecordaoLeão,oFiel,oJack
e as brincadeiras no Jardim da Estrela. Nasceu e
cresceu em Campo de Ourique, bairro que ainda
hojeoapaixona.Herdouoapelidodoavôinglêse
avocaçãoparaaMedicinadopai.Jáapaixãopelo
cinema veio da mãe e já perdeu a conta às vezes
que viu o filme “Rio Bravo”. Descobriu África a
trabalhar para a Organização Mundial da Saúde,
tevearmasapontadasàcabeça,andounumavião
que “pegou de empurrão”, mas o maior desafio
vive-o todos os dias: aprender a lidar com a au-
sência da mulher e de uma filha, que faleceram
numdesastredeautomóvel.
Ainda alguém lhe pergunta se é o Francisco
ouoJoão?
Muitas vezes. Quando éramos pequenos, eu e o
meu irmão gémeo éramos absolutamente iguais.
Antesdeirmosparaaescola,aminhamãetinhao
hábitodeficarnomeio,comcadaumdoseulado,
averseagravataestavabemposta,acamisa…Pe-
rante o espelho, eu tinha de fazer um sinal com a
mãoparasaberquemera.Éramoscomoduasgo-
tasdeágua.
Faziam as partidas típicas dos irmãos gé-
meos?
Descobrimos outro modo mais inovador de pre-
garpartidas.QuandoeleeratidocomoFrancisco,
continuava a conversa. E eu a mesma coisa. En-
tão, a partir de certa altura, gerou-se uma confu-
sãoenorme:‘Então,eunãotedissequevinhacáa
casa?Não,eunãoestavaàtuaespera’.
Há quem acredite que os irmãos gémeos têm
umaligaçãoafectivaespecial…
É indiscutível. A ligação afectiva existe sempre,
além de outras. Os nossos ADN são iguais. Não é
possível, à luz dos conhecimentos científicos de
hoje, distinguir o ADN de um e de outro. E, natu-
ralmente, isso tem implicações, não só em ter-
mosgenéticos,masdecomportamentos.
Aprimeiracasadosseuspaiseraporcimade
uma farmácia. E, quando era criança, costu-
mavafugirparalá…
Naquela altura, os doentes que precisavam de
medicamentostinhamreceitasmédicasquepre-
viam a preparação na própria farmácia, seja em
formadexarope,cremeoucomprimidos…Ofar-
macêutico tinha aspecto de sábio. Com três ou
quatro anos, via-o preparar os medicamentos e
erafascinante–pareciamagia!
Começou a frequentar o ensino inglês muito
cedo.Foiinfluênciadoseuavô?
Sem dúvida. O meu avô tinha vindo para a Carris
que era uma companhia inglesa. Era assessor da
administração...JáomeubisavôveioparaPortu-
gal com as máquinas a vapor, sobretudo, para a
indústrianaval.Aíestabeleceuumaescoladecal-
deireiros, chamados em inglês ‘boiler makers’.
Eleeraomasterdos‘boilermakers’.
Quem lhe contava as histórias do seu avô pa-
terno?
O meu pai visitava regularmente o cemitério in-
glês,ondeestavaafamíliadele,econtavaashistó-
rias. A honradez e a forma austera como sempre
viveram, a favor da cooperação e da transmissão
dos conhecimentos, foi a grande lição que rece-
bemosdele.Contavacommuitafrequênciaqueo
maior armador do mundo tinha proposto uma
sociedade ao meu avô que era engenheiro naval.
Recusouporqueacreditavaquetinhaumcontra-
to de cooperação, para transmitir os conheci-
mentos,enãoparafazernegócios.
Teveumaeducaçãoexigenteemcasa?
Muito,sobretudoaojantar.Eraumjantaraoesti-
lo britânico, éramos cinco filhos e todos tinham
de estar à volta da mesa. O meu pai perguntava
primeiro, do mais velho ao mais novo, o que tí-
nhamos feito naquele dia, a escola, os resultados
Ofarmacêutico
tinhaaspecto
desábio.Em
pequenovia-o
prepararos
medicamentos
eerafascinante
–pareciamagia
CONVERSAS COM VIDA. PorMartaRangel
dosexames,asnotas,olazer…
Quem fazia as perguntas de cultura geral: os
filhosouospais?
Sempre o pai. As perguntas eram diferentes to-
dososdiasecadavezmaisdifíceis.Liumarevista
editadapelaCarris,nosanos40,emqueentrevis-
tam um funcionário que trabalhou com o meu
avô. Ele diz: ‘Mr. Albert George gostava muito de
fazer perguntas de cultura geral. Perguntava isto
eaquilo…’Evimasaberqueeramasmesmasper-
guntas.
Quando os filhos não sabiam as respostas, o
queacontecia?
Ensinava. ‘Como se chama a árvore que dá no-
zes? De onde vem o azeite? Como se chama um
conjunto de peixes?’ Havia perguntas variadas,
relacionadas com coisas simples, mas que, na
nossaidade,eramcomplicadasderesponder.
Costuma dizer que nasceu e cresceu no Hos-
pitaldeSantaMarta…
Antigamente, era um hospital escolar. Em 1955,
todososserviços,doentes,médicos,enfermeiros,
E+Fim-de-Semana 5Sexta-feira, 22 de Maio 2015
É verdade. E não era só eu. Alguns amigos, como
oEduardoBarroso,queestudoucomigo,iajantar
paratirarnotas.
Quando começou a interessar-se por políti-
ca?
Sobretudo, antes de 74. Tinha familiares muito
próximosqueerampresosoufaziamoposiçãoao
Governo.
O que é que o seu pai costumava dizer sobre
osoposicionistasaoGoverno?
Dizia,commuitagraça,que,emInglaterra,ospo-
líticoserampagosparafazeroposição.E,emPor-
tugal,quemestavanaoposiçãoerapreso.
Ahistóriadasuavidaéfeitadealgunsnomes
sonantes – como Eduardo Barroso ou Braga
deMacedo–mastambémdepessoassimples
como Carlos, o electricista ou a Rosa dos li-
mões…
A Rosa dos limões fez-me sempre lembrar a his-
tória de Jorge Amado, dos “Capitães da Areia”. A
Rosa dos limões era uma figura ímpar, do tipo da
MariadaFonte.Conduziacomosfilhosaocolo.A
repressão policial não deixava que ela vendesse
limões!E,elaaosgritos,dizia:‘Fujam,quevemaí
