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ELABORADA POR BIBLIOTECÁRIAJANAINA RAMOS – CRB-8/9166
C732
Comer é um ato político: antologia poética / Jéssica Iancoski
(Organizadora); Adriano Besen, Afonso Guerra-Baião, Alberto
Arecchi, et al. – Curitiba: Eu-i, 2022.
80 p.; 14 X 21 cm
ISBN 978-65-81362-21-8
1. Poesia. 2. Alimentação. 3. Fome. 4. Comida. 5. Literatura
brasileira. I. Iancoski, Jéssica (Organizadora). II. Besen,
Adriano. III. Guerra-Baião, Afonso. IV. Arecchi, Alberto. V.
Título.
CDD 869.91
Índice para catálogo sistemático
I. Poesia : Literatura brasileira
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Alline Rodrigues
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André Eitti Ogawa
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na mira, alguns javaporcos
+
iguais que os porcos
+ não rendem boas feijoadas
ainda assim, assados, alimentam
nus
o prazer de enfiar
bem fundo
na lama
até o talo
a faca no fígado
i
ver sangrar dali o relincho de medo
ou o banho de ódio
nutre
ativo
o
desejo de vingança
já não porcos
já não parvos
já poucos
gritando sufocados
…
eviscerados pela
mudança
ensopados pela
segurança néscia
anal
GÉSSICA MARIA MENINO
A FOME
Como Carolina Maria de Jesus,
Consternada com a angústia e a miséria em seus dias de
Combate a fome. Nós ainda hoje infelizmente também
Combatemos essa querela.
Com o escudo no lado esquerdo e a espada,
Com sua prata reluzente na mão direita. Lutamos.
Com o rair do sol, e a brisa carregada pelo vento,
Continuamos mais uma jornada de incógnitas e superações.
Como uma - Joana d’Arc - , em terras brasileiras. Lutamos.
Com o alto preço do óleo, do feijão, do arroz, dos itens básicos,
Continuamos na luta da sobrevivência. Ao encontro da esperança, a
Caixa de Pandora. A curiosidade humana.
Corpo e suas exigências de matar a fome.
Confutando o lixo com o resgate de sobras,
Como ato político e de sobrevivência.
Comuniquemos talvez o noticiário.
Confusão, algazarra, gritos, protestos.
Conseguimos chamar a atenção para a nossa situação?!
Cadê os políticos nessa contestação?
Continuemos, pois, a Fome, é quem manda!
PRE
FÁ
CIO
ATO BANAL, NECESSIDADE BÁSICA,
PRAZER, PECADO, ISSO É COMER.
TEM A VER COM MANUTENÇÃO
DA VIDA - MESMO QUE TENTEM
(E TENTAM) - NINGUÉM VIVE (NEM
SOBREVIVE) SEM COMER. MAS TEM
A VER TAMBÉM COM A MORTE. PELO
EXCESSO OU PELA FALTA MORRE-SE,
MATA-SE, E TAMBÉM SE DOMINA O
OUTRO, O POBRE, O FAMINTO.
OFAMINTODOBRAOLOMBOAOSEU
ALGOZ, MAS TAMBÉM TRANSGRIDE
- O LADRÃO DE COMIDA É UM
FORA-DA-LEI – MAS TRANSGRIDE-
SE TAMBÉM PELO PRAZER, PELO
EXCESSO. QUANDO EM EXCESSO,
O COMER É PECADO, E PECADO
CAPITAL, PAI DE OUTROS VÍCIOS E
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COMER PODE, MAS SEM EXAGEROS.
COMIDA É CONTRADIÇÃO.
COMIDA É DOMINAÇÃO. HÁ UMA
INDÚSTRIA QUE NOS DIZ O QUE
COMER, QUE SUTILMENTE OU
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A COMER O QUE INTERESSA AOS
DONOS DO PODER, FAZENDO
COM QUE SE DEIXE PARA TRÁS
AS DIFERENTES PRÁTICAS DO
COMER DOS POVOS. A COMPLEXA
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RESUMINDO A UM COMBO DE
HAMBURGER E BATATAS FRITAS PARA
MUITOS E ÀS IGUARIAS.
