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Uso de Normas Técnicas pelo Governo
José Augusto A.K. Pinto de Abreu (Sócio-Diretor da Sextante Ltda.) &
Guilherme A.Witte Cruz Machado (Líder de Projetos da Sextante Ltda.)
Introdução Os governos implementam políticas públicas para atingir uma série de
objetivos: assegurar um mercado justo e competitivo, proteger a saúde e
garantir a segurança dos cidadãos, estimular a inovação e preservar o
ambiente natural, dentre outros.
Ao executar as políticas públicas e responder às expectativas dos cidadãos,
os governos esforçam-se para fazer o melhor possível, procurando utilizar
os mecanismos adequados para realizar a missão de que são incumbidos,
maximizando os benefícios e minimizando os efeitos negativos.
Neste contexto, a normalização aparece como um valioso instrumento de
caráter técnico, potencialmente orientador e balizador para diversas ações
governamentais nas esferas federal, estadual e municipal.
A normalização pode ser definida, em termos tecnológicos, como o
processo que busca traduzir as expectativas de diversas partes interessadas,
em relação a um produto, serviço, processo, sistemas de gestão,
competência de pessoas, etc., utilizando a linguagem da tecnologia e
baseando-se na experiência e na ciência.
Por sua vez, a norma técnica, fruto do processo de normalização, pode ser
descrita como um documento elaborado por um organismo de
normalização reconhecido pelo Estado, tendo como base o consenso, de
uso voluntário, que estabelece requisitos de qualidade, de desempenho, de
segurança, procedimentos, formas, dimensões, classificações ou
terminologias e glossários.
Generalizadamente utilizada pelo setor privado, a normalização é um
elemento crucial para as relações econômicas, contribuindo para uma
melhor convergência técnica nas trocas comerciais, facilitando o acesso a
novos mercados (internos e externos), melhorando a qualidade e a
segurança dos produtos e serviços, divulgando conhecimentos e tecnologia,
e melhorando as boas práticas comerciais.
No que diz respeito aos governos, a normalização apresenta uma gama de
oportunidades para a melhor governança das políticas públicas, podendo
ser utilizada em diversos momentos e formas.
Alguns exemplos comuns da utilização da normalização e das normas
técnicas pelo governo: como critério de compras governamentais de
produtos e serviços, como balizamento para a obtenção de financiamento
2. Uso de Normas Técnicas pelo Governo 2/8
público pelas empresas, como instrumento de suporte à regulamentação
técnica, como fundamentação técnica para a desregulamentação, como
ferramenta de auto-regulação de setores econômicos, como infraestrutura
tecnológica para o desenvolvimento de políticas públicas junto a setores
econômicos (neste caso, a própria elaboração das normas é uma das ações
de política pública), como referência e registro tecnológicos para as ações
governamentais de fomento à inovação, etc.
Ao se utilizar a normalização e as normas técnicas como uma das bases
técnicas para as situações citadas acima, é importante que o Governo se
assegure que estes instrumentos aportam as soluções apropriadas para
atender às finalidades das políticas públicas, ou seja, em virtude das
circunstâncias do problema que se pretende resolver (ou prevenir), se
assegure que o processo de normalização e a utilização das normas técnicas
são os mecanismos mais adequados
O Sistema
Brasileiro de
Normalização
No Brasil, o Sistema Brasileiro de Normalização - SBN é o subsistema
destinado ao desenvolvimento e coordenação das atividades de
normalização no País no âmbito do Sinmetro – o Sistema Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. O Inmetro – Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial é o seu órgão
executivo. Informações sobre o Sinmetro podem ser obtidas no sítio
www.inmetro.gov.br/inmetro/sinmetro.asp.
A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas exerce a função de
organismo nacional de normalização, seguindo as boas práticas
internacionais descritas nos guias e normas internacionais para o tema.
Informações sobre a ABNT podem ser obtidas no sítio www.abnt.org.br.
O órgão de política do SBN é o CBN – Comitê Brasileiro de Nomalização,
órgão assessor do Conmetro, tendo como função a proposição das políticas
e diretrizes de normalização ao Conmetro e o estabelecimento da
Estratégia Brasileira de Normalização que contém as principais diretrizes
estratégicas para o desenvolvimento e consolidação da normalização no
país. Informações sobre o CBN podem ser obtidas no sítio
www.inmetro.gov.br/qualidade/comites/cbn.asp
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O processo de
Normalização
Tipicamente, o processo de normalização tem 4 etapas: planejamento,
elaboração, aprovação e publicação.