aPolícia!’.
Querecordaçõestemdeumacertaviagemde
comboioacaminhodeCambridge?
Tenhoasmelhoresrecordações.Fuiveromeuir-
mão gémeo, que tinha emigrado para Inglaterra.
O meu pai terá feito um erro: separou os dois ir-
mãos gémeos porque os dois irmãos gémeos não
se separavam. Ele estava convicto que nós estu-
dávamos menos por brincarmos em conjunto.
Como tínhamos família em Londres, ele decidiu
mandaromeuirmãoestudarparalá.Euiavisitá-
-lo de três em três meses. Nessa viagem de com-
boio,acaminhodeCambridge,conheciduaspor-
tuguesas,duasprimas.Umadelasveioaserami-
nha mulher. Lembro-me de o meu irmão dizer:
‘Nãotemetascomelas,vamosantesparaopédas
inglesas.’ Mas eu respondi-lhe: ‘Estou a ver que a
MariaJoãoédiferente.’
Querecordaçõesguardadela?
A minha mulher era uma pessoa muito compe-
tente.Conseguiamanteraserenidadeperanteas
situações mais adversas. Irradiava simpatia e be-
leza. Em regra, dizemos isto das pessoas que
morreram. Mas é verdade. Foi uma arquitecta,
quesededicouaoserviçopúblico,efoiresponsá-
vel pela reconstrução da nova Aldeia da Luz.
Coordenouogabinetequetevecomomissãodes-
locar cinco quilómetros a aldeia de um sítio para
ooutro.Eladizia,commuitagraça,quenãopodia
colocar patins na aldeia. Mas foi quase isso que
aconteceu. Foi preciso reproduzir o que as pes-
soas queriam e, com a construção das novas ca-
sas, os mais ricos diziam: ‘A minha vizinha sem-
pre trabalhou para a minha família. Agora como
sedistingueaminhacasadacasadela?’.Essepro-
blema foi, mais tarde, colocado aos sociólogos.
Masaverdadeéqueelaencontravasoluçõespara
todos os problemas. As casas daquela aldeia fo-
ramtodasreinstaladasesemperturbação.Quan-
do morre num desastre de automóvel com a mi-
nha filha vinha de Alqueva. Houve um desastre
numa zona em que a estrada tinha um defeito.
Essedefeitojáfoireparado.
Como se ultrapassam duas perdas tão gran-
des?
Issonãoseconsegueexplicarnumaentrevista.
Masultrapassa-sealgumdia?
Nunca se esquece. Até porque o subconsciente
não deixa. E não deve ser esquecido, nem por
estudantes, professores foram transferidos para
o novo Hospital de Santa Maria. O Hospital de
Santa Marta ficou devoluto. O meu pai era direc-
tor de serviço de Medicina Interna no Hospital
dos Capuchos e recebeu uma proposta para con-
duzir a reabilitação do Hospital de Santa Marta.
Aceitou o desafio e pôs o Hospital a funcionar
com uma vocação apontada para a Medicina In-
ternaeparaocoração.Hoje,comosesabe,éuma
unidadedeexcelêncianasáreasdacardiologia.
O que via no Hospital que o fez querer seguir
essacarreira?
Via uma grande preocupação pelos doentes que
eram todos pobres. Na altura, não havia serviço
nacionaldesaúde.Erampessoasmuitocarencia-
das, internadas em grandes enfermarias, sem
compartimentação.Issoimpressionava-me,mas
também o cuidado do meu pai de ir visitar os
doentes ao fim-de-semana, mesmo sem estar a
trabalhar.
Aprendeu tanto com o seu pai que até tirava
notasaojantar…
mimnempelosmeusdoisoutrosfilhos.
Háamoresquenuncamorrem?
Não morrem. É isso que está escrito, no cemité-
rio:umafrasedosBeatles,escritaeminglês.
Nos anos 80, foi trabalhar para África e, pas-
sados poucos dias de ter chegado, teve logo
umaaventura…
Descobri África por acaso. O que me entusias-
mou foi o trabalho para a Organização Mundial
de Saúde (OMS). Na altura, Brazzaville era uma
repúblicapopular.Tinhaumabandeiraigualàda
União Soviética, o hino era o mesmo e tinha uns
defensoresdaRevolução.Umdia,saídohotelde-
pois de jantar e esses defensores estavam escon-
didosporcimadasárvores.Saltaram,comarmas,
pediram-meidentificaçãoeeunãotinha.Depois,
quando cheguei a Bissau, houve o golpe de Esta-
dodoNinoVieira.
E foi nesse episódio que acabou escondido
numquartodohotel?
Estava a tomar café num hotel, quando entram
soldados com uma metralhadora pesada. Puse-
ram as pessoas todas em alvoroço. Mandaram-
-nos levantar os braços e ir para os quartos. Com
muito medo, olho para o lado e vejo um portu-
guês, o António Reis, e disse-lhe: ‘Não estou aqui
alojado, não sei o que vai acontecer ‘. Entretanto,
apareceogerentedaesplanadaerefere:‘Paguem
primeiroascontasevoltemapôrosbraçosnoar.’
Acabei por ficar a dormir no quarto do António
Reis,refugiado,eficámosamigos.
Ecomoéqueumaviãopegadeempurrão?
Estava no final de uma missão, entrámos num
avião Dakota, comandado por um piloto portu-
guês e não pegava. Estava com a minha colega.
O Pombo (piloto) vai ao corredor e diz: ‘Cama-
radas, é preciso empurrar o avião.’ Desci para
ajudar. A verdade é que o avião pegou logo. De-
poisvoltoaentraredizaminhacolega:‘Olhalá,
Francisco, vais num avião que pega de empur-
rão?’ Eu disse: ‘Estou cheio de saudades da mi-
nha família, tenho de ir vê-la.’ Não havia telefo-
nes,arrisquei.
Já teve armas apontadas a si, andou num
avião que pegou de empurrão, perdeu duas
das pessoas mais importantes da sua vida.
Aindaháalgumacoisaqueoassuste?
Nada me assusta. Quando me perguntam: ‘então
como estás?´, digo: ‘Estou bem e, quando eu não
estiverbem,ninguémestarátambém.’
O meupai
diziaqueem
Inglaterraos
políticoseram
pagosparafazer
oposiçãoeem