GOURMETS, CHEIROSAS E
SABOROSAS, PARA POUCOS, MAS
TAMBÉM ELAS OBEDECEM AOS
CÂNONES DO MERCADO. COMIDA É
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ROZANA GASTALDI COMINAL
SÍNDROME DA POLÍTICA IRRITÁVEL
Enquanto seu lobo não vem,
as covas ardem
o olho do tigre tange sua presa na noite
e me perco no vazio da cadeia alimentar
O que é palatável?
Dignidade
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arroz e feijão na mesa
diversidade
leitura de um mundo sustentável
O que é indigesto?
Fome
disputa por carcaça
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miséria
putrefação da dignidade humana
Nosso inimigo é o homem predador
somos presas fáceis
nessa luta desigual
na imundície do pátio da corrupção
Não, não, não desisto
bate em meu peito o instinto de sobrevivência
e solto o último suspiro:
— Eles não vão nos devorar!
COMIDA É ÉTICA, ESCOLHAS, CERTO,
ERRADO, OU OS DOIS JUNTOS.
MEDIADO PELAS SUAS CRENÇAS,
O COMEDOR É UM JULGADOR.
KOSHER? CARNÍVORO? VEGANO?
HINDUÍSTA? ADVENTISTA? COMER
É RELIGIÃO E COMO TAL PRODUZ
INTERDIÇÕES, “O QUE COME NÃO
DESPREZE O QUE NÃO COME; E
O QUE NÃO COME, NÃO JULGUE
O QUE COME; PORQUE DEUS O
RECEBEU POR SEU.”(ROMANOS 14:3)
COMIDA É ENCONTRO,
SOCIABILIDADE, EXPERIÊNCIA
SOCIAL. PLATÃO NOS DELEITA COM
UM BANQUETE, E NELE TRAZ AS
REGRAS DO AMOR, DA AMIZADE,
DO COMPANHEIRISMO. A COMIDA
INSERE O SUJEITO NA COMUNIDADE
COM A TRANSMISSÃO DE MODOS
DE SER, DE COMPORTAR. COMIDA É
DISCURSO PÚBLICO, E, PORTANTO,
POLÍTICA.
COMIDA EXPANDE HORIZONTES.
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CARREGARAMOSCHEIROSESABORES
DAS ESPECIARIAS PARA UM OCIDENTE
INSÍPIDO. VIAJA-SE PARA COMER,
VIAJA-SE COMENDO. A EXPLORAÇÃO
DE CHEIROS E SABORES ESTIMULA
A IMAGINAÇÃO, EXCITA, DESPERTA,
E, POR MAIS QUE OS ESPECIALISTAS
TENTAM TRANSFORMAR A COMIDA
EM NUTRIENTE, ELA SERÁ SEMPRE A
VELHA E BOA COMIDA, ATIÇADORA
DE SENTIDOS. COMIDA É ESTÉTICA, É
BELEZA, É POESIA.
ESTÃO SERVIDOS?
NEUZI
BARBARINI
VIVIANE CABRERA
ABOMINAÇÃO
Dia desses no noticiário
Um acontecimento arbitrário
Lesou as retinas cansadas do meu coração.
Pessoas desesperadas revirando o lixão
Em busca de um resto de alimento
Que pudesse vir a ser sustento
Nos lares devastados
Pelo desemprego e fome acentuados,
Causados por uma política que visa à supremacia,
Que quer praticar a eugenia,
Exterminando os negros, pobres e miseráveis
Para que os ricos mantenham seus privilégios inalienáveis.
As retinas cansadas do meu coração
Gritam alto contra essa abominação.
Pretendem-se cristãos
Mas é ao diabo que rendem devoção
Ao espalhar destruição ao bem que estava consolidado.
Pró-família dizem ser.
No entanto, seu proceder
Fora dos holofotes
Constitui-se por pacotes
De maldades e vilania,
Tão imbuído de demagogia
Que a revolta suscita,
A indignação incita
No povo já cansado
De dizer amém ao ser explorado.
