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Professora Bianca Batista
PRESERVAÇÃO DAS FACES
Objetivo Geral
Conhecer as teorias relacionadas
às interações sociais
Objetivo Específico
Refletir sobre a relação entre esta
teoria e as produções textuais, orais
e multimodais.
fonte: https://www.bol.uol.com.br/memes/album/2018/10/27/no-grupo-da-familia-voce-e-o-briguento-ou-o-que-manda-
memes.htm?mode=list&foto=31
Baseado no artigo
Ayres, Marcel: RIBEIRO, José. Representação
de si em interações sociais mediadas por
Instant Messengers: O caso do WhatsApp.
Disponível em:
https://www.portalintercom.org.br/anais/na
cional2015/resumos/R10-0273-1.pdf.
Diz um ditado popular que “a primeira
impressão é a que fica”.
Todavia, diria que, na perspectiva de
Goffman a primeira impressão é a que o
sujeito quer que fique, pelo menos em um
primeiro momento, ou em um
determinado contexto.
Entenda-se impressão como sendo o
modo pelo qual o indivíduo tenta registrar,
demarcar a produção que faz de si para
o outro, no processo de interação
(GOFFMAN, 2002).
Em A Representação do Eu na vida Cotidiana,
Goffman (1985) analisa as várias
representações que o indivíduo apresenta a si
mesmo e às outras pessoas; bem como os
meios pelos quais o homem regula as
impressões que os outros formam a seu
respeito; e as coisas que se pode ou não
fazer diante delas (as impressões)
O autor, valendo-se da metáfora teatral –
para ele grande parte do comportamento
diário é semelhante ao de atores no palco –,
expõe o modo como o ser humano, em sua
vida cotidiana, cria papeis sociais, e afirma
que tanto os indivíduos quanto os grupos
estão constantemente representando (no
sentido de encenar) uns para os outros.
Um indivíduo apresenta diferentes
faces em virtude de suas muitas
representações sociais.
Ele discorre sobre como os indivíduos
“representam” papéis quando estão
interagindo com outra ou outras pessoas,
comparando este fenômeno com o que um
ator desempenha quando está
representando um personagem.
Face envolve “uma imagem do self
delineada em termos de atributos sociais
aprovados” (Ibid., p. 76-77), é, pois, uma
atribuição e construção social.
Tendo em vista que situações ameaçadoras da
face podem ocorrer, Goffman formula o que ele
chama de elaboração da face, processo
constituído por “ações através das quais uma
pessoa é capaz de tornar qualquer coisa que
esteja fazendo consistente com a face” (Ibid., p.
76-77).
Desse modo, “esta elaboração serve para
contrabalançar ‘incidentes’ – isto é, eventos cujas
implicações simbólicas efetivas ameaçam a
face” (Ibid., p. 82).
Os locutores se representam uns diante dos outros de
determinada maneira. Primeiramente, em nossa vida
cotidiana, nós nos representamos (processos de
figuração) diante dos outros de formas bastante
variadas:
Ex.:uma mulher ora se representa como mãe, ora como
esposa, ora como amiga, ora como profissional, ora
como esportista etc. Em cada uma dessas situações,
agimos de forma diferente, inclusive – ou sobretudo –
em termos de linguagem (KOCH,1992, p. 107).
um valor social positivo que uma pessoa
reclama para si mesma através daquilo
que os outros presumem ser a linha
tomada por ela durante um contato
específico. Face é a imagem do eu
delineada em termos de atributos sociais
aprovados (...) (GOFFMAN, 1967, p. 5).
Para dar conta da descrição
deste fenômeno, o sociólogo
utiliza alguns conceitos
relacionados ao teatro, tais como
“cenário”, "face", "platéia" e “equipe
de representação”, entre outros.
fonte: Elaboração própria
Uma situação pode ser
definida por uma série de
elementos que configuram o
cenário onde ocorrem as
interações e os atores
envolvidos nela.
Por exemplo, ao observar um caixão
rodeado por flores, com pessoas chorando
e vestidas, em geral, de preto ou cores
escuras, o indivíduo presume – como base
em seus costumes e valores socioculturais
–, que está presente em um velório. Esta
situação, em si, define uma série de
condutas socialmente compartilhadas que
irão permear a formar como um
determinado ator irá ou não agir
No caso acima, por exemplo, seria
impróprio, de acordo com as expectativas
sociais dos atores em jogo, contar piadas
ou mesmo dar risadas ao longo deste ritual.