Portugala
oposiçãoia
presa
“
Aminhamulher
conseguia
mantera
serenidade
nassituações
maisadversas.
Irradiava
simpatiae
beleza
Sexta-feira, 22 de Maio 2015
Conversas com Vida, hoje, 22h00
Veja a entrevista com o director-geral
da Saúde, Francisco George.
HD
6 E+Fim-de-Semana Sexta-feira, 22 de Maio 2015
“O SNSédos
cidadãosetemde
sercuidadopor
elesdemaneira
maisparticipada.
Épreciso
escolherbem
InvestigouaSIDA,nadécadade80,quando
aindaeraumadoençadesconhecidade
todos.Em15anosdecarreira,tevedelidar
cominúmerasoutras:gripedasaves,doença
das vacas loucas, Ébola ou legionella.
D
izer a verdade é a palavra de
ordem. Mas, muitas vezes,
os problemas são tão graves
– e tão básicos – quanto a
falta de camas. Por cá, o ce-
nário é bem melhor, garante
Francisco George: “O serviço nacional de saú-
de funciona muito bem.”
É diferente lidar com uma doença como a
SIDA na Europa ou em África?
Completamente diferente. Não tem compara-
ção devido aos recursos, aos conhecimentos e,
sobretudo, às infraestruturas.
E as diferenças culturais?
Têm de ser atendidas, mas são menos impor-
tantes. Não há diferenças culturais que impe-
çam o desenvolvimento sanitário, por exem-
plo. Há pouco tempo, fui com o secretário de
Estado a Washington. Estivemos na Casa
Branca e falámos com um médico que tinha
tido Ébola, mas sobreviveu. Os outros 12, que
faziam parte da equipa, no Hospital da Guiné-
-Conacri, tinham morrido. O problema central
são os recursos. Não há médicos, enfermeiros
ou camas. Na altura, fizemos uma conta rápida
e, para os trabalhos de controlo e prevenção de
“Nunca se omiteinformação”
Ébola, precisávamos de cinco mil camas para
reduzir as cadeias de transmissão.
Enquanto director-geral da Saúde, quando
há situações de surtos, às vezes, é necessá-
rio omitir alguma informação a bem da
saúde pública?
Nunca. As epidemias têm uma regra básica: se-
rem combatidas de forma transparente, não
em ‘underground’. Ao mesmo tempo que são
informados os governantes e os homólogos,
temos de informar os cidadãos. E tem de ser
uma informação consistente, sem qualquer
tipo de omissão. Esse foi, aliás, o problema que
teve a SIDA de início. A comunicação teve defi-
ciências. No dia em que o director-geral omita
nunca mais será credível.
É possível continuarmos a ter um Serviço
Nacional de Saúde tendencialmente gra-
tuito?
Sim. O Serviço Nacional de Saúde não é gratui-
to. Todos pagamos impostos directos e indi-
rectos que abastecem o Orçamento do Estado.
DesseOrçamentosãotransferidosoitomilmi-
lhões para fazer funcionar o SNS. São os portu-
gueses que financiam o Orçamento da Saúde.
É como se fosse um grande seguro universal.
Não é verdadeiramente gratuito, mas o acto da
prestação devia ser. No plano filosófico, as ta-
xas moderadoras não deviam pesar na decisão.
A taxa moderadora visa que o acesso não seja
indiscriminado. Mas tem de ser pequena. Te-
nho dificuldade em aceitar taxas moderadoras
mais pesadas.
A bem da sustentabilidade, o SNS precisa
de ser repensado?
Tem sempre de ser repensado à luz das novas
realidades. Nascem menos crianças todos os
anos e cresce a população com mais idade. O
outro problema é a frequência das doenças
crónicas. Os hospitais que foram criados para
doenças agudas agora são para doenças cróni-
cas. É, por isso, que temos de criar unidades de
longa duração. Não faz sentido ocupar camas
para doenças agudas, sobretudo as infecciosas
ou trauma, com doentes que têm problemas
crónicos.
Para o SNS ser repensado é necessário ha-
ver acordo entre os principais partidos do
arco da governação?
Estamos em período final de legislatura e não
faço política activa. Não quero discutir essas
questões.
Mas interessa-se por política?
Todos os dias. Mas não entro em debates para
saber se a maioria deve ser feita com a esquer-
da ou com a direita. Entendo que o director-
-geral da Saúde não deve entrar no debate po-
lítico corriqueiro.
Imaginar-se-ia, um dia, a fazer política ac-
tiva?
Imagino-me como director-geral da Saúde e
nesta qualidade prefiro manter o perfil que
sempre tive. Não participo em comícios, em
listas, em coisíssima nenhuma.
E se um dia recebesse um convite para ser
ministro da Saúde?
Não está no meu horizonte.
Um ano depois de a troika ter saído, acha
que o País está melhor?
Estamos perante uma crise e deve ser terrível
estar sem emprego, sobretudo, de longa dura-
ção. É um problema e há-de ter reflexos na
Saúde. Mas também devo dizer que os princi-
pais indicadores têm mostrado uma evolução
positiva. Nomeadamente a mortalidade infan-
til que voltou a descer, em 2014, tal como a tu-
berculose. O Serviço Nacional de Saúde, como
um todo, também funciona muito bem.
Há uma percepção errada do Serviço Na-
cional de Saúde?
Os portugueses têm de perceber que o SNS é
deles. Se perguntarmos a uma pessoa, diz que
tem um seguro privado, mas, se perguntarmos
a outra, não diz que tem um seguro do Estado.
Há um sentimento pouco alcançado de per-
tença. O SNS é dos cidadãos e tem de ser cuida-
do por eles, de maneira mais participada. É
preciso estar informado e escolher bem.

