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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
MAÍRA BIANCHINI DOS SANTOS
ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO
UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA
TRANSMIDIÁTICA
Santa Maria
2009
MAÍRA BIANCHINI DOS SANTOS
ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO
UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA
TRANSMIDIÁTICA
Trabalho de Conclusão de Curso
Para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Curso de Comunicação Social, habilitação Jornalismo
Orientadora: Luciana Mielniczuk
Santa Maria
2009
Maíra Bianchini dos Santos
ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO UNIVERSO
FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA TRANSMIDIÁTICA
Trabalho de Conclusão de Curso como requisito para obtenção de grau de bacharel
em Jornalismo
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Curso de Comunicação Social habilitação Jornalismo
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o
Trabalho de Conclusão de Curso
_____________________________________
Profª. Drª Luciana Mielniczuk
(Presidente/Orientador)
_____________________________________
Profº Iuri Lammel Marques
(UNIFRA)
_____________________________________
Maurício Dias Souza
Mestrando em Comunicação Midiática - UFSM
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais e às minhas irmãs, por compartilharmos uma família cheia de amor,
por serem meus exemplos, por me apoiarem ao longo do caminho. Pai e mãe,
obrigada pelos valores que vocês me ensinaram. Mi e Tai, obrigada pelo
companheirismo e pela amizade. Meu amor mais carinhoso é de vocês, sempre.
Aos tios e tias, por torcerem e amarem como pais. Aos primos e primas, por estarem
ao meu lado como irmãos. Parte de vocês vive em mim também.
Aos amigos que tive a sorte de conquistar no decorrer dos anos, muito obrigada por
terem deixado um pouco de vocês em mim. Ao João, em especial, por ser o irmão
que eu escolhi.
Às amigas com quem compartilhei os últimos quatro anos, Clau, Camila, Lu, Nati,
Nessa, Be, Bru, Naná, Si. Com vocês, eu ri as gargalhadas mais intensas, dancei as
mais divertidas festas, dividi os mais íntimos sentimentos, chorei as mais verdadeiras
lágrimas, vivi a melhor experiência de faculdade que alguém poderia desejar. Ter
dividido isso com vocês vai ser sempre minha lembrança preferida desses anos.
À professora Rejane de Oliveira Pozobon, pelo sorriso incentivador com o qual me
disse: “vai lá, fala com a Luti sobre a monografia que essa ideia rende até um
Mestrado se tu quiseres”. Rendeu mesmo. Obrigada por ter sido a primeira pessoa a
me incentivar nesse caminho.
À Professora Luciana Mielniczuk, pela paciência, pelos conselhos, pela orientação.
Muito obrigada por confiar em mim e por acreditar no meu potencial.
À FACOS e à UFSM, por me acolherem e por terem sido, de certo modo, a minha
casa nos últimos anos.
A todos que acreditaram em mim e que me mandaram boas energias.
Muito obrigada.
“Nós contamos uns aos outros histórias de heroísmo, traição,
amor, ódio, perda, triunfo. Nós nos compreendemos
mutuamente através dessas histórias, e muitas vezes vivemos
ou morremos pela força que elas possuem”.
Janet H. Murray
RESUMO
A narrativa transmidiática (Jenkins, 2008) na série televisiva norte-americana Lost é
o tema deste trabalho. O objetivo é estudar de que forma a narrativa transmidiática
está expressa no seriado. Para isso, em um primeiro momento, é feita a descrição da
série na televisão e de seus produtos complementares em outras mídias. Em
seguida, aborda-se a trajetória das narrativas seriais de ficção norte-americanas e a
narrativa transmidiática, bem como as primeiras iniciativas baseadas no conceito.
Delimitou-se como corpus a segunda temporada de Lost, a qual é estudada a partir
de três categorias de análise – a presença de portais de acesso, a apresentação de
novos conteúdos ficcionais e a participação de consumidores em comunidades de
conhecimento. Partindo da análise de 13 portais de acesso entre a história central e
as narrativas de quatro mídias auxiliares, foi possível observar como acontece a
expressão da narrativa transmidiática em Lost.
Palavras-chave: cultura da convergência; Lost; narrativa transmidiática.
ABSTRACT
The theme of this paper is the concept of transmedia storytelling in the american
television series Lost. The goal is to study how the transmedia storytelling expresses
itself in the show. For this, at first it makes a description of the TV show and its
complementary products in other media. It then addresses the trajectory of the
american television fictional narratives, transmedia storytelling and the first products
based on this concept. The sample delimited for the study is the second season of
Lost, which will be studied from three categories of analysis – the existence of
access portals, the presentation of new fictional content and the participation of
consumers in knowledge communities. Based on the analysis of 13 access portals
between the main story of the TV show and the narratives from four supporting
media, it was possible to observe the presence of transmedia storytelling on Lost.
Key-words: convergence culture; Lost; transmedia storytelling.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10
1 LOST........................................................................................................................13
1.1 LOST 101 – INTRODUÇÃO AO MUNDO MISTERIOSO DA SÉRIE...................13
1.2 O UNIVERSO EXTENDIDO DE LOST.................................................................18
1.2.1 Conteúdo na Web.............................................................................................19
1.2.2 Lost University..................................................................................................23
1.2.3 Conteúdo nos DVDs…......................................................................................26
1.2.4 Livros.................................................................................................................26
1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs).....................................................................28
1.2.6 Lost: Via Domus…............................................................................................32
1.2.7 Lost: Missing Pieces.........................................................................................32
1.2.8 Produtos Acessórios........................................................................................33
2 NARRATIVAS...........................................................................................................36
2.1 NARRATIVA SERIAL NA TELEVISÃO................................................................36
2.2 A TELEVISÃO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A TRANSMIDIALIDADE..49
3 PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DA SÉRIE LOST..............................63
3.1 ESCOLHAS METODOLÓGICAS..........................................................................63
3.2 ANÁLISE DAS NARRATIVAS COMPLEMENTARES EM LOST........................74
3.2.1 Site official de Lost.......................................................................................... 74
3.2.2 Lost: Missing Pieces – Lost no celular.......................................................... 77
3.2.3 The Lost Experience – Lost no Alternate Reality Game................................82
3.2.4 Lost: Via Domus................................................................................................98
CONCLUSÃO............................................................................................................106
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................109
APÊNDICES..............................................................................................................112
ANEXOS....................................................................................................................131
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Página inicial do site de Lost......................................................................21
Figura 2: Carteira de estudante da Lost University....................................................24
Figura 3: Catálogo de disciplinas da Lost University..................................................25
Figura 4: Capa e contracapa do livro Lost: Sinais de Vida.......................................27
Figura 5: Verso dos quatro quebras-cabeça de Lost.................................................34
Figura 6: Propaganda do sabão em pó Super Suds..................................................38
Figura 7: Seção The Legacy do site do filme A Bruxa de Blair.................................51
Figura 8: ‘Falso’ desktop da personagem Joey Potter, de Dawson’s Creek.............53
Figura 9: Esquema estrutural das narrativas complementares de Lost.....................65
Figura 10: Screen capture de diálogo entre Elliott Maslow e Locke em Lost: Via
Domus.....................................................................................................69
Figura 11: Suportes midiáticos cujas histórias complementaram a narrativa da
segunda temporada de Lost...................................................................71
Figura 12: Esquema estrutural dos portais de acesso entre as mídias auxiliares e a
história central de Lost............................................................................73
Figura 13: Estátua da deusa egípcia Taweret............................................................76
Figura 14: Screen capture da propaganda televisiva da Fundação Hanso................85
Figura 15: Página inicial do site da Fundação Hanso.................................................86
Figura 16: Screen capture do Vídeo do Sri Lanka......................................................89
Figura 17: Screen capture de Sawyer lendo o livro Bad Twin...................................92
Figura 18: Comunicado ‘oficial’ da Fundação Hanso.................................................95
Figura 19: Sequenciador de vídeos no site hansoexposed.com................................97
Figura 20: Código do vídeo do Sri Lanka em um campo, em Londres.......................98
Figura 21: Interior da Sala do Incidente, em Lost: Via Domus...............................100
Figura 22: Seção de Curiosidades da página de Lost: Via Domus na Lostpédia...102
10
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o advento das novas tecnologias de informação e de
comunicação provocou mudanças significativas no campo midiático e na relação dos
indivíduos entre si, com os meios e com os produtos que circulam na mídia. Tendo em
vista as novas formas de abordagem de produtores e de consumidores com produtos
de entretenimento da cultura popular, Jenkins (2008) identifica essas mudanças como
o surgimento de um novo paradigma cultural, a cultura da convergência, baseada na
articulação de três conceitos: de convergência dos meios de comunicação, de cultura
participativa e de inteligência coletiva. Para o autor, o termo convergência não se refere
apenas à reunião de funcionalidades em um mesmo aparelho, ao estilo de um celular
que também toca vídeos e música, navega na internet e tira fotografias. Na concepção
do autor, a convergência abrange profundas mudanças sociais, culturais, empresariais
e tecnológicas no modo como nos relacionamos com as mídias.
A noção de cultura da convergência abrange outras duas ideias inerentes ao
novo paradigma, ambas baseadas no envolvimento da audiência com os produtos
midiáticos. No âmbito da cultura participativa, os consumidores passam a ser
considerados como parte ativa da criação e da circulação de novos conteúdos. Já a
inteligência coletiva relaciona-se ao potencial que as comunidades de conhecimento
virtuais têm de alavancar o intelecto individual, ao reunir diversas pessoas com saberes
diferentes em torno de um objeto de interesse em comum, sobre o qual elas estão
dispostas a discutir e construir novos conhecimentos.
Neste cenário, a lógica pela qual a indústria midiática opera está sofrendo
alterações, refletindo no modo como os consumidores processam a notícia e o
entretenimento, e na forma como os produtores abordam os produtos veiculados nos
meios de comunicação. A partir dessa mudança de comportamento, surge a narrativa
transmidiática, definida por Jenkins (2008) como nova forma de se contar histórias na
qual um universo ficcional se desenvolve por meio de diversos suportes midiáticos,
com cada novo texto contribuindo de forma única e valiosa para o todo. Na forma ideal
de narrativa transmidiática, cada mídia contribui com suas características mais fortes,
de modo que uma história pode ser introduzida em um filme, expandida em uma série
11
de TV, transformada em um romance ou em uma história em quadrinhos, adaptada
para uma série de curtas-metragens e remodelada para uma aventura de videogame.
Esses suportes midiáticos são ligados por portais de acesso, os quais permitem ao
espectador conhecer novas camadas de significado em um universo narrativo. Como o
Espelho de Alice, no conto infantil Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, os
portais da narrativa transmidiática concedem entrada para uma rica e envolvente
experiência de consumo ficcional.
Neste trabalho, pretende-se estudar a expressão da narrativa transmidiática no
seriado Lost, devido ao impacto positivo do seriado junto ao público e à crítica e às
estratégias usadas na construção narrativa da série. O programa televisivo e seus
produtos complementares são observados para que se possa compreender a forma
como o universo ficcional da série está estruturado. Lost conta a história de um grupo
de pessoas cujas vidas estão misteriosamente ligadas a uma ilha no Oceano Pacífico.
A narrativa da série inicia com a queda do voo 815 da fictícia companhia aérea Oceanic
Airlines, o qual havia saído de Sydney, na Austrália, em direção à Los Angeles, nos
Estados Unidos. Os sobreviventes precisam então lutar pelo bem-estar do grupo,
enquanto percebem que o resgate não irá encontrá-los, e que a ilha onde caíram
guarda diversos mistérios. Além das informações exibidas nos episódios ao longo das
temporadas, a franquia de Lost conta com conteúdo desenvolvido especialmente para
o site e para o lançamento das coleções em DVD, livros, jogo eletrônico, mini-episódios
produzidos para transmissão via celular e ARGs (Alternate Reality Games, ou Jogos de
Realidade Alternativa). Com a quantidade de informações que o universo do seriado
disponibiliza, os fãs deixam de ser espectadores passivos e buscam, por meio da
Internet, pesquisar mais informações, reunir-se em comunidades de interesse e dividir
o conhecimento que adquirem sobre a série.
Nesta pesquisa, o primeiro capítulo é centrado em Lost e apresenta a premissa
do roteiro, a repercussão da série no público e na crítica e o universo expandido por
meio de outras mídias. Com isso, pretende-se criar um contexto sobre o seriado para a
posterior compreensão da presença da narrativa transmidiática nesse universo
ficcional.
12
No segundo capítulo, é percorrida a trajetória das séries ficcionais televisivas
norte-americanas ao longo dos anos, desde a criação da primeira sitcom, nos anos
1950, até o desenvolvimento de séries dramáticas com complexa evolução psicológica
das personagens e resolução de histórias ao longo de diversos episódios, ou mesmo
no curso de diversas temporadas. Em um segundo momento deste capítulo, aborda-se
a narrativa transmidiática e o surgimento das primeiras iniciativas baseadas no conceito
de Jenkins (2008) em obras cinematográficas e televisivas, para que seja possível
identificar, posteriormente, os elementos e as situações por meio dos quais a
transmidialidade está expressa em Lost.
O último capítulo apresenta as escolhas metodológicas e a análise do corpus
delimitado para a pesquisa. Optou-se pelo método qualitativo do estudo de caso,
visando compreender como a narrativa transmidiática é operacionalizada em um
produto cultural. A partir das considerações de Jenkins (2008) sobre a narrativa
transmidiática, foram definidas três categorias de análise para avaliar as histórias
desenvolvidas nos diversos suportes midiáticos auxiliares de Lost: a presença de
portais de acesso, a apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias
complementares e a participação de consumidores em comunidades de conhecimento.
A segunda temporada da série foi escolhida como fio condutor para a realização da
análise, por ela ser a temporada com o número mais significativo de contribuições
narrativas oriundas de outras mídias além da televisiva.
Este trabalho conta também com três apêndices, nos quais é apresentado um
resumo das histórias desenvolvidas ao longo da primeira temporada e tanto os mini-
episódios para celular quanto os episódios da segunda temporada são relatados
detalhadamente. O obejtivo é esclarecer os leitores que não estão familiarizados com o
programa, para que eles possam compreender os elementos do universo narrativo da
série abordados no estudo.
No final do trabalho, pode-se constatar de que forma a narrativa transmidiática
se expressa na construção do universo ficcional de Lost, por meio do desenvolvimento
de histórias nas mídias auxiliares da série.
13
1 LOST
Televisão, livros, jogos, celular e, principalmente, internet. O seriado Lost
explora essas mídias para contar a história de um grupo de pessoas cujas vidas estão
ligadas a uma misteriosa ilha no Oceano Pacífico. Cada suporte midiático auxilia de
forma distinta no entendimento do universo da série, como se o conteúdo de cada um
deles correspondesse a uma peça de um imenso quebra-cabeça que inclui dezenas de
personagens, referências culturais, históricas, religiosas, filosóficas e científicas e uma
história que, até o último episódio da quinta temporada, em 2009, abrange
acontecimentos relacionados à ilha ao longo de, no mínimo, 166 anos – de 1842 até
2008.
No entanto, antes de analisar de que forma cada mídia contribui para a história
central de Lost, convém compreender o que é o seriado e algumas das histórias que
foram contadas até agora. O presente capítulo apresenta a premissa do roteiro, a
repercussão do seriado no público e na crítica e o universo expandido por meio de
outras mídias. A primeira parte está centrada no surgimento de Lost na televisão
mundial e nos números de audiência e prêmios da série. Em um segundo momento, os
produtos complementares serão abordados, bem como as histórias que eles contam.
1.1 LOST 101 – INTRODUÇÃO AO MUNDO MISTERIOSO DA SÉRIE
Uma mistura de drama, aventura e ficção científica, com toques de comédia e
romance, Lost é uma narrativa serial que conta a história dos sobreviventes do voo
815 da fictícia companhia aérea Oceanic Airlines, o qual decola de Sydney, na
Austrália, com destino a Los Angeles, nos Estados Unidos. No meio da viagem, porém,
o avião sofre uma pane nos sistemas, parte-se em três pedaços e cai em uma ilha
misteriosa, ao sul do Oceano Pacífico. O grupo precisa então lutar pela sobrevivência,
enquanto percebe que não será resgatado, e que a ilha guarda diversas surpresas e
14
enigmas1
. Ao longo da história, cada sobrevivente também deverá confrontar os
próprios medos e inseguranças, em uma jornada pessoal de redenção.
Lost foi criado em 2004, quando Lloyd Braun, então presidente do setor de
entretenimento da emissora ABC, teve a ideia de criar um seriado sobre um grupo de
pessoas sobrevivendo em uma ilha após um acidente aéreo, ao estilo do filme
Náufrago (Cast Away, 2001), de Robert Zemeckis, misturado com o reality show
Survivor2
(CBS, 2000-presente), de Mark Burnett, mas em narrativa ficcional televisiva.
Braun contatou Thom Sherman, presidente da produtora Bad Robot Productions3
na
época, e requisitou um roteiro, o qual foi escrito por Jeffrey Lieber4
. Os produtores da
emissora não ficaram satisfeitos com o piloto, mas acreditaram no potencial da ideia.
Sherman sugeriu que Braun apresentasse a premissa para J.J. Abrams5
, que já havia
criado e dirigido para a ABC o seriado Alias6
(ABC, 2001-2006), um dos maiores
sucessos da emissora até aquele ano. Mesmo envolvido com outros projetos, Abrams
contratou o roteirista e produtor-executivo Damon Lindelof7
para ajudá-lo a idealizar
uma narrativa mais atraente para o seriado. Juntos, eles imaginaram desenvolver a
própria ilha como uma personagem na narrativa, um lugar cercado de mistérios e
povoado por personagens com histórias de vida igualmente intrigantes. Abrams relata
sua primeira impressão com o roteiro: “(...) Comecei a pensar em maneiras de tornar
aquilo emocionante, pelo menos para mim. E se a ilha não fosse apenas uma ilha; e se
você começasse a olhar para o lugar em que eles estavam como se aquilo fosse parte
1
Ler o resumo dos principais acontecimentos da primeira temporada de Lost no Apêndice A.
2
O programa tem uma versão brasileira chamada No Limite, exibido pela Rede Globo.
3
Empresa de produção televisiva e cinematográfica norte-americana criada por J.J. Abrams em 1998, é
responsável por todos os projetos do roteirista e diretor.
4
Jeffrey Lieber é autor da primeira versão do piloto de Lost, a qual foi recusada pela emissora ABC.
Mesmo não trabalhando em Lost, Lieber é creditado como um dos criadores da série.
5
J.J. Abrams é criador, produtor-executivo, roteirista e diretor das séries Felicity (The WB Television
Network, 1998-2002; co-criador: Matt Reeves), Alias (ABC, 2001-2006) e Fringe (FOX, 2008-
presente), entre outras. Abrams também dirigiu Missão Impossível III (Mission: Impossible III, 2006) e
Star Trek (2009) para o cinema.
6
Alias conta a história de Sydney Bristow (Jennifer Garner), agente da SD-6, divisão secreta da CIA.
Quando Sydney revela onde ela trabalha para o noivo, ele é assassinado por ordem do diretor da SD-
6, Arvin Sloane (Ron Rifkin). Sydney então descobre a verdade: a SD-6 não faz parte do governo
norte-americano. Ela procura a verdadeira Agência Central de Inteligência e passa a trabalhar ao lado
do pai, Jack Bristow (Victor Garber), como agente dupla da SD-6 e da CIA.
7
Damon Lindelof, que também é produtor-executivo e principal roteirista de Lost, ao lado de Carlton
Cuse, trabalhou como roteirista em Nash Bridges (CBS, 1996-2001) e como roteirista e produtor de
Crossing Jordan (NBC, 2001-2007).
15
de uma história maior; então ficou cada vez mais claro de que se tratava de uma
grande ideia”. (LAVERY e PORTER, 2007, p. 16).
Acompanhados dos produtores Bryan Burk, Jesse Alexander e Jeff Pinkner, os
quais também trabalharam na produção de Alias, Abrams e Lindelof elaboraram a ideia
geral de Lost e delinearam o que seriam os primeiros cinco anos da série. A partir
disso, os dois roteiristas escreveram um esboço de 25 páginas em cinco dias e
enviaram para Lloyd Braun: “Recebo [o esboço], e minhas mãos tremiam enquanto eu
lia. (...) Era brilhante”8
. A série foi aprovada no dia seguinte, e, cinco semanas mais
tarde, a equipe de produção já havia contratado o elenco e começado as filmagens –
primeiro no estúdio da emissora, em Los Angeles, e depois nas locações no Havaí. Em
um período de 12 semanas, o episódio piloto de duas horas de duração havia sido
escrito, gravado e editado.
Lost estreou na ABC no dia 22 de setembro de 2004 – a data também marca o
dia do desaparecimento do voo 815 na série. Desde então, foram transmitidos 103
episódios em cinco temporadas completas – a sexta e última temporada terá 18
episódios e será exibido nos Estados Unidos a partir do dia 02 de fevereiro de 2010,
completando 121 episódios. Além de Lindelof, Abrams, Burk, Alexander e Pinkner, a
série tem como produtores-executivos Jack Bender9
e Carlton Cuse10
. Ao longo de
cinco anos, o programa teve vinte e cinco protagonistas e uma longa lista de atores
com papéis secundários, mas recorrentes, alguns deles de grande importância para a
história11
.
Na narrativa de Lost, a história dos 14 protagonistas12
é contada de forma
fragmentada, mostrando o passado das personagens por meio de flashbacks
intercalados com a ação no tempo presente da ilha. No final da terceira temporada, foi
8
Comentário retirado do documentário A Origem de Lost, disponível na coleção de DVDs da primeira
temporada completa de Lost.
9
Jack Bender também é o principal diretor do seriado. Ele já dirigiu episódios para as séries Família
Soprano (The Sopranos, HBO, 1999-2007), Boston Public (FOX, 2000-2004), Alias (ABC, 2001-
2006) e Carnivàle (HBO, 2003-2005), entre outras.
10
Carlton Cuse é o criador, roteirista e produtor-executivo da série Nash Bridges (CBS, 1996-2001), na
qual trabalhou com Damon Lindelof. Ele também é o co-criador, roteirista e produtor-executivo de The
Adventures of Brisco County Jr. (FOX, 1993-1994; co-criador: Jeffrey Boam).
11
Neste trabalho, são consideradas como personagens principais aquelas cujos respectivos atores
foram, em uma ou mais temporadas, creditados como parte do elenco regular da série.
12
Número de personagens principais na primeira temporada. Ao longo das temporadas seguintes, outros
protagonistas surgiram, e alguns dos integrantes originais do elenco deixaram a série.
16
introduzida a técnica de flashforward, a qual acompanha as personagens em
acontecimentos do futuro.
Aclamado pelo público, Lost tornou-se sucesso mundial logo após o seu
lançamento. Somente nos Estados Unidos, o seriado teve uma média de 18,3 milhões
de telespectadores por episódio na primeira temporada13
. No episódio de estreia da
segunda temporada, em 21 de setembro de 2005, o índice de audiência chegou a
23,47 milhões de telespectadores, o mais alto marcado pela série até hoje. No Brasil, a
série é transmitida pelo canal AXN, na rede fechada, entre os meses de março e junho,
e na emissora Rede Globo (canal aberto), geralmente durante os meses de janeiro e
fevereiro de cada ano14
.
