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Barreiras à Inovação na Empresa Petroquímica Licenciada
José Adeodatode SouzaNeto
Apresentação
O presente textotemopropósitode compartilharalgumasreflexõessobre barreirasàinovação
tecnológica nas empresas petroquímicas liceniadas, na esperança de obter críticas e
comentários que melhorem meus conhecimentos na área. A motivação surgiu a partir de um
caso bem sucedido do ponto de vista científico ou tecnológico, que não teve continuidade e,
aparentemente, não gerou as vantagens competitivas esperadas.
Como engenheiro químico e pesquisador, sempre fiquei indignado com o desinteresse pelo
desenvolvimento de tecnologia própria, manifestado pelas empresas químicas que conhecia.
Hoje, tenho uma compreensão diferente e acho que há explicação lógica e racional.
Como produtora de commodity, custos de produção e logística são fatores fundamentaispara
competir e aumentar as margens. A redução dos custos de produção pode ser conseguida por
duas vias: aumento da escala e mudança de tecnologia. A empresa teve êxito no
desenvolvimento de um catalisador de processo que permanece em uso, até hoje.
Não se pode deixar de reconhecer a façanha técnica, na medida em que várias dificuldades
foram vencidas, inclusive a gestão de contrato de pesquisa com um grupo universitário e,
provavelmente, superar questionamentos da parte do licenciador da tecnologia.
Com certeza, para quem lida com o tema de tecnologia nas empresas, não há novidade na
discussão que se segue, porém acredito não ser o caso dos agentes de governo, responsáveis
pelas políticas públicas e de pesquisadores, cujo foco são os desafios técnicos.
Infelizmente, este tipo de atividade foi suspenso na empresa e, aparentemente, as vantagens
decorrentesdatecnologiaprópria nãomotivaramosdirigentese acionistas.Hoje,ocatalisador
continua sendo licenciado para terceiros e gera receita.
Para bem compreender o problema é preciso olhar o acordo de licença de tecnologia.
A licença de tecnologia
Embora não estejafamiliarizadocomo acordo de licençade tecnologiaespecífico daempresa,
conheço outros acordos, que têm estrutura semelhante e cláusulas importantes muito
parecidas.
As seguintes cláusulas são comuns:
1. “Quase propriedade industrial”.
Em geral, osprocessospetroquímicoslicenciadosnãosãopatenteadose,portanto,não
têmproteçãolegal. Istoimplicanodireitodolicenciadoampliar,reproduziroumodificar
a unidade industrial sem restrições legais. Para fins de comparação, no caso de
processospatenteados,apropriedade datecnologiaserialegalmente protegidacontra
usos ou cópia não autorizadas, pelo prazo de 20.
Para uma empresa licenciada que pretende desenvolver sua própria tecnologia, os
direitos do licenciador desempenham papel importante e podem significar
impedimentos sérios para modificar e evoluir a tecnologia licenciada.
Há uma forma comum de contratação, na qual os direitos dos licenciadores não são
explícitos, conhecida na literatura como “quase propriedade industrial” que, embora
não seja um contrato de licença de patente, aumenta o poder do licenciador sobre o
know-how, dificultando a liberdade de uso da tecnologia por parte do licenciado. O
formato geral das cláusulas contratuais é:
a. O licenciado reconhece que o licenciador detém direitos de algumas patentes
envolvidas no processo licenciado (não explicitadas);
b. O licenciador garante que não irá processar o licenciado pelo uso dessas
patentes;
c. O licenciador garante que o processo licenciado não envolve direitos de
propriedade industrial de terceiros e assume integral responsabilidade de
eventuais reclamações propostas por terceiros.
Este tipode contrato restringe a liberdade dolicenciado de desfrutarintegralmentedo
know-how adquirido, na medida em que ele reconhece tratar-se da propriedade do
licenciador. Ele quer evitar o risco de infringir alguma patente não explicitada e tudo
passa a funcionar como se fora licença de patente.
2. “Licenciamento recíproco” (Cross Licensing).
Sob esta denominação, há um conjunto de regras acordadas que estabelecem
obrigações recíprocas de informar e permitir o uso gratuito de quaisquer pequenas
melhorias (minor improvements) que as partes venham a desenvolver. A mesma
obrigação é acordada para melhorias significativas (major improvments), com a
diferença que, neste caso, o licenciamentocompulsório seria remunerado, mediante
recebimentode royalties.Écomumque,parafacilitareste intercâmbiode informações,
periodicamente, sejamrealizadosencontrostecnológicos (TechnologyMeetings),onde
todos os licenciados se comprometem a participar e permutar informações.
Discussão
A configuração contratual acima traz duas consequências importantes, para uma empresa
petroquímica que opera com processos licenciados e que pretende inovar para competir:
a) Ela reconhece que atecnologialicenciadaé dapropriedade dolicenciador(mesmoque
não haja patente envolvida);
b) Ela se obriga a informar e licenciar qualquer desenvolvimento tecnológico que venha
realizar.
Mesmo que não sejam impeditivas, as condições contratuais acima reduzem vantagens
decorrentesde umdesenvolvimentode tecnologiaprópria,namedidaemque olicenciadofica
atreladoaolicenciadore é obrigado aabririnformaçõessobre oseu“Know-how”paraterceiros
e concorrentes.