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Feliz navidad-2011
Feliz navidad-2011Feliz navidad-2011
Feliz navidad-2011ed_bala
 
25 Words Of Social Media Wisdom Project
25 Words Of Social Media Wisdom Project25 Words Of Social Media Wisdom Project
25 Words Of Social Media Wisdom ProjectLiz Strauss
 
Presentacion.sandra6tt0
Presentacion.sandra6tt0Presentacion.sandra6tt0
Presentacion.sandra6tt0sandrita020
 
Superar obstáculos 2
Superar obstáculos 2Superar obstáculos 2
Superar obstáculos 2mejia741
 
Importancia de la comunicación global
Importancia de la comunicación globalImportancia de la comunicación global
Importancia de la comunicación globalMaximiliano Alegre
 
Success Begins With A Burning Desire
Success Begins With A Burning DesireSuccess Begins With A Burning Desire
Success Begins With A Burning Desireafterhourmarketing
 
La selva amazónica
La selva amazónicaLa selva amazónica
La selva amazónicajk3744
 
2. los contaminantes-atmosfericos
2. los contaminantes-atmosfericos2. los contaminantes-atmosfericos
2. los contaminantes-atmosfericosCARLOS Munich
 
Sólidos Cristalinos - Eddy J. Rodríguez Murillo
Sólidos Cristalinos - Eddy J. Rodríguez MurilloSólidos Cristalinos - Eddy J. Rodríguez Murillo
Sólidos Cristalinos - Eddy J. Rodríguez MurilloEddy J. Rodríguez Murillo
 
Fundamentos de geometria analitica triangulo
Fundamentos de geometria analitica  trianguloFundamentos de geometria analitica  triangulo
Fundamentos de geometria analitica trianguloChristian Farinango
 
The Fairmont Banff Springs Hotel
The Fairmont Banff Springs HotelThe Fairmont Banff Springs Hotel
The Fairmont Banff Springs HotelHelga
 

Destaque (18)

Feliz navidad-2011
Feliz navidad-2011Feliz navidad-2011
Feliz navidad-2011
 
Presentación ponencias flacso 2012
Presentación ponencias flacso 2012Presentación ponencias flacso 2012
Presentación ponencias flacso 2012
 
25 Words Of Social Media Wisdom Project
25 Words Of Social Media Wisdom Project25 Words Of Social Media Wisdom Project
25 Words Of Social Media Wisdom Project
 
Oscar
OscarOscar
Oscar
 
Presentacion.sandra6tt0
Presentacion.sandra6tt0Presentacion.sandra6tt0
Presentacion.sandra6tt0
 
Superar obstáculos 2
Superar obstáculos 2Superar obstáculos 2
Superar obstáculos 2
 
¡LAS PRIMERAS COSAS PRIMERO! (HAGEO)
¡LAS PRIMERAS COSAS PRIMERO! (HAGEO)¡LAS PRIMERAS COSAS PRIMERO! (HAGEO)
¡LAS PRIMERAS COSAS PRIMERO! (HAGEO)
 
Importancia de la comunicación global
Importancia de la comunicación globalImportancia de la comunicación global
Importancia de la comunicación global
 
Hoyquehemuerto
HoyquehemuertoHoyquehemuerto
Hoyquehemuerto
 
Clase iii
Clase iiiClase iii
Clase iii
 
Success Begins With A Burning Desire
Success Begins With A Burning DesireSuccess Begins With A Burning Desire
Success Begins With A Burning Desire
 
Casa abierta 6 egb
Casa abierta 6 egbCasa abierta 6 egb
Casa abierta 6 egb
 
La selva amazónica
La selva amazónicaLa selva amazónica
La selva amazónica
 
2. los contaminantes-atmosfericos
2. los contaminantes-atmosfericos2. los contaminantes-atmosfericos
2. los contaminantes-atmosfericos
 
Sólidos Cristalinos - Eddy J. Rodríguez Murillo
Sólidos Cristalinos - Eddy J. Rodríguez MurilloSólidos Cristalinos - Eddy J. Rodríguez Murillo
Sólidos Cristalinos - Eddy J. Rodríguez Murillo
 
Fundamentos de geometria analitica triangulo
Fundamentos de geometria analitica  trianguloFundamentos de geometria analitica  triangulo
Fundamentos de geometria analitica triangulo
 
The Fairmont Banff Springs Hotel
The Fairmont Banff Springs HotelThe Fairmont Banff Springs Hotel
The Fairmont Banff Springs Hotel
 
Jornada ens
Jornada ensJornada ens
Jornada ens
 

Semelhante a Perfil de Francisco George

Revista cuidarte ano 7 nº12 novembro 2014
Revista cuidarte ano 7 nº12 novembro 2014Revista cuidarte ano 7 nº12 novembro 2014
Revista cuidarte ano 7 nº12 novembro 2014Cláudia Estêvão
 
Cartilha Câncer Infantil
Cartilha Câncer InfantilCartilha Câncer Infantil
Cartilha Câncer InfantilAna Filadelfi
 
23 a voz_da_estrela pdf
23 a voz_da_estrela pdf23 a voz_da_estrela pdf
23 a voz_da_estrela pdfVanessa Reis
 
23 a voz_da_estrela pdf
23 a voz_da_estrela pdf23 a voz_da_estrela pdf
23 a voz_da_estrela pdfVanessa Reis
 
guido-levi-de-criancas-e-vacinas-livro-v2.pdf
guido-levi-de-criancas-e-vacinas-livro-v2.pdfguido-levi-de-criancas-e-vacinas-livro-v2.pdf
guido-levi-de-criancas-e-vacinas-livro-v2.pdfmarcossteidle8420165
 
Salto Lab X - Blumenau - Fernanda Maisa Wetzstein - Câncer de Mama
Salto Lab X - Blumenau - Fernanda Maisa Wetzstein - Câncer de MamaSalto Lab X - Blumenau - Fernanda Maisa Wetzstein - Câncer de Mama
Salto Lab X - Blumenau - Fernanda Maisa Wetzstein - Câncer de MamaFERNANDA WETZSTEIN
 