Quando o ator comete equívocos na
definição da situação, ele corre o risco de
realizar, o que Goffman define como
“Comunicação Imprópria”, que é quando
este ator irá agir de uma forma que não
está em sintonia com a situação na qual
está participando.
Em ambientes digitais, como no caso do objeto
deste estudo (Whatsapp), o indivíduo pode
representar a si mesmo, levando em
consideração a “definição da situação” em que
se encontra (THOMAS, 2005) escolhendo em
cada caso uma fachada que se ajuste ao
contexto das interações e das impressões que
deseja causar nos demais participantes da
interação
Esse gerenciamento da fachada pode se dar,
inclusive, simultaneamente em diferentes
espaços e as linhas de ação do usuário
poderão ser definidas com base nos
elementos que compõem este espaço
a plateia envolvida (amigos, familiares,
colegas do trabalho, etc.);
o tema do grupo no qual está inserido
(memes, recado, documento, texto, etc.);
tópicos discursivos (assuntos) que emergem
no decorrer dos fluxos interacionais
estabelecidos
Goffman argumenta que o ator
representa um personagem para uma
determinada audiência – que pode
aprovar ou reprovar esta representação
ao longo das interações.
A expressividade do indivíduo pode ser
observada com base em duas
perspectivas:
a expressão transmitida e a
expressão emitida.
A primeira envolve a comunicação verbal
que um ator usa para transmitir informações
que façam sentido para si e para sua plateia.
A segunda, compreende um leque de ações,
em geral não-verbais, alheias às
informações transmitidas e que podem ser
interpretadas pela plateia – colocando em
jogo a percepção da fachada construída e
pretendida pelo ator em sua encenação.
Whatsapp, assim como outros ambientes
interacionais online, é a criação de um perfil
no qual um ator pode editar as informações
textuais e imagéticas sobre si.
Neste espaço, o usuário irá construir uma
versão idealizada de seu eu, selecionando as
informações que julga serem as mais
importantes para transmitir significados para
seus contatos.
Embora o sistema do Whatsapp indique
como a área de Status deve ser utilizada
(por meio de exemplos pré-programados
que informam o que a pessoa está fazendo),
os usuários se apropriam deste espaço e o
editam em busca de diferentes fins: dizer o
que faz, do que gosta, frases célebres,
músicas, estados de humor, estado civil, onde
mora etc
Embora o ator decida quais informações deseja
compartilhar em seu perfil, o usuário não está
alheio às diversas leituras e interpretações
realizadas pela sua rede de contatos.
Ele irá construir e gerir sua identidade não só
editando o perfil, mas, também, por meio das
atividades realizadas em cada interação que
estabelecer no aplicativo, oferecendo, assim,
uma performance dos seus gostos e afeições
(LIU, 2007)
Segundo Goffman, “quando o indivíduo se
apresenta diante dos outros, seu desempenho
tenderá a incorporar e exemplificar os valores
oficialmente reconhecidos pela sociedade, e até
realmente mais do que o comportamento do
indivíduo como um todo” (Goffman, 1985, p. 41)
Ao criar um perfil em um ambiente interacional
online, tal qual o Whatsapp, o usuário cria uma
“versão melhorada” de si.
A ideia que o ator tem de si pode ser
contrastada com as expressões emitidas de
forma involuntária e que supõem uma
correlação realista com a imagem que busca
projetar
Goffman irá definir duas grandes regiões onde as
atuações ocorrem: a região de frente, na qual
usa a metáfora do cenário onde o ator se
apresenta para uma audiência (plateia), e a
região de fundo, que seria o bastidor que a
audiência não tem acesso
Um usuário, por exemplo, pode estar em um
grupo conversando com o indivíduo A e B e, ao
mesmo tempo, trocando mensagens diretas com
o indivíduo B em outra mensagem na qual A não
tem acesso
Ou mesmo, pode estar presente e um espaço
físico como uma sala de aula, ou em uma
reunião de trabalho, no qual representa uma
fachada definida por ações adequadas à
situação que se encontra e, ao mesmo tempo,
conversa no Whatsapp com amigos sobre
assuntos que fogem completamente ao contexto
físico que se encontra
De fato, pode-se exigir que o ator não
somente expresse suas pretensas
qualidades durante a interação, mas,
também, que o faça durante uma fração de
segundo na interação
(GOFFMAN, 1985. p. 36-37).