Dito em outras palavras, os menores custosde produção resultantes danova tecnologiaserão
disseminados para concorrentes, participantes da mesma licença, eliminando ou reduzindo a
diferenciação de custosde produção.Se osconcorrentestambémtêmcustosde produçãomais
baixo,hásérioriscodosclientesoudomercadoabsorveremasvantagensdecustoreduzidoou,
no mínimo, os preços serem deprimidos.
É certo que a empresa não está impedida de desenvolver processo ou catalisador novos,
independente do processo licenciado. Neste caso, não há impedimento contratual ou legal,
porémasbarreirasnãotécnicascontinuampresentes.Refiro-meparticularmente ànecessidade
de maiores investimentos, para desenvolver um processo ou catalisador inteiramente novo.
Neste caso,aviabilidadedodesenvolvimentoexigiriaumavantagemde custosmaissignificativa
ou uma escala de produção mais elevada, suficiente para amortizar o investimento.
Conclusão
Se você quer dar início a um desenvolvimento de tecnologia na sua empresa, é preciso ter em
mente que asbarreirasnão técnicaspodemsermuitomaissignificativas doque se imagina.Ou
seja, inovar não é simplesmente resultado de uma nova tecnologia, há outros fatores a serem
examinados.

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  • 2. Para uma empresa licenciada que pretende desenvolver sua própria tecnologia, os direitos do licenciador desempenham papel importante e podem significar impedimentos sérios para modificar e evoluir a tecnologia licenciada. Há uma forma comum de contratação, na qual os direitos dos licenciadores não são explícitos, conhecida na literatura como “quase propriedade industrial” que, embora não seja um contrato de licença de patente, aumenta o poder do licenciador sobre o know-how, dificultando a liberdade de uso da tecnologia por parte do licenciado. O formato geral das cláusulas contratuais é: a. O licenciado reconhece que o licenciador detém direitos de algumas patentes envolvidas no processo licenciado (não explicitadas); b. O licenciador garante que não irá processar o licenciado pelo uso dessas patentes; c. O licenciador garante que o processo licenciado não envolve direitos de propriedade industrial de terceiros e assume integral responsabilidade de eventuais reclamações propostas por terceiros. Este tipode contrato restringe a liberdade dolicenciado de desfrutarintegralmentedo know-how adquirido, na medida em que ele reconhece tratar-se da propriedade do licenciador. Ele quer evitar o risco de infringir alguma patente não explicitada e tudo passa a funcionar como se fora licença de patente. 2. “Licenciamento recíproco” (Cross Licensing). Sob esta denominação, há um conjunto de regras acordadas que estabelecem obrigações recíprocas de informar e permitir o uso gratuito de quaisquer pequenas melhorias (minor improvements) que as partes venham a desenvolver. A mesma obrigação é acordada para melhorias significativas (major improvments), com a diferença que, neste caso, o licenciamentocompulsório seria remunerado, mediante recebimentode royalties.Écomumque,parafacilitareste intercâmbiode informações, periodicamente, sejamrealizadosencontrostecnológicos (TechnologyMeetings),onde todos os licenciados se comprometem a participar e permutar informações. Discussão A configuração contratual acima traz duas consequências importantes, para uma empresa petroquímica que opera com processos licenciados e que pretende inovar para competir: a) Ela reconhece que atecnologialicenciadaé dapropriedade dolicenciador(mesmoque não haja patente envolvida); b) Ela se obriga a informar e licenciar qualquer desenvolvimento tecnológico que venha realizar. Mesmo que não sejam impeditivas, as condições contratuais acima reduzem vantagens decorrentesde umdesenvolvimentode tecnologiaprópria,namedidaemque olicenciadofica atreladoaolicenciadore é obrigado aabririnformaçõessobre oseu“Know-how”paraterceiros e concorrentes. Dito em outras palavras, os menores custosde produção resultantes danova tecnologiaserão disseminados para concorrentes, participantes da mesma licença, eliminando ou reduzindo a diferenciação de custosde produção.Se osconcorrentestambémtêmcustosde produçãomais
  • 3. baixo,hásérioriscodosclientesoudomercadoabsorveremasvantagensdecustoreduzidoou, no mínimo, os preços serem deprimidos. É certo que a empresa não está impedida de desenvolver processo ou catalisador novos, independente do processo licenciado. Neste caso, não há impedimento contratual ou legal, porémasbarreirasnãotécnicascontinuampresentes.Refiro-meparticularmente ànecessidade de maiores investimentos, para desenvolver um processo ou catalisador inteiramente novo. Neste caso,aviabilidadedodesenvolvimentoexigiriaumavantagemde custosmaissignificativa ou uma escala de produção mais elevada, suficiente para amortizar o investimento. Conclusão Se você quer dar início a um desenvolvimento de tecnologia na sua empresa, é preciso ter em mente que asbarreirasnão técnicaspodemsermuitomaissignificativas doque se imagina.Ou seja, inovar não é simplesmente resultado de uma nova tecnologia, há outros fatores a serem examinados.