JÉSSICA IANCOSKI
DEMOCRACIA ROÍDA
o cachorro
roendo o osso
estendido ao sol
coça o siso
dourando ao léu
seus olhos franzidos
de prazer
como fazem os homens
sem rostos sob o véu
que se sentam à mesa
roendo a carne
do pobre animal vil
inciso incestuoso
a agonia chamada
democracia
IAN ANDERSON GOMES DIAS
O CASO DA FILA
Mãe, tenho fome.
Eu sei minha filha, continue na fila.
Mãe, que fila é essa? Onde ela leva?
Ela leva à comida, minha filha.
Mas porque há tanta gente na nossa frente?
Todo mundo tem de comer, minha filha.
Mas que cheiro é esse? Tudo aqui fede como aquela vez no lixão.
É o cheiro do caminhão que passou.
E o que havia no caminhão?
Comida, minha filha.
E é essa comida que vamos comer, mãe?
Se tivermos sorte.
Quem nos dá essa comida é maldoso de nos fazer esperar no sol.
Ninguém nos dá nada, minha filha.
Como assim, mãe?
Nós queremos comer e por isso temos de pagar.
Mãe, que é aquele negócio branco?
Qual, minha filha?
Aquele que o homem leva abraçado e não deixa ninguém ver,
[feito um tesouro.
Aquilo é osso, minha filha.
Mas porque ele quer um osso, mãe?
Para comer.
Mas osso é duro, mãe. Não dá para comer.
Dá. Tem de dar.
E todos aqui vem pegar osso também?
Todos vem, nem todos vão.
Que quer dizer, mãe?
Cala-te que já chega nossa vez e não deves incomodar
[o moço que vende o osso.
SABRINA GESSER
RESTOS DE ESPERANÇA
Chafurdam no lixo
em busca de alimento
Esperam na fila
por um saco de ossos
na fila esperam
Esperam quase-mortos
reviram seu lixo
comem seus ossos
Não há alimento digno
que satisfaça o irmão?
a não ser um saco
de humilhação?
E a vida continua
num país de iludidos...
A cegueira vem da Fome?
ou da Sede
pelo Poder Maldito?
Viva está
A Economia!
E eles lá, esperam
Até a morte, esperam
Por esperança, esperam
na fila, no lixo
no corpo cansado de fome
por um almoço
por uma janta
por restos
Esperam
VALESKA MAGALHAES
LUTA
a quem tem fome
não peça que tenha calma
na hierarquia das necessidades humanas
Maslow ilustra, intencionalmente ou não, um trauma
uma luta brutal onde só passa para a próxima fase
quem supera com destreza os desafios que encontra na base
ainda que no alicerce piramidal estejam o primário, o fisiológico,
aquilo que deveria ser um direito de todos e não o é,
não são poucos os que lutam desprovidos do essencial,
mas só quem supera todos os estágios nesse duelo chega ao topo
para encontrar a estima, o reconhecimento, a autorrealização,
e no processo consegue ter segurança e experimenta o prazer de pertencer,
conceitos abstratos e inatingível para quem sofre de inanição
porém, esse é um direito garantido ao lutador privilegiado
e há quem julgue o coitado, o indivíduo sem sobrenome,
com sede de sustento e esperança, como um adversário igual,
sem garra e motivação para alcançar o patamar mais elevado,
sem nunca ter entendido a regra que diz que quem tem fome tem pressa
pois nunca precisou sentir na pele o peso que se impõe com a verdade essa
que estabelece que primeiro o alimento precisa saciar a fome do corpo
para que brote o desejo de lutar para alimentar os anseios da alma.