No Whatsapp, o ator poderá acentuar mais
ou menos um papel representado de acordo
com a definição da situação na interação ou
mesmo com base na especificidade
temática de um grupo o qual participa
Em um caso como um flerte, por exemplo, o
usuário tenderá a utilizar fotografias ou
mesmo compartilhar mensagens que
reforcem características que pretende
acentuar na percepção da pessoa que
pretende impressionar
Em um grupo com integrantes de uma
empresa, por sua vez, o usuário pode vir a
desempenhar uma postura que seja
coerente com sua conduta no ambiente de
trabalho, evitando a exposição de uma
fachada que o prejudique neste ambiente e
acentuando habilidades ou características
positivas reconhecidas entre seus pares.
O Whatsapp permite que seus usuários
possam criar e gerenciar suas identidades
por meio das informações que publicam em
um perfil pessoal e através das atividades
realizadas cotidianamente nas conversas
As mensagens são registradas e
podem ser resgatadas a qualquer
instante, facilitando a manutenção
das impressões pretendidas e a
realização de interações síncronas
e assíncronas neste meio.
As sinalizações do sistema
(mensagem enviada, recebida,
visualizada, digitando, ‘Visto por
Último’, dia/horário) podem afetar
direta ou indiretamente as linhas
de ação e as expectativas dos
usuários – complexificando a
ordem interacional que ali ocorre.
As expressões emitidas podem ser
interpretadas não apenas pelo texto
das mensagens, mas, também, através
de recursos como imagens, vídeos,
emoticons que os usuários podem
utilizar no intuito de suprir a
comunicação não-verbal
(característica inerente às relações do
tipo face a face).
Em um estado contínuo de fala
incipiente, as conversas sobre um
determinado tópico podem ser
silenciadas por um tempo e retomadas,
a qualquer momento, com um simples
“Oi”, sem a necessidade de um “Tchau”
para finalizálas
Todos os elementos da plataforma,
portanto, são evocados de diferentes
formas nas intenções de cada falante,
tomando o universo da preservação e
ameaças da face como um universo
amplo e importante nas interações
sociais, tanto reais quanto virtuais,
realçando, dessa forma, o caráter
dinâmico e interativo da língua.
Obrigada

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  • 2. Objetivo Geral Conhecer as teorias relacionadas às interações sociais
  • 3. Objetivo Específico Refletir sobre a relação entre esta teoria e as produções textuais, orais e multimodais.
  • 5. Baseado no artigo Ayres, Marcel: RIBEIRO, José. Representação de si em interações sociais mediadas por Instant Messengers: O caso do WhatsApp. Disponível em: https://www.portalintercom.org.br/anais/na cional2015/resumos/R10-0273-1.pdf.
  • 6. Diz um ditado popular que “a primeira impressão é a que fica”. Todavia, diria que, na perspectiva de Goffman a primeira impressão é a que o sujeito quer que fique, pelo menos em um primeiro momento, ou em um determinado contexto.
  • 7. Entenda-se impressão como sendo o modo pelo qual o indivíduo tenta registrar, demarcar a produção que faz de si para o outro, no processo de interação (GOFFMAN, 2002).
  • 8. Em A Representação do Eu na vida Cotidiana, Goffman (1985) analisa as várias representações que o indivíduo apresenta a si mesmo e às outras pessoas; bem como os meios pelos quais o homem regula as impressões que os outros formam a seu respeito; e as coisas que se pode ou não fazer diante delas (as impressões)
  • 9. O autor, valendo-se da metáfora teatral – para ele grande parte do comportamento diário é semelhante ao de atores no palco –, expõe o modo como o ser humano, em sua vida cotidiana, cria papeis sociais, e afirma que tanto os indivíduos quanto os grupos estão constantemente representando (no sentido de encenar) uns para os outros.
  • 10. Um indivíduo apresenta diferentes faces em virtude de suas muitas representações sociais.
  • 11. Ele discorre sobre como os indivíduos “representam” papéis quando estão interagindo com outra ou outras pessoas, comparando este fenômeno com o que um ator desempenha quando está representando um personagem.