Mesmo com a queda no número de telespectadores norte-americanos nos anos
seguintes – a quinta temporada, em 2009, teve o índice mais baixo de todos, com uma
média de 9,98 milhões de televisores ligados a cada semana –, a série é uma das mais
assistidas pela internet. Segundo o site torrentfreak.com15
, na semana da exibição do
último episódio da quinta temporada, entre os dias 11 e 17 de maio de 2009, Lost foi a
série mais baixada ilegalmente pela web, ao marcar 1.720.000 downloads. O segundo
lugar da semana, Prison Break16
(FOX, 2005-2009), alcançou 920.000 downloads. De
acordo com uma pesquisa realizada pela Nielsen VideoCensus (sistema de medição de
audiência nos Estados Unidos), em fevereiro de 2009, a série também alcançou o topo
entre os programas exibidos gratuitamente por meio dos sites das emissoras norte-
americanas17
, iniciativa comum no país. Pelos dados da pesquisa, o seriado teve um
total de 48 milhões de streamings no mês.
13
http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Audiência. Acesso em: 15 dez. 2009.
14
Ambas emissoras e o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) foram contatados na
tentativa de demonstrar os índices de audiência registrados durante a exibição das temporadas
inéditas de Lost na televisão brasileira. Tanto a Rede Globo quanto o IBOPE recusaram-se a
compartilhar os dados solicitados; o canal pago AXN não retornou o contato. As respostas recebidas
estão anexadas no final do trabalho (Anexos A e B).
15
http://tvbythenumbers.com/2009/05/19/most-pirated-tv-shows-on-bittorrent-may-11-17/19118. Acesso
em: 15 dez. 2009.
16
Série acompanha a tentativa de fuga dos irmãos Michael Scofield (Wentworth Miller) e Lincoln Borrows
(Dominic Purcell) da prisão de segurança máxima Fox River State Penitentiary. Com o objetivo de ser
levado para a mesma prisão onde Burrows era mantido, Scofield planejou e executou um crime
propositalmente depois de elaborar um plano de fuga para resgatar o irmão, que foi erroneamente
condenado à pena de morte.
17
http://tvbythenumbers.com/2009/03/13/abc-has-9-out-of-top-10-series-viewed-online-in-february/14516.
Acesso em: 15 dez. 2009.
17
Os números comprovam o sucesso de Lost entre o público. Os telespectadores
logo ficaram intrigados com a ilha misteriosa e a história das personagens. Desde a
primeira temporada, o programa conquistou fãs dispostos a elaborar teorias, discutir
ideias e especular sobre os enigmas da ilha e o destino dos sobreviventes. O elenco
internacional ajudou a estabelecer uma relação entre os telespectadores e o programa,
que é transmitido em mais de 200 países18
e apresenta diversas experiências de vida e
pontos de vista entre as personagens, representando múltiplas raças e culturas (Porter
e Lavery, 2007) – como Michael (Harold Perrineau), Walt (Malcolm David Kelley), Rose
(L. Scott Caldwell) e Mr. Eko (Adewale Akinnouye-Agbaje), que são negros, Hurley
(Jorge Garcia) e Ana-Lucia (Michelle Rodriguez), latinos, o casal Sun (Yunjin Kim) e Jin
(Daniel Dae Kim), coreano, e o iraquiano Sayid (Naveen Andrews).
A frente dos mistérios que envolvem a ilha, é a jornada pessoal dos
sobreviventes que está sempre em evidência e que cativa o público, fazendo com que
Lost seja, em primeiro lugar, uma série sobre pessoas. Segundo Porter e Lavery
(2007), o que faz o público identificar-se com o programa é a ideia de que,
eventualmente, todas as pessoas enfrentam problemas interiores e sentem-se
perdidas, emocional ou fisicamente, em determinado ponto da vida. Tanto as
personagens quanto o público anseiam por um novo começo, são “sobreviventes de
uma vida moderna caótica, que ainda buscam respostas para questões fundamentais”
(PORTER e LAVERY, 2007, p. 67). Além de facilitar a relação com a audiência, o
grande número de personagens também permite que a equipe de roteiristas explore
diversas histórias sobre o passado dos sobreviventes, muitas vezes fazendo com que
eles tenham se cruzado em algum ponto da vida pregressa ao acidente – Sawyer (Josh
Holloway), por exemplo, bebeu em um bar na Austrália com o pai de Jack (Matthew
Fox), Christian (John Terry), dias antes da viagem para Los Angeles. Acompanhado de
Ana-Lucia, Christian foi a Sydney com o objetivo de visitar a filha ilegítima, Claire
(Emilie de Ravin), que também estava no voo 815 da Oceanic Airlines.
Em adição à resposta positiva do público e aos altos índices de audiência, Lost
também foi bem recebida pela crítica norte-americana. Em 2005, a série ganhou dois
18
Documentário BAFTA Gets Lost, produzido pela British Academy of Film and Television Arts – BAFTA.
Disponível em: http://www.bafta.org/access-all-areas/videos/bafta-gets-lost,815,BA.html. Acesso em:
15 dez. 2009.
18
prêmios Emmy19
– de melhor série dramática e de melhor direção para J.J. Abrams20
,
pelo episódio de estreia. Naveen Andrews e Terry O’Quinn, que interpretam as
personagens Sayid Jarrah e John Locke, respectivamente, foram indicados a melhor
ator coadjuvante em série dramática. Terry O’Quinn levou o prêmio em 200721
, quando
foi indicado com outro colega de elenco – Michael Emerson, intérprete de Benjamin
Linus, premiado na mesma categoria em 200922
.
Ainda em 2005, Lost foi indicado ao Globo de Ouro23
de melhor série dramática
e, no ano seguinte, foi o ganhador na categoria24
. Também em 2006, o elenco foi eleito
o melhor em série dramática25
pelo Screen Actors Guild Awards26
, e o Writer’s Guild of
America Awards27
premiou o roteiro de Lost como o melhor em série dramática do
ano28
.
1.2 O UNIVERSO EXPANDIDO DE LOST
Além do conteúdo que é transmitido nos episódios semanais de Lost ao longo
das temporadas, o seriado aposta no engajamento dos fãs em busca de informações
sobre a história para expandir a narrativa em outros suportes midiáticos. Tendo em
vista aprofundar situações mencionadas superficialmente na história central e
apresentar informações adicionais sobre o universo da série, Lost conta com material
ficcional produzido especialmente para as mídias auxiliares.
19
Os Emmy Awards são concedidos anualmente pela Academy of Television, Arts e Scienses e são
considerados o equivalente televisivo dos Academy Awards (Oscar).
20
http://www.imdb.com/Sections/Awards/Emmy_Awards/2005. Acesso em: 15 dez. 2009.
21
http://www.imdb.com/Sections/Awards/Emmy_Awards/2007. Acesso em: 15 dez. 2009.
22
http://www.imdb.com/features/emmys/2009/nominations. Acesso em: 15 dez. 2009.
23
Prêmio concedido todo ano pela imprensa estrangeira de Hollywood para os melhores profissionais de
cinema e televisão norte-americanos.
24
http://www.goldenglobes.org/browse/year/2005. Acesso em: 15 dez. 2009.
25
http://www.sagawards.org/content/screen-actors-guild-honors-outstanding-film-and-television-
performances-13-categories-12th-a. Acesso em: 15 dez. 2009.
26
O Screen Actors Guild Awards é uma premiação anual concedida pelo Screen Actors Guild, sindicato
norte-americano de atores.
27
O Writer’s Guild of America Awards é o prêmio dado pelo sindicato de roteiristas dos Estados Unidos
para os destaques do ano na categoria.
28
http://www.wga.org/awards/awardssub.aspx?id=1517. Acesso em 15 dez. de 2009.
19
Em alguns casos, os conteúdos desenvolvidos para a série em outros suportes
midiáticos confundem os limites entre o mundo real e o universo ficcional de Lost. É o
caso do documentário Mysteries of the Universe – The Dharma Initiative e de algumas
das ações dos Alternate Reality Games da série, os quais introduzem informações
sobre elementos da narrativa da série em um contexto não-ficcional – por exemplo, ao
exibir uma propaganda de uma empresa fictícia mencionada em Lost nos intervalos
comerciais da emissora ABC. A tentativa de confundir os espectadores é proposital e
objetiva atrair os fãs ainda mais em direção às histórias contadas pelo seriado.
A seguir, demonstra-se a extensão da narrativa do programa para outras mídias
por meio da descrição de seus produtos complementares e das histórias que eles
contam. São abordados os conteúdos criados para a web e para as coleções em DVD
de cada temporada, os livros, os Alternate Reality Games (ARGs – Jogos de Realidade
Alternativa), o jogo eletrônico Lost: Via Domus e Lost: Missing Pieces, série de mini-
episódios para celular. Também são mencionados os produtos acessórios da marca
Lost, como quebra-cabeças, jogos para celular e bonecos de ação das personagens.
Mesmo que não apresentem contribuições significativas para a história, esses produtos
ajudam a sustentar a fidelidade dos fãs, muitas vezes agraciando-os com brindes que
remetem a elementos-chave do programa.
1.2.1 Conteúdo na Web
O site oficial de Lost29
, hospedado na página da emissora ABC, fornece
conteúdo exclusivo para os fãs do seriado. Além de fotos e informações sobre os
episódios e as personagens, o portal disponibiliza séries de vídeos e podcasts feitos
especialmente para os usuários online e links para: 1) Timeline (Linha do Tempo),
página que mostra a sequencia dos acontecimentos de Lost – em ordem cronológica
ou de exibição nos episódios; 2) Nickname Generator (Gerador de Apelidos),
brincadeira na qual o visitante faz um teste para descobrir qual apelido ganharia de
29
http://www.abc.go.com/shows/lost. Acesso em: 15 dez. 2009.
20
Sawyer, caso conhecesse a personagem; 3) Connections (Conexões), subseção que
mostra as ligações entre o passado dos sobreviventes; e 4) Book Club (Clube do Livro),
onde o visitante encontra uma lista de obras literárias cujas histórias influenciaram a
narrativa de Lost – como Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho,
de Lewis Carroll, livros que inspiraram o título de dois episódios, White Rabbit (1x05)30
,
ou Coelho Branco, e Through the Looking Glass (3x22, 23), traduzido como Através do
Espelho. O site também contém episódios completos das quatro primeiras temporadas
(e mais os seis últimos episódios da quinta temporada)31
, fóruns de discussão, cartões
postais online, informações sobre a revista oficial de Lost, publicada nos Estados
Unidos, e uma loja na qual os fãs podem adquirir DVDs, livros, roupas e outros objetos
relacionados ao universo do programa. A figura 1 ilustra a página inicial de Lost na
página da ABC. Na imagem, é possível identificar os destaques do dia sobre a série –
as informações foram retiradas do site no mesmo dia em que o ator Michael Emerson
foi indicado para o Globo de Ouro 2010, na categoria de melhor ator coadjuvante em
programa televisivo, logo, uma seção é dedicada a ele – bem como os links para
conteúdos especiais do site (Lost University, Podcast oficial, Timeline e Dharma
Documentary). O site também direciona o usuário para a loja virtual de Lost e para as
páginas sobre as personagens [no exemplo, o título Fugitive and Grease Monkey
remete à biografia de Kate Austen (Evangeline Lilly)] e sobre acontecimentos da série
(Greatest Hits, por exemplo, apresenta fotos de uma lista de impactos físicos
provocados e/ou sofridos pelos protagonistas).
30
Este código é utilizado no trabalho para identificar a qual temporada e a qual episódio refere-se o título
mencionado. No caso de White Rabbit (1x05), por exemplo, o número ‘1’ significa ‘primeira temporada’,
e o número ‘05’, ‘quinto episódio’.
31
Devido a acordos de direitos internacionais de transmissão, os episódios são disponibilizados apenas
para os usuários localizados nos Estados Unidos e nos territórios do país.
21
Figura 1: Página inicial do site de Lost, na página da emissora ABC. Em destaque,
alguns dos conteúdos especiais oferecidos online. Fonte: http://www.abc.go.com/shows/lost.
O conteúdo em áudio e vídeo produzido para o site geralmente apresenta cenas
de bastidores, making-of e entrevistas com a equipe de produção e o elenco de Lost.
Na seção Vídeo (Video), estão localizados os episódios completos do seriado e as
seguintes subseções:
22
· Featured: abrange uma série de vídeos sobre diversos assuntos, como a
participação dos produtores-executivos e do elenco no painel de Lost na
Comic-Con32
2009, video podcasts dos bastidores da quarta temporada e
os resumos cômicos de Lost Untangled (Lost “Descomplicado”);
· Quick Cuts: episódios resumidos em vídeos de cerca de dois minutos.
Somente os últimos cinco episódios da quinta temporada ganharam
versões compactas;
· Behind the Scenes: um único vídeo relatando os bastidores na Comic-
Con 2008, quando foi lançado o ARG Dharma Initiative Recruiting
Project;
· Dharma Special Access: coleção dos sete vídeos lançados no ARG
Dharma Initiative Recruiting Project, em 2008 [ver detalhes no item
1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs)];
· Ask Lost: série de entrevistas com os atores. Em cada uma, um membro
do elenco responde perguntas enviadas pelos fãs do programa;
· Dharma Mysteries: link para os vídeos do documentário fictício Mysteries
of the Universe – The Dharma Initiative (Mistérios do Universo – A
Iniciativa Dharma). O falso documentário é baseado no programa
Mysteries of the Universe, transmitido pela emissora ABC nos anos 1980.
O estilo envelhecido das imagens e o formato de edição e narrativa da
atração original foram recriados pelos produtores de Lost para conferir
uma atmosfera de veracidade nos vídeos, os quais foram desenvolvidos
como peças promocionais da sexta temporada da série. Os seis curtas
documentais foram lançados de julho a dezembro de 2009 – os cinco
primeiros foram disponibilizados no site oficial da série, e o último foi
lançado exclusivamente na coleção de DVD e Blu-ray da quinta
temporada.
Os podcasts oficiais de Lost também foram lançados no site entre novembro de
2005 e abril de 2009. Os arquivos em áudio, no entanto, foram retirados quando a
32
Conferência anual em San Diego, Estados Unidos, para os fãs de histórias em quadrinhos, animes,
videogames e filmes e seriados de televisão de ficção científica ou fantasia.
23
página de Lost foi reformulada e agora estão disponíveis na loja virtual iTunes, da
Apple. Ao todo, foram produzidos 69 podcasts, apresentados por Damon Lindelof e
Carlton Cuse. Os produtores-executivos comentaram episódios, conversaram com o
elenco e com a equipe, responderam perguntas de fãs e deram dicas sobre o
desenvolvimento da narrativa ao longo das temporadas33
.
1.2.2 Lost University
Em julho de 2009, durante a Comic-Con, foi lançada a Lost University34
, cujo site
promocional também é hospedado na página da emissora ABC. A Universidade fictícia
tem como objetivo recrutar fãs/alunos que queiram estudar os principais aspectos da
narrativa do seriado. No dia 22 de setembro de 2009, exatamente cinco anos após a
estreia de Lost, a universidade fictícia realizou um teste de seleção para os alunos
interessados, no qual os participantes deveriam responder 23 perguntas sobre o
universo da série. Além de tratar de conhecimentos gerais sobre Lost, as questões
também testaram o envolvimento dos fãs com o conteúdo publicado e discutido online.
Uma das perguntas, por exemplo, questionava a qual divindade egípcia corresponde à
estátua vista no episódio The Incident (5x16, 17). A resposta não havia sido
mencionada na série, mas sim no resumo oficial do episódio, no site de Lost, e foi
repetida por fãs em blogs e fóruns de discussão. Ao final do teste, cada participante
recebeu uma carteira de estudante da Lost University e assistiu a uma aula introdutória
sobre a série, chamada Lost 10135
, na qual foram apresentados os assuntos básicos
abordados na série – como a presença de elementos científicos, filosóficos,
psicológicos, sobrenaturais, de sobrevivência e de interações humanas, em dinâmicas
de grupo e entre familiares, entre outros. A Figura 2 mostra a carteira de estudante da
33
Resumos e links para download dos podcasts em:
http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Podcasts_Oficiais_de_LOST. Acesso em: 15 dez. 2009.
34
http://lostuniversity.org/. Acesso em: 16 dez. de 2009.
35
Lost 101 em versão legendada: http://www.youtube.com/watch?v=1USXKopN7nw. Acesso em: 16 dez.
2009.
24
Lost University, na qual se pode notar o nome do ‘aluno’ cadastrado e o código PIN
necessário para acessar as aulas na edição em Blu-ray da quinta temporada de Lost.
Figura 2: Carteira de estudante recebida pela orientanda deste trabalho depois de ser
aprovada no teste de seleção para a Lost University. Fonte:
http://lostuniversity.org/binder.php. Acesso restrito.
O início oficial das aulas ocorreu em 08 de dezembro de 2009, data de
lançamento da edição em Blu-ray da quinta temporada da série nos Estados Unidos.
Somente os usuários que adquirem esta edição da temporada podem assistir às aulas
dos cursos oferecidos pela Universidade. As disciplinas do primeiro semestre letivo
incluem as opções HIS 101: Ancient Writing on the Wall (Escrita Antiga na Parede),
LAN 101: Foreign Language for Beginners (Língua Estrangeira para Iniciantes), PHI
101: I’m Lost, Therefore I Am (Estou Perdido, Portanto Sou), PHY 101: Introductory
Physics of Time Travel (Física Introdutória Sobre Viagem no Tempo), PHY 301
Seminar: New Physics With Jeremy Davies (Seminário: Nova Física com Jeremy
Davies) e SCI 201: Jungle Survival Basics (Básicos de Sobrevivência na Selva) (Figura
3). Já no catálogo de disciplinas do segundo semestre constam: ART 101 Seminar:
Inspiration & Expression with Jack Bender (Seminário: Inspiração e Expressão com
Jack Bender), LAN 201: Advanced Foreign Language (Língua Estrangeira Avançada),
PHI 201: I’m Right, You’re Wrong: The Us VS. Them Mentality (Eu Estou Certo, Você
Está Errado: A Mentalidade de Nós VS. Eles), PHY 201: Advanced Physics of Time
Travel (Física Avançada Sobre Viagem no Tempo) e PSY 201: Self Discovery Through
25
Family Relationships (Auto Descoberta Por Meio de Relacionamentos Familiares). Na
figura 3, é possível identificar a lista de cursos oferecidos para os ‘alunos’ do primeiro
semestre da Lost University.
Figura 3: Catálogo de disciplinas disponíveis para o primeiro semestre de aulas na Lost
University. Fonte: http://lostuniversity.org/catalog.php. Acesso em: 15 dez. 2009.
Até o encerramento deste trabalho, não foi esclarecido se as aulas seriam
disponibilizadas para os usuários do site oficial de Lost, ou se o conteúdo
permaneceria exclusivo para os espectadores que adquiriram a edição em Blu-ray da
quinta temporada.
26
1.2.3 Conteúdo nos DVDs
As coleções das temporadas de Lost em DVD oferecem conteúdo criado
exclusivamente para o formato, em extras que abrangem comentários em áudio da
equipe e do elenco, diversas cenas de bastidores e making-ofs, entrevistas, cenas
deletadas e erros de gravação, entre outros. Parte do que é produzido para o site
também é lançado em DVD – a série Lost: Missing Pieces faz parte da lista de extras
da coleção da quarta temporada, e o documentário Mysteries of the Universe: The
Dharma Initiative foi incluído no DVD da quinta temporada, lançado em novembro de
2009.
1.2.4 Livros
Os livros baseados no roteiro original de Lost têm como objetivo ampliar a
história dos sobreviventes e aproximar a audiência dos personagens secundários, que
não ganham destaque na narrativa central. Ao todo, foram produzidas três obras –
Lost: Identidade Secreta e Lost: Risco de Extinção, de Cathy Hapka36
, e Lost:
Sinais de Vida, de Frank Thompson37
–, todas lançadas no Brasil pela Editora
Prestígio Editorial, em 2006. A Figura 4 ilustra a capa de Lost: Sinais de Vida, na qual
é possível identificar a presença das marcas AXN e Touchstone Television (produtora
responsável pela distribuição da série no Brasil), sinalizando a relação da obra com o
universo oficial de Lost.
36
Cathy Hapka é novelista e escritora de livros infantis.
37
Frank Thompson é romancista, cineasta e historiador. Já publicou 37 livros nos Estados Unidos.
27
Figura 4: Capa e contra-capa do livro Lost: Sinais de Vida (2006). Na contra-capa, nota-se
as marcas AXN e Touchstone Television.
As histórias dos três livros acompanham sobreviventes que não aparecem
diretamente nos episódios, mas que interagem com as personagens reconhecidas pelo
público, como Jack, Kate e Hurley. O formato da narrativa nos livros é semelhante ao
da televisão: os capítulos intercalam passagens em flashback e na ilha e revelam o
passado das personagens ao mesmo tempo em que elas enfrentam algum dilema
interior no presente. Os três livros têm 23 capítulos – o número faz parte da sequencia
4 8 15 16 23 42, a qual ganha destaque em diversos momentos da série38
.
A expansão do universo de Lost satisfaz a curiosidade dos fãs de conhecer
algumas daquelas pessoas que aparecem como figurantes nos episódios, sem que
isso interfira na trama principal. A estratégia de não apresentar essas personagens nos
episódios, mas sim nos livros – e, mais tarde, também no jogo Lost: Via Domus – foi
38
Os números estão gravados na lateral da Escotilha ainda na primeira temporada, e, na segunda
temporada, o código que deve ser digitado no computador de Desmond (Henry Ian Cusack) a cada
108 minutos – valor da soma da sequencia – é formado pelos seis numerais.
28
mais bem aceita pelo público do que a inserção de personagens similares na narrativa
central do programa. A prova disso ocorreu durante a terceira temporada, entre outubro
de 2006 e maio de 2007, quando dois sobreviventes até então desconhecidos do
público passaram a fazer parte do elenco de protagonistas. Nikki (Kiele Sanchez) e
Paulo (Rodrigo Santoro) foram introduzidos em pequenas expedições com o grupo
principal da ilha e começaram a ganhar espaço nos primeiros episódios do ano três. No
geral, os fãs não gostaram das novas personagens; de acordo com Damon Lindelof e
Carlton Cuse, Nikki e Paulo foram os sobreviventes mais odiados da série39
. A
impopularidade foi tão grande que os produtores-executivos resolveram encerrar a
história do casal no episódio Exposé (3x14), no qual Nikki e Paulo ganham um
flashback e acabam morrendo ao serem enterrados vivos – as personagens haviam
sido paralisadas pela picada de uma aranha venenosa e foram erroneamente
declaradas mortas. Em uma votação realizada pelo site Lostpédia para definir os
melhores e os piores momentos da terceira temporada, Exposé foi escolhido o pior
episódio do ano, com 31% dos votos, enquanto na categoria “História mais ‘sem
noção’”, a entrada repentina de Nikki e Paulo ficou em primeiro lugar, com 44% dos
votos40
.
1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs)
Como uma tentativa de envolver os fãs ainda mais com o universo de Lost, os
produtores-executivos do programa desenvolveram quatro Alternate Reality Games
(ARGs, ou Jogos de Realidade Alternativa) sobre a série: The Lost Experience (2006),
FIND 815 (2007), The Dharma Initiative Recruiting Project (2008) e Damon, Carlton
and a Polar Bear (2009). Os quatro jogos foram lançados de forma que a maior parte
de seu conteúdo fosse revelada no intervalo entre as temporadas do programa (de
39
Item ‘Curiosidades’ dos links: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Nikki e
http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Paulo. Acesso em: 16 dez. 2009.