LUA PINKHASOVNA
A FOME TEM ENDEREÇO
Engana-se quem pensa que a fome nasce na boca, nos estômagos ou
na mente,
alguns intuem, quase certeiros, que a mesma nasce nas calçadas de
terra, nos casebres, descendo vielas, favelas, até mesmo nas encostas
de morros, mas ela nasce mesmo é nos dedos
Nos subúrbios dos vácuos estomacais, constringem-se as dores da
miséria,
cravadas em quem leva a vida repetindo diariamente aos filhos em
meio ao afago das mãos um lastimável e doloroso: — dorme que
passa! — ao urgir da fome,
sendo palavras suficientes apenas para encher os ouvidos mas jamais
abrandar a dor do jejum imposto
Os campos abarrotados gritam, dizendo não serem culpados e que
seus solos são ricos e generosos, pois não lhes contaram o trajeto
percorrido por cada um de seus alimentos
que chega majoritariamente apenas a quem já possui o estômago
com tecidos irrompendo, e as sobras de ossos, jogadas ao lixo, com
um fiapo de pele, gordura grudada, sem um resquício de carne,
tornam-se comida, quase tão mais viva, que os corpos que as
recolhem
Nas mãos portando canetas, a fome passa pelas unhas, circunda as
páginas inertes, e mesmo assim rasura vidas deixadas à própria sorte
por quem tem na ponta dos dedos
as arestas para construir o mundo, mas empanzinado de si mesmo,
arquiteta milimetricamente castelos ególatras e distantes pontes
intransponíveis
mesmo tendo o poder de mudar o mundo, destina a fome a algum
endereço
Desvelando assim, o segredo de que a miséria é a maior fonte de
enriquecimento
e a fome é negócio, hegemonia, eugenia, preguiça, descaso, sadismo,
descompasso social cientificamente pensado por quem prospera no
caos
Enquanto eu sigo tecendo poesias, para almas alimentar, nos mais
altos escalões soberbos há inúmeros empanturrados sem nunca atingir
a saciedade moral de entender que em muitas casas, o prato vazio é o
principal.
LARA KADOCSA
VAMOS DEVORAR A CIDADE
vamos devorar a cidade
cortar o podre fora
digerir o que sobra
engolir as ruas
retomar o que é nosso
defecar o que não presta
comer beber transar
ser o que se é
fazer o que nos resta
LEANDRO EMANUEL PEREIRA
O TRAJE DOS ASSOBERBADOS
Um povo faminto;
Não pode pensar;
Perdido num labirinto;
Sem rumo para trilhar...
Sem pão, sem sonhos;
O curso da vida é rotineiro;
Uma dúzia de filhos;
Ao invés de uma casa, um chiqueiro...
O tempo adornará a falta de sorte;
Com eventos que casam pela insolência;
Ou simples desnorte;
A injustiça não entra em falência...
Uma sociedade de alienados;
Não questiona a infâmia;
Veste o traje dos assoberbados;
Afronta a vida sadia...
KARLA (CARLA FONTOURA)
A FOME DE ONTEM
A mente não sabe pra onde ir
Abriu aqui a fome e nada entrou na sua
Parece que sempre vou ficar aqui esperando a sua acabar.
Mais duas garfadas e a culpa desce à seco
Seu desespero me faz tonta.
Não dou conta de seguir como se nada fosse
O tempo me engana e de repente a gente se ajusta
Se acostuma de forma boba
Porque o buraco não diminuiu
Pra você
Eu só não enxergo(?) mais.
FLAVIA FERRARI
FRATURA
Para quem tem fome
As palavras são mais longas
O dia tem mais horas
O cansaço não deixa dormir
A paisagem é desfocada
Para quem tem fome
Nenhuma fé sustenta a oração
Quem dera fosse flor
Ser humano tem nome
Pensamento
Navio de cruzeiro
Fotografia na parede
Cartório com letreiro
Livro com dedicatória
Só não tem jeito
AFONSO GUERRA-BAIÃO
UM PRATO DE COMIDA
Um prato de comida põe beleza
na mesa de quem tem a mesa posta;
um prato de comida enche os olhos
de quem tem olhos rasos pela falta
de um marmitex que já não dá sopa;
um prato de comida serve o sonho
de um prato feito no olhar desfeito
de quem passa fome.
Um prato de comida mata a fome.