Na etapa de planejamento é realizada a identificação e qualificação das
demandas, a caracterização dos temas a serem abordados, o
estabelecimento de prioridades e o estabelecimento de um plano de
normalização de acordo com a vontade da sociedade.
A etapa de elaboração é quando os textos são desenvolvidos. Nesta etapa
procura-se assegurar que os projetos de norma: atendem às necessidades
identificadas na fase de planejamento; apresentam soluções aceitáveis para
todas as partes interessadas; apresentam soluções técnicas consistentes; e
constituem-se em uma base efetiva para o desenvolvimento tecnológico do
setor.
Na etapa de aprovação, o texto proposto se converte formalmente numa
norma técnica. Usualmente envolve uma consulta mais ampla a um público
que não participou do desenvolvimento do projeto de norma, de modo a que
se possa assegurar que houve oportunidade para conhecimento e apreciação
pelos interessados.
Na etapa de publicação a norma é disponibilizada para a sociedade.
Note-se que a participação dos agentes públicos no processo de
normalização é recomendável, principalmente quando as normas são usadas
como uma das formas de fornecer a base técnica para a regulamentação
técnica (ou desregulamentação) ou como fundamentação para uma auto-
regulação ou infra-estrutura tecnológica para um setor econômico.
Mesmo que não participe ativamente da elaboração das normas, é altamente
recomendável que o agente público acompanhe o desenvolvimento e a
manutenção destas
Os níveis de
normalização
A atividade de normalização é desenvolvida em diversos níveis, relacionados
com a abrangência da sua aplicação e da participação no seu
desenvolvimento. Neste sentido, a normalização e as normas técnicas podem
ser classificadas como internacionais, regionais ou nacionais.
As normas internacionais são aquelas desenvolvidas por organismos
internacionais de normalização, que são aqueles abertos à participação de
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todos os países. São as normas da ISO – Organização Internacional para a
Normalização e da IEC – Comitê Eletrotécnico Internacional os exemplos mais
conhecidos de normas internacionais, mas podem se mencionar ainda as
normas da ITU – União Internacional de Telecomunicações, ou do Comitê do
Codex Alimentarius, que é um comitê conjunto da Organização Mundial da
Saúde e da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação,
dentre outras. Informações sobre a ISO e a IEC podem ser obtidas através dos
sítios www.iso.org e www.iec.ch, respectivamente.
As normas regionais são aquelas desenvolvidas no âmbito dos organismos
regionais de normalização. Normalmente, esses organismos regionais estão
vinculados a uma área geográfica. As normas da AMN – Associação Mercosul
de Normalização (países do Mercosul) e da Copant – Comissão Panamericana
de Normas Técnicas (países das Américas) são exemplos de normas regionais
com participação brasileira. Informações sobre a AMN e a Copant podem ser
obtidas através dos sítios www.amn.org.br e www.copant.org,
respectivamente.
As normas nacionais são aquelas produzidas pelos organismos nacionais de
normalização. Normalmente, cada país possui somente um organismo de
normalização com o reconhecimento oficial do Governo. As normas
elaboradas pelos organismos nacionais de normalização dos outros países
são denominadas normas estrangeiras.
Tanto na normalização internacional quanto na normalização regional os
representantes dos países nos organismos internacionais e regionais de
normalização são os organismos nacionais de normalização.
O Brasil, por meio da ABNT, participa ativamente dos organismos
internacionais e regionais de normalização citados.
A codificação quando uma norma internacional, ISO ou IEC, é adotada como
norma brasileira é ABNT NBR ISO ou ABNT NBR IEC, respectivamente, sendo
que o número da norma permanece inalterado (ex. norma internacional ISO
9001 adotada como norma brasileira recebe a codificação ABNT NBR ISO
9001). A adoção de normas regionais como normas brasileiras segue a mesma
lógica de codificação.
Em certos campos, como no caso da regulamentação técnica de produtos, é
recomendável que o Governo utilize como referência as normas
internacionais devido às obrigações estabelecidas em acordos internacionais,
regionais, multilaterais ou bilaterais de que o país é signatário.
De uma maneira geral, a fim de se evitar efeitos distorcidos no comércio e na
competição, é recomendável que se promova, sempre que possível, o uso das
normas internacionais e sua adoção como norma nacional.