40
Lostpédia - O Melhor da Terceira Temporada/Resultados. Disponível em:
http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/O_Melhor_da_3ª_Temporada/Resultados. Acesso em: 16 dez. 2009.
29
maio a setembro de 2006, de dezembro a janeiro de 2007, de maio a novembro de
2008, e de julho a dezembro de 2009, respectivamente). A estratégia era manter os fãs
em contato com o universo narrativo de Lost enquanto episódios inéditos não eram
transmitidos pela televisão.
O ARG é um formato de jogo que potencializa os recursos interativos e de
participação coletiva em rede e é definido como uma narrativa interativa que utiliza
elementos lúdicos e, muitas vezes, une diferentes mídias com o objetivo de contar uma
história, a qual evolui de acordo com a participação e as ações dos jogadores
(SANTOS, 2009). Segundo McGonigal (2004), o drama interativo pode ser jogado
online e em espaços do mundo real durante um período de semanas ou meses e reúne
dezenas, centenas ou até milhares de jogadores em redes sociais cooperativas, todos
trabalhando juntos para resolver um mistério ou problema que seria absolutamente
impossível de solucionar sozinho. No ARG, suportes como sites, comerciais de TV,
anúncios em jornais impressos, e-mails, ligações telefônicas, outdoors, mensagens
SMS, entre outros, têm suas características exploradas para a criação de um padrão
híbrido de construção narrativa. Em alguns casos, as ações desenvolvidas para os
ARGs confundem os limites entre o mundo real e o universo ficcional da série – por
exemplo, ao exibir, uma propaganda da fictícia Fundação Hanso nos intervalos
comerciais de um dos episódios de Lost.
Os ARGs de Lost buscam aprofundar questões mencionadas superficialmente
na história central do seriado, como as pesquisas desenvolvidas pela Iniciativa Dharma
e os ‘números’ – a sequencia 4 8 15 16 23 42.
Tanto The Lost Experience quanto Dharma Initiative Recruiting Project
tinham como ponto central a Iniciativa Dharma e suas pesquisas. O primeiro foi lançado
em maio de 2006, três semanas antes do final da segunda temporada, e estendeu-se
até setembro daquele ano, na véspera do episódio de estreia da terceira temporada da
série. O jogo foi co-desenvolvido por três emissoras de televisão – a australiana
Channel 7 e a inglesa Channel 4, além da norte-americana ABC – e revelou
informações cruciais sobre a série em uma brincadeira que envolvia sites, propagandas
televisivas, podcasts em áudio, anúncios em jornais impressos, livros e interações ao
vivo – como a criação e comercialização das barras de chocolate Apollo, citadas na
30
série, em cidades dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Austrália41
. Em The Lost
Experience, o público acompanhou as investigações da hacker Persephone, ou
Rachel Blake (Jamie Silberhartz), sobre as verdadeiras intenções dos projetos da
fictícia Fundação Hanso e de seus funcionários. Além do conteúdo relacionado com a
série, elementos do ARG The Lost Experience também apareceram em Lost: Via
Domus; antes da queda do Oceanic 815, Elliott Maslow, protagonista do jogo, estava
investigando um personagem ligado à Fundação Hanso.
Dharma Initiative Recruiting Project, realizado dois anos após The Lost
Experience, era centrado na reestruturação da Iniciativa Dharma, que procurava
recrutas voluntários para participar das pesquisas realizadas pelo projeto. Os jogadores
aplicavam-se para determinados cargos e realizavam uma série de testes por meio do
site DharmaWantsYou.com42
. No entanto, o jogo foi interrompido em 25 de novembro
de 2008, quando os participantes receberam uma mensagem via e-mail dos
produtores-executivos Damon Lindelof e Carlton Cuse dizendo que, devido à crise
econômica mundial, o retorno da Iniciativa Dharma havia sido cancelado, e a empresa
havia sido adquirida pela emissora ABC. Eles então criaram o Dharma Special Access,
série de e-mails que seria enviada para os participantes do jogo contendo informações
exclusivas, vídeos de bastidores e depoimentos da equipe e do elenco. Os e-mails
foram enviados semanalmente até a estreia da quinta temporada, em 21 de janeiro de
2009.
No segundo ARG da série, FIND815, os jogadores acompanharam a busca do
personagem Sam Thomas (Rodger Corser) por respostas sobre a queda do voo 815 da
Oceanic Airlines, no qual sua namorada, Sonya, trabalhava como comissária de bordo.
O jogo iniciou com o comunicado ‘oficial’ emitido à imprensa pela fictícia Oceanic
Airlines, em 28 de dezembro de 2007, anunciando o retorno da empresa. No site
‘oficial’ da Oceanic, FlyOceanicair.com43
, os usuários encontraram um vídeo da
companhia aérea, o qual havia sido hackeado por Sam e direcionava os jogadores para
o site principal do ARG, Find815.com. A página continha as informações cruciais para o
41
Documentário da emissora inglesa Channel 4 sobre a criação de The Lost Experience disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=6phwqrqlGwE. Acesso: 11 dez. 2009.
42
O site foi desativado após o final do ARG, em novembro de 2008.
43
Após o final do ARG, o site passou a direcionar os usuários para a página Find815.com.
31
andamento da história; por meio dela, os jogadores seguiam as pistas recebidas por
Sam via e-mail, que levaram o personagem a embarcar na expedição a bordo do
Christiane I. O barco de resgate trabalhava para o Grupo Maxwell, parte da Corporação
Widmore, e estava à procura do navio negreiro Black Rock44
, desaparecido desde
1881. No entanto, depois de Sam alterar a rota de navegação do Christiane I, a
expedição acaba encontrando os destroços do voo 815 da Oceanic Airlines no fundo
do mar. A história de FIND815 chegou ao fim no mesmo dia em que estreou o episódio
The Beginning of the End (4x01), no dia 31 de janeiro de 2008.
O ARG lançado para promover a sexta temporada de Lost, Damon, Carlton
and a Polar Bear, iniciou em julho de 2009, também durante o painel da série na
Comic-Con. Na ocasião, o humorista norte-americano Paul Sheer ofereceu um
presente para os produtores-executivos Damon Lindelof e Carlton Cuse: uma pintura
dos dois roteiristas abraçados por um urso polar. Sheer convidou o público para visitar
o seu site45
, no qual iria publicar, ao longo do tempo, outras obras de arte inspiradas
em Lost. A partir disso, Sheer organizou uma campanha para os fãs encontrarem 17
versões online de posteres da série – liberados no decorrer do tempo de duração da
brincadeira – a partir de dicas disponíveis no site, as quais direcionavam os usuários
para lugares reais em busca de pistas para o endereço na web onde cada pôster
estava disponível. Edições limitadas, em tamanho real, das obras de arte inspiradas em
Lost também foram comercializadas por meio do site.
44
Tanto o navio negreiro Black Rock quanto a Corporação Widmore são elementos narrativos
importantes para a história central de Lost. O navio Black Rock é encontrado no meio da floresta ainda
na primeira temporada da série. Dentro dele, Jack e Locke encontram dinamites com a ajuda de
Danielle Rousseau (Mira Furlan). Até o final da quinta temporada, especulava-se que Richard Alpert
(Nestor Carbonell), personagem que misteriosamente não envelhece, havia chegado à ilha a bordo do
Black Rock, possivelmente no ano de 1842, mas a informação não havia sido confirmada. Já a
Corporação Widmore é um conglomerado de companhias pertencente à família Widmore, o qual está
ligado à Fundação Hanso. Ao final da segunda temporada, é revelado que o amor da vida de
Desmond, Penny (Sonya Walger), é filha de Charles Widmore (Alan Dale), um dos herdeiros e chefes
da Corporação.
45
http://damoncarltonandapolarbear.com. Acesso em: 15 dez. 2009.
32
1.2.6 Lost: Via Domus
Lost: Via Domus é o primeiro e, até então, único jogo de Lost disponível para
videogames e PC. O jogo foi desenvolvido pela empresa Ubisoft Montreal e lançado
para os consoles Xbox360 e PlayStation 3 e para PC Windows em fevereiro de 2008,
um mês após a estreia da quarta temporada.
Via Domus – do latim, “a caminho de casa” – conta a história de Elliott Maslow,
sobrevivente que perde a memória logo após o acidente. Elliott é um fotojornalista e
tem sua história contada por meio de flashbacks que podem ser jogados e que ajudam
a montar o quebra-cabeça que é a jornada da personagem. Apesar de não apresentar
muitas revelações significativas para a série, Lost: Via Domus permite ao jogador
interagir com as personagens, testemunhar acontecimentos vistos nos episódios e
explorar locais como o acampamento na praia, as cavernas, a Escotilha – também
conhecida como Estação O Cisne –, as estações O Cajado, A Chama e A Hidra e o
navio Black Rock, entre outros.
1.2.7 Lost: Missing Pieces
Lost: Missing Pieces foi uma série de 13 mobisodes46
(ou mobisódios, como
são chamados no Brasil) distribuídos, em um primeiro momento, para os celulares da
empresa de telecomunicações norte-americana Verizon e, mais tarde, no site da série.
A expressão mobisode é uma contração das palavras mobile e episode, “episódio
móvel”, e refere-se aos mini-episódios (cada um com duração entre dois e três
minutos) feitos pela mesma equipe de produção e elenco de Lost.
46
Ler resumo de cada mini-episódio no Apêndice B – Guia de episódios de Lost: Missing Pieces.
33
Os mini-episódios foram lançados semanalmente entre novembro de 2007 e
janeiro de 2008, sendo o último, So It Begins (13)47
, lançado para celular três dias
antes do episódio The Beginning of the End (4x01). A série Lost: Missing Pieces
apresentou novos aspectos das personagens já conhecidos do público, mostrou outra
perspectiva para acontecimentos que já haviam sido exibidos e introduziu o
personagem Neil “Frogurt” (Sean Whalen), o qual apareceu em alguns episódios da
quinta temporada, em 2009.
1.2.8 Produtos Acessórios
Além do material produzido para aprofundar a experiência narrativa dos
telespectadores, Lost também proporciona uma variedade de produtos acessórios para
os fãs mais entusiastas, os quais gostam de colecionar artefatos que remetem à
história e aos personagens. Jogos de tabuleiro e móveis (mobile games), quebra-
cabeças, bonecos de ação das personagens principais e toda sorte de objetos com o
logo da Iniciativa Dharma – de camisetas e macacões a sets de fichas para jogo de
poker e lanternas – e da Lost University estão disponíveis para venda no mercado,
especialmente nos Estados Unidos, por meio da loja virtual da série no site da ABC.
Alguns desses produtos destacam-se por apresentar objetos da série em
detalhes, dando aos fãs a oportunidade de debruçar-se nesses elementos e analisá-los
minuciosamente. Os quatro jogos de quebra-cabeças lançados pela empresa TDC
Games48
nos Estados Unidos, por exemplo, quando montados corretamente
apresentam uma escrita secreta no verso, visível apenas no escuro. O verso de cada
um dos quebra-cabeças temáticos (A Escotilha, Os Outros, Os Números e Antes do
Acidente) representa uma imagem que, combinada com as três restantes, proporciona
uma visão nítida e completa do Mapa da Porta de Segurança da Escotilha, mostrado
47
Os mini-episódios para celular não foram lançados em formato de temporada, portanto o código
sinaliza somente o número do episódio.
48
http://www.tdcgames.com/lostpuzzles.htm. Acesso em: 16 dez. 2009.
34
brevemente no episódio Lockdown (2x17). A Figura 5 mostra a imagem formada pelo
verso dos quatro quebras-cabeça montados corretamente.
Figura 5: O verso dos quatro quebras-cabeça de Lost revelam o mapa das estações da
Iniciativa Dharma na ilha desenhado na Porta de Segurança da Escotilha – Estação
Cisne. Fonte: http://lostpedia.wikia.com/wiki/Jigsaw_puzzles. Acesso: 15 dez. 2009.
Os bonecos de ação de Lost capturam as personagens em momentos
marcantes para cada um deles na história, e são acompanhados de um fundo
fotográfico e da reprodução detalhada de objetos que foram mostrados nos episódios.
O boneco de Kate, por exemplo, acompanha uma réplica do pequeno avião que
pertencia a Tom Brennan (Mackenzie Astin), seu amor de infância, e o anel de herança
da família Pace, com as iniciais DS, é o brinde para os fãs que adquirem o boneco de
Charlie (Dominic Monaghan). Ao todo, foram lançados 11 bonecos de ação em duas
35
séries – Charlie, Shannon (Maggie Grace), Jack, Kate, Locke, Hurley e uma caixa
especial com as quatro últimas personagens no cenário da Escotilha na primeira série,
e Sawyer, Mr. Eko, Sun e Jin na segunda série.
Apesar de não oferecerem contribuições representativas para narrativa central
de Lost, esses produtos ajudam a sustentar a fidelidade da base de fãs, muitas vezes
agraciando-os com brindes que remetem a elementos-chave da série.
Neste capítulo, foram apresentados o seriado Lost e os produtos
complementares desenvolvidos para outros suportes midiáticos, com o objetivo de
expandir o universo narrativo do programa. Na sequência, será analisada a evolução
das narrativas seriais ficcionais na televisão norte-americana, tendo em vista
contextualizar Lost no cenário televisivo atual e demonstrar de que forma essas
histórias têm se tornado mais complexas ao longo dos anos. Depois, será abordado o
conceito de narrativa transmidiática enquanto novo formato para o entretenimento, o
qual surgiu a partir das mudanças culturais provocadas pela introdução de novos
suportes de mídia – como internet e celulares – no cotidiano de produtores e de
consumidores de produtos midiáticos.
36
2 NARRATIVAS
Antes do surgimento da narrativa transmidiática em obras cinematográficas e,
em especial, televisivas, as séries ficcionais passaram por diversas mudanças
estéticas, no formato e nas abordagens temáticas. Muitas das características
marcantes de Lost, como o desenvolvimento psicológico das personagens e a
resolução de histórias ao longo de diversos episódios, ou mesmo no curso das
temporadas, surgiram a partir de iniciativas empreendidas por séries dramáticas
criadas nas últimas décadas do século XX.
Neste capítulo, será apresentado um breve histórico das transformações pelas
quais as narrativas seriais televisivas passaram ao longo dos anos, desde a criação da
primeira sitcom, nos anos 1950. Serão abordadas as formas pelas quais as séries
ganharam profundidade de significados e tornaram-se mais complexas e mais
atraentes junto ao público. Em um segundo momento, será apresentado o conceito de
narrativa transmidiática, do estudioso de mídias norte-americano Henry Jenkins (2008),
o qual introduz um novo modo de construção de histórias, por meio da fragmentação
narrativa em diversos suportes midiáticos, cada um contribuindo de forma distinta para
o todo.
2.1 NARRATIVA SERIAL NA TELEVISÃO
Como acontece nos estágios iniciais de qualquer meio de comunicação, a
programação televisiva, em seus primeiros anos, apropriou-se das fórmulas
consagradas em outros produtos culturais, como os provenientes da rádio, do cinema e
da literatura, antes de desenvolver características próprias e estabelecer o nível das
produções atuais. Processo de adaptação semelhante ocorreu com as narrativas
seriadas produzidas para a televisão.
37
A organização de uma grade de programação consistente surgiu na televisão
norte-americana49
em 1944, nas quatro principais redes abertas do país: ABC
(American Broadcasting Company), CBS (Columbia Broadcasting System) e NBC
(National Broadcasting Company), existentes até hoje, e DuMont Television Network,
que encerrou suas atividades em 1956. Na primeira década de transmissões, a grade
era composta inteiramente por produções “ao vivo”, devido às limitações tecnológicas
de transmissão de sons e de imagens por meio de ondas eletromagnéticas, o que
implicava uma ligação direta entre a gravação que estava sendo exibida e o aparelho
receptor (MOREIRA, 2007). Por causa da restrição técnica, muitos dos primeiros
programas de entretenimento eram derivados do formato teatral, já que implicavam o
uso de poucas câmeras e de um cenário fixo para realizar a gravação – em 1945,
programas como o NBC Television Theater recriavam peças de teatro em estúdio, e
The Hour Glass (NBC, 1946) reunia atrações em um palco, formato que anos mais
tarde originaria os talk shows (STARLING, 2006).
A narrativa ficcional seriada surgiu na televisão nos anos 1940; o princípio
funcional do formato, porém, já havia atraído a atenção do público na literatura no
século XIX, com os folhetins, e no rádio nas primeiras décadas do século XX, com as
radionovelas. O artifício de publicar capítulos em jornais ou revistas ao longo de
determinado intervalo de tempo consolidou uma forma de consumo baseada na
manipulação do interesse e da atenção dos leitores. Semelhante ao que ocorre no
romance, a estrutura narrativa do folhetim também era baseada em capítulos, mas o
produto inovou ao construir o relato ficcional em diversos trechos da história publicados
ao longo de um intervalo de tempo, como ocorreu com o romance A Moreninha, de
Joaquim Manoel de Macedo, publicado em jornais no ano de 1844.
No rádio, a forma mais conhecida de narrativa seriada é a radionovela, que ficou
conhecida como soap opera nos Estados Unidos, nos anos 1930. As “óperas de sabão”
eram transmitidas diariamente e abordavam temáticas de relacionamentos e de dramas
familiares, já que o público-alvo eram as donas de casa norte-americanas. Foi também
por este motivo que as radionovelas ganharam o apelido soap opera: elas eram
49
Optamos por mapear a produção serial televisiva norte-americana, porque a consideramos como a de
alcance mundial mais representativo.
38
patrocinadas por grandes empresas de produtos de limpeza doméstica, como
detergentes, daí a denominação soap – de sabão – e opera, como alusão aos
exageros dramáticos dessas histórias. Na Figura 6, as personagens da radionovela
Clara Lu and Em, a primeira do gênero nos Estados Unidos, estrelam a propaganda
do sabão em pó Super Suds, patrocinador da atração.
Figura 6: Propaganda do sabão em pó Super Suds, patrocinador da radionovela Clara,
Lu and Em.
Fonte: http://www.old-time.com/commercials/1930's/Clara,%20Lu,%20&%20Em.html. Acesso em: 16
dez. 2009.
A serialização audiovisual já era usada no cinema desde 1913. Na época, as
condições das salas de cinema eram precárias para os espectadores – os ambientes
de exibição eram pequenos, e os bancos não tinham encosto, o que gerava incômodo
para o público quando a duração do filme era longa (MOREIRA, 2007). Tendo em vista
o problema, convencionou-se exibir os filmes em partes. A técnica fez com que
personagens icônicos, como o vagabundo de Charles Chaplin, protagonizassem
diversas variações de história de um mesmo tipo humano. Em outras ocasiões, como
39
nos filmes de faroeste, usava-se o recurso do cliffhanger para aguçar a curiosidade dos
espectadores e instigá-los a retornar ao cinema para assistir ao episódio de
continuação da história (a técnica, também conhecida como gancho ou cliffhanger,
consiste em deixar o público à beira do precipício narrativo, como quando a história
termina, por exemplo, no momento em que o mocinho está amarrado nos trilhos,
prestes a ser atropelado por um trem).
Na televisão, a primeira soap opera, Faraway Hill, estreou na emissora DuMont
em 1946, e a ideia logo foi aceita por público, anunciantes e emissoras concorrentes.
Starling define a união das três forças (produção, publicidade e audiência) como os
elementos que “farão da TV a ponta de lança da sociedade de consumo” (2006, p. 12).
A soap opera televisiva, ou telenovela, é um dos três principais tipos de
serialização ficcional na televisão definidos por Machado (2005) – sendo eles:
telenovela, seriado e séries ou minisséries cujo estilo de cada episódio é semelhante,
mas cada episódio representa uma unidade narrativa diferente. Segundo o autor, a
serialização consiste na “apresentação descontínua e fragmentada do sintagma
televisual”, sendo este o “segmento de uma totalidade maior – o programa como um
todo – que se espalha ao longo de meses, anos, em alguns casos até décadas, sob a
forma de edições diárias, semanais ou mensais” (MACHADO, 2005, p. 83). No caso
das narrativas seriadas, convenciona-se chamar cada sintagma televisual de capítulos
ou episódios.
O primeiro tipo de ficção seriada definido pelo autor ocupa-se de apenas uma
narrativa – ou várias narrativas entrelaçadas – que acontece ao longo de vários
capítulos, normalmente diários, ao final dos quais se dará o fechamento da história. As
telenovelas, os teledramas e algumas séries e minisséries encontram-se nessa
categoria. No segundo tipo, o seriado, cada episódio (geralmente semanal) é uma
história com início, meio e fim, e as personagens principais são os componentes
básicos e constantes de uma narrativa que as envolve em situações variadas a cada
episódio. No terceiro e último tipo de serialização, mantém-se apenas a noção geral da
história, ou a mesma temática, mas os protagonistas, o elenco e até mesmo a equipe
de produção são diferentes (MACHADO, 2005).
40
Os três tipos de narrativa seriada, no entanto, podem confundir-se e apresentar
características em comum. Grande parte dos seriados atuais, por exemplo, são
baseados em uma construção narrativa teleológica, assim como nas telenovelas, nas
quais a história
se resume fundamentalmente num (ou mais) conflito (s) básico (s), que
estabelece logo de início um desequilíbrio estrutural, e toda evolução posterior
dos acontecimentos consiste num empenho em restabelecer o equilíbrio
perdido, objetivo que, em geral, só se atinge nos capítulos finais (MACHADO,
2005, p. 84).
O estilo de serialização em episódios surgiu na televisão norte-americana em
1951 (cinco anos depois da primeira soap opera) com o programa I Love Lucy (CBS,
1951-1960), o qual também inaugurou o gênero da sitcom (abreviação de situation
comedy, ou comédia de situações). I Love Lucy foi adaptada de um popular programa
de rádio e apresentou as aventuras de uma dona-de-casa e de seu marido,
interpretados pelos atores Lucille Ball e Desi Arnaz, casados na vida real.
Foi também nos anos 1950 que a televisão começou a desenvolver uma
linguagem própria, com o surgimento do videotape. A tecnologia de edição e de
armazenamento eletrônicos do material captado pelas câmeras permitiu a criação de
novos programas na grade das emissoras. A entrada do videotape no processo de
produção televisivo afetou diretamente as criações ficcionais, com o desenvolvimento
de histórias mais específicas para o suporte midiático e de condições técnicas mais
sofisticadas. Em seriados como I Love Lucy, a tecnologia possibilitou a utilização de
mais câmeras e a edição posterior do material gravado em estúdio, o que permitiu
captar e destacar os pontos de vista e as nuances da atuação do elenco.
A contribuição de I Love Lucy para as narrativas seriadas, no entanto, não se
restringiu a invenção de um gênero televisivo. A série também introduziu a passagem
do tempo como elemento dramático do formato narrativo, ao incorporar a gravidez de
Lucille Ball, e o posterior nascimento de Desi Arnaz Jr., à história do programa. Mais do
que criar novas possibilidades narrativas para I Love Lucy (com a protagonista
dividindo a atenção entre os cuidados com a casa e com o recém-nascido), a entrada
do filho de Lucy na história representa uma marca de desenvolvimento emocional das
personagens – I Love Lucy coloca seus protagonistas na mesma relação com o tempo
que os telespectadores experimentam na vida real, ao apresentar as personagens em
41
diferentes estágios de um relacionamento, os quais transcorrem de forma semelhante
para a maioria das pessoas (por exemplo, o nascimento do primeiro filho de um casal
geralmente ocorre após determinado tempo de casamento, e assim por diante). Para
Winckler (apud STARLING, 2006), a mudança foi fundamental para diferenciar e
estabelecer o formato serial na televisão, porque fez com que os seriados deixassem
de ser uma miscelânea de fórmulas bem-sucedidas em outros suportes midiáticos
“para se tornar um processo narrativo único, que inclui insensivelmente – mas
inelutavelmente – o triplo envelhecimento do personagem, do ator e do espectador”
(WINCKLER apud STARLING, 2006, p. 15). Acompanhar o crescimento das
personagens ao longo dos episódios e das temporadas torna-se um dos principais
atrativos para o público, o qual desenvolve mecanismos de relação e de projeção nas
histórias que estão sendo contadas.