ATENÇÃO
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  • 1. LIVRO GRATUITO EM PDF LEIA MAIS. LEIA AUTORES VIVOS. ´A N T O LOGIA POÉTICA @tomaaíumpoema PO LÍTI CO
  • 2. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO ELABORADA POR BIBLIOTECÁRIAJANAINA RAMOS – CRB-8/9166 C732 Comer é um ato político: antologia poética / Jéssica Iancoski (Organizadora); Adriano Besen, Afonso Guerra-Baião, Alberto Arecchi, et al. – Curitiba: Eu-i, 2022. 80 p.; 14 X 21 cm ISBN 978-65-81362-21-8 1. Poesia. 2. Alimentação. 3. Fome. 4. Comida. 5. Literatura brasileira. I. Iancoski, Jéssica (Organizadora). II. Besen, Adriano. III. Guerra-Baião, Afonso. IV. Arecchi, Alberto. V. Título. CDD 869.91 Índice para catálogo sistemático I. Poesia : Literatura brasileira OUTROS AUTORES Albinno Oliveira Grecco Alex Sandro Silva de Oliveira Alline Rodrigues Alvaro Tallarico Ana Luzia Oliveira André Eitti Ogawa André Machado de Azevedo Angela Dondoni Bruno Bucis Carolina Freitas Cezar Dias Denis Scaramussa Pereira Diane Ruedo Emily Lima Bispo Bomfim Flavia Ferrari Flávio Theodósio Junkes Gescélio Felipe Coutinho Géssica Maria Menino Guilherme Fischer Gustavo Anjos Hilda Palhares Ian Anderson Gomes Dias Jarbas Santos Jeferson Ilha Jéssica Iancoski Joaquim Mattar Karla (Carla Fontoura) Lara Kadocsa Lara Machado Leandro Emanuel Pereira Lua Pinkhasovna Lucas da Costa Manoel Roberto Marcos Pontal Marcus Groza Mariana Imbelloni Mateus Rodrigues Sales Milena França Nayra Menezes Silva Neuzi Barbarini Nirlei Maria Oliveira Olivaldo Júnior Paulo Maurílio Pereira Pedro Luis Renato Franco de Oliveira Rozana Gastaldi Cominal Sabrina Gesser Sammis Reacher Shirley Lima Valdeck Almeida de Jesus Valeska Magalhaes Venâncio Grosso Victor Coimbra Viviane Cabrera BRUNO BUCIS BOCA DE GARFO (W) na mira, alguns javaporcos + iguais que os porcos + não rendem boas feijoadas ainda assim, assados, alimentam nus o prazer de enfiar bem fundo na lama até o talo a faca no fígado i ver sangrar dali o relincho de medo ou o banho de ódio nutre ativo o desejo de vingança já não porcos já não parvos já poucos gritando sufocados … eviscerados pela mudança ensopados pela segurança néscia anal
  • 3. GÉSSICA MARIA MENINO A FOME Como Carolina Maria de Jesus, Consternada com a angústia e a miséria em seus dias de Combate a fome. Nós ainda hoje infelizmente também Combatemos essa querela. Com o escudo no lado esquerdo e a espada, Com sua prata reluzente na mão direita. Lutamos. Com o rair do sol, e a brisa carregada pelo vento, Continuamos mais uma jornada de incógnitas e superações. Como uma - Joana d’Arc - , em terras brasileiras. Lutamos. Com o alto preço do óleo, do feijão, do arroz, dos itens básicos, Continuamos na luta da sobrevivência. Ao encontro da esperança, a Caixa de Pandora. A curiosidade humana. Corpo e suas exigências de matar a fome. Confutando o lixo com o resgate de sobras, Como ato político e de sobrevivência. Comuniquemos talvez o noticiário. Confusão, algazarra, gritos, protestos. Conseguimos chamar a atenção para a nossa situação?! Cadê os políticos nessa contestação? Continuemos, pois, a Fome, é quem manda! PRE FÁ CIO ATO BANAL, NECESSIDADE BÁSICA, PRAZER, PECADO, ISSO É COMER. TEM A VER COM MANUTENÇÃO DA VIDA - MESMO QUE TENTEM (E TENTAM) - NINGUÉM VIVE (NEM SOBREVIVE) SEM COMER. MAS TEM A VER TAMBÉM COM A MORTE. PELO EXCESSO OU PELA FALTA MORRE-SE, MATA-SE, E TAMBÉM SE DOMINA O OUTRO, O POBRE, O FAMINTO. OFAMINTODOBRAOLOMBOAOSEU ALGOZ, MAS TAMBÉM TRANSGRIDE - O LADRÃO DE COMIDA É UM FORA-DA-LEI – MAS TRANSGRIDE- SE TAMBÉM PELO PRAZER, PELO EXCESSO. QUANDO EM EXCESSO, O COMER É PECADO, E PECADO CAPITAL, PAI DE OUTROS VÍCIOS E EXIGE CONTROLE, MODERAÇÃO. COMER PODE, MAS SEM EXAGEROS. COMIDA É CONTRADIÇÃO. COMIDA É DOMINAÇÃO. HÁ UMA INDÚSTRIA QUE NOS DIZ O QUE COMER, QUE SUTILMENTE OU DESCARADAMENTE, NOS INDUZ A COMER O QUE INTERESSA AOS DONOS DO PODER, FAZENDO COM QUE SE DEIXE PARA TRÁS AS DIFERENTES PRÁTICAS DO COMER DOS POVOS. A COMPLEXA LINGUAGEM DO COMER SE RESUMINDO A UM COMBO DE HAMBURGER E BATATAS FRITAS PARA MUITOS E ÀS IGUARIAS. GOURMETS, CHEIROSAS E SABOROSAS, PARA POUCOS, MAS TAMBÉM ELAS OBEDECEM AOS CÂNONES DO MERCADO. COMIDA É MODA.