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Evidentemente, na seleção das normas técnicas a utilizar é fundamental o
agente público assegurar-se que as normas escolhidas fornecem a base
técnica adequada considerada necessária.
A ordem de preferência para o uso das normas técnicas é utilização de
normas internacionais, utilização das normas regionais (dos organismos de
que o Brasil faz parte), seguidas das normas brasileiras (publicadas pela
ABNT), e, por fim, a utilização de normas estrangeiras.
No caso de utilização de normas internacionais ou regionais, é recomendável
que estas normas sejam adotadas como normas nacionais. Esta iniciativa cabe
à ABNT com o apoio dos agentes públicos que vão adotá-las.
Por vezes, o conteúdo de normas estrangeiras (isto é, normas nacionais de
terceiros países) pode atender às necessidades do agente público e ser
utilizado como suporte a uma política pública. Contudo, convém reconhecer
que a capacidade de participação e, conseqüentemente, de interferir no
conteúdo das normas estrangeiras é bastante limitado ou mesmo inexistente.
Neste sentido, é conveniente elaborar as normas brasileiras equivalentes
tendo como textos-base o conteúdo das normas estrangeiras. Desta forma o
conteúdo técnico do interesse do agente público fica disponível para a
sociedade brasileira e a gestão da sua evolução passa a ser nacional, isto é,
qualquer revisão da norma passa a ser feita no Brasil de acordo com os
interesses das partes interessadas nacionais.
Existem ainda outros dois níveis de normalização, mas que não devem ser
usadas em apoio à legislação. Trata-se das normas de empresa, ou seja
normas estabelecidas por uma empresa para controlar os seus processos e
atividades, e as normas setoriais, que são normas adotadas por entidades
setoriais ou não-governamentais mas que não fazem parte dos sistemas
institucionais de normalização e, portanto, não são formalmente
reconhecidas pelo Estado. De maneira semelhante às normas estrangeiras,
pela sua própria natureza, o agente público e as demais partes interessadas
não tem assegurada a possibilidade de participação e de influenciar no seu
conteúdo
O uso das normas
técnicas
Partindo do princípio de que é adequado o uso das normas técnicas em apoio
à regulamentação técnica, existem basicamente duas maneiras distintas de
fazê-lo: referência às normas e incorporação parcial das normas
A forma mais simples de utilizar as normas técnicas como base para as
políticas públicas é fazer-se referência à norma (ou normas) que se pretende
6. Uso de Normas Técnicas pelo Governo 6/8
utilizar. Por este meio, fica estabelecido um vínculo objetivo com o conteúdo
da norma, passando este a ser uma referência técnica para a ação
governamental.
Há duas maneiras de fazer referências às normas técnicas:
pode ser feita referência à norma técnica integralmente (por exemplo,
o produto deve atender aos requisitos da norma ABNT NBR XXXX).
Neste caso entende-se que a norma se aplica integralmente, sem
nenhuma exceção dos seus requisitos;
pode ser feita referência a partes ou itens da norma (por exemplo, “os
dispositivos do motor devem atender aos requisitos do item 3.2.5 da
norma ABNT NBR XXYY”, ou ainda, “os mancais devem ser ensaiados
segundo a norma ABNT NBR ISO XYYZ”). Neste caso, requer-se o
atendimento unicamente aos requisitos mencionados.
No que se refere à versão da norma em vigor, há também duas
possibilidades:
referências datadas. Neste caso, a data de publicação da norma deve
constar da referência (normalmente isto é feito acrescentando-se o
ano ao número da norma, por exemplo, ABNT NBR 15285:2006) e
significa que, mesmo que tenha sido publicada uma versão mais
recente da norma, os requisitos estabelecidos na versão referenciada
é que devem ser atendidos. Esta solução é adotada quando há a
preocupação de que revisões futuras da norma possam alterar de
maneira crítica os requisitos técnicos estabelecidos na norma utilizada
como base técnica. Há que se levar em conta a necessidade de se
manter a disponibilidade e o acesso às normas originais e que
continuam constituindo parâmetros vigentes. Em contrapartida, esta
maneira de fazer referências às normas pode resultar em potenciais
confusões no momento da implementação, especialmente quando as
normas técnicas são revisadas. Por esta razão, recomenda-se cuidado
no uso desta alternativa.
referências não datadas. Neste caso, não é feita referência à data de
publicação da norma (por exemplo, ABNT NBR 15285), significando
que a revisão em vigor é que deve ser utilizada. Desta maneira, há a
possibilidade de se manter a atualidade tecnológica, o que
potencializa a perenidade da ação governamental e previne-se que se
converta num obstáculo ao comércio involuntariamente.