Outras mudanças substanciais no formato serial surgiriam nos anos seguintes.
Até a década de 1960, grande parte da programação ficcional televisiva abordava
temáticas familiares e politicamente corretas, ignorando as profundas mudanças
sociais e culturais em questões comportamentais, sexuais, raciais e de gênero que
ocorriam na época. A sitcom A Feiticeira (Bewitched, ABC, 1964-1972), por exemplo,
mostrava o cotidiano de uma família de classe média norte-americana formada pelo
marido Darrin50
e a esposa Samantha, dona-de-casa e poderosa feiticeira, e os
episódios geralmente envolviam as intervenções cômicas dos familiares bruxos de
Samantha no relacionamento dela com o marido (PEREIRA, 2008). A situação muda
na década seguinte, com a estreia da série Mary Tyler Moore Show (CBS, 1970-
1977), sobre uma mulher de 30 anos, solteira, independente e bem-sucedida que
trabalha como produtora de um programa jornalístico de televisão. A sitcom marca uma
troca de paradigma ao substituir a família biológica pela família do ambiente
profissional e de amigos.
O sucesso de Mary Tyler Moore Show foi creditado à M.T.M. Enterprises,
produtora estabelecida pela estrela do programa em 1969 e conhecida por dar total
liberdade criativa para os produtores e roteiristas de seriados. Segundo Starling (2006),
50
Na versão transmitida no Brasil, o nome do personagem Darrin Stephens foi substituído por James,
por ser mais fácil de pronunciar e mais masculino para os padrões da língua brasileira (Pereira, 2008).
42
a produtora foi o laboratório de grandes mudanças na estrutura narrativa serial a partir
do final dos anos 1970, quando ela se especializa em programas dramáticos com
duração de 60 minutos (incluindo intervalos comerciais).
Em 1978, as soap operas também começam a explorar outros caminhos
narrativos com Dallas (CBS, 1978-1991), novela sobre uma família de milionários do
ramo do petróleo no Texas, cujas histórias giravam ao redor de dinheiro, poder, sexo e
violência. Em adição ao drama tradicional das soap operas, Dallas também abordava
assuntos até então inéditos da televisão, como “política externa e atividades criminosas
de grandes corporações” (WINCKLER apud STARLING, 2006, p. 24). Além da
introdução de temáticas polêmicas, a série investiu em recursos dramáticos para tornar
a narrativa mais densa e complexa. Os cliffhangers passaram a ser usados com
frequência como forma de manter o interesse do público, o qual precisaria retornar toda
semana51
para compreender o desenrolar dos acontecimentos. A partir da segunda
temporada, os episódios de Dallas deixaram de funcionar como unidades fechadas em
si mesmas (com início, meio e fim) para se tornar histórias longas que se desenvolviam
no decorrer de diversos capítulos. Na estrutura dos seriados, a técnica foi uma
mudança significativa que os tornou mais complexos e ricos.
Confiando na capacidade do público de armazenar muitas informações sobre a
história ao longo do tempo, os roteiristas puderam inserir mais personagens na trama e
amadurecer a personalidade e o temperamento deles no decorrer da história, em uma
evolução dramática natural. Aqui reside a principal diferença entre as narrativas
ficcionais televisivas e o cinema: na televisão, o volume de informações que pode ser
trabalhado é imensamente superior ao dos filmes, os quais contam com somente cerca
de duas horas para desenvolver uma narrativa.
A novela Dallas foi a precursora de mudanças ainda mais profundas que
ocorreriam no formato televisivo a partir dos anos 1980. Já no início da década, a
popularização do videocassete, juntamente com o controle remoto televisivo, deu ao
51
Diferente do que acontece no Brasil, onde as telenovelas são exibidas de segunda a sábado,
independente do horário de transmissão, a periodicidade das soap operas norte-americanas varia de
acordo com o turno no qual a atração é televisionada. As daytime soap operas são exibidas de
segunda à sexta-feira, enquanto as evening soap operas geralmente são transmitidas uma vez por
semana. Dallas encaixava-se na segunda categoria. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Soap_opera.
Acesso em: 16 dez. 2009.
43
público o poder de escolher o que e quando assistir com um esforço consideravelmente
menor do que antes: se o telespectador não achava o programa interessante, podia
mudar de canal com apenas um toque, e se não estivesse interessado em assistir a
uma série no horário determinado pela emissora, podia optar por gravar a atração e
assisti-la quando quisesse, quantas vezes quisesse. A alteração no comportamento da
audiência fez as emissoras amadurecem as fórmulas narrativas seriais, buscando
capturar a atenção do público.
Foi também durante a década de 1980 que as emissoras de rede fechada
começaram a ganhar destaque. Até então, canais como a HBO (Home Box Office) já
atraiam assinantes simplesmente por transmitirem filmes em qualidade de imagem
superior comparados ao acabamento das séries exibidas pelas três maiores redes
abertas – ABC, CBS e NBC (STARLING, 2006). A partir da metade dos anos 1980, a
HBO passou a produzir conteúdo ficcional próprio e deu total autonomia para os
produtores e roteiristas na criação de novos seriados, estimulando abordagens
ousadas e inovadoras. Nos anos 1990, o resultado dessa busca por um diferencial
criativo tornou-se notável em programas como Oz52
(HBO, 1997-2003), Sex and the
City53
(HBO, 1998-2004), Família Soprano54
(The Sopranos, HBO, 1999-2007) e,
mais recentemente, A Sete Palmos55
(Six Feet Under, HBO, 2001-2005) e True
Blood56
(HBO, 2008-presente). Seguindo a linha da HBO, outras emissoras pagas
também investiram em temáticas adultas e tratamentos inéditos na televisão.
52
Oz mostra o cotidiano na prisão de segurança máxima Ozwald State Correctional Facility, ou
simplesmente Oz, e aborda temas como violência, sexo, uso de drogas, pena de morte, religião e
política, entre outros, em suas seis temporadas.
53
Baseada no livro homônimo da colunista e autora norte-americana Candace Bushnell, a série
acompanha a vida sexual e amorosa de um grupo de amigas – três acima dos trinta anos; uma, acima
dos quarenta – bem-sucedidas profissionalmente na Nova York do final dos anos 1990.
54
A Família Soprano conta a história de Anthony “Tony” Soprano (James Gandolfini), mafioso de
origem italiana que procura ajuda de uma psiquiatra para aprender a lidar com os problemas familiares
e com os negócios da organização criminosa que chefia.
55
A Sete Palmos acompanha o dia-a-dia da família Fisher, dona da Fisher & Sons Funeral Home, casa
funerária herdada por Nathaniel “Nate” Fisher Jr. (Peter Krause) e David Fisher (Michael C. Hall) após
a morte do pai. O drama trata de assuntos como morte, homossexualismo, infidelidade e religião.
56
True Blood é baseada na série de livros Southern Vampires (2001), da escritora norte-americana
Charlaine Harris, e conta a história de Sookie Stackhouse (Anna Paquin), garçonete telepata que se
apaixona pelo vampiro Bill Compton (Stephen Moyer), na fictícia cidade de Bon Temps, em Louisiana,
onde humanos e vampiros coexistem pacificamente.
44
Atualmente, a Showtime aborda tramas controversas em séries como The L Word57
(Showtime, 2004-2009), Weeds58
(Showtime, 2005-presente) e Dexter59
(Showtime,
2006-presente).
Ainda nos anos 1980, a produção de programas singulares nas emissoras de TV
a cabo impulsionou a busca por transformações na estrutura narrativa dos seriados na
rede aberta.
Da mesma forma que a TV, ao se transformar em mídia de massa,
liberou Hollywood para sair em busca de públicos mais específicos, a
popularização do acesso a TVs a cabo, ao provocar a divisão da audiência em
muitas partes, estimulou a TV a fazer o mesmo. As redes de TV, assim como
os cineastas, deixaram de lado seus próprios códigos de produção assim que
sua audiência começou a encolher (STARLING, 2006, p. 21).
É nesse contexto que surge Hill Street Blues (NBC, 1981-1987), considerada
um marco na história das séries televisivas, por seu “inegável valor estético, força
dramatúrgica e penetração crítica” (MACHADO, 2005, p. 22). O programa criado por
Steven Bochco60
e Michael Kozoll61
acompanhava o cotidiano dos oficias de uma
delegacia de polícia no fictício bairro nova-iorquino de Hill Street, inspirado na realidade
pobre e violenta do Bronx. Com 147 episódios exibidos ao longo de sete temporadas, a
série percorreu diversos gêneros – como ação policial, humor, dramas pessoais e
crítica social – e propôs mudanças na forma e no conteúdo dos seriados ficcionais da
televisão.
As mudanças no âmbito estético em Hill Street Blues apresentaram-se no uso
de técnicas documentais de filmagem para a criação de um efeito de realidade no que
se exibia. De acordo com Machado, “câmeras no ombro, iluminação natural,
57
Série dramática sobre grupo de amigas lésbicas e bissexuais que vivem na área de West Hollywood,
na cidade de Los Angeles, Califórnia.
58
Weeds conta a história de Nancy Botwin (Mary-Louise Parker), dona de casa viúva que vive no
subúrbio da Califórnia e torna-se traficante de maconha da vizinhança para sustentar os filhos.
59
Seriado dramático sobre Dexter Morgan (Michael C. Hall), serial killer que segue um rígido código
moral – ele só mata outros assassinos. Dexter trabalha como analista forense especialista em padrões
de dispersão de sangue no departamento de polícia do Condado de Miami-Dade, na Flórida.
60
Steven Bochco é criador, produtor-executivo e roteirista das séries L.A. Law (NBC, 1986-1994), Nova
York Contra o Crime (NYPD Blue, ABC, 1993-2005) e Commander in Chief (ABC, 2005-2006), entre
outras.
61
Michael Kozoll é roteirista e trabalhou no cinema em produções como Rambo – Programado para
Matar (First Blood, 1982), de Ted Kotcheff, e Aprendiz de Feiticeiro (The Hard Way, 1991), de John
Badham.
45
enquadramentos descuidados, negativo granulado, abundância de planos-sequência”
(2005, p. 48) foram construções utilizadas para valorizar o visual realista das histórias.
A contribuição mais significativa da série, no entanto, foi a mudança na estrutura
narrativa dos episódios. Ao contar a jornada de mais de dez protagonistas, feito até
então inédito para uma série ficcional televisiva, Hill Street Blues introduziu o formato
das “narrativas múltiplas entrelaçadas e abertas, com uma complexa galeria de
personagens e situações” (MACHADO, 2005, p. 48). A série passou a desenvolver as
tramas em uma estrutura narrativa modular (STARLING, 2006) com histórias que
recorriam a acontecimentos de episódios anteriores, não eram concluídas em um único
segmento narrativo e só seriam retomadas mais tarde na temporada. A estrutura é
baseada em dois níveis, nos quais “cada episódio possui uma trama principal completa
e uma ou várias tramas secundárias, que serão desenvolvidas ao longo da temporada
ou até mesmo ao longo da série” (STARLING, 2006, p. 27).
A narrativa modular permite que pequenas nuances tanto da personalidade dos
protagonistas quanto da própria história sejam aprofundadas no decorrer da passagem
do tempo, de forma menos imediata do que em formatos como o cinema – e é isso que
torna as séries mais interessantes e mais complexas. Ao explorar as possibilidades
narrativas da estrutura modular, Hill Street Blues inaugurou os ensemble shows,
séries com grande número de protagonistas, nas quais o enfoque é desviado de um
único personagem para recair sobre todo o grupo de pessoas relacionadas diretamente
à história. Séries assim não são guiadas tanto pelo conceito do seriado [chamado
formula show, como o programa C.S.I.62
(CBS, 2000-presente)] quanto são conduzidas
pelos desdobramentos psicológicos dos protagonistas (character-driven), com atenção
especial dada pelos roteiristas aos acontecimentos marcantes e aos padrões de
comportamento ao longo da vida das personagens (STARLING, 2006).
62
C.S.I.: Crime Scene Investigation é uma série criminal dramática sobre grupo de cientistas forenses
do departamento de polícia da cidade de Las Vegas, em Nevada. O programa já gerou dois spin-offs
(séries derivadas): C.S.I.: Miami (CBS, 2002-presente) e C.S.I.: NY (CBS, 2004-presente). C.S.I. é
guiada por seu conceito de série investigativa, ou seja, os assassinatos são apresentados e
desvendados ao longo de um único episódio, com algumas exceções ao longo das temporadas. Nesse
tipo de formato, o desenvolvimento psicológico das personagens ocorre de forma mais gradual do que
nas séries definidas como character-driven, já que mais tempo é dedicado para focar nas questões
pontuais de cada episódio – como a resolução de um crime, no caso de C.S.I..
46
Desse modo, as personagens passam a ser pessoas com uma história
completa, com uma vida marcada por decepções, esperanças, crenças, sofrimento e
alegria. A complexidade psicológica da narrativa desperta a identificação do público
com os dramas encenados na televisão e alimenta a necessidade humana primordial
por histórias que nos relacionem com o resto do universo. Ao analisar as maiores
religiões e culturas do mundo, Joseph Campbell identificou uma estrutura comum, o
monomito, compartilhado por pessoas de diferentes épocas e origens por meio do qual
procuramos “harmonizar nossas vidas com a realidade” (1990, p. 4). Para Campbell, os
“mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através
dos tempos” (1990, p. 5). Murray afirma que
a narrativa é um dos mecanismos cognitivos primários para a
compreensão do mundo. É também um dos modos fundamentais pelos quais
construímos comunidades, desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a
comunidade global reunida diante do aparelho de televisão. Nós contamos uns
aos outros histórias de heroísmo, traição, amor, ódio, perda, triunfo. Nós nos
compreendemos mutuamente através dessas histórias, e muitas vezes vivemos
ou morremos pela força que elas possuem (MURRAY, 2003, p.9)
Ao abordar as narrativas no suporte televisivo, Starling (2006) argumenta que o
aprofundamento das questões emocionais e psicológicas das personagens fez com
que as séries despontassem como principal meio do espectador analisar e
compreender os próprios dramas pessoais. “As séries de TV ocuparam um gigantesco
buraco subjetivo deixado aberto pela ficção literária, à medida que as pessoas
reduziram seu interesse pela leitura” (STARLING, 2006, p. 39), de modo que “criadores
e roteiristas, há pelo menos uma década, terem-nas transformado no mais fiel espelho
da sociedade hoje disponível na cultura de massas” (STARLING, 2006, p. 43).
É justamente essa complexidade narrativa que as séries começam a
amadurecer a partir de Hill Street Blues. Segundo Johnson (2005), o programa iniciou
uma espécie de exercício mental para quem assistia a seriados televisivos, ao
aumentar a quantidade de trabalho cognitivo necessário para acompanhar as diversas
ramificações que a história central tinha desenvolvido. Hoje, mais de vinte anos depois
da estreia de Hill Street Blues, o esforço do telespectador não está concentrado
apenas em entender a trama, mas também em analisar as informações oferecidas nos
episódios e, a partir de suas conclusões, preencher as lacunas que foram
deliberadamente deixadas abertas. Para Johnson (2005), o mais surpreendente é que
47
quanto mais as narrativas ficam complexas, mais o público gosta. “Os programas mais
exigentes com o público também se revelaram como os mais lucrativos da história da
televisão”63
(JOHNSON, 2005, p. 65). Lost é atualmente um dos exemplos mais
significativos do engajamento do público em acompanhar e tentar compreender os
elementos misteriosos da trama. O movimento da audiência em direção a programas
mais complexos também iniciou com Hill Street Blues – a série foi a primeira a atrair o
público predominantemente adulto, na faixa dos 18 aos 49 anos.
As profundas mudanças técnicas, estéticas e de conteúdo introduzidas pela
série deram origem à denominação quality television, termo concedido à M.T.M.
Enterprises pelo British Film Institute64
na publicação M.T.M.: Quality Television65
como forma de reconhecimento pela abordagem diferenciada da produtora em
programas televisivos, especialmente no seriado policial. De acordo com Machado,
depois de Hill Street Blues ser considerada “televisão de qualidade”, o termo “passa
(...) a ser uma expressão rapidamente tomada como bandeira para uma abordagem
diferenciada na televisão, logo adotada por estudiosos e críticos” (2005, p. 22). O
reconhecimento ao trabalho realizado no seriado encorajou a criação de projetos
inovadores nas outras emissoras, o que resultou no nível de qualidade que as séries
televisivas alcançaram hoje. “Vinte e cinco anos depois do início de Hill Street Blues
[...], o gênero de ‘TV de qualidade’ ocupa quase toda a grade. O sucesso de Lost é
apenas mais um exemplo disso” (STARLING apud MOREIRA, 2007).
A quality television também atraiu diretores renomados do cinema para a
televisão, como o cineasta norte-americano David Lynch. Acompanhado de Mark Frost
– roteirista de Hill Street Blues –, Lynch criou Twin Peaks (ABC, 1990-1991), série
que acompanhava a investigação do agente especial do FBI Dale Cooper sobre o
assassinato de uma jovem estudante chamada Laura Palmer, na cidade de Twin
63
The shows that have made the most demands on their audience have also turned out to be among the
most lucrative in television history (tradução da autora).
64
O British Film Institute é uma organização criada para promover a compreensão e a apreciação da
cultura e da herança televisiva e cinematográfica britânica. O BFI organiza festivais cinematográficos
anuais em Londres, apóia iniciativas educacionais na área do cinema, publica revistas, livros e DVDs,
mantém salas de cinema e guarda o maior arquivo cinematográfico do mundo, o BFI National Archive,
o qual conta com mais de 750 mil obras, entre filmes de ficção, documentários e séries televisivas.
Fonte: http://www.bfi.org.uk/about/. Acesso em: 16 dez. 2009.
65
FEUER, Jane; KERR, Paul; VAHIMAGI, Tise (orgs.). M.T.M.: Quality Television. Londres: British Film
Institute, 1984.
48
Peaks, no interior do estado de Washington. Assim, iniciou-se “um verdadeiro
desenrolar de fatos inusitados e bizarros e acontecimentos fantásticos, que acabam
mostrando que todos ali têm algo a esconder” (FERRARAZ, 2007, p. 2). Lynch,
responsável por obras polêmicas no cinema, como Veludo Azul (Blue Velvet, 1986) e
A Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001), levou a excentricidade de suas
obras cinematográficas para a televisão (PEREIRA, 2008), montando em Twin Peaks
um “universo instigante, repleto de anormalidade, de perversões e baixos instintos mal
dominados” (STARLING, 2006, p. 31) e mobilizando o público com a pergunta “Quem
Matou Laura Palmer?”.
O sucesso da série foi favorecido por um fenômeno emergente no início da
década de 1990, um que revolucionaria o fluxo de informações entre pessoas de todo
mundo alguns anos mais tarde, e que também teria imenso impacto na forma de se
contar histórias no final do século XX e início do século XXI: a internet.
Apenas algumas semanas após a estreia de Twin Peaks na televisão, diversos
fãs reuniram-se em comunidades de interesse online para discutir teorias e especular
sobre o assassinato de Laura Palmer. A narrativa cercada de mistérios impulsionava os
fãs a investigar as referências usadas nos episódios, postar artigos de jornais e de
revistas que encontravam sobre a série, gravar os episódios, usando videocassetes, e
analisar as cenas quadro a quadro em busca de pistas, e mapear todos os
acontecimentos referentes à história em busca de respostas. Uma dessas
comunidades, alt.tv.twinpeaks, logo se tornou “uma das maiores e mais ativas listas de
discussões do início da internet, atraindo, segundo estimativas, 25 mil leitores (embora
um número substancialmente menor de pessoas postasse mensagens)” (JENKINS,
2008, p. 60).
Os fãs começavam a descobrir as potencialidades de trabalharem juntos por
meio da internet; com cada pessoa contribuindo com um pequeno pedaço de
informação, ou com uma nova hipótese, os membros da comunidade tinham mais
chances de decifrar o enigma proposto na televisão. Ao final de cada episódio, eles
conectavam-se a internet e emitiam opiniões sobre a história da semana, tentavam
prever o que aconteceria ao longo da temporada e criavam argumentos cada vez mais
elaborados para justificar os acontecimentos da série.
49
Para os fãs que participavam das comunidades de interesse sobre Twin Peaks,
a expectativa em torno da resolução do gancho central da história tornou-se grande
demais, a ponto de muitas pessoas ficarem decepcionadas com o desfecho da
narrativa. O trabalho em conjunto dos membros das comunidades implicou novas
exigências por parte do público em relação à complexidade da trama. Munidos com
uma memória virtual comum, uma base de dados online onde podiam arquivar toda e
qualquer informação sobre o programa, os fãs tinham condições de não só
acompanhar a intrincada história, mas também de elaborar teorias conspiratórias mais
aprofundadas do que a narrativa que viam desenrolar-se semanalmente na televisão.
Já na segunda temporada, a série começou a perder audiência, principalmente devido
à insistência da emissora ABC em adiar a revelação do assassino – e, assim, tentar
manter o público interessado na história. Frustrado com a falta de respostas, grande
parte dos espectadores comuns, aqueles que só assistiam à série pela televisão,
abandonou o programa (PORTER e LAVERY, 2007); para os fãs mais engajados, Twin
Peaks perdeu o apelo porque se tornou previsível demais. Do ponto de vista dos
criadores da série, o comportamento dos fãs era algo até então inédito e, portanto,
difícil de corresponder. Eles precisariam explorar novas formas de contar histórias para
satisfazer o tipo de consumidor de produtos midiáticos que surgiu com o advento da
internet. A televisão, em especial, “teria de se tornar mais sofisticada se não quisesse
ficar atrás de seus espectadores mais comprometidos” (JENKINS, 2008, p. 62). Uma
alternativa surgiria com a expansão do universo narrativo ficcional a partir da televisão
para diversos outros suportes midiáticos, item que será tratado no próximo tópico.
2.2 A TELEVISÃO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A TRANSMIDIALIDADE
Enquanto a participação dos fãs em comunidades de interesse aos poucos
alterava a forma como eles consumiam os programas de ficção serial televisiva,
mudanças significativas começavam a ocorrer no processo de produção de narrativas
com a criação de novas estratégias para envolver o público e aprofundar a história,
50
especialmente por meio da internet. Aspectos dessa narrativa desenvolvida em mais de
um suporte midiático surgiram primeiro no âmbito cinematográfico, durante a
divulgação do filme A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, Daniel Myrick e
Eduardo Sánchez, 1999), fenômeno mundial que já fazia sucesso entre os usuários da
rede mundial de computadores um ano antes de ser lançado nos cinemas. O longa-
metragem acompanha os últimos cinco dias de vida de três estudantes universitários
que desapareceram depois de entrar na floresta de Burkittsville, no estado norte-
americano de Maryland, na tentativa de gravar um documentário sobre a bruxa que
supostamente vivia no local. Um ano depois do desaparecimento dos jovens, as
imagens gravadas por eles na floresta foram encontradas. Apesar de ser uma obra
ficcional, o filme foi editado no estilo de um documentário criado a partir das filmagens
dos estudantes. O site de divulgação66
do filme foi elaborado para alimentar ainda mais
a atmosfera de realidade em torno da Bruxa de Blair: uma linha do tempo demarca os
principais eventos na história da lenda, de 1875 a 1997, data em que as imagens
gravadas na floresta teriam sido entregues à produtora Haxan Films para serem
transformadas em filme. Sessões da página disponibilizam trechos das filmagens e,
como ilustra a figura 7, gravações em áudio e fotografias dos três universitários, das
investigações policiais e dos itens que supostamente haviam sido encontrados pela
polícia na floresta – entre eles, um diário de Heather, diretora do documentário sobre a
Bruxa de Blair, com anotações sobre os últimos dias de vida dos jovens.