  • 4. ROZANA GASTALDI COMINAL SÍNDROME DA POLÍTICA IRRITÁVEL Enquanto seu lobo não vem, as covas ardem o olho do tigre tange sua presa na noite e me perco no vazio da cadeia alimentar O que é palatável? Dignidade sustento arroz e feijão na mesa diversidade leitura de um mundo sustentável O que é indigesto? Fome disputa por carcaça tá osso miséria putrefação da dignidade humana Nosso inimigo é o homem predador somos presas fáceis nessa luta desigual na imundície do pátio da corrupção Não, não, não desisto bate em meu peito o instinto de sobrevivência e solto o último suspiro: — Eles não vão nos devorar! COMIDA É ÉTICA, ESCOLHAS, CERTO, ERRADO, OU OS DOIS JUNTOS. MEDIADO PELAS SUAS CRENÇAS, O COMEDOR É UM JULGADOR. KOSHER? CARNÍVORO? VEGANO? HINDUÍSTA? ADVENTISTA? COMER É RELIGIÃO E COMO TAL PRODUZ INTERDIÇÕES, “O QUE COME NÃO DESPREZE O QUE NÃO COME; E O QUE NÃO COME, NÃO JULGUE O QUE COME; PORQUE DEUS O RECEBEU POR SEU.”(ROMANOS 14:3) COMIDA É ENCONTRO, SOCIABILIDADE, EXPERIÊNCIA SOCIAL. PLATÃO NOS DELEITA COM UM BANQUETE, E NELE TRAZ AS REGRAS DO AMOR, DA AMIZADE, DO COMPANHEIRISMO. A COMIDA INSERE O SUJEITO NA COMUNIDADE COM A TRANSMISSÃO DE MODOS DE SER, DE COMPORTAR. COMIDA É DISCURSO PÚBLICO, E, PORTANTO, POLÍTICA. COMIDA EXPANDE HORIZONTES. CRUZADAS E NAVEGAÇÕES CARREGARAMOSCHEIROSESABORES DAS ESPECIARIAS PARA UM OCIDENTE INSÍPIDO. VIAJA-SE PARA COMER, VIAJA-SE COMENDO. A EXPLORAÇÃO DE CHEIROS E SABORES ESTIMULA A IMAGINAÇÃO, EXCITA, DESPERTA, E, POR MAIS QUE OS ESPECIALISTAS TENTAM TRANSFORMAR A COMIDA EM NUTRIENTE, ELA SERÁ SEMPRE A VELHA E BOA COMIDA, ATIÇADORA DE SENTIDOS. COMIDA É ESTÉTICA, É BELEZA, É POESIA. ESTÃO SERVIDOS? NEUZI BARBARINI
  • 5. VIVIANE CABRERA ABOMINAÇÃO Dia desses no noticiário Um acontecimento arbitrário Lesou as retinas cansadas do meu coração. Pessoas desesperadas revirando o lixão Em busca de um resto de alimento Que pudesse vir a ser sustento Nos lares devastados Pelo desemprego e fome acentuados, Causados por uma política que visa à supremacia, Que quer praticar a eugenia, Exterminando os negros, pobres e miseráveis Para que os ricos mantenham seus privilégios inalienáveis. As retinas cansadas do meu coração Gritam alto contra essa abominação. Pretendem-se cristãos Mas é ao diabo que rendem devoção Ao espalhar destruição ao bem que estava consolidado. Pró-família dizem ser. No entanto, seu proceder Fora dos holofotes Constitui-se por pacotes De maldades e vilania, Tão imbuído de demagogia Que a revolta suscita, A indignação incita No povo já cansado De dizer amém ao ser explorado. JÉSSICA IANCOSKI DEMOCRACIA ROÍDA o cachorro roendo o osso estendido ao sol coça o siso dourando ao léu seus olhos franzidos de prazer como fazem os homens sem rostos sob o véu que se sentam à mesa roendo a carne do pobre animal vil inciso incestuoso a agonia chamada democracia