  • 12. Face envolve “uma imagem do self delineada em termos de atributos sociais aprovados” (Ibid., p. 76-77), é, pois, uma atribuição e construção social.
  • 13. Tendo em vista que situações ameaçadoras da face podem ocorrer, Goffman formula o que ele chama de elaboração da face, processo constituído por “ações através das quais uma pessoa é capaz de tornar qualquer coisa que esteja fazendo consistente com a face” (Ibid., p. 76-77). Desse modo, “esta elaboração serve para contrabalançar ‘incidentes’ – isto é, eventos cujas implicações simbólicas efetivas ameaçam a face” (Ibid., p. 82).
  • 14. Os locutores se representam uns diante dos outros de determinada maneira. Primeiramente, em nossa vida cotidiana, nós nos representamos (processos de figuração) diante dos outros de formas bastante variadas: Ex.:uma mulher ora se representa como mãe, ora como esposa, ora como amiga, ora como profissional, ora como esportista etc. Em cada uma dessas situações, agimos de forma diferente, inclusive – ou sobretudo – em termos de linguagem (KOCH,1992, p. 107).
  • 15. um valor social positivo que uma pessoa reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem ser a linha tomada por ela durante um contato específico. Face é a imagem do eu delineada em termos de atributos sociais aprovados (...) (GOFFMAN, 1967, p. 5).
  • 16. Para dar conta da descrição deste fenômeno, o sociólogo utiliza alguns conceitos relacionados ao teatro, tais como “cenário”, "face", "platéia" e “equipe de representação”, entre outros.
  • 18. Uma situação pode ser definida por uma série de elementos que configuram o cenário onde ocorrem as interações e os atores envolvidos nela.
  • 19. Por exemplo, ao observar um caixão rodeado por flores, com pessoas chorando e vestidas, em geral, de preto ou cores escuras, o indivíduo presume – como base em seus costumes e valores socioculturais –, que está presente em um velório. Esta situação, em si, define uma série de condutas socialmente compartilhadas que irão permear a formar como um determinado ator irá ou não agir
  • 20. No caso acima, por exemplo, seria impróprio, de acordo com as expectativas sociais dos atores em jogo, contar piadas ou mesmo dar risadas ao longo deste ritual. Quando o ator comete equívocos na definição da situação, ele corre o risco de realizar, o que Goffman define como “Comunicação Imprópria”, que é quando este ator irá agir de uma forma que não está em sintonia com a situação na qual está participando.
  • 21. Em ambientes digitais, como no caso do objeto deste estudo (Whatsapp), o indivíduo pode representar a si mesmo, levando em consideração a “definição da situação” em que se encontra (THOMAS, 2005) escolhendo em cada caso uma fachada que se ajuste ao contexto das interações e das impressões que deseja causar nos demais participantes da interação
  • 22. Esse gerenciamento da fachada pode se dar, inclusive, simultaneamente em diferentes espaços e as linhas de ação do usuário poderão ser definidas com base nos elementos que compõem este espaço
  • 23. a plateia envolvida (amigos, familiares, colegas do trabalho, etc.); o tema do grupo no qual está inserido (memes, recado, documento, texto, etc.); tópicos discursivos (assuntos) que emergem no decorrer dos fluxos interacionais estabelecidos
  • 24. Goffman argumenta que o ator representa um personagem para uma determinada audiência – que pode aprovar ou reprovar esta representação ao longo das interações.
  • 25. A expressividade do indivíduo pode ser observada com base em duas perspectivas: a expressão transmitida e a expressão emitida.
  • 26. A primeira envolve a comunicação verbal que um ator usa para transmitir informações que façam sentido para si e para sua plateia. A segunda, compreende um leque de ações, em geral não-verbais, alheias às informações transmitidas e que podem ser interpretadas pela plateia – colocando em jogo a percepção da fachada construída e pretendida pelo ator em sua encenação.
  • 27. Whatsapp, assim como outros ambientes interacionais online, é a criação de um perfil no qual um ator pode editar as informações textuais e imagéticas sobre si. Neste espaço, o usuário irá construir uma versão idealizada de seu eu, selecionando as informações que julga serem as mais importantes para transmitir significados para seus contatos.