66
http://www.blairwitch.com/. Acesso em: 16 dez. 2009.
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Através do Espelho - Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por Meio da Narrativa Transmidiática

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA MAÍRA BIANCHINI DOS SANTOS ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA TRANSMIDIÁTICA Santa Maria 2009
  • 2. MAÍRA BIANCHINI DOS SANTOS ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA TRANSMIDIÁTICA Trabalho de Conclusão de Curso Para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Curso de Comunicação Social, habilitação Jornalismo Orientadora: Luciana Mielniczuk Santa Maria 2009
  • 3. Maíra Bianchini dos Santos ATRAVÉS DO ESPELHO – APROFUNDAMENTO DO UNIVERSO FICCIONAL DE LOST POR MEIO DA NARRATIVA TRANSMIDIÁTICA Trabalho de Conclusão de Curso como requisito para obtenção de grau de bacharel em Jornalismo Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Curso de Comunicação Social habilitação Jornalismo A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso _____________________________________ Profª. Drª Luciana Mielniczuk (Presidente/Orientador) _____________________________________ Profº Iuri Lammel Marques (UNIFRA) _____________________________________ Maurício Dias Souza Mestrando em Comunicação Midiática - UFSM
  • 4. AGRADECIMENTOS Aos meus pais e às minhas irmãs, por compartilharmos uma família cheia de amor, por serem meus exemplos, por me apoiarem ao longo do caminho. Pai e mãe, obrigada pelos valores que vocês me ensinaram. Mi e Tai, obrigada pelo companheirismo e pela amizade. Meu amor mais carinhoso é de vocês, sempre. Aos tios e tias, por torcerem e amarem como pais. Aos primos e primas, por estarem ao meu lado como irmãos. Parte de vocês vive em mim também. Aos amigos que tive a sorte de conquistar no decorrer dos anos, muito obrigada por terem deixado um pouco de vocês em mim. Ao João, em especial, por ser o irmão que eu escolhi. Às amigas com quem compartilhei os últimos quatro anos, Clau, Camila, Lu, Nati, Nessa, Be, Bru, Naná, Si. Com vocês, eu ri as gargalhadas mais intensas, dancei as mais divertidas festas, dividi os mais íntimos sentimentos, chorei as mais verdadeiras lágrimas, vivi a melhor experiência de faculdade que alguém poderia desejar. Ter dividido isso com vocês vai ser sempre minha lembrança preferida desses anos. À professora Rejane de Oliveira Pozobon, pelo sorriso incentivador com o qual me disse: “vai lá, fala com a Luti sobre a monografia que essa ideia rende até um Mestrado se tu quiseres”. Rendeu mesmo. Obrigada por ter sido a primeira pessoa a me incentivar nesse caminho. À Professora Luciana Mielniczuk, pela paciência, pelos conselhos, pela orientação. Muito obrigada por confiar em mim e por acreditar no meu potencial. À FACOS e à UFSM, por me acolherem e por terem sido, de certo modo, a minha casa nos últimos anos. A todos que acreditaram em mim e que me mandaram boas energias. Muito obrigada.
  • 5. “Nós contamos uns aos outros histórias de heroísmo, traição, amor, ódio, perda, triunfo. Nós nos compreendemos mutuamente através dessas histórias, e muitas vezes vivemos ou morremos pela força que elas possuem”. Janet H. Murray
  • 6. RESUMO A narrativa transmidiática (Jenkins, 2008) na série televisiva norte-americana Lost é o tema deste trabalho. O objetivo é estudar de que forma a narrativa transmidiática está expressa no seriado. Para isso, em um primeiro momento, é feita a descrição da série na televisão e de seus produtos complementares em outras mídias. Em seguida, aborda-se a trajetória das narrativas seriais de ficção norte-americanas e a narrativa transmidiática, bem como as primeiras iniciativas baseadas no conceito. Delimitou-se como corpus a segunda temporada de Lost, a qual é estudada a partir de três categorias de análise – a presença de portais de acesso, a apresentação de novos conteúdos ficcionais e a participação de consumidores em comunidades de conhecimento. Partindo da análise de 13 portais de acesso entre a história central e as narrativas de quatro mídias auxiliares, foi possível observar como acontece a expressão da narrativa transmidiática em Lost. Palavras-chave: cultura da convergência; Lost; narrativa transmidiática.
  • 7. ABSTRACT The theme of this paper is the concept of transmedia storytelling in the american television series Lost. The goal is to study how the transmedia storytelling expresses itself in the show. For this, at first it makes a description of the TV show and its complementary products in other media. It then addresses the trajectory of the american television fictional narratives, transmedia storytelling and the first products based on this concept. The sample delimited for the study is the second season of Lost, which will be studied from three categories of analysis – the existence of access portals, the presentation of new fictional content and the participation of consumers in knowledge communities. Based on the analysis of 13 access portals between the main story of the TV show and the narratives from four supporting media, it was possible to observe the presence of transmedia storytelling on Lost. Key-words: convergence culture; Lost; transmedia storytelling.
  • 8. SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10 1 LOST........................................................................................................................13 1.1 LOST 101 – INTRODUÇÃO AO MUNDO MISTERIOSO DA SÉRIE...................13 1.2 O UNIVERSO EXTENDIDO DE LOST.................................................................18 1.2.1 Conteúdo na Web.............................................................................................19 1.2.2 Lost University..................................................................................................23 1.2.3 Conteúdo nos DVDs…......................................................................................26 1.2.4 Livros.................................................................................................................26 1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs).....................................................................28 1.2.6 Lost: Via Domus…............................................................................................32 1.2.7 Lost: Missing Pieces.........................................................................................32 1.2.8 Produtos Acessórios........................................................................................33 2 NARRATIVAS...........................................................................................................36 2.1 NARRATIVA SERIAL NA TELEVISÃO................................................................36 2.2 A TELEVISÃO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A TRANSMIDIALIDADE..49 3 PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DA SÉRIE LOST..............................63 3.1 ESCOLHAS METODOLÓGICAS..........................................................................63 3.2 ANÁLISE DAS NARRATIVAS COMPLEMENTARES EM LOST........................74 3.2.1 Site official de Lost.......................................................................................... 74 3.2.2 Lost: Missing Pieces – Lost no celular.......................................................... 77 3.2.3 The Lost Experience – Lost no Alternate Reality Game................................82 3.2.4 Lost: Via Domus................................................................................................98 CONCLUSÃO............................................................................................................106 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................109 APÊNDICES..............................................................................................................112 ANEXOS....................................................................................................................131
  • 9. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Página inicial do site de Lost......................................................................21 Figura 2: Carteira de estudante da Lost University....................................................24 Figura 3: Catálogo de disciplinas da Lost University..................................................25 Figura 4: Capa e contracapa do livro Lost: Sinais de Vida.......................................27 Figura 5: Verso dos quatro quebras-cabeça de Lost.................................................34 Figura 6: Propaganda do sabão em pó Super Suds..................................................38 Figura 7: Seção The Legacy do site do filme A Bruxa de Blair.................................51 Figura 8: ‘Falso’ desktop da personagem Joey Potter, de Dawson’s Creek.............53 Figura 9: Esquema estrutural das narrativas complementares de Lost.....................65 Figura 10: Screen capture de diálogo entre Elliott Maslow e Locke em Lost: Via Domus.....................................................................................................69 Figura 11: Suportes midiáticos cujas histórias complementaram a narrativa da segunda temporada de Lost...................................................................71 Figura 12: Esquema estrutural dos portais de acesso entre as mídias auxiliares e a história central de Lost............................................................................73 Figura 13: Estátua da deusa egípcia Taweret............................................................76 Figura 14: Screen capture da propaganda televisiva da Fundação Hanso................85 Figura 15: Página inicial do site da Fundação Hanso.................................................86 Figura 16: Screen capture do Vídeo do Sri Lanka......................................................89 Figura 17: Screen capture de Sawyer lendo o livro Bad Twin...................................92 Figura 18: Comunicado ‘oficial’ da Fundação Hanso.................................................95 Figura 19: Sequenciador de vídeos no site hansoexposed.com................................97 Figura 20: Código do vídeo do Sri Lanka em um campo, em Londres.......................98 Figura 21: Interior da Sala do Incidente, em Lost: Via Domus...............................100 Figura 22: Seção de Curiosidades da página de Lost: Via Domus na Lostpédia...102
  • 10. 10 INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o advento das novas tecnologias de informação e de comunicação provocou mudanças significativas no campo midiático e na relação dos indivíduos entre si, com os meios e com os produtos que circulam na mídia. Tendo em vista as novas formas de abordagem de produtores e de consumidores com produtos de entretenimento da cultura popular, Jenkins (2008) identifica essas mudanças como o surgimento de um novo paradigma cultural, a cultura da convergência, baseada na articulação de três conceitos: de convergência dos meios de comunicação, de cultura participativa e de inteligência coletiva. Para o autor, o termo convergência não se refere apenas à reunião de funcionalidades em um mesmo aparelho, ao estilo de um celular que também toca vídeos e música, navega na internet e tira fotografias. Na concepção do autor, a convergência abrange profundas mudanças sociais, culturais, empresariais e tecnológicas no modo como nos relacionamos com as mídias. A noção de cultura da convergência abrange outras duas ideias inerentes ao novo paradigma, ambas baseadas no envolvimento da audiência com os produtos midiáticos. No âmbito da cultura participativa, os consumidores passam a ser considerados como parte ativa da criação e da circulação de novos conteúdos. Já a inteligência coletiva relaciona-se ao potencial que as comunidades de conhecimento virtuais têm de alavancar o intelecto individual, ao reunir diversas pessoas com saberes diferentes em torno de um objeto de interesse em comum, sobre o qual elas estão dispostas a discutir e construir novos conhecimentos. Neste cenário, a lógica pela qual a indústria midiática opera está sofrendo alterações, refletindo no modo como os consumidores processam a notícia e o entretenimento, e na forma como os produtores abordam os produtos veiculados nos meios de comunicação. A partir dessa mudança de comportamento, surge a narrativa transmidiática, definida por Jenkins (2008) como nova forma de se contar histórias na qual um universo ficcional se desenvolve por meio de diversos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de forma única e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada mídia contribui com suas características mais fortes, de modo que uma história pode ser introduzida em um filme, expandida em uma série
  • 11. 11 de TV, transformada em um romance ou em uma história em quadrinhos, adaptada para uma série de curtas-metragens e remodelada para uma aventura de videogame. Esses suportes midiáticos são ligados por portais de acesso, os quais permitem ao espectador conhecer novas camadas de significado em um universo narrativo. Como o Espelho de Alice, no conto infantil Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, os portais da narrativa transmidiática concedem entrada para uma rica e envolvente experiência de consumo ficcional. Neste trabalho, pretende-se estudar a expressão da narrativa transmidiática no seriado Lost, devido ao impacto positivo do seriado junto ao público e à crítica e às estratégias usadas na construção narrativa da série. O programa televisivo e seus produtos complementares são observados para que se possa compreender a forma como o universo ficcional da série está estruturado. Lost conta a história de um grupo de pessoas cujas vidas estão misteriosamente ligadas a uma ilha no Oceano Pacífico. A narrativa da série inicia com a queda do voo 815 da fictícia companhia aérea Oceanic Airlines, o qual havia saído de Sydney, na Austrália, em direção à Los Angeles, nos Estados Unidos. Os sobreviventes precisam então lutar pelo bem-estar do grupo, enquanto percebem que o resgate não irá encontrá-los, e que a ilha onde caíram guarda diversos mistérios. Além das informações exibidas nos episódios ao longo das temporadas, a franquia de Lost conta com conteúdo desenvolvido especialmente para o site e para o lançamento das coleções em DVD, livros, jogo eletrônico, mini-episódios produzidos para transmissão via celular e ARGs (Alternate Reality Games, ou Jogos de Realidade Alternativa). Com a quantidade de informações que o universo do seriado disponibiliza, os fãs deixam de ser espectadores passivos e buscam, por meio da Internet, pesquisar mais informações, reunir-se em comunidades de interesse e dividir o conhecimento que adquirem sobre a série. Nesta pesquisa, o primeiro capítulo é centrado em Lost e apresenta a premissa do roteiro, a repercussão da série no público e na crítica e o universo expandido por meio de outras mídias. Com isso, pretende-se criar um contexto sobre o seriado para a posterior compreensão da presença da narrativa transmidiática nesse universo ficcional.
  • 12. 12 No segundo capítulo, é percorrida a trajetória das séries ficcionais televisivas norte-americanas ao longo dos anos, desde a criação da primeira sitcom, nos anos 1950, até o desenvolvimento de séries dramáticas com complexa evolução psicológica das personagens e resolução de histórias ao longo de diversos episódios, ou mesmo no curso de diversas temporadas. Em um segundo momento deste capítulo, aborda-se a narrativa transmidiática e o surgimento das primeiras iniciativas baseadas no conceito de Jenkins (2008) em obras cinematográficas e televisivas, para que seja possível identificar, posteriormente, os elementos e as situações por meio dos quais a transmidialidade está expressa em Lost. O último capítulo apresenta as escolhas metodológicas e a análise do corpus delimitado para a pesquisa. Optou-se pelo método qualitativo do estudo de caso, visando compreender como a narrativa transmidiática é operacionalizada em um produto cultural. A partir das considerações de Jenkins (2008) sobre a narrativa transmidiática, foram definidas três categorias de análise para avaliar as histórias desenvolvidas nos diversos suportes midiáticos auxiliares de Lost: a presença de portais de acesso, a apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias complementares e a participação de consumidores em comunidades de conhecimento. A segunda temporada da série foi escolhida como fio condutor para a realização da análise, por ela ser a temporada com o número mais significativo de contribuições narrativas oriundas de outras mídias além da televisiva. Este trabalho conta também com três apêndices, nos quais é apresentado um resumo das histórias desenvolvidas ao longo da primeira temporada e tanto os mini- episódios para celular quanto os episódios da segunda temporada são relatados detalhadamente. O obejtivo é esclarecer os leitores que não estão familiarizados com o programa, para que eles possam compreender os elementos do universo narrativo da série abordados no estudo. No final do trabalho, pode-se constatar de que forma a narrativa transmidiática se expressa na construção do universo ficcional de Lost, por meio do desenvolvimento de histórias nas mídias auxiliares da série.
  • 13. 13 1 LOST Televisão, livros, jogos, celular e, principalmente, internet. O seriado Lost explora essas mídias para contar a história de um grupo de pessoas cujas vidas estão ligadas a uma misteriosa ilha no Oceano Pacífico. Cada suporte midiático auxilia de forma distinta no entendimento do universo da série, como se o conteúdo de cada um deles correspondesse a uma peça de um imenso quebra-cabeça que inclui dezenas de personagens, referências culturais, históricas, religiosas, filosóficas e científicas e uma história que, até o último episódio da quinta temporada, em 2009, abrange acontecimentos relacionados à ilha ao longo de, no mínimo, 166 anos – de 1842 até 2008. No entanto, antes de analisar de que forma cada mídia contribui para a história central de Lost, convém compreender o que é o seriado e algumas das histórias que foram contadas até agora. O presente capítulo apresenta a premissa do roteiro, a repercussão do seriado no público e na crítica e o universo expandido por meio de outras mídias. A primeira parte está centrada no surgimento de Lost na televisão mundial e nos números de audiência e prêmios da série. Em um segundo momento, os produtos complementares serão abordados, bem como as histórias que eles contam. 1.1 LOST 101 – INTRODUÇÃO AO MUNDO MISTERIOSO DA SÉRIE Uma mistura de drama, aventura e ficção científica, com toques de comédia e romance, Lost é uma narrativa serial que conta a história dos sobreviventes do voo 815 da fictícia companhia aérea Oceanic Airlines, o qual decola de Sydney, na Austrália, com destino a Los Angeles, nos Estados Unidos. No meio da viagem, porém, o avião sofre uma pane nos sistemas, parte-se em três pedaços e cai em uma ilha misteriosa, ao sul do Oceano Pacífico. O grupo precisa então lutar pela sobrevivência, enquanto percebe que não será resgatado, e que a ilha guarda diversas surpresas e
  • 14. 14 enigmas1 . Ao longo da história, cada sobrevivente também deverá confrontar os próprios medos e inseguranças, em uma jornada pessoal de redenção. Lost foi criado em 2004, quando Lloyd Braun, então presidente do setor de entretenimento da emissora ABC, teve a ideia de criar um seriado sobre um grupo de pessoas sobrevivendo em uma ilha após um acidente aéreo, ao estilo do filme Náufrago (Cast Away, 2001), de Robert Zemeckis, misturado com o reality show Survivor2 (CBS, 2000-presente), de Mark Burnett, mas em narrativa ficcional televisiva. Braun contatou Thom Sherman, presidente da produtora Bad Robot Productions3 na época, e requisitou um roteiro, o qual foi escrito por Jeffrey Lieber4 . Os produtores da emissora não ficaram satisfeitos com o piloto, mas acreditaram no potencial da ideia. Sherman sugeriu que Braun apresentasse a premissa para J.J. Abrams5 , que já havia criado e dirigido para a ABC o seriado Alias6 (ABC, 2001-2006), um dos maiores sucessos da emissora até aquele ano. Mesmo envolvido com outros projetos, Abrams contratou o roteirista e produtor-executivo Damon Lindelof7 para ajudá-lo a idealizar uma narrativa mais atraente para o seriado. Juntos, eles imaginaram desenvolver a própria ilha como uma personagem na narrativa, um lugar cercado de mistérios e povoado por personagens com histórias de vida igualmente intrigantes. Abrams relata sua primeira impressão com o roteiro: “(...) Comecei a pensar em maneiras de tornar aquilo emocionante, pelo menos para mim. E se a ilha não fosse apenas uma ilha; e se você começasse a olhar para o lugar em que eles estavam como se aquilo fosse parte 1 Ler o resumo dos principais acontecimentos da primeira temporada de Lost no Apêndice A. 2 O programa tem uma versão brasileira chamada No Limite, exibido pela Rede Globo. 3 Empresa de produção televisiva e cinematográfica norte-americana criada por J.J. Abrams em 1998, é responsável por todos os projetos do roteirista e diretor. 4 Jeffrey Lieber é autor da primeira versão do piloto de Lost, a qual foi recusada pela emissora ABC. Mesmo não trabalhando em Lost, Lieber é creditado como um dos criadores da série. 5 J.J. Abrams é criador, produtor-executivo, roteirista e diretor das séries Felicity (The WB Television Network, 1998-2002; co-criador: Matt Reeves), Alias (ABC, 2001-2006) e Fringe (FOX, 2008- presente), entre outras. Abrams também dirigiu Missão Impossível III (Mission: Impossible III, 2006) e Star Trek (2009) para o cinema. 6 Alias conta a história de Sydney Bristow (Jennifer Garner), agente da SD-6, divisão secreta da CIA. Quando Sydney revela onde ela trabalha para o noivo, ele é assassinado por ordem do diretor da SD- 6, Arvin Sloane (Ron Rifkin). Sydney então descobre a verdade: a SD-6 não faz parte do governo norte-americano. Ela procura a verdadeira Agência Central de Inteligência e passa a trabalhar ao lado do pai, Jack Bristow (Victor Garber), como agente dupla da SD-6 e da CIA. 7 Damon Lindelof, que também é produtor-executivo e principal roteirista de Lost, ao lado de Carlton Cuse, trabalhou como roteirista em Nash Bridges (CBS, 1996-2001) e como roteirista e produtor de Crossing Jordan (NBC, 2001-2007).
  • 15. 15 de uma história maior; então ficou cada vez mais claro de que se tratava de uma grande ideia”. (LAVERY e PORTER, 2007, p. 16). Acompanhados dos produtores Bryan Burk, Jesse Alexander e Jeff Pinkner, os quais também trabalharam na produção de Alias, Abrams e Lindelof elaboraram a ideia geral de Lost e delinearam o que seriam os primeiros cinco anos da série. A partir disso, os dois roteiristas escreveram um esboço de 25 páginas em cinco dias e enviaram para Lloyd Braun: “Recebo [o esboço], e minhas mãos tremiam enquanto eu lia. (...) Era brilhante”8 . A série foi aprovada no dia seguinte, e, cinco semanas mais tarde, a equipe de produção já havia contratado o elenco e começado as filmagens – primeiro no estúdio da emissora, em Los Angeles, e depois nas locações no Havaí. Em um período de 12 semanas, o episódio piloto de duas horas de duração havia sido escrito, gravado e editado. Lost estreou na ABC no dia 22 de setembro de 2004 – a data também marca o dia do desaparecimento do voo 815 na série. Desde então, foram transmitidos 103 episódios em cinco temporadas completas – a sexta e última temporada terá 18 episódios e será exibido nos Estados Unidos a partir do dia 02 de fevereiro de 2010, completando 121 episódios. Além de Lindelof, Abrams, Burk, Alexander e Pinkner, a série tem como produtores-executivos Jack Bender9 e Carlton Cuse10 . Ao longo de cinco anos, o programa teve vinte e cinco protagonistas e uma longa lista de atores com papéis secundários, mas recorrentes, alguns deles de grande importância para a história11 . Na narrativa de Lost, a história dos 14 protagonistas12 é contada de forma fragmentada, mostrando o passado das personagens por meio de flashbacks intercalados com a ação no tempo presente da ilha. No final da terceira temporada, foi 8 Comentário retirado do documentário A Origem de Lost, disponível na coleção de DVDs da primeira temporada completa de Lost. 9 Jack Bender também é o principal diretor do seriado. Ele já dirigiu episódios para as séries Família Soprano (The Sopranos, HBO, 1999-2007), Boston Public (FOX, 2000-2004), Alias (ABC, 2001- 2006) e Carnivàle (HBO, 2003-2005), entre outras. 10 Carlton Cuse é o criador, roteirista e produtor-executivo da série Nash Bridges (CBS, 1996-2001), na qual trabalhou com Damon Lindelof. Ele também é o co-criador, roteirista e produtor-executivo de The Adventures of Brisco County Jr. (FOX, 1993-1994; co-criador: Jeffrey Boam). 11 Neste trabalho, são consideradas como personagens principais aquelas cujos respectivos atores foram, em uma ou mais temporadas, creditados como parte do elenco regular da série. 12 Número de personagens principais na primeira temporada. Ao longo das temporadas seguintes, outros protagonistas surgiram, e alguns dos integrantes originais do elenco deixaram a série.