A voz da estrela - AIDS
A voz da estrela - AIDSA voz da estrela - AIDS
A voz da estrela - AIDSMarcelo Santos
 
Roteiro de estudos Ciclo Autoral . De 27 á 30 de abril.
Roteiro de estudos Ciclo  Autoral . De 27 á 30 de abril.Roteiro de estudos Ciclo  Autoral . De 27 á 30 de abril.
Roteiro de estudos Ciclo Autoral . De 27 á 30 de abril.Proval Val
 
Roteiro de estudos_autoral_03_08
Roteiro de estudos_autoral_03_08Roteiro de estudos_autoral_03_08
Roteiro de estudos_autoral_03_08escolacaiosergio
 
Gralha Azul No. 3 - Sobrames Paraná - Setembro 2010
Gralha Azul No. 3 - Sobrames Paraná - Setembro 2010Gralha Azul No. 3 - Sobrames Paraná - Setembro 2010
Gralha Azul No. 3 - Sobrames Paraná - Setembro 2010Sérgio Pitaki
 
LUIZ GRANDE DST AIDS
LUIZ GRANDE DST AIDSLUIZ GRANDE DST AIDS
LUIZ GRANDE DST AIDSLuiz Grande
 
O que 2014 nos ensinou
O que 2014 nos ensinouO que 2014 nos ensinou
O que 2014 nos ensinouMkt Virtual
 
Cláudio Anaia-Factos Sobre o Aborto
Cláudio Anaia-Factos Sobre o AbortoCláudio Anaia-Factos Sobre o Aborto
Cláudio Anaia-Factos Sobre o AbortoChuck Gary
 

Semelhante a Perfil de Francisco George (20)

Revista cuidarte ano 7 nº12 novembro 2014
Revista cuidarte ano 7 nº12 novembro 2014Revista cuidarte ano 7 nº12 novembro 2014
Revista cuidarte ano 7 nº12 novembro 2014
 
Comensais do Caos
Comensais do CaosComensais do Caos
Comensais do Caos
 
Album seriado ists
Album seriado ists Album seriado ists
Album seriado ists
 
Cartilha Câncer Infantil
Cartilha Câncer InfantilCartilha Câncer Infantil
Cartilha Câncer Infantil
 
23 a voz_da_estrela pdf
23 a voz_da_estrela pdf23 a voz_da_estrela pdf
23 a voz_da_estrela pdf
 
23 a voz_da_estrela pdf
23 a voz_da_estrela pdf23 a voz_da_estrela pdf
23 a voz_da_estrela pdf
 
A voz da estrela
A voz da estrelaA voz da estrela
A voz da estrela
 
A voz da_estrela-pdf
A voz da_estrela-pdfA voz da_estrela-pdf
A voz da_estrela-pdf
 
guido-levi-de-criancas-e-vacinas-livro-v2.pdf
guido-levi-de-criancas-e-vacinas-livro-v2.pdfguido-levi-de-criancas-e-vacinas-livro-v2.pdf
guido-levi-de-criancas-e-vacinas-livro-v2.pdf
 
HIV/Aids Sem Preconceito Ago/2010
HIV/Aids Sem Preconceito Ago/2010HIV/Aids Sem Preconceito Ago/2010
HIV/Aids Sem Preconceito Ago/2010
 
Salto Lab X - Blumenau - Fernanda Maisa Wetzstein - Câncer de Mama
Salto Lab X - Blumenau - Fernanda Maisa Wetzstein - Câncer de MamaSalto Lab X - Blumenau - Fernanda Maisa Wetzstein - Câncer de Mama
Salto Lab X - Blumenau - Fernanda Maisa Wetzstein - Câncer de Mama
 
A voz da estrela - AIDS
A voz da estrela - AIDSA voz da estrela - AIDS
A voz da estrela - AIDS
 
Roteiro de estudos Ciclo Autoral . De 27 á 30 de abril.
Roteiro de estudos Ciclo  Autoral . De 27 á 30 de abril.Roteiro de estudos Ciclo  Autoral . De 27 á 30 de abril.
Roteiro de estudos Ciclo Autoral . De 27 á 30 de abril.
 
Roteiro de estudos_autoral_03_08
Roteiro de estudos_autoral_03_08Roteiro de estudos_autoral_03_08
Roteiro de estudos_autoral_03_08
 
Gralha Azul No. 3 - Sobrames Paraná - Setembro 2010
Gralha Azul No. 3 - Sobrames Paraná - Setembro 2010Gralha Azul No. 3 - Sobrames Paraná - Setembro 2010
Gralha Azul No. 3 - Sobrames Paraná - Setembro 2010
 
Quiz português 9° ano
Quiz português 9° anoQuiz português 9° ano
Quiz português 9° ano
 
LUIZ GRANDE DST AIDS
LUIZ GRANDE DST AIDSLUIZ GRANDE DST AIDS
LUIZ GRANDE DST AIDS
 
O que 2014 nos ensinou
O que 2014 nos ensinouO que 2014 nos ensinou
O que 2014 nos ensinou
 
Professor iveraldo
Professor iveraldoProfessor iveraldo
Professor iveraldo
 
Cláudio Anaia-Factos Sobre o Aborto
Cláudio Anaia-Factos Sobre o AbortoCláudio Anaia-Factos Sobre o Aborto
Cláudio Anaia-Factos Sobre o Aborto
 