  • 6. IAN ANDERSON GOMES DIAS O CASO DA FILA Mãe, tenho fome. Eu sei minha filha, continue na fila. Mãe, que fila é essa? Onde ela leva? Ela leva à comida, minha filha. Mas porque há tanta gente na nossa frente? Todo mundo tem de comer, minha filha. Mas que cheiro é esse? Tudo aqui fede como aquela vez no lixão. É o cheiro do caminhão que passou. E o que havia no caminhão? Comida, minha filha. E é essa comida que vamos comer, mãe? Se tivermos sorte. Quem nos dá essa comida é maldoso de nos fazer esperar no sol. Ninguém nos dá nada, minha filha. Como assim, mãe? Nós queremos comer e por isso temos de pagar. Mãe, que é aquele negócio branco? Qual, minha filha? Aquele que o homem leva abraçado e não deixa ninguém ver, [feito um tesouro. Aquilo é osso, minha filha. Mas porque ele quer um osso, mãe? Para comer. Mas osso é duro, mãe. Não dá para comer. Dá. Tem de dar. E todos aqui vem pegar osso também? Todos vem, nem todos vão. Que quer dizer, mãe? Cala-te que já chega nossa vez e não deves incomodar [o moço que vende o osso. SABRINA GESSER RESTOS DE ESPERANÇA Chafurdam no lixo em busca de alimento Esperam na fila por um saco de ossos na fila esperam Esperam quase-mortos reviram seu lixo comem seus ossos Não há alimento digno que satisfaça o irmão? a não ser um saco de humilhação? E a vida continua num país de iludidos... A cegueira vem da Fome? ou da Sede pelo Poder Maldito? Viva está A Economia! E eles lá, esperam Até a morte, esperam Por esperança, esperam na fila, no lixo no corpo cansado de fome por um almoço por uma janta por restos Esperam
  • 7. VALESKA MAGALHAES LUTA a quem tem fome não peça que tenha calma na hierarquia das necessidades humanas Maslow ilustra, intencionalmente ou não, um trauma uma luta brutal onde só passa para a próxima fase quem supera com destreza os desafios que encontra na base ainda que no alicerce piramidal estejam o primário, o fisiológico, aquilo que deveria ser um direito de todos e não o é, não são poucos os que lutam desprovidos do essencial, mas só quem supera todos os estágios nesse duelo chega ao topo para encontrar a estima, o reconhecimento, a autorrealização, e no processo consegue ter segurança e experimenta o prazer de pertencer, conceitos abstratos e inatingível para quem sofre de inanição porém, esse é um direito garantido ao lutador privilegiado e há quem julgue o coitado, o indivíduo sem sobrenome, com sede de sustento e esperança, como um adversário igual, sem garra e motivação para alcançar o patamar mais elevado, sem nunca ter entendido a regra que diz que quem tem fome tem pressa pois nunca precisou sentir na pele o peso que se impõe com a verdade essa que estabelece que primeiro o alimento precisa saciar a fome do corpo para que brote o desejo de lutar para alimentar os anseios da alma. LUA PINKHASOVNA A FOME TEM ENDEREÇO Engana-se quem pensa que a fome nasce na boca, nos estômagos ou na mente, alguns intuem, quase certeiros, que a mesma nasce nas calçadas de terra, nos casebres, descendo vielas, favelas, até mesmo nas encostas de morros, mas ela nasce mesmo é nos dedos Nos subúrbios dos vácuos estomacais, constringem-se as dores da miséria, cravadas em quem leva a vida repetindo diariamente aos filhos em meio ao afago das mãos um lastimável e doloroso: — dorme que passa! — ao urgir da fome, sendo palavras suficientes apenas para encher os ouvidos mas jamais abrandar a dor do jejum imposto Os campos abarrotados gritam, dizendo não serem culpados e que seus solos são ricos e generosos, pois não lhes contaram o trajeto percorrido