  • 16. 16 introduzida a técnica de flashforward, a qual acompanha as personagens em acontecimentos do futuro. Aclamado pelo público, Lost tornou-se sucesso mundial logo após o seu lançamento. Somente nos Estados Unidos, o seriado teve uma média de 18,3 milhões de telespectadores por episódio na primeira temporada13 . No episódio de estreia da segunda temporada, em 21 de setembro de 2005, o índice de audiência chegou a 23,47 milhões de telespectadores, o mais alto marcado pela série até hoje. No Brasil, a série é transmitida pelo canal AXN, na rede fechada, entre os meses de março e junho, e na emissora Rede Globo (canal aberto), geralmente durante os meses de janeiro e fevereiro de cada ano14 . Mesmo com a queda no número de telespectadores norte-americanos nos anos seguintes – a quinta temporada, em 2009, teve o índice mais baixo de todos, com uma média de 9,98 milhões de televisores ligados a cada semana –, a série é uma das mais assistidas pela internet. Segundo o site torrentfreak.com15 , na semana da exibição do último episódio da quinta temporada, entre os dias 11 e 17 de maio de 2009, Lost foi a série mais baixada ilegalmente pela web, ao marcar 1.720.000 downloads. O segundo lugar da semana, Prison Break16 (FOX, 2005-2009), alcançou 920.000 downloads. De acordo com uma pesquisa realizada pela Nielsen VideoCensus (sistema de medição de audiência nos Estados Unidos), em fevereiro de 2009, a série também alcançou o topo entre os programas exibidos gratuitamente por meio dos sites das emissoras norte- americanas17 , iniciativa comum no país. Pelos dados da pesquisa, o seriado teve um total de 48 milhões de streamings no mês. 13 http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Audiência. Acesso em: 15 dez. 2009. 14 Ambas emissoras e o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) foram contatados na tentativa de demonstrar os índices de audiência registrados durante a exibição das temporadas inéditas de Lost na televisão brasileira. Tanto a Rede Globo quanto o IBOPE recusaram-se a compartilhar os dados solicitados; o canal pago AXN não retornou o contato. As respostas recebidas estão anexadas no final do trabalho (Anexos A e B). 15 http://tvbythenumbers.com/2009/05/19/most-pirated-tv-shows-on-bittorrent-may-11-17/19118. Acesso em: 15 dez. 2009. 16 Série acompanha a tentativa de fuga dos irmãos Michael Scofield (Wentworth Miller) e Lincoln Borrows (Dominic Purcell) da prisão de segurança máxima Fox River State Penitentiary. Com o objetivo de ser levado para a mesma prisão onde Burrows era mantido, Scofield planejou e executou um crime propositalmente depois de elaborar um plano de fuga para resgatar o irmão, que foi erroneamente condenado à pena de morte. 17 http://tvbythenumbers.com/2009/03/13/abc-has-9-out-of-top-10-series-viewed-online-in-february/14516. Acesso em: 15 dez. 2009.
  • 17. 17 Os números comprovam o sucesso de Lost entre o público. Os telespectadores logo ficaram intrigados com a ilha misteriosa e a história das personagens. Desde a primeira temporada, o programa conquistou fãs dispostos a elaborar teorias, discutir ideias e especular sobre os enigmas da ilha e o destino dos sobreviventes. O elenco internacional ajudou a estabelecer uma relação entre os telespectadores e o programa, que é transmitido em mais de 200 países18 e apresenta diversas experiências de vida e pontos de vista entre as personagens, representando múltiplas raças e culturas (Porter e Lavery, 2007) – como Michael (Harold Perrineau), Walt (Malcolm David Kelley), Rose (L. Scott Caldwell) e Mr. Eko (Adewale Akinnouye-Agbaje), que são negros, Hurley (Jorge Garcia) e Ana-Lucia (Michelle Rodriguez), latinos, o casal Sun (Yunjin Kim) e Jin (Daniel Dae Kim), coreano, e o iraquiano Sayid (Naveen Andrews). A frente dos mistérios que envolvem a ilha, é a jornada pessoal dos sobreviventes que está sempre em evidência e que cativa o público, fazendo com que Lost seja, em primeiro lugar, uma série sobre pessoas. Segundo Porter e Lavery (2007), o que faz o público identificar-se com o programa é a ideia de que, eventualmente, todas as pessoas enfrentam problemas interiores e sentem-se perdidas, emocional ou fisicamente, em determinado ponto da vida. Tanto as personagens quanto o público anseiam por um novo começo, são “sobreviventes de uma vida moderna caótica, que ainda buscam respostas para questões fundamentais” (PORTER e LAVERY, 2007, p. 67). Além de facilitar a relação com a audiência, o grande número de personagens também permite que a equipe de roteiristas explore diversas histórias sobre o passado dos sobreviventes, muitas vezes fazendo com que eles tenham se cruzado em algum ponto da vida pregressa ao acidente – Sawyer (Josh Holloway), por exemplo, bebeu em um bar na Austrália com o pai de Jack (Matthew Fox), Christian (John Terry), dias antes da viagem para Los Angeles. Acompanhado de Ana-Lucia, Christian foi a Sydney com o objetivo de visitar a filha ilegítima, Claire (Emilie de Ravin), que também estava no voo 815 da Oceanic Airlines. Em adição à resposta positiva do público e aos altos índices de audiência, Lost também foi bem recebida pela crítica norte-americana. Em 2005, a série ganhou dois 18 Documentário BAFTA Gets Lost, produzido pela British Academy of Film and Television Arts – BAFTA. Disponível em: http://www.bafta.org/access-all-areas/videos/bafta-gets-lost,815,BA.html. Acesso em: 15 dez. 2009.
  • 18. 18 prêmios Emmy19 – de melhor série dramática e de melhor direção para J.J. Abrams20 , pelo episódio de estreia. Naveen Andrews e Terry O’Quinn, que interpretam as personagens Sayid Jarrah e John Locke, respectivamente, foram indicados a melhor ator coadjuvante em série dramática. Terry O’Quinn levou o prêmio em 200721 , quando foi indicado com outro colega de elenco – Michael Emerson, intérprete de Benjamin Linus, premiado na mesma categoria em 200922 . Ainda em 2005, Lost foi indicado ao Globo de Ouro23 de melhor série dramática e, no ano seguinte, foi o ganhador na categoria24 . Também em 2006, o elenco foi eleito o melhor em série dramática25 pelo Screen Actors Guild Awards26 , e o Writer’s Guild of America Awards27 premiou o roteiro de Lost como o melhor em série dramática do ano28 . 1.2 O UNIVERSO EXPANDIDO DE LOST Além do conteúdo que é transmitido nos episódios semanais de Lost ao longo das temporadas, o seriado aposta no engajamento dos fãs em busca de informações sobre a história para expandir a narrativa em outros suportes midiáticos. Tendo em vista aprofundar situações mencionadas superficialmente na história central e apresentar informações adicionais sobre o universo da série, Lost conta com material ficcional produzido especialmente para as mídias auxiliares. 19 Os Emmy Awards são concedidos anualmente pela Academy of Television, Arts e Scienses e são considerados o equivalente televisivo dos Academy Awards (Oscar). 20 http://www.imdb.com/Sections/Awards/Emmy_Awards/2005. Acesso em: 15 dez. 2009. 21 http://www.imdb.com/Sections/Awards/Emmy_Awards/2007. Acesso em: 15 dez. 2009. 22 http://www.imdb.com/features/emmys/2009/nominations. Acesso em: 15 dez. 2009. 23 Prêmio concedido todo ano pela imprensa estrangeira de Hollywood para os melhores profissionais de cinema e televisão norte-americanos. 24 http://www.goldenglobes.org/browse/year/2005. Acesso em: 15 dez. 2009. 25 http://www.sagawards.org/content/screen-actors-guild-honors-outstanding-film-and-television- performances-13-categories-12th-a. Acesso em: 15 dez. 2009. 26 O Screen Actors Guild Awards é uma premiação anual concedida pelo Screen Actors Guild, sindicato norte-americano de atores. 27 O Writer’s Guild of America Awards é o prêmio dado pelo sindicato de roteiristas dos Estados Unidos para os destaques do ano na categoria. 28 http://www.wga.org/awards/awardssub.aspx?id=1517. Acesso em 15 dez. de 2009.
  • 19. 19 Em alguns casos, os conteúdos desenvolvidos para a série em outros suportes midiáticos confundem os limites entre o mundo real e o universo ficcional de Lost. É o caso do documentário Mysteries of the Universe – The Dharma Initiative e de algumas das ações dos Alternate Reality Games da série, os quais introduzem informações sobre elementos da narrativa da série em um contexto não-ficcional – por exemplo, ao exibir uma propaganda de uma empresa fictícia mencionada em Lost nos intervalos comerciais da emissora ABC. A tentativa de confundir os espectadores é proposital e objetiva atrair os fãs ainda mais em direção às histórias contadas pelo seriado. A seguir, demonstra-se a extensão da narrativa do programa para outras mídias por meio da descrição de seus produtos complementares e das histórias que eles contam. São abordados os conteúdos criados para a web e para as coleções em DVD de cada temporada, os livros, os Alternate Reality Games (ARGs – Jogos de Realidade Alternativa), o jogo eletrônico Lost: Via Domus e Lost: Missing Pieces, série de mini- episódios para celular. Também são mencionados os produtos acessórios da marca Lost, como quebra-cabeças, jogos para celular e bonecos de ação das personagens. Mesmo que não apresentem contribuições significativas para a história, esses produtos ajudam a sustentar a fidelidade dos fãs, muitas vezes agraciando-os com brindes que remetem a elementos-chave do programa. 1.2.1 Conteúdo na Web O site oficial de Lost29 , hospedado na página da emissora ABC, fornece conteúdo exclusivo para os fãs do seriado. Além de fotos e informações sobre os episódios e as personagens, o portal disponibiliza séries de vídeos e podcasts feitos especialmente para os usuários online e links para: 1) Timeline (Linha do Tempo), página que mostra a sequencia dos acontecimentos de Lost – em ordem cronológica ou de exibição nos episódios; 2) Nickname Generator (Gerador de Apelidos), brincadeira na qual o visitante faz um teste para descobrir qual apelido ganharia de 29 http://www.abc.go.com/shows/lost. Acesso em: 15 dez. 2009.
  • 20. 20 Sawyer, caso conhecesse a personagem; 3) Connections (Conexões), subseção que mostra as ligações entre o passado dos sobreviventes; e 4) Book Club (Clube do Livro), onde o visitante encontra uma lista de obras literárias cujas histórias influenciaram a narrativa de Lost – como Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, livros que inspiraram o título de dois episódios, White Rabbit (1x05)30 , ou Coelho Branco, e Through the Looking Glass (3x22, 23), traduzido como Através do Espelho. O site também contém episódios completos das quatro primeiras temporadas (e mais os seis últimos episódios da quinta temporada)31 , fóruns de discussão, cartões postais online, informações sobre a revista oficial de Lost, publicada nos Estados Unidos, e uma loja na qual os fãs podem adquirir DVDs, livros, roupas e outros objetos relacionados ao universo do programa. A figura 1 ilustra a página inicial de Lost na página da ABC. Na imagem, é possível identificar os destaques do dia sobre a série – as informações foram retiradas do site no mesmo dia em que o ator Michael Emerson foi indicado para o Globo de Ouro 2010, na categoria de melhor ator coadjuvante em programa televisivo, logo, uma seção é dedicada a ele – bem como os links para conteúdos especiais do site (Lost University, Podcast oficial, Timeline e Dharma Documentary). O site também direciona o usuário para a loja virtual de Lost e para as páginas sobre as personagens [no exemplo, o título Fugitive and Grease Monkey remete à biografia de Kate Austen (Evangeline Lilly)] e sobre acontecimentos da série (Greatest Hits, por exemplo, apresenta fotos de uma lista de impactos físicos provocados e/ou sofridos pelos protagonistas). 30 Este código é utilizado no trabalho para identificar a qual temporada e a qual episódio refere-se o título mencionado. No caso de White Rabbit (1x05), por exemplo, o número ‘1’ significa ‘primeira temporada’, e o número ‘05’, ‘quinto episódio’. 31 Devido a acordos de direitos internacionais de transmissão, os episódios são disponibilizados apenas para os usuários localizados nos Estados Unidos e nos territórios do país.
  • 21. 21 Figura 1: Página inicial do site de Lost, na página da emissora ABC. Em destaque, alguns dos conteúdos especiais oferecidos online. Fonte: http://www.abc.go.com/shows/lost. O conteúdo em áudio e vídeo produzido para o site geralmente apresenta cenas de bastidores, making-of e entrevistas com a equipe de produção e o elenco de Lost. Na seção Vídeo (Video), estão localizados os episódios completos do seriado e as seguintes subseções:
  • 22. 22 · Featured: abrange uma série de vídeos sobre diversos assuntos, como a participação dos produtores-executivos e do elenco no painel de Lost na Comic-Con32 2009, video podcasts dos bastidores da quarta temporada e os resumos cômicos de Lost Untangled (Lost “Descomplicado”); · Quick Cuts: episódios resumidos em vídeos de cerca de dois minutos. Somente os últimos cinco episódios da quinta temporada ganharam versões compactas; · Behind the Scenes: um único vídeo relatando os bastidores na Comic- Con 2008, quando foi lançado o ARG Dharma Initiative Recruiting Project; · Dharma Special Access: coleção dos sete vídeos lançados no ARG Dharma Initiative Recruiting Project, em 2008 [ver detalhes no item 1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs)]; · Ask Lost: série de entrevistas com os atores. Em cada uma, um membro do elenco responde perguntas enviadas pelos fãs do programa; · Dharma Mysteries: link para os vídeos do documentário fictício Mysteries of the Universe – The Dharma Initiative (Mistérios do Universo – A Iniciativa Dharma). O falso documentário é baseado no programa Mysteries of the Universe, transmitido pela emissora ABC nos anos 1980. O estilo envelhecido das imagens e o formato de edição e narrativa da atração original foram recriados pelos produtores de Lost para conferir uma atmosfera de veracidade nos vídeos, os quais foram desenvolvidos como peças promocionais da sexta temporada da série. Os seis curtas documentais foram lançados de julho a dezembro de 2009 – os cinco primeiros foram disponibilizados no site oficial da série, e o último foi lançado exclusivamente na coleção de DVD e Blu-ray da quinta temporada. Os podcasts oficiais de Lost também foram lançados no site entre novembro de 2005 e abril de 2009. Os arquivos em áudio, no entanto, foram retirados quando a 32 Conferência anual em San Diego, Estados Unidos, para os fãs de histórias em quadrinhos, animes, videogames e filmes e seriados de televisão de ficção científica ou fantasia.
  • 23. 23 página de Lost foi reformulada e agora estão disponíveis na loja virtual iTunes, da Apple. Ao todo, foram produzidos 69 podcasts, apresentados por Damon Lindelof e Carlton Cuse. Os produtores-executivos comentaram episódios, conversaram com o elenco e com a equipe, responderam perguntas de fãs e deram dicas sobre o desenvolvimento da narrativa ao longo das temporadas33 . 1.2.2 Lost University Em julho de 2009, durante a Comic-Con, foi lançada a Lost University34 , cujo site promocional também é hospedado na página da emissora ABC. A Universidade fictícia tem como objetivo recrutar fãs/alunos que queiram estudar os principais aspectos da narrativa do seriado. No dia 22 de setembro de 2009, exatamente cinco anos após a estreia de Lost, a universidade fictícia realizou um teste de seleção para os alunos interessados, no qual os participantes deveriam responder 23 perguntas sobre o universo da série. Além de tratar de conhecimentos gerais sobre Lost, as questões também testaram o envolvimento dos fãs com o conteúdo publicado e discutido online. Uma das perguntas, por exemplo, questionava a qual divindade egípcia corresponde à estátua vista no episódio The Incident (5x16, 17). A resposta não havia sido mencionada na série, mas sim no resumo oficial do episódio, no site de Lost, e foi repetida por fãs em blogs e fóruns de discussão. Ao final do teste, cada participante recebeu uma carteira de estudante da Lost University e assistiu a uma aula introdutória sobre a série, chamada Lost 10135 , na qual foram apresentados os assuntos básicos abordados na série – como a presença de elementos científicos, filosóficos, psicológicos, sobrenaturais, de sobrevivência e de interações humanas, em dinâmicas de grupo e entre familiares, entre outros. A Figura 2 mostra a carteira de estudante da 33 Resumos e links para download dos podcasts em: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Podcasts_Oficiais_de_LOST. Acesso em: 15 dez. 2009. 34 http://lostuniversity.org/. Acesso em: 16 dez. de 2009. 35 Lost 101 em versão legendada: http://www.youtube.com/watch?v=1USXKopN7nw. Acesso em: 16 dez. 2009.
  • 24. 24 Lost University, na qual se pode notar o nome do ‘aluno’ cadastrado e o código PIN necessário para acessar as aulas na edição em Blu-ray da quinta temporada de Lost. Figura 2: Carteira de estudante recebida pela orientanda deste trabalho depois de ser aprovada no teste de seleção para a Lost University. Fonte: http://lostuniversity.org/binder.php. Acesso restrito. O início oficial das aulas ocorreu em 08 de dezembro de 2009, data de lançamento da edição em Blu-ray da quinta temporada da série nos Estados Unidos. Somente os usuários que adquirem esta edição da temporada podem assistir às aulas dos cursos oferecidos pela Universidade. As disciplinas do primeiro semestre letivo incluem as opções HIS 101: Ancient Writing on the Wall (Escrita Antiga na Parede), LAN 101: Foreign Language for Beginners (Língua Estrangeira para Iniciantes), PHI 101: I’m Lost, Therefore I Am (Estou Perdido, Portanto Sou), PHY 101: Introductory Physics of Time Travel (Física Introdutória Sobre Viagem no Tempo), PHY 301 Seminar: New Physics With Jeremy Davies (Seminário: Nova Física com Jeremy Davies) e SCI 201: Jungle Survival Basics (Básicos de Sobrevivência na Selva) (Figura 3). Já no catálogo de disciplinas do segundo semestre constam: ART 101 Seminar: Inspiration & Expression with Jack Bender (Seminário: Inspiração e Expressão com Jack Bender), LAN 201: Advanced Foreign Language (Língua Estrangeira Avançada), PHI 201: I’m Right, You’re Wrong: The Us VS. Them Mentality (Eu Estou Certo, Você Está Errado: A Mentalidade de Nós VS. Eles), PHY 201: Advanced Physics of Time Travel (Física Avançada Sobre Viagem no Tempo) e PSY 201: Self Discovery Through
  • 25. 25 Family Relationships (Auto Descoberta Por Meio de Relacionamentos Familiares). Na figura 3, é possível identificar a lista de cursos oferecidos para os ‘alunos’ do primeiro semestre da Lost University. Figura 3: Catálogo de disciplinas disponíveis para o primeiro semestre de aulas na Lost University. Fonte: http://lostuniversity.org/catalog.php. Acesso em: 15 dez. 2009. Até o encerramento deste trabalho, não foi esclarecido se as aulas seriam disponibilizadas para os usuários do site oficial de Lost, ou se o conteúdo permaneceria exclusivo para os espectadores que adquiriram a edição em Blu-ray da quinta temporada.
  • 26. 26 1.2.3 Conteúdo nos DVDs As coleções das temporadas de Lost em DVD oferecem conteúdo criado exclusivamente para o formato, em extras que abrangem comentários em áudio da equipe e do elenco, diversas cenas de bastidores e making-ofs, entrevistas, cenas deletadas e erros de gravação, entre outros. Parte do que é produzido para o site também é lançado em DVD – a série Lost: Missing Pieces faz parte da lista de extras da coleção da quarta temporada, e o documentário Mysteries of the Universe: The Dharma Initiative foi incluído no DVD da quinta temporada, lançado em novembro de 2009. 1.2.4 Livros Os livros baseados no roteiro original de Lost têm como objetivo ampliar a história dos sobreviventes e aproximar a audiência dos personagens secundários, que não ganham destaque na narrativa central. Ao todo, foram produzidas três obras – Lost: Identidade Secreta e Lost: Risco de Extinção, de Cathy Hapka36 , e Lost: Sinais de Vida, de Frank Thompson37 –, todas lançadas no Brasil pela Editora Prestígio Editorial, em 2006. A Figura 4 ilustra a capa de Lost: Sinais de Vida, na qual é possível identificar a presença das marcas AXN e Touchstone Television (produtora responsável pela distribuição da série no Brasil), sinalizando a relação da obra com o universo oficial de Lost. 36 Cathy Hapka é novelista e escritora de livros infantis. 37 Frank Thompson é romancista, cineasta e historiador. Já publicou 37 livros nos Estados Unidos.
  • 27. 27 Figura 4: Capa e contra-capa do livro Lost: Sinais de Vida (2006). Na contra-capa, nota-se as marcas AXN e Touchstone Television. As histórias dos três livros acompanham sobreviventes que não aparecem diretamente nos episódios, mas que interagem com as personagens reconhecidas pelo público, como Jack, Kate e Hurley. O formato da narrativa nos livros é semelhante ao da televisão: os capítulos intercalam passagens em flashback e na ilha e revelam o passado das personagens ao mesmo tempo em que elas enfrentam algum dilema interior no presente. Os três livros têm 23 capítulos – o número faz parte da sequencia 4 8 15 16 23 42, a qual ganha destaque em diversos momentos da série38 . A expansão do universo de Lost satisfaz a curiosidade dos fãs de conhecer algumas daquelas pessoas que aparecem como figurantes nos episódios, sem que isso interfira na trama principal. A estratégia de não apresentar essas personagens nos episódios, mas sim nos livros – e, mais tarde, também no jogo Lost: Via Domus – foi 38 Os números estão gravados na lateral da Escotilha ainda na primeira temporada, e, na segunda temporada, o código que deve ser digitado no computador de Desmond (Henry Ian Cusack) a cada 108 minutos – valor da soma da sequencia – é formado pelos seis numerais.
  • 28. 28 mais bem aceita pelo público do que a inserção de personagens similares na narrativa central do programa. A prova disso ocorreu durante a terceira temporada, entre outubro de 2006 e maio de 2007, quando dois sobreviventes até então desconhecidos do público passaram a fazer parte do elenco de protagonistas. Nikki (Kiele Sanchez) e Paulo (Rodrigo Santoro) foram introduzidos em pequenas expedições com o grupo principal da ilha e começaram a ganhar espaço nos primeiros episódios do ano três. No geral, os fãs não gostaram das novas personagens; de acordo com Damon Lindelof e Carlton Cuse, Nikki e Paulo foram os sobreviventes mais odiados da série39 . A impopularidade foi tão grande que os produtores-executivos resolveram encerrar a história do casal no episódio Exposé (3x14), no qual Nikki e Paulo ganham um flashback e acabam morrendo ao serem enterrados vivos – as personagens haviam sido paralisadas pela picada de uma aranha venenosa e foram erroneamente declaradas mortas. Em uma votação realizada pelo site Lostpédia para definir os melhores e os piores momentos da terceira temporada, Exposé foi escolhido o pior episódio do ano, com 31% dos votos, enquanto na categoria “História mais ‘sem noção’”, a entrada repentina de Nikki e Paulo ficou em primeiro lugar, com 44% dos votos40 . 1.2.5 Alternate Reality Games (ARGs) Como uma tentativa de envolver os fãs ainda mais com o universo de Lost, os produtores-executivos do programa desenvolveram quatro Alternate Reality Games (ARGs, ou Jogos de Realidade Alternativa) sobre a série: The Lost Experience (2006), FIND 815 (2007), The Dharma Initiative Recruiting Project (2008) e Damon, Carlton and a Polar Bear (2009). Os quatro jogos foram lançados de forma que a maior parte de seu conteúdo fosse revelada no intervalo entre as temporadas do programa (de 39 Item ‘Curiosidades’ dos links: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Nikki e http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Paulo. Acesso em: 16 dez. 2009. 40 Lostpédia - O Melhor da Terceira Temporada/Resultados. Disponível em: http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/O_Melhor_da_3ª_Temporada/Resultados. Acesso em: 16 dez. 2009.