Perfil de Francisco George

  • 1. PauloAlexandreCoelho Este suplemento faz parte integrante do Diário Económico Nº 6178 e não pode ser vendido separadamente | 22 Maio 2015 “Osportugueses têmdeperceberque oSNS édeles” O director-geral de Saúde, Francisco George, garante que o SNS funciona muito bem e que tem de ser cuidado pelos cidadãos. Uma entrevista de vida onde fala também das aventuras em África. PERFIL ManuelCarvalho daSilva,sociólogoe docenteuniversitário, avaliaoestadodoPaís TECNOLOGIA Asaplicaçõesda semanaeo‘tablet’mais leveefinodesempreda Microsoft
  • 2. 4 E+Fim-de-Semana Sexta-feira, 22 de Maio 2015 T “ Anda sempre num ritmo acelerado e, diz quem o conhece que, mesmo os mais jovens, têm dificuldades em acompanhá-lo. Está há 15 anos na Direcção-Geral da Saúde, já correu mundo e garante que nada o assusta. Durante esta entrevista, Francisco George deixou cair a aparente capa de ‘durão’ e revelou-se num registo “mais intimista do que estava à espera”. FotografiasdePauloAlexandreCoelho “Quandoeunão estiverbem, ninguémestará” em uma história de vida recheada de persona- gens e de aventuras. Dela fazem parte nomes so- nantes–comoEduardoBarrosoouBragadeMa- cedo-eoutrosdesconhecidoscomoaRosadosli- mões.MastambémrecordaoLeão,oFiel,oJack e as brincadeiras no Jardim da Estrela. Nasceu e cresceu em Campo de Ourique, bairro que ainda hojeoapaixona.Herdouoapelidodoavôinglêse avocaçãoparaaMedicinadopai.Jáapaixãopelo cinema veio da mãe e já perdeu a conta às vezes que viu o filme “Rio Bravo”. Descobriu África a trabalhar para a Organização Mundial da Saúde, tevearmasapontadasàcabeça,andounumavião que “pegou de empurrão”, mas o maior desafio vive-o todos os dias: aprender a lidar com a au- sência da mulher e de uma filha, que faleceram numdesastredeautomóvel. Ainda alguém lhe pergunta se é o Francisco ouoJoão? Muitas vezes. Quando éramos pequenos, eu e o meu irmão gémeo éramos absolutamente iguais. Antesdeirmosparaaescola,aminhamãetinhao hábitodeficarnomeio,comcadaumdoseulado, averseagravataestavabemposta,acamisa…Pe- rante o espelho, eu tinha de fazer um sinal com a mãoparasaberquemera.Éramoscomoduasgo- tasdeágua. Faziam as partidas típicas dos irmãos gé- meos? Descobrimos outro modo mais inovador de pre- garpartidas.QuandoeleeratidocomoFrancisco, continuava a conversa. E eu a mesma coisa. En- tão, a partir de certa altura, gerou-se uma confu- sãoenorme:‘Então,eunãotedissequevinhacáa casa?Não,eunãoestavaàtuaespera’. Há quem acredite que os irmãos gémeos têm umaligaçãoafectivaespecial… É indiscutível. A ligação afectiva existe sempre, além de outras. Os nossos ADN são iguais. Não é possível, à luz dos conhecimentos científicos de hoje, distinguir o ADN de um e de outro. E, natu- ralmente, isso tem implicações, não só em ter- mosgenéticos,masdecomportamentos. Aprimeiracasadosseuspaiseraporcimade uma farmácia. E, quando era criança, costu- mavafugirparalá… Naquela altura, os doentes que precisavam de medicamentostinhamreceitasmédicasquepre- viam a preparação na própria farmácia, seja em formadexarope,cremeoucomprimidos…Ofar- macêutico tinha aspecto de sábio. Com três ou quatro anos, via-o preparar os medicamentos e erafascinante–pareciamagia! Começou a frequentar o ensino inglês muito cedo.Foiinfluênciadoseuavô? Sem dúvida. O meu avô tinha vindo para a Carris que era uma companhia inglesa. Era assessor da administração...JáomeubisavôveioparaPortu- gal com as máquinas a vapor, sobretudo, para a indústrianaval.Aíestabeleceuumaescoladecal- deireiros, chamados em inglês ‘boiler makers’. Eleeraomasterdos‘boilermakers’. Quem lhe contava as histórias do seu avô pa- terno? O meu pai visitava regularmente o cemitério in- glês,ondeestavaafamíliadele,econtavaashistó- rias. A honradez e a forma austera como sempre viveram, a favor da cooperação e da transmissão dos conhecimentos, foi a grande lição que rece- bemosdele.Contavacommuitafrequênciaqueo maior armador do mundo tinha proposto uma sociedade ao meu avô que era engenheiro naval. Recusouporqueacreditavaquetinhaumcontra- to de cooperação, para transmitir os conheci- mentos,enãoparafazernegócios. Teveumaeducaçãoexigenteemcasa? Muito,sobretudoaojantar.Eraumjantaraoesti- lo britânico, éramos cinco filhos e todos tinham de estar à volta da mesa. O meu pai perguntava primeiro, do mais velho ao mais novo, o que tí- nhamos feito naquele dia, a escola, os resultados Ofarmacêutico tinhaaspecto desábio.Em pequenovia-o prepararos medicamentos eerafascinante –pareciamagia CONVERSAS COM VIDA. PorMartaRangel dosexames,asnotas,olazer… Quem fazia as perguntas de cultura geral: os filhosouospais? Sempre o pai. As perguntas eram diferentes to- dososdiasecadavezmaisdifíceis.Liumarevista editadapelaCarris,nosanos40,emqueentrevis- tam um funcionário que trabalhou com o meu avô. Ele diz: ‘Mr. Albert George gostava muito de fazer perguntas de cultura geral. Perguntava isto eaquilo…’Evimasaberqueeramasmesmasper- guntas. Quando os filhos não sabiam as respostas, o queacontecia? Ensinava. ‘Como se chama a árvore que dá no- zes? De onde vem o azeite? Como se chama um conjunto de peixes?’ Havia perguntas variadas, relacionadas com coisas simples, mas que, na nossaidade,eramcomplicadasderesponder. Costuma dizer que nasceu e cresceu no Hos- pitaldeSantaMarta… Antigamente, era um hospital escolar. Em 1955, todososserviços,doentes,médicos,enfermeiros,