Outra maneira de se utilizar normas técnicas como base técnica para políticas
públicas é a sua incorporação no próprio corpo do documento de referência
da ação governamental, transcrevendo trechos da norma.
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As normas voluntárias podem conter requisitos relacionados com aspectos
que não são essenciais para o atendimento dos objetivos da ação
governamental que as referencia. Assim, neste caso, somente as partes da
norma que representam o mínimo necessário para atender a estes objetivos
devem ser incorporadas.
Entretanto, convém que se tomem cuidados para acompanhar a evolução das
normas voluntárias para se prevenir eventuais defasagens tecnológicas e
confusão no mercado.
Outro fator importante diz respeito à não gratuidade das normas técnicas.
Estas, de uma maneira geral, necessitam ser adquiridas pelos usuários. Este
fato pode, potencialmente, prejudicar o seu uso pelo Governo. Várias
medidas podem ser tomadas para ultrapassar essa dificuldade. Uma delas é o
agente público efetuar um acordo com o organismo de normalização
nacional, detentor dos direitos sobre a norma, para a sua disponibilização
gratuita
Exemplos – uso da
normalização e
das normas
técnicas pelo
Governo
Programa Aventura Segura
A estruturação e o desenvolvimento do segmento de turismo de aventura
no Brasil tiveram como fundamentação técnica a elaboração de um
conjunto de normas técnicas com foco na segurança.
Esforços de capacitação, formalização e promoção da competitividade do
setor tiveram como base as normas técnicas desenvolvidas. O setor
mudou completamente de contexto e patamar de desenvolvimento.
Todo o processo de normalização foi apoiado e financiado pelo Ministério
do Turismo – MTur. As normas técnicas ligadas ao turismo de aventura,
estão disponibilizadas, de forma gratuita, no sítio da ABNT
www.abnt.org.br, fruto de um convênio celebrado entre MTur e ABNT.
Informações sobre o Programa Aventura Segura podem ser obtidas na
página http://www.abeta.com.br/aventura-segura/.
TV Digital
A implementação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre –
SBTVD-T, estabelecido pelo Decreto 5.820/2006 da Presidência da
República, está fundamentado tecnicamente em um conjunto de 13
normas técnicas elaboradas e publicadas pela ABNT em convênio com o
Ministério das Comunicações. As normas estão disponíveis gratuitamente
no sítio da ABNT www.abnt.org.br.
8. Uso de Normas Técnicas pelo Governo 8/8
Acessibilidade
A Secretaria Especial de Direitos Humanos, através da Coordenadoria
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde,
utiliza as normas técnicas elaboradas e publicadas pela ABNT, vinculadas
ao tema Acessibilidade, como instrumento técnico para o
estabelecimento de políticas públicas de inclusão social das pessoas com
deficiência. As normas estão disponibilizadas gratuitamente no sítio da
Corde http://www.mj.gov.br/corde/.
PBQP-H
O PBQP-H, Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat, é
um instrumento do Governo Federal que tem como meta organizar o
setor da construção civil em torno de duas questões principais: a melhoria
da qualidade do habitat e a modernização produtiva. Uma das bases
técnicas do Programa é a adoção das normas técnicas para o setor de
construção civil publicadas pela ABNT, tanto para empresas construtoras
quanto para os produtos utilizados. Informações sobre o PBQP-H
http://www2.cidades.gov.br/pbqp-h/index.php.
Segurança de Brinquedos
A regulamentação técnica de segurança de brinquedos emitida pelo
Inmetro utiliza os requisitos da norma ABNT NBR NM 300, de forma
integral, para estabelecer as condições técnicas que os brinquedos
comercializados em todo o território nacional devem atender de forma
compulsória. Informações sobre a regulamentação de brinquedos
http://www.inmetro.gov.br/legislacao/.
Cartão BNDES
O BNDES estabelece como critério técnico de credenciamento de
fornecedores de materiais para construção civil no Portal de Operações
do Cartão BNDES a comprovação de atendimento às normas técnicas
publicadas pela ABNT para o setor. Informações sobre o Cartão BNDES
www.cartaobndes.gov.br
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