  • 28. Embora o sistema do Whatsapp indique como a área de Status deve ser utilizada (por meio de exemplos pré-programados que informam o que a pessoa está fazendo), os usuários se apropriam deste espaço e o editam em busca de diferentes fins: dizer o que faz, do que gosta, frases célebres, músicas, estados de humor, estado civil, onde mora etc
  • 29. Embora o ator decida quais informações deseja compartilhar em seu perfil, o usuário não está alheio às diversas leituras e interpretações realizadas pela sua rede de contatos. Ele irá construir e gerir sua identidade não só editando o perfil, mas, também, por meio das atividades realizadas em cada interação que estabelecer no aplicativo, oferecendo, assim, uma performance dos seus gostos e afeições (LIU, 2007)
  • 30. Segundo Goffman, “quando o indivíduo se apresenta diante dos outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade, e até realmente mais do que o comportamento do indivíduo como um todo” (Goffman, 1985, p. 41)
  • 31. Ao criar um perfil em um ambiente interacional online, tal qual o Whatsapp, o usuário cria uma “versão melhorada” de si. A ideia que o ator tem de si pode ser contrastada com as expressões emitidas de forma involuntária e que supõem uma correlação realista com a imagem que busca projetar
  • 32. Goffman irá definir duas grandes regiões onde as atuações ocorrem: a região de frente, na qual usa a metáfora do cenário onde o ator se apresenta para uma audiência (plateia), e a região de fundo, que seria o bastidor que a audiência não tem acesso
  • 33. Um usuário, por exemplo, pode estar em um grupo conversando com o indivíduo A e B e, ao mesmo tempo, trocando mensagens diretas com o indivíduo B em outra mensagem na qual A não tem acesso
  • 34. Ou mesmo, pode estar presente e um espaço físico como uma sala de aula, ou em uma reunião de trabalho, no qual representa uma fachada definida por ações adequadas à situação que se encontra e, ao mesmo tempo, conversa no Whatsapp com amigos sobre assuntos que fogem completamente ao contexto físico que se encontra
  • 35. De fato, pode-se exigir que o ator não somente expresse suas pretensas qualidades durante a interação, mas, também, que o faça durante uma fração de segundo na interação (GOFFMAN, 1985. p. 36-37).
  • 36. No Whatsapp, o ator poderá acentuar mais ou menos um papel representado de acordo com a definição da situação na interação ou mesmo com base na especificidade temática de um grupo o qual participa
  • 37. Em um caso como um flerte, por exemplo, o usuário tenderá a utilizar fotografias ou mesmo compartilhar mensagens que reforcem características que pretende acentuar na percepção da pessoa que pretende impressionar
  • 38. Em um grupo com integrantes de uma empresa, por sua vez, o usuário pode vir a desempenhar uma postura que seja coerente com sua conduta no ambiente de trabalho, evitando a exposição de uma fachada que o prejudique neste ambiente e acentuando habilidades ou características positivas reconhecidas entre seus pares.
  • 39. O Whatsapp permite que seus usuários possam criar e gerenciar suas identidades por meio das informações que publicam em um perfil pessoal e através das atividades realizadas cotidianamente nas conversas
  • 40. As mensagens são registradas e podem ser resgatadas a qualquer instante, facilitando a manutenção das impressões pretendidas e a realização de interações síncronas e assíncronas neste meio.
  • 41. As sinalizações do sistema (mensagem enviada, recebida, visualizada, digitando, ‘Visto por Último’, dia/horário) podem afetar direta ou indiretamente as linhas de ação e as expectativas dos usuários – complexificando a ordem interacional que ali ocorre.
  • 42. As expressões emitidas podem ser interpretadas não apenas pelo texto das mensagens, mas, também, através de recursos como imagens, vídeos, emoticons que os usuários podem utilizar no intuito de suprir a comunicação não-verbal (característica inerente às relações do tipo face a face).
  • 43. Em um estado contínuo de fala incipiente, as conversas sobre um determinado tópico podem ser silenciadas por um tempo e retomadas, a qualquer momento, com um simples “Oi”, sem a necessidade de um “Tchau” para finalizálas
  • 44. Todos os elementos da plataforma, portanto, são evocados de diferentes formas nas intenções de cada falante, tomando o universo da preservação e ameaças da face como um universo amplo e importante nas interações sociais, tanto reais quanto virtuais, realçando, dessa forma, o caráter dinâmico e interativo da língua.