  • 29. 29 maio a setembro de 2006, de dezembro a janeiro de 2007, de maio a novembro de 2008, e de julho a dezembro de 2009, respectivamente). A estratégia era manter os fãs em contato com o universo narrativo de Lost enquanto episódios inéditos não eram transmitidos pela televisão. O ARG é um formato de jogo que potencializa os recursos interativos e de participação coletiva em rede e é definido como uma narrativa interativa que utiliza elementos lúdicos e, muitas vezes, une diferentes mídias com o objetivo de contar uma história, a qual evolui de acordo com a participação e as ações dos jogadores (SANTOS, 2009). Segundo McGonigal (2004), o drama interativo pode ser jogado online e em espaços do mundo real durante um período de semanas ou meses e reúne dezenas, centenas ou até milhares de jogadores em redes sociais cooperativas, todos trabalhando juntos para resolver um mistério ou problema que seria absolutamente impossível de solucionar sozinho. No ARG, suportes como sites, comerciais de TV, anúncios em jornais impressos, e-mails, ligações telefônicas, outdoors, mensagens SMS, entre outros, têm suas características exploradas para a criação de um padrão híbrido de construção narrativa. Em alguns casos, as ações desenvolvidas para os ARGs confundem os limites entre o mundo real e o universo ficcional da série – por exemplo, ao exibir, uma propaganda da fictícia Fundação Hanso nos intervalos comerciais de um dos episódios de Lost. Os ARGs de Lost buscam aprofundar questões mencionadas superficialmente na história central do seriado, como as pesquisas desenvolvidas pela Iniciativa Dharma e os ‘números’ – a sequencia 4 8 15 16 23 42. Tanto The Lost Experience quanto Dharma Initiative Recruiting Project tinham como ponto central a Iniciativa Dharma e suas pesquisas. O primeiro foi lançado em maio de 2006, três semanas antes do final da segunda temporada, e estendeu-se até setembro daquele ano, na véspera do episódio de estreia da terceira temporada da série. O jogo foi co-desenvolvido por três emissoras de televisão – a australiana Channel 7 e a inglesa Channel 4, além da norte-americana ABC – e revelou informações cruciais sobre a série em uma brincadeira que envolvia sites, propagandas televisivas, podcasts em áudio, anúncios em jornais impressos, livros e interações ao vivo – como a criação e comercialização das barras de chocolate Apollo, citadas na
  • 30. 30 série, em cidades dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Austrália41 . Em The Lost Experience, o público acompanhou as investigações da hacker Persephone, ou Rachel Blake (Jamie Silberhartz), sobre as verdadeiras intenções dos projetos da fictícia Fundação Hanso e de seus funcionários. Além do conteúdo relacionado com a série, elementos do ARG The Lost Experience também apareceram em Lost: Via Domus; antes da queda do Oceanic 815, Elliott Maslow, protagonista do jogo, estava investigando um personagem ligado à Fundação Hanso. Dharma Initiative Recruiting Project, realizado dois anos após The Lost Experience, era centrado na reestruturação da Iniciativa Dharma, que procurava recrutas voluntários para participar das pesquisas realizadas pelo projeto. Os jogadores aplicavam-se para determinados cargos e realizavam uma série de testes por meio do site DharmaWantsYou.com42 . No entanto, o jogo foi interrompido em 25 de novembro de 2008, quando os participantes receberam uma mensagem via e-mail dos produtores-executivos Damon Lindelof e Carlton Cuse dizendo que, devido à crise econômica mundial, o retorno da Iniciativa Dharma havia sido cancelado, e a empresa havia sido adquirida pela emissora ABC. Eles então criaram o Dharma Special Access, série de e-mails que seria enviada para os participantes do jogo contendo informações exclusivas, vídeos de bastidores e depoimentos da equipe e do elenco. Os e-mails foram enviados semanalmente até a estreia da quinta temporada, em 21 de janeiro de 2009. No segundo ARG da série, FIND815, os jogadores acompanharam a busca do personagem Sam Thomas (Rodger Corser) por respostas sobre a queda do voo 815 da Oceanic Airlines, no qual sua namorada, Sonya, trabalhava como comissária de bordo. O jogo iniciou com o comunicado ‘oficial’ emitido à imprensa pela fictícia Oceanic Airlines, em 28 de dezembro de 2007, anunciando o retorno da empresa. No site ‘oficial’ da Oceanic, FlyOceanicair.com43 , os usuários encontraram um vídeo da companhia aérea, o qual havia sido hackeado por Sam e direcionava os jogadores para o site principal do ARG, Find815.com. A página continha as informações cruciais para o 41 Documentário da emissora inglesa Channel 4 sobre a criação de The Lost Experience disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=6phwqrqlGwE. Acesso: 11 dez. 2009. 42 O site foi desativado após o final do ARG, em novembro de 2008. 43 Após o final do ARG, o site passou a direcionar os usuários para a página Find815.com.
  • 31. 31 andamento da história; por meio dela, os jogadores seguiam as pistas recebidas por Sam via e-mail, que levaram o personagem a embarcar na expedição a bordo do Christiane I. O barco de resgate trabalhava para o Grupo Maxwell, parte da Corporação Widmore, e estava à procura do navio negreiro Black Rock44 , desaparecido desde 1881. No entanto, depois de Sam alterar a rota de navegação do Christiane I, a expedição acaba encontrando os destroços do voo 815 da Oceanic Airlines no fundo do mar. A história de FIND815 chegou ao fim no mesmo dia em que estreou o episódio The Beginning of the End (4x01), no dia 31 de janeiro de 2008. O ARG lançado para promover a sexta temporada de Lost, Damon, Carlton and a Polar Bear, iniciou em julho de 2009, também durante o painel da série na Comic-Con. Na ocasião, o humorista norte-americano Paul Sheer ofereceu um presente para os produtores-executivos Damon Lindelof e Carlton Cuse: uma pintura dos dois roteiristas abraçados por um urso polar. Sheer convidou o público para visitar o seu site45 , no qual iria publicar, ao longo do tempo, outras obras de arte inspiradas em Lost. A partir disso, Sheer organizou uma campanha para os fãs encontrarem 17 versões online de posteres da série – liberados no decorrer do tempo de duração da brincadeira – a partir de dicas disponíveis no site, as quais direcionavam os usuários para lugares reais em busca de pistas para o endereço na web onde cada pôster estava disponível. Edições limitadas, em tamanho real, das obras de arte inspiradas em Lost também foram comercializadas por meio do site. 44 Tanto o navio negreiro Black Rock quanto a Corporação Widmore são elementos narrativos importantes para a história central de Lost. O navio Black Rock é encontrado no meio da floresta ainda na primeira temporada da série. Dentro dele, Jack e Locke encontram dinamites com a ajuda de Danielle Rousseau (Mira Furlan). Até o final da quinta temporada, especulava-se que Richard Alpert (Nestor Carbonell), personagem que misteriosamente não envelhece, havia chegado à ilha a bordo do Black Rock, possivelmente no ano de 1842, mas a informação não havia sido confirmada. Já a Corporação Widmore é um conglomerado de companhias pertencente à família Widmore, o qual está ligado à Fundação Hanso. Ao final da segunda temporada, é revelado que o amor da vida de Desmond, Penny (Sonya Walger), é filha de Charles Widmore (Alan Dale), um dos herdeiros e chefes da Corporação. 45 http://damoncarltonandapolarbear.com. Acesso em: 15 dez. 2009.
  • 32. 32 1.2.6 Lost: Via Domus Lost: Via Domus é o primeiro e, até então, único jogo de Lost disponível para videogames e PC. O jogo foi desenvolvido pela empresa Ubisoft Montreal e lançado para os consoles Xbox360 e PlayStation 3 e para PC Windows em fevereiro de 2008, um mês após a estreia da quarta temporada. Via Domus – do latim, “a caminho de casa” – conta a história de Elliott Maslow, sobrevivente que perde a memória logo após o acidente. Elliott é um fotojornalista e tem sua história contada por meio de flashbacks que podem ser jogados e que ajudam a montar o quebra-cabeça que é a jornada da personagem. Apesar de não apresentar muitas revelações significativas para a série, Lost: Via Domus permite ao jogador interagir com as personagens, testemunhar acontecimentos vistos nos episódios e explorar locais como o acampamento na praia, as cavernas, a Escotilha – também conhecida como Estação O Cisne –, as estações O Cajado, A Chama e A Hidra e o navio Black Rock, entre outros. 1.2.7 Lost: Missing Pieces Lost: Missing Pieces foi uma série de 13 mobisodes46 (ou mobisódios, como são chamados no Brasil) distribuídos, em um primeiro momento, para os celulares da empresa de telecomunicações norte-americana Verizon e, mais tarde, no site da série. A expressão mobisode é uma contração das palavras mobile e episode, “episódio móvel”, e refere-se aos mini-episódios (cada um com duração entre dois e três minutos) feitos pela mesma equipe de produção e elenco de Lost. 46 Ler resumo de cada mini-episódio no Apêndice B – Guia de episódios de Lost: Missing Pieces.
  • 33. 33 Os mini-episódios foram lançados semanalmente entre novembro de 2007 e janeiro de 2008, sendo o último, So It Begins (13)47 , lançado para celular três dias antes do episódio The Beginning of the End (4x01). A série Lost: Missing Pieces apresentou novos aspectos das personagens já conhecidos do público, mostrou outra perspectiva para acontecimentos que já haviam sido exibidos e introduziu o personagem Neil “Frogurt” (Sean Whalen), o qual apareceu em alguns episódios da quinta temporada, em 2009. 1.2.8 Produtos Acessórios Além do material produzido para aprofundar a experiência narrativa dos telespectadores, Lost também proporciona uma variedade de produtos acessórios para os fãs mais entusiastas, os quais gostam de colecionar artefatos que remetem à história e aos personagens. Jogos de tabuleiro e móveis (mobile games), quebra- cabeças, bonecos de ação das personagens principais e toda sorte de objetos com o logo da Iniciativa Dharma – de camisetas e macacões a sets de fichas para jogo de poker e lanternas – e da Lost University estão disponíveis para venda no mercado, especialmente nos Estados Unidos, por meio da loja virtual da série no site da ABC. Alguns desses produtos destacam-se por apresentar objetos da série em detalhes, dando aos fãs a oportunidade de debruçar-se nesses elementos e analisá-los minuciosamente. Os quatro jogos de quebra-cabeças lançados pela empresa TDC Games48 nos Estados Unidos, por exemplo, quando montados corretamente apresentam uma escrita secreta no verso, visível apenas no escuro. O verso de cada um dos quebra-cabeças temáticos (A Escotilha, Os Outros, Os Números e Antes do Acidente) representa uma imagem que, combinada com as três restantes, proporciona uma visão nítida e completa do Mapa da Porta de Segurança da Escotilha, mostrado 47 Os mini-episódios para celular não foram lançados em formato de temporada, portanto o código sinaliza somente o número do episódio. 48 http://www.tdcgames.com/lostpuzzles.htm. Acesso em: 16 dez. 2009.
  • 34. 34 brevemente no episódio Lockdown (2x17). A Figura 5 mostra a imagem formada pelo verso dos quatro quebras-cabeça montados corretamente. Figura 5: O verso dos quatro quebras-cabeça de Lost revelam o mapa das estações da Iniciativa Dharma na ilha desenhado na Porta de Segurança da Escotilha – Estação Cisne. Fonte: http://lostpedia.wikia.com/wiki/Jigsaw_puzzles. Acesso: 15 dez. 2009. Os bonecos de ação de Lost capturam as personagens em momentos marcantes para cada um deles na história, e são acompanhados de um fundo fotográfico e da reprodução detalhada de objetos que foram mostrados nos episódios. O boneco de Kate, por exemplo, acompanha uma réplica do pequeno avião que pertencia a Tom Brennan (Mackenzie Astin), seu amor de infância, e o anel de herança da família Pace, com as iniciais DS, é o brinde para os fãs que adquirem o boneco de Charlie (Dominic Monaghan). Ao todo, foram lançados 11 bonecos de ação em duas
  • 35. 35 séries – Charlie, Shannon (Maggie Grace), Jack, Kate, Locke, Hurley e uma caixa especial com as quatro últimas personagens no cenário da Escotilha na primeira série, e Sawyer, Mr. Eko, Sun e Jin na segunda série. Apesar de não oferecerem contribuições representativas para narrativa central de Lost, esses produtos ajudam a sustentar a fidelidade da base de fãs, muitas vezes agraciando-os com brindes que remetem a elementos-chave da série. Neste capítulo, foram apresentados o seriado Lost e os produtos complementares desenvolvidos para outros suportes midiáticos, com o objetivo de expandir o universo narrativo do programa. Na sequência, será analisada a evolução das narrativas seriais ficcionais na televisão norte-americana, tendo em vista contextualizar Lost no cenário televisivo atual e demonstrar de que forma essas histórias têm se tornado mais complexas ao longo dos anos. Depois, será abordado o conceito de narrativa transmidiática enquanto novo formato para o entretenimento, o qual surgiu a partir das mudanças culturais provocadas pela introdução de novos suportes de mídia – como internet e celulares – no cotidiano de produtores e de consumidores de produtos midiáticos.
  • 36. 36 2 NARRATIVAS Antes do surgimento da narrativa transmidiática em obras cinematográficas e, em especial, televisivas, as séries ficcionais passaram por diversas mudanças estéticas, no formato e nas abordagens temáticas. Muitas das características marcantes de Lost, como o desenvolvimento psicológico das personagens e a resolução de histórias ao longo de diversos episódios, ou mesmo no curso das temporadas, surgiram a partir de iniciativas empreendidas por séries dramáticas criadas nas últimas décadas do século XX. Neste capítulo, será apresentado um breve histórico das transformações pelas quais as narrativas seriais televisivas passaram ao longo dos anos, desde a criação da primeira sitcom, nos anos 1950. Serão abordadas as formas pelas quais as séries ganharam profundidade de significados e tornaram-se mais complexas e mais atraentes junto ao público. Em um segundo momento, será apresentado o conceito de narrativa transmidiática, do estudioso de mídias norte-americano Henry Jenkins (2008), o qual introduz um novo modo de construção de histórias, por meio da fragmentação narrativa em diversos suportes midiáticos, cada um contribuindo de forma distinta para o todo. 2.1 NARRATIVA SERIAL NA TELEVISÃO Como acontece nos estágios iniciais de qualquer meio de comunicação, a programação televisiva, em seus primeiros anos, apropriou-se das fórmulas consagradas em outros produtos culturais, como os provenientes da rádio, do cinema e da literatura, antes de desenvolver características próprias e estabelecer o nível das produções atuais. Processo de adaptação semelhante ocorreu com as narrativas seriadas produzidas para a televisão.
  • 37. 37 A organização de uma grade de programação consistente surgiu na televisão norte-americana49 em 1944, nas quatro principais redes abertas do país: ABC (American Broadcasting Company), CBS (Columbia Broadcasting System) e NBC (National Broadcasting Company), existentes até hoje, e DuMont Television Network, que encerrou suas atividades em 1956. Na primeira década de transmissões, a grade era composta inteiramente por produções “ao vivo”, devido às limitações tecnológicas de transmissão de sons e de imagens por meio de ondas eletromagnéticas, o que implicava uma ligação direta entre a gravação que estava sendo exibida e o aparelho receptor (MOREIRA, 2007). Por causa da restrição técnica, muitos dos primeiros programas de entretenimento eram derivados do formato teatral, já que implicavam o uso de poucas câmeras e de um cenário fixo para realizar a gravação – em 1945, programas como o NBC Television Theater recriavam peças de teatro em estúdio, e The Hour Glass (NBC, 1946) reunia atrações em um palco, formato que anos mais tarde originaria os talk shows (STARLING, 2006). A narrativa ficcional seriada surgiu na televisão nos anos 1940; o princípio funcional do formato, porém, já havia atraído a atenção do público na literatura no século XIX, com os folhetins, e no rádio nas primeiras décadas do século XX, com as radionovelas. O artifício de publicar capítulos em jornais ou revistas ao longo de determinado intervalo de tempo consolidou uma forma de consumo baseada na manipulação do interesse e da atenção dos leitores. Semelhante ao que ocorre no romance, a estrutura narrativa do folhetim também era baseada em capítulos, mas o produto inovou ao construir o relato ficcional em diversos trechos da história publicados ao longo de um intervalo de tempo, como ocorreu com o romance A Moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo, publicado em jornais no ano de 1844. No rádio, a forma mais conhecida de narrativa seriada é a radionovela, que ficou conhecida como soap opera nos Estados Unidos, nos anos 1930. As “óperas de sabão” eram transmitidas diariamente e abordavam temáticas de relacionamentos e de dramas familiares, já que o público-alvo eram as donas de casa norte-americanas. Foi também por este motivo que as radionovelas ganharam o apelido soap opera: elas eram 49 Optamos por mapear a produção serial televisiva norte-americana, porque a consideramos como a de alcance mundial mais representativo.
  • 38. 38 patrocinadas por grandes empresas de produtos de limpeza doméstica, como detergentes, daí a denominação soap – de sabão – e opera, como alusão aos exageros dramáticos dessas histórias. Na Figura 6, as personagens da radionovela Clara Lu and Em, a primeira do gênero nos Estados Unidos, estrelam a propaganda do sabão em pó Super Suds, patrocinador da atração. Figura 6: Propaganda do sabão em pó Super Suds, patrocinador da radionovela Clara, Lu and Em. Fonte: http://www.old-time.com/commercials/1930's/Clara,%20Lu,%20&%20Em.html. Acesso em: 16 dez. 2009. A serialização audiovisual já era usada no cinema desde 1913. Na época, as condições das salas de cinema eram precárias para os espectadores – os ambientes de exibição eram pequenos, e os bancos não tinham encosto, o que gerava incômodo para o público quando a duração do filme era longa (MOREIRA, 2007). Tendo em vista o problema, convencionou-se exibir os filmes em partes. A técnica fez com que personagens icônicos, como o vagabundo de Charles Chaplin, protagonizassem diversas variações de história de um mesmo tipo humano. Em outras ocasiões, como
  • 39. 39 nos filmes de faroeste, usava-se o recurso do cliffhanger para aguçar a curiosidade dos espectadores e instigá-los a retornar ao cinema para assistir ao episódio de continuação da história (a técnica, também conhecida como gancho ou cliffhanger, consiste em deixar o público à beira do precipício narrativo, como quando a história termina, por exemplo, no momento em que o mocinho está amarrado nos trilhos, prestes a ser atropelado por um trem). Na televisão, a primeira soap opera, Faraway Hill, estreou na emissora DuMont em 1946, e a ideia logo foi aceita por público, anunciantes e emissoras concorrentes. Starling define a união das três forças (produção, publicidade e audiência) como os elementos que “farão da TV a ponta de lança da sociedade de consumo” (2006, p. 12). A soap opera televisiva, ou telenovela, é um dos três principais tipos de serialização ficcional na televisão definidos por Machado (2005) – sendo eles: telenovela, seriado e séries ou minisséries cujo estilo de cada episódio é semelhante, mas cada episódio representa uma unidade narrativa diferente. Segundo o autor, a serialização consiste na “apresentação descontínua e fragmentada do sintagma televisual”, sendo este o “segmento de uma totalidade maior – o programa como um todo – que se espalha ao longo de meses, anos, em alguns casos até décadas, sob a forma de edições diárias, semanais ou mensais” (MACHADO, 2005, p. 83). No caso das narrativas seriadas, convenciona-se chamar cada sintagma televisual de capítulos ou episódios. O primeiro tipo de ficção seriada definido pelo autor ocupa-se de apenas uma narrativa – ou várias narrativas entrelaçadas – que acontece ao longo de vários capítulos, normalmente diários, ao final dos quais se dará o fechamento da história. As telenovelas, os teledramas e algumas séries e minisséries encontram-se nessa categoria. No segundo tipo, o seriado, cada episódio (geralmente semanal) é uma história com início, meio e fim, e as personagens principais são os componentes básicos e constantes de uma narrativa que as envolve em situações variadas a cada episódio. No terceiro e último tipo de serialização, mantém-se apenas a noção geral da história, ou a mesma temática, mas os protagonistas, o elenco e até mesmo a equipe de produção são diferentes (MACHADO, 2005).
  • 40. 40 Os três tipos de narrativa seriada, no entanto, podem confundir-se e apresentar características em comum. Grande parte dos seriados atuais, por exemplo, são baseados em uma construção narrativa teleológica, assim como nas telenovelas, nas quais a história se resume fundamentalmente num (ou mais) conflito (s) básico (s), que estabelece logo de início um desequilíbrio estrutural, e toda evolução posterior dos acontecimentos consiste num empenho em restabelecer o equilíbrio perdido, objetivo que, em geral, só se atinge nos capítulos finais (MACHADO, 2005, p. 84). O estilo de serialização em episódios surgiu na televisão norte-americana em 1951 (cinco anos depois da primeira soap opera) com o programa I Love Lucy (CBS, 1951-1960), o qual também inaugurou o gênero da sitcom (abreviação de situation comedy, ou comédia de situações). I Love Lucy foi adaptada de um popular programa de rádio e apresentou as aventuras de uma dona-de-casa e de seu marido, interpretados pelos atores Lucille Ball e Desi Arnaz, casados na vida real. Foi também nos anos 1950 que a televisão começou a desenvolver uma linguagem própria, com o surgimento do videotape. A tecnologia de edição e de armazenamento eletrônicos do material captado pelas câmeras permitiu a criação de novos programas na grade das emissoras. A entrada do videotape no processo de produção televisivo afetou diretamente as criações ficcionais, com o desenvolvimento de histórias mais específicas para o suporte midiático e de condições técnicas mais sofisticadas. Em seriados como I Love Lucy, a tecnologia possibilitou a utilização de mais câmeras e a edição posterior do material gravado em estúdio, o que permitiu captar e destacar os pontos de vista e as nuances da atuação do elenco. A contribuição de I Love Lucy para as narrativas seriadas, no entanto, não se restringiu a invenção de um gênero televisivo. A série também introduziu a passagem do tempo como elemento dramático do formato narrativo, ao incorporar a gravidez de Lucille Ball, e o posterior nascimento de Desi Arnaz Jr., à história do programa. Mais do que criar novas possibilidades narrativas para I Love Lucy (com a protagonista dividindo a atenção entre os cuidados com a casa e com o recém-nascido), a entrada do filho de Lucy na história representa uma marca de desenvolvimento emocional das personagens – I Love Lucy coloca seus protagonistas na mesma relação com o tempo que os telespectadores experimentam na vida real, ao apresentar as personagens em
  • 41. 41 diferentes estágios de um relacionamento, os quais transcorrem de forma semelhante para a maioria das pessoas (por exemplo, o nascimento do primeiro filho de um casal geralmente ocorre após determinado tempo de casamento, e assim por diante). Para Winckler (apud STARLING, 2006), a mudança foi fundamental para diferenciar e estabelecer o formato serial na televisão, porque fez com que os seriados deixassem de ser uma miscelânea de fórmulas bem-sucedidas em outros suportes midiáticos “para se tornar um processo narrativo único, que inclui insensivelmente – mas inelutavelmente – o triplo envelhecimento do personagem, do ator e do espectador” (WINCKLER apud STARLING, 2006, p. 15). Acompanhar o crescimento das personagens ao longo dos episódios e das temporadas torna-se um dos principais atrativos para o público, o qual desenvolve mecanismos de relação e de projeção nas histórias que estão sendo contadas. Outras mudanças substanciais no formato serial surgiriam nos anos seguintes. Até a década de 1960, grande parte da programação ficcional televisiva abordava temáticas familiares e politicamente corretas, ignorando as profundas mudanças sociais e culturais em questões comportamentais, sexuais, raciais e de gênero que ocorriam na época. A sitcom A Feiticeira (Bewitched, ABC, 1964-1972), por exemplo, mostrava o cotidiano de uma família de classe média norte-americana formada pelo marido Darrin50 e a esposa Samantha, dona-de-casa e poderosa feiticeira, e os episódios geralmente envolviam as intervenções cômicas dos familiares bruxos de Samantha no relacionamento dela com o marido (PEREIRA, 2008). A situação muda na década seguinte, com a estreia da série Mary Tyler Moore Show (CBS, 1970- 1977), sobre uma mulher de 30 anos, solteira, independente e bem-sucedida que trabalha como produtora de um programa jornalístico de televisão. A sitcom marca uma troca de paradigma ao substituir a família biológica pela família do ambiente profissional e de amigos. O sucesso de Mary Tyler Moore Show foi creditado à M.T.M. Enterprises, produtora estabelecida pela estrela do programa em 1969 e conhecida por dar total liberdade criativa para os produtores e roteiristas de seriados. Segundo Starling (2006), 50 Na versão transmitida no Brasil, o nome do personagem Darrin Stephens foi substituído por James, por ser mais fácil de pronunciar e mais masculino para os padrões da língua brasileira (Pereira, 2008).