  • 3. E+Fim-de-Semana 5Sexta-feira, 22 de Maio 2015 É verdade. E não era só eu. Alguns amigos, como oEduardoBarroso,queestudoucomigo,iajantar paratirarnotas. Quando começou a interessar-se por políti- ca? Sobretudo, antes de 74. Tinha familiares muito próximosqueerampresosoufaziamoposiçãoao Governo. O que é que o seu pai costumava dizer sobre osoposicionistasaoGoverno? Dizia,commuitagraça,que,emInglaterra,ospo- líticoserampagosparafazeroposição.E,emPor- tugal,quemestavanaoposiçãoerapreso. Ahistóriadasuavidaéfeitadealgunsnomes sonantes – como Eduardo Barroso ou Braga deMacedo–mastambémdepessoassimples como Carlos, o electricista ou a Rosa dos li- mões… A Rosa dos limões fez-me sempre lembrar a his- tória de Jorge Amado, dos “Capitães da Areia”. A Rosa dos limões era uma figura ímpar, do tipo da MariadaFonte.Conduziacomosfilhosaocolo.A repressão policial não deixava que ela vendesse limões!E,elaaosgritos,dizia:‘Fujam,quevemaí aPolícia!’. Querecordaçõestemdeumacertaviagemde comboioacaminhodeCambridge? Tenhoasmelhoresrecordações.Fuiveromeuir- mão gémeo, que tinha emigrado para Inglaterra. O meu pai terá feito um erro: separou os dois ir- mãos gémeos porque os dois irmãos gémeos não se separavam. Ele estava convicto que nós estu- dávamos menos por brincarmos em conjunto. Como tínhamos família em Londres, ele decidiu mandaromeuirmãoestudarparalá.Euiavisitá- -lo de três em três meses. Nessa viagem de com- boio,acaminhodeCambridge,conheciduaspor- tuguesas,duasprimas.Umadelasveioaserami- nha mulher. Lembro-me de o meu irmão dizer: ‘Nãotemetascomelas,vamosantesparaopédas inglesas.’ Mas eu respondi-lhe: ‘Estou a ver que a MariaJoãoédiferente.’ Querecordaçõesguardadela? A minha mulher era uma pessoa muito compe- tente.Conseguiamanteraserenidadeperanteas situações mais adversas. Irradiava simpatia e be- leza. Em regra, dizemos isto das pessoas que morreram. Mas é verdade. Foi uma arquitecta, quesededicouaoserviçopúblico,efoiresponsá- vel pela reconstrução da nova Aldeia da Luz. Coordenouogabinetequetevecomomissãodes- locar cinco quilómetros a aldeia de um sítio para ooutro.Eladizia,commuitagraça,quenãopodia colocar patins na aldeia. Mas foi quase isso que aconteceu. Foi preciso reproduzir o que as pes- soas queriam e, com a construção das novas ca- sas, os mais ricos diziam: ‘A minha vizinha sem- pre trabalhou para a minha família. Agora como sedistingueaminhacasadacasadela?’.Essepro- blema foi, mais tarde, colocado aos sociólogos. Masaverdadeéqueelaencontravasoluçõespara todos os problemas. As casas daquela aldeia fo- ramtodasreinstaladasesemperturbação.Quan- do morre num desastre de automóvel com a mi- nha filha vinha de Alqueva. Houve um desastre numa zona em que a estrada tinha um defeito. Essedefeitojáfoireparado. Como se ultrapassam duas perdas tão gran- des? Issonãoseconsegueexplicarnumaentrevista. Masultrapassa-sealgumdia? Nunca se esquece. Até porque o subconsciente não deixa. E não deve ser esquecido, nem por estudantes, professores foram transferidos para o novo Hospital de Santa Maria. O Hospital de Santa Marta ficou devoluto. O meu pai era direc- tor de serviço de Medicina Interna no Hospital dos Capuchos e recebeu uma proposta para con- duzir a reabilitação do Hospital de Santa Marta. Aceitou o desafio e pôs o Hospital a funcionar com uma vocação apontada para a Medicina In- ternaeparaocoração.Hoje,comosesabe,éuma unidadedeexcelêncianasáreasdacardiologia. O que via no Hospital que o fez querer seguir essacarreira? Via uma grande preocupação pelos doentes que eram todos pobres. Na altura, não havia serviço nacionaldesaúde.Erampessoasmuitocarencia- das, internadas em grandes enfermarias, sem compartimentação.Issoimpressionava-me,mas também o cuidado do meu pai de ir visitar os doentes ao fim-de-semana, mesmo sem estar a trabalhar. Aprendeu tanto com o seu pai que até tirava notasaojantar… mimnempelosmeusdoisoutrosfilhos. Háamoresquenuncamorrem? Não morrem. É isso que está escrito, no cemité- rio:umafrasedosBeatles,escritaeminglês. Nos anos 80, foi trabalhar para África e, pas- sados poucos dias de ter chegado, teve logo umaaventura… Descobri África por acaso. O que me entusias- mou foi o trabalho para a Organização Mundial de Saúde (OMS). Na altura, Brazzaville era uma repúblicapopular.Tinhaumabandeiraigualàda União Soviética, o hino era o mesmo e tinha uns defensoresdaRevolução.Umdia,saídohotelde- pois de jantar e esses defensores estavam escon- didosporcimadasárvores.Saltaram,comarmas, pediram-meidentificaçãoeeunãotinha.Depois, quando cheguei a Bissau, houve o golpe de Esta- dodoNinoVieira. E foi nesse episódio que acabou escondido numquartodohotel? Estava a tomar café num hotel, quando entram soldados com uma metralhadora pesada. Puse- ram as pessoas todas em alvoroço. Mandaram- -nos levantar os braços e ir para os quartos. Com muito medo, olho para o lado e vejo um portu- guês, o António Reis, e disse-lhe: ‘Não estou aqui alojado, não sei o que vai acontecer ‘. Entretanto, apareceogerentedaesplanadaerefere:‘Paguem primeiroascontasevoltemapôrosbraçosnoar.’ Acabei por ficar a dormir no quarto do António Reis,refugiado,eficámosamigos. Ecomoéqueumaviãopegadeempurrão? Estava no final de uma missão, entrámos num avião Dakota, comandado por um piloto portu- guês e não pegava. Estava com a minha colega. O Pombo (piloto) vai ao corredor e diz: ‘Cama- radas, é preciso empurrar o avião.’ Desci para ajudar. A verdade é que o avião pegou logo. De- poisvoltoaentraredizaminhacolega:‘Olhalá, Francisco, vais num avião que pega de empur- rão?’ Eu disse: ‘Estou cheio de saudades da mi- nha família, tenho de ir vê-la.’ Não havia telefo- nes,arrisquei. Já teve armas apontadas a si, andou num avião que pegou de empurrão, perdeu duas das pessoas mais importantes da sua vida. Aindaháalgumacoisaqueoassuste? Nada me assusta. Quando me perguntam: ‘então como estás?´, digo: ‘Estou bem e, quando eu não estiverbem,ninguémestarátambém.’ O meupai diziaqueem Inglaterraos políticoseram pagosparafazer oposiçãoeem Portugala oposiçãoia presa “ Aminhamulher conseguia mantera serenidade nassituações maisadversas. Irradiava simpatiae beleza Sexta-feira, 22 de Maio 2015 Conversas com Vida, hoje, 22h00 Veja a entrevista com o director-geral da Saúde, Francisco George. HD