por cada um de seus alimentos que chega majoritariamente apenas a quem já possui o estômago com tecidos irrompendo, e as sobras de ossos, jogadas ao lixo, com um fiapo de pele, gordura grudada, sem um resquício de carne, tornam-se comida, quase tão mais viva, que os corpos que as recolhem Nas mãos portando canetas, a fome passa pelas unhas, circunda as páginas inertes, e mesmo assim rasura vidas deixadas à própria sorte por quem tem na ponta dos dedos as arestas para construir o mundo, mas empanzinado de si mesmo, arquiteta milimetricamente castelos ególatras e distantes pontes intransponíveis
  • 8. mesmo tendo o poder de mudar o mundo, destina a fome a algum endereço Desvelando assim, o segredo de que a miséria é a maior fonte de enriquecimento e a fome é negócio, hegemonia, eugenia, preguiça, descaso, sadismo, descompasso social cientificamente pensado por quem prospera no caos Enquanto eu sigo tecendo poesias, para almas alimentar, nos mais altos escalões soberbos há inúmeros empanturrados sem nunca atingir a saciedade moral de entender que em muitas casas, o prato vazio é o principal. LARA KADOCSA VAMOS DEVORAR A CIDADE vamos devorar a cidade cortar o podre fora digerir o que sobra engolir as ruas retomar o que é nosso defecar o que não presta comer beber transar ser o que se é fazer o que nos resta
  • 9. LEANDRO EMANUEL PEREIRA O TRAJE DOS ASSOBERBADOS Um povo faminto; Não pode pensar; Perdido num labirinto; Sem rumo para trilhar... Sem pão, sem sonhos; O curso da vida é rotineiro; Uma dúzia de filhos; Ao invés de uma casa, um chiqueiro... O tempo adornará a falta de sorte; Com eventos que casam pela insolência; Ou simples desnorte; A injustiça não entra em falência... Uma sociedade de alienados; Não questiona a infâmia; Veste o traje dos assoberbados; Afronta a vida sadia... KARLA (CARLA FONTOURA) A FOME DE ONTEM A mente não sabe pra onde ir Abriu aqui a fome e nada entrou na sua Parece que sempre vou ficar aqui esperando a sua acabar. Mais duas garfadas e a culpa desce à seco Seu desespero me faz tonta. Não dou conta de seguir como se nada fosse O tempo me engana e de repente a gente se ajusta Se acostuma de forma boba Porque o buraco não diminuiu Pra você Eu só não enxergo(?) mais.
  • 10. FLAVIA FERRARI FRATURA Para quem tem fome As palavras são mais longas O dia tem mais horas O cansaço não deixa dormir A paisagem é desfocada Para quem tem fome Nenhuma fé sustenta a oração Quem dera fosse flor Ser humano tem nome Pensamento Navio de cruzeiro Fotografia na parede Cartório com letreiro Livro com dedicatória Só não tem jeito AFONSO GUERRA-BAIÃO UM PRATO DE COMIDA Um prato de comida põe beleza na mesa de quem tem a mesa posta; um prato de comida enche os olhos de quem tem olhos rasos pela falta de um marmitex que já não dá sopa; um prato de comida serve o sonho de um prato feito no olhar desfeito de quem passa fome. Um prato de comida mata a fome. ATENÇÃO Somos um projeto social. Existimos desde 2019. Já publicmais mais de 500 autores de forma gratuita. FAÇA UM PIX DE QUALQUER VALOR Todo valor arrecadado é investido na literatura. tomaaiumpoema@gmail.com ou CNPJ 33.066.546/0001-02 Até mesmo um real ajuda a poesia a se manter viva!