  • 42. 42 a produtora foi o laboratório de grandes mudanças na estrutura narrativa serial a partir do final dos anos 1970, quando ela se especializa em programas dramáticos com duração de 60 minutos (incluindo intervalos comerciais). Em 1978, as soap operas também começam a explorar outros caminhos narrativos com Dallas (CBS, 1978-1991), novela sobre uma família de milionários do ramo do petróleo no Texas, cujas histórias giravam ao redor de dinheiro, poder, sexo e violência. Em adição ao drama tradicional das soap operas, Dallas também abordava assuntos até então inéditos da televisão, como “política externa e atividades criminosas de grandes corporações” (WINCKLER apud STARLING, 2006, p. 24). Além da introdução de temáticas polêmicas, a série investiu em recursos dramáticos para tornar a narrativa mais densa e complexa. Os cliffhangers passaram a ser usados com frequência como forma de manter o interesse do público, o qual precisaria retornar toda semana51 para compreender o desenrolar dos acontecimentos. A partir da segunda temporada, os episódios de Dallas deixaram de funcionar como unidades fechadas em si mesmas (com início, meio e fim) para se tornar histórias longas que se desenvolviam no decorrer de diversos capítulos. Na estrutura dos seriados, a técnica foi uma mudança significativa que os tornou mais complexos e ricos. Confiando na capacidade do público de armazenar muitas informações sobre a história ao longo do tempo, os roteiristas puderam inserir mais personagens na trama e amadurecer a personalidade e o temperamento deles no decorrer da história, em uma evolução dramática natural. Aqui reside a principal diferença entre as narrativas ficcionais televisivas e o cinema: na televisão, o volume de informações que pode ser trabalhado é imensamente superior ao dos filmes, os quais contam com somente cerca de duas horas para desenvolver uma narrativa. A novela Dallas foi a precursora de mudanças ainda mais profundas que ocorreriam no formato televisivo a partir dos anos 1980. Já no início da década, a popularização do videocassete, juntamente com o controle remoto televisivo, deu ao 51 Diferente do que acontece no Brasil, onde as telenovelas são exibidas de segunda a sábado, independente do horário de transmissão, a periodicidade das soap operas norte-americanas varia de acordo com o turno no qual a atração é televisionada. As daytime soap operas são exibidas de segunda à sexta-feira, enquanto as evening soap operas geralmente são transmitidas uma vez por semana. Dallas encaixava-se na segunda categoria. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Soap_opera. Acesso em: 16 dez. 2009.
  • 43. 43 público o poder de escolher o que e quando assistir com um esforço consideravelmente menor do que antes: se o telespectador não achava o programa interessante, podia mudar de canal com apenas um toque, e se não estivesse interessado em assistir a uma série no horário determinado pela emissora, podia optar por gravar a atração e assisti-la quando quisesse, quantas vezes quisesse. A alteração no comportamento da audiência fez as emissoras amadurecem as fórmulas narrativas seriais, buscando capturar a atenção do público. Foi também durante a década de 1980 que as emissoras de rede fechada começaram a ganhar destaque. Até então, canais como a HBO (Home Box Office) já atraiam assinantes simplesmente por transmitirem filmes em qualidade de imagem superior comparados ao acabamento das séries exibidas pelas três maiores redes abertas – ABC, CBS e NBC (STARLING, 2006). A partir da metade dos anos 1980, a HBO passou a produzir conteúdo ficcional próprio e deu total autonomia para os produtores e roteiristas na criação de novos seriados, estimulando abordagens ousadas e inovadoras. Nos anos 1990, o resultado dessa busca por um diferencial criativo tornou-se notável em programas como Oz52 (HBO, 1997-2003), Sex and the City53 (HBO, 1998-2004), Família Soprano54 (The Sopranos, HBO, 1999-2007) e, mais recentemente, A Sete Palmos55 (Six Feet Under, HBO, 2001-2005) e True Blood56 (HBO, 2008-presente). Seguindo a linha da HBO, outras emissoras pagas também investiram em temáticas adultas e tratamentos inéditos na televisão. 52 Oz mostra o cotidiano na prisão de segurança máxima Ozwald State Correctional Facility, ou simplesmente Oz, e aborda temas como violência, sexo, uso de drogas, pena de morte, religião e política, entre outros, em suas seis temporadas. 53 Baseada no livro homônimo da colunista e autora norte-americana Candace Bushnell, a série acompanha a vida sexual e amorosa de um grupo de amigas – três acima dos trinta anos; uma, acima dos quarenta – bem-sucedidas profissionalmente na Nova York do final dos anos 1990. 54 A Família Soprano conta a história de Anthony “Tony” Soprano (James Gandolfini), mafioso de origem italiana que procura ajuda de uma psiquiatra para aprender a lidar com os problemas familiares e com os negócios da organização criminosa que chefia. 55 A Sete Palmos acompanha o dia-a-dia da família Fisher, dona da Fisher & Sons Funeral Home, casa funerária herdada por Nathaniel “Nate” Fisher Jr. (Peter Krause) e David Fisher (Michael C. Hall) após a morte do pai. O drama trata de assuntos como morte, homossexualismo, infidelidade e religião. 56 True Blood é baseada na série de livros Southern Vampires (2001), da escritora norte-americana Charlaine Harris, e conta a história de Sookie Stackhouse (Anna Paquin), garçonete telepata que se apaixona pelo vampiro Bill Compton (Stephen Moyer), na fictícia cidade de Bon Temps, em Louisiana, onde humanos e vampiros coexistem pacificamente.
  • 44. 44 Atualmente, a Showtime aborda tramas controversas em séries como The L Word57 (Showtime, 2004-2009), Weeds58 (Showtime, 2005-presente) e Dexter59 (Showtime, 2006-presente). Ainda nos anos 1980, a produção de programas singulares nas emissoras de TV a cabo impulsionou a busca por transformações na estrutura narrativa dos seriados na rede aberta. Da mesma forma que a TV, ao se transformar em mídia de massa, liberou Hollywood para sair em busca de públicos mais específicos, a popularização do acesso a TVs a cabo, ao provocar a divisão da audiência em muitas partes, estimulou a TV a fazer o mesmo. As redes de TV, assim como os cineastas, deixaram de lado seus próprios códigos de produção assim que sua audiência começou a encolher (STARLING, 2006, p. 21). É nesse contexto que surge Hill Street Blues (NBC, 1981-1987), considerada um marco na história das séries televisivas, por seu “inegável valor estético, força dramatúrgica e penetração crítica” (MACHADO, 2005, p. 22). O programa criado por Steven Bochco60 e Michael Kozoll61 acompanhava o cotidiano dos oficias de uma delegacia de polícia no fictício bairro nova-iorquino de Hill Street, inspirado na realidade pobre e violenta do Bronx. Com 147 episódios exibidos ao longo de sete temporadas, a série percorreu diversos gêneros – como ação policial, humor, dramas pessoais e crítica social – e propôs mudanças na forma e no conteúdo dos seriados ficcionais da televisão. As mudanças no âmbito estético em Hill Street Blues apresentaram-se no uso de técnicas documentais de filmagem para a criação de um efeito de realidade no que se exibia. De acordo com Machado, “câmeras no ombro, iluminação natural, 57 Série dramática sobre grupo de amigas lésbicas e bissexuais que vivem na área de West Hollywood, na cidade de Los Angeles, Califórnia. 58 Weeds conta a história de Nancy Botwin (Mary-Louise Parker), dona de casa viúva que vive no subúrbio da Califórnia e torna-se traficante de maconha da vizinhança para sustentar os filhos. 59 Seriado dramático sobre Dexter Morgan (Michael C. Hall), serial killer que segue um rígido código moral – ele só mata outros assassinos. Dexter trabalha como analista forense especialista em padrões de dispersão de sangue no departamento de polícia do Condado de Miami-Dade, na Flórida. 60 Steven Bochco é criador, produtor-executivo e roteirista das séries L.A. Law (NBC, 1986-1994), Nova York Contra o Crime (NYPD Blue, ABC, 1993-2005) e Commander in Chief (ABC, 2005-2006), entre outras. 61 Michael Kozoll é roteirista e trabalhou no cinema em produções como Rambo – Programado para Matar (First Blood, 1982), de Ted Kotcheff, e Aprendiz de Feiticeiro (The Hard Way, 1991), de John Badham.
  • 45. 45 enquadramentos descuidados, negativo granulado, abundância de planos-sequência” (2005, p. 48) foram construções utilizadas para valorizar o visual realista das histórias. A contribuição mais significativa da série, no entanto, foi a mudança na estrutura narrativa dos episódios. Ao contar a jornada de mais de dez protagonistas, feito até então inédito para uma série ficcional televisiva, Hill Street Blues introduziu o formato das “narrativas múltiplas entrelaçadas e abertas, com uma complexa galeria de personagens e situações” (MACHADO, 2005, p. 48). A série passou a desenvolver as tramas em uma estrutura narrativa modular (STARLING, 2006) com histórias que recorriam a acontecimentos de episódios anteriores, não eram concluídas em um único segmento narrativo e só seriam retomadas mais tarde na temporada. A estrutura é baseada em dois níveis, nos quais “cada episódio possui uma trama principal completa e uma ou várias tramas secundárias, que serão desenvolvidas ao longo da temporada ou até mesmo ao longo da série” (STARLING, 2006, p. 27). A narrativa modular permite que pequenas nuances tanto da personalidade dos protagonistas quanto da própria história sejam aprofundadas no decorrer da passagem do tempo, de forma menos imediata do que em formatos como o cinema – e é isso que torna as séries mais interessantes e mais complexas. Ao explorar as possibilidades narrativas da estrutura modular, Hill Street Blues inaugurou os ensemble shows, séries com grande número de protagonistas, nas quais o enfoque é desviado de um único personagem para recair sobre todo o grupo de pessoas relacionadas diretamente à história. Séries assim não são guiadas tanto pelo conceito do seriado [chamado formula show, como o programa C.S.I.62 (CBS, 2000-presente)] quanto são conduzidas pelos desdobramentos psicológicos dos protagonistas (character-driven), com atenção especial dada pelos roteiristas aos acontecimentos marcantes e aos padrões de comportamento ao longo da vida das personagens (STARLING, 2006). 62 C.S.I.: Crime Scene Investigation é uma série criminal dramática sobre grupo de cientistas forenses do departamento de polícia da cidade de Las Vegas, em Nevada. O programa já gerou dois spin-offs (séries derivadas): C.S.I.: Miami (CBS, 2002-presente) e C.S.I.: NY (CBS, 2004-presente). C.S.I. é guiada por seu conceito de série investigativa, ou seja, os assassinatos são apresentados e desvendados ao longo de um único episódio, com algumas exceções ao longo das temporadas. Nesse tipo de formato, o desenvolvimento psicológico das personagens ocorre de forma mais gradual do que nas séries definidas como character-driven, já que mais tempo é dedicado para focar nas questões pontuais de cada episódio – como a resolução de um crime, no caso de C.S.I..
  • 46. 46 Desse modo, as personagens passam a ser pessoas com uma história completa, com uma vida marcada por decepções, esperanças, crenças, sofrimento e alegria. A complexidade psicológica da narrativa desperta a identificação do público com os dramas encenados na televisão e alimenta a necessidade humana primordial por histórias que nos relacionem com o resto do universo. Ao analisar as maiores religiões e culturas do mundo, Joseph Campbell identificou uma estrutura comum, o monomito, compartilhado por pessoas de diferentes épocas e origens por meio do qual procuramos “harmonizar nossas vidas com a realidade” (1990, p. 4). Para Campbell, os “mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos” (1990, p. 5). Murray afirma que a narrativa é um dos mecanismos cognitivos primários para a compreensão do mundo. É também um dos modos fundamentais pelos quais construímos comunidades, desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a comunidade global reunida diante do aparelho de televisão. Nós contamos uns aos outros histórias de heroísmo, traição, amor, ódio, perda, triunfo. Nós nos compreendemos mutuamente através dessas histórias, e muitas vezes vivemos ou morremos pela força que elas possuem (MURRAY, 2003, p.9) Ao abordar as narrativas no suporte televisivo, Starling (2006) argumenta que o aprofundamento das questões emocionais e psicológicas das personagens fez com que as séries despontassem como principal meio do espectador analisar e compreender os próprios dramas pessoais. “As séries de TV ocuparam um gigantesco buraco subjetivo deixado aberto pela ficção literária, à medida que as pessoas reduziram seu interesse pela leitura” (STARLING, 2006, p. 39), de modo que “criadores e roteiristas, há pelo menos uma década, terem-nas transformado no mais fiel espelho da sociedade hoje disponível na cultura de massas” (STARLING, 2006, p. 43). É justamente essa complexidade narrativa que as séries começam a amadurecer a partir de Hill Street Blues. Segundo Johnson (2005), o programa iniciou uma espécie de exercício mental para quem assistia a seriados televisivos, ao aumentar a quantidade de trabalho cognitivo necessário para acompanhar as diversas ramificações que a história central tinha desenvolvido. Hoje, mais de vinte anos depois da estreia de Hill Street Blues, o esforço do telespectador não está concentrado apenas em entender a trama, mas também em analisar as informações oferecidas nos episódios e, a partir de suas conclusões, preencher as lacunas que foram deliberadamente deixadas abertas. Para Johnson (2005), o mais surpreendente é que
  • 47. 47 quanto mais as narrativas ficam complexas, mais o público gosta. “Os programas mais exigentes com o público também se revelaram como os mais lucrativos da história da televisão”63 (JOHNSON, 2005, p. 65). Lost é atualmente um dos exemplos mais significativos do engajamento do público em acompanhar e tentar compreender os elementos misteriosos da trama. O movimento da audiência em direção a programas mais complexos também iniciou com Hill Street Blues – a série foi a primeira a atrair o público predominantemente adulto, na faixa dos 18 aos 49 anos. As profundas mudanças técnicas, estéticas e de conteúdo introduzidas pela série deram origem à denominação quality television, termo concedido à M.T.M. Enterprises pelo British Film Institute64 na publicação M.T.M.: Quality Television65 como forma de reconhecimento pela abordagem diferenciada da produtora em programas televisivos, especialmente no seriado policial. De acordo com Machado, depois de Hill Street Blues ser considerada “televisão de qualidade”, o termo “passa (...) a ser uma expressão rapidamente tomada como bandeira para uma abordagem diferenciada na televisão, logo adotada por estudiosos e críticos” (2005, p. 22). O reconhecimento ao trabalho realizado no seriado encorajou a criação de projetos inovadores nas outras emissoras, o que resultou no nível de qualidade que as séries televisivas alcançaram hoje. “Vinte e cinco anos depois do início de Hill Street Blues [...], o gênero de ‘TV de qualidade’ ocupa quase toda a grade. O sucesso de Lost é apenas mais um exemplo disso” (STARLING apud MOREIRA, 2007). A quality television também atraiu diretores renomados do cinema para a televisão, como o cineasta norte-americano David Lynch. Acompanhado de Mark Frost – roteirista de Hill Street Blues –, Lynch criou Twin Peaks (ABC, 1990-1991), série que acompanhava a investigação do agente especial do FBI Dale Cooper sobre o assassinato de uma jovem estudante chamada Laura Palmer, na cidade de Twin 63 The shows that have made the most demands on their audience have also turned out to be among the most lucrative in television history (tradução da autora). 64 O British Film Institute é uma organização criada para promover a compreensão e a apreciação da cultura e da herança televisiva e cinematográfica britânica. O BFI organiza festivais cinematográficos anuais em Londres, apóia iniciativas educacionais na área do cinema, publica revistas, livros e DVDs, mantém salas de cinema e guarda o maior arquivo cinematográfico do mundo, o BFI National Archive, o qual conta com mais de 750 mil obras, entre filmes de ficção, documentários e séries televisivas. Fonte: http://www.bfi.org.uk/about/. Acesso em: 16 dez. 2009. 65 FEUER, Jane; KERR, Paul; VAHIMAGI, Tise (orgs.). M.T.M.: Quality Television. Londres: British Film Institute, 1984.
  • 48. 48 Peaks, no interior do estado de Washington. Assim, iniciou-se “um verdadeiro desenrolar de fatos inusitados e bizarros e acontecimentos fantásticos, que acabam mostrando que todos ali têm algo a esconder” (FERRARAZ, 2007, p. 2). Lynch, responsável por obras polêmicas no cinema, como Veludo Azul (Blue Velvet, 1986) e A Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001), levou a excentricidade de suas obras cinematográficas para a televisão (PEREIRA, 2008), montando em Twin Peaks um “universo instigante, repleto de anormalidade, de perversões e baixos instintos mal dominados” (STARLING, 2006, p. 31) e mobilizando o público com a pergunta “Quem Matou Laura Palmer?”. O sucesso da série foi favorecido por um fenômeno emergente no início da década de 1990, um que revolucionaria o fluxo de informações entre pessoas de todo mundo alguns anos mais tarde, e que também teria imenso impacto na forma de se contar histórias no final do século XX e início do século XXI: a internet. Apenas algumas semanas após a estreia de Twin Peaks na televisão, diversos fãs reuniram-se em comunidades de interesse online para discutir teorias e especular sobre o assassinato de Laura Palmer. A narrativa cercada de mistérios impulsionava os fãs a investigar as referências usadas nos episódios, postar artigos de jornais e de revistas que encontravam sobre a série, gravar os episódios, usando videocassetes, e analisar as cenas quadro a quadro em busca de pistas, e mapear todos os acontecimentos referentes à história em busca de respostas. Uma dessas comunidades, alt.tv.twinpeaks, logo se tornou “uma das maiores e mais ativas listas de discussões do início da internet, atraindo, segundo estimativas, 25 mil leitores (embora um número substancialmente menor de pessoas postasse mensagens)” (JENKINS, 2008, p. 60). Os fãs começavam a descobrir as potencialidades de trabalharem juntos por meio da internet; com cada pessoa contribuindo com um pequeno pedaço de informação, ou com uma nova hipótese, os membros da comunidade tinham mais chances de decifrar o enigma proposto na televisão. Ao final de cada episódio, eles conectavam-se a internet e emitiam opiniões sobre a história da semana, tentavam prever o que aconteceria ao longo da temporada e criavam argumentos cada vez mais elaborados para justificar os acontecimentos da série.
  • 49. 49 Para os fãs que participavam das comunidades de interesse sobre Twin Peaks, a expectativa em torno da resolução do gancho central da história tornou-se grande demais, a ponto de muitas pessoas ficarem decepcionadas com o desfecho da narrativa. O trabalho em conjunto dos membros das comunidades implicou novas exigências por parte do público em relação à complexidade da trama. Munidos com uma memória virtual comum, uma base de dados online onde podiam arquivar toda e qualquer informação sobre o programa, os fãs tinham condições de não só acompanhar a intrincada história, mas também de elaborar teorias conspiratórias mais aprofundadas do que a narrativa que viam desenrolar-se semanalmente na televisão. Já na segunda temporada, a série começou a perder audiência, principalmente devido à insistência da emissora ABC em adiar a revelação do assassino – e, assim, tentar manter o público interessado na história. Frustrado com a falta de respostas, grande parte dos espectadores comuns, aqueles que só assistiam à série pela televisão, abandonou o programa (PORTER e LAVERY, 2007); para os fãs mais engajados, Twin Peaks perdeu o apelo porque se tornou previsível demais. Do ponto de vista dos criadores da série, o comportamento dos fãs era algo até então inédito e, portanto, difícil de corresponder. Eles precisariam explorar novas formas de contar histórias para satisfazer o tipo de consumidor de produtos midiáticos que surgiu com o advento da internet. A televisão, em especial, “teria de se tornar mais sofisticada se não quisesse ficar atrás de seus espectadores mais comprometidos” (JENKINS, 2008, p. 62). Uma alternativa surgiria com a expansão do universo narrativo ficcional a partir da televisão para diversos outros suportes midiáticos, item que será tratado no próximo tópico. 2.2 A TELEVISÃO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A TRANSMIDIALIDADE Enquanto a participação dos fãs em comunidades de interesse aos poucos alterava a forma como eles consumiam os programas de ficção serial televisiva, mudanças significativas começavam a ocorrer no processo de produção de narrativas com a criação de novas estratégias para envolver o público e aprofundar a história,
  • 50. 50 especialmente por meio da internet. Aspectos dessa narrativa desenvolvida em mais de um suporte midiático surgiram primeiro no âmbito cinematográfico, durante a divulgação do filme A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, 1999), fenômeno mundial que já fazia sucesso entre os usuários da rede mundial de computadores um ano antes de ser lançado nos cinemas. O longa- metragem acompanha os últimos cinco dias de vida de três estudantes universitários que desapareceram depois de entrar na floresta de Burkittsville, no estado norte- americano de Maryland, na tentativa de gravar um documentário sobre a bruxa que supostamente vivia no local. Um ano depois do desaparecimento dos jovens, as imagens gravadas por eles na floresta foram encontradas. Apesar de ser uma obra ficcional, o filme foi editado no estilo de um documentário criado a partir das filmagens dos estudantes. O site de divulgação66 do filme foi elaborado para alimentar ainda mais a atmosfera de realidade em torno da Bruxa de Blair: uma linha do tempo demarca os principais eventos na história da lenda, de 1875 a 1997, data em que as imagens gravadas na floresta teriam sido entregues à produtora Haxan Films para serem transformadas em filme. Sessões da página disponibilizam trechos das filmagens e, como ilustra a figura 7, gravações em áudio e fotografias dos três universitários, das investigações policiais e dos itens que supostamente haviam sido encontrados pela polícia na floresta – entre eles, um diário de Heather, diretora do documentário sobre a Bruxa de Blair, com anotações sobre os últimos dias de vida dos jovens. 66 http://www.blairwitch.com/. Acesso em: 16 dez. 2009.