  • 4. 6 E+Fim-de-Semana Sexta-feira, 22 de Maio 2015 “O SNSédos cidadãosetemde sercuidadopor elesdemaneira maisparticipada. Épreciso escolherbem InvestigouaSIDA,nadécadade80,quando aindaeraumadoençadesconhecidade todos.Em15anosdecarreira,tevedelidar cominúmerasoutras:gripedasaves,doença das vacas loucas, Ébola ou legionella. D izer a verdade é a palavra de ordem. Mas, muitas vezes, os problemas são tão graves – e tão básicos – quanto a falta de camas. Por cá, o ce- nário é bem melhor, garante Francisco George: “O serviço nacional de saú- de funciona muito bem.” É diferente lidar com uma doença como a SIDA na Europa ou em África? Completamente diferente. Não tem compara- ção devido aos recursos, aos conhecimentos e, sobretudo, às infraestruturas. E as diferenças culturais? Têm de ser atendidas, mas são menos impor- tantes. Não há diferenças culturais que impe- çam o desenvolvimento sanitário, por exem- plo. Há pouco tempo, fui com o secretário de Estado a Washington. Estivemos na Casa Branca e falámos com um médico que tinha tido Ébola, mas sobreviveu. Os outros 12, que faziam parte da equipa, no Hospital da Guiné- -Conacri, tinham morrido. O problema central são os recursos. Não há médicos, enfermeiros ou camas. Na altura, fizemos uma conta rápida e, para os trabalhos de controlo e prevenção de “Nunca se omiteinformação” Ébola, precisávamos de cinco mil camas para reduzir as cadeias de transmissão. Enquanto director-geral da Saúde, quando há situações de surtos, às vezes, é necessá- rio omitir alguma informação a bem da saúde pública? Nunca. As epidemias têm uma regra básica: se- rem combatidas de forma transparente, não em ‘underground’. Ao mesmo tempo que são informados os governantes e os homólogos, temos de informar os cidadãos. E tem de ser uma informação consistente, sem qualquer tipo de omissão. Esse foi, aliás, o problema que teve a SIDA de início. A comunicação teve defi- ciências. No dia em que o director-geral omita nunca mais será credível. É possível continuarmos a ter um Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gra- tuito? Sim. O Serviço Nacional de Saúde não é gratui- to. Todos pagamos impostos directos e indi- rectos que abastecem o Orçamento do Estado. DesseOrçamentosãotransferidosoitomilmi- lhões para fazer funcionar o SNS. São os portu- gueses que financiam o Orçamento da Saúde. É como se fosse um grande seguro universal. Não é verdadeiramente gratuito, mas o acto da prestação devia ser. No plano filosófico, as ta- xas moderadoras não deviam pesar na decisão. A taxa moderadora visa que o acesso não seja indiscriminado. Mas tem de ser pequena. Te- nho dificuldade em aceitar taxas moderadoras mais pesadas. A bem da sustentabilidade, o SNS precisa de ser repensado? Tem sempre de ser repensado à luz das novas realidades. Nascem menos crianças todos os anos e cresce a população com mais idade. O outro problema é a frequência das doenças crónicas. Os hospitais que foram criados para doenças agudas agora são para doenças cróni- cas. É, por isso, que temos de criar unidades de longa duração. Não faz sentido ocupar camas para doenças agudas, sobretudo as infecciosas ou trauma, com doentes que têm problemas crónicos. Para o SNS ser repensado é necessário ha- ver acordo entre os principais partidos do arco da governação? Estamos em período final de legislatura e não faço política activa. Não quero discutir essas questões. Mas interessa-se por política? Todos os dias. Mas não entro em debates para saber se a maioria deve ser feita com a esquer- da ou com a direita. Entendo que o director- -geral da Saúde não deve entrar no debate po- lítico corriqueiro. Imaginar-se-ia, um dia, a fazer política ac- tiva? Imagino-me como director-geral da Saúde e nesta qualidade prefiro manter o perfil que sempre tive. Não participo em comícios, em listas, em coisíssima nenhuma. E se um dia recebesse um convite para ser ministro da Saúde? Não está no meu horizonte. Um ano depois de a troika ter saído, acha que o País está melhor? Estamos perante uma crise e deve ser terrível estar sem emprego, sobretudo, de longa dura- ção. É um problema e há-de ter reflexos na Saúde. Mas também devo dizer que os princi- pais indicadores têm mostrado uma evolução positiva. Nomeadamente a mortalidade infan- til que voltou a descer, em 2014, tal como a tu- berculose. O Serviço Nacional de Saúde, como um todo, também funciona muito bem. Há uma percepção errada do Serviço Na- cional de Saúde? Os portugueses têm de perceber que o SNS é deles. Se perguntarmos a uma pessoa, diz que tem um seguro privado, mas, se perguntarmos a outra, não diz que tem um seguro do Estado. Há um sentimento pouco alcançado de per- tença. O SNS é dos cidadãos e tem de ser cuida- do por eles, de maneira mais participada. É preciso estar informado e escolher bem.