– Parábola dos dois filhos enviados à vinha. A obediência nasce do amor.
QUE VOS PARECE? começou Jesus, dirigindo se aos que o rodeavam. Um homem tinha dois filhos, e, aproximando se do primeiro, disse lhe: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. Ele respondeu lhe: Não quero. Mas, depois, arrependeu-se e foi. Dirigindo-se em seguida ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E este respondeu: Eu vou, senhor; mas não foi. Jesus perguntou qual dos dois tinha cumprido a vontade do pai. E todos responderam: o primeiro, o que foi trabalhar na vinha. E Jesus prosseguiu: Na verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precederão no reino de Deus. Porque veio a vós João pelo caminho da justiça, e não crestes nele; mas os publicanos e as meretrizes creram nele.
– O exemplo de Cristo. Obediência e liberdade.
como nos ensina São Paulo – não consistiu simplesmente em deixar se submeter à vontade do Pai. Ele próprio se fez obediente: a sua obediência activa assumiu como próprios os desígnios do Pai e os meios para alcançar a salvação do género humano.
– Desejos de imitar Jesus.
A OBEDIÊNCIA vale mais do que as vítimas9, lemos na Sagrada Escritura. “É com razão – comenta São Gregório Magno – que se antepõe a obediência às vítimas, porque mediante as vítimas imola se a carne alheia, ao passo que pela obediência imola se a vontade própria”10, que é a coisa mais difícil de entregar, porque é o que possuímos de mais íntimo e pessoal. Por isso é tão grata ao Senhor, e por isso o empenho de Jesus – a quem até os ventos e o mar obedecem11 – em ensinar nos com a sua palavra e a sua vida que o caminho do bem, da paz da alma e de todo o progresso interior passa pelo exercício desta virtude.
1. Meditação diária de Falar com Deus
Francisco Fernández Carvajal
TEMPO COMUM. VIGÉSIMO SEXTO DOMINGO. CICLO A
19. A VIRTUDE DA OBEDIÊNCIA
– Parábola dos dois filhos enviados à vinha. A obediência nasce do amor.
– O exemplo de Cristo. Obediência e liberdade.
– Desejos de imitar Jesus.
I. QUE VOS PARECE? começou Jesus, dirigindo-se aos que o rodeavam. Um
homem tinha dois filhos, e, aproximando-se do primeiro, disse-lhe: Filho, vai trabalhar
hoje na minha vinha. Ele respondeu-lhe: Não quero. Mas, depois, arrependeu-se e foi.
Dirigindo-se em seguida ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E este respondeu: Eu vou,
senhor; mas não foi. Jesus perguntou qual dos dois tinha cumprido a vontade do pai. E
todos responderam: o primeiro, o que foi trabalhar na vinha. E Jesus prosseguiu: Na
verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precederão no reino de Deus.
Porque veio a vós João pelo caminho da justiça, e não crestes nele; mas os publicanos
e as meretrizes creram nele1.
João Baptista tinha mostrado o caminho da salvação, e os escribas e os fariseus,
que se ufanavam de serem fiéis seguidores da vontade divina, não lhe fizeram caso.
Teoricamente, eram os cumpridores da Lei, mas no momento da verdade, quando lhes
chegou aos ouvidos a vontade de Deus pela boca de João, não a cumprem, não
souberam ser dóceis ao querer divino. Estavam no caso do filho que começou por dizer
que ia, mas não foi. Em contrapartida, muitos publicanos e pecadores atenderam ao
apelo à penitência e arrependeram-se: eram o filho que a princípio disse “não vou”, mas
depois foi. Obedeceu, agradou ao seu pai com obras.
O próprio Senhor nos deu exemplo de como devemos cumprir esse querer divino,
pois “para cumprir a vontade do Pai, inaugurou na terra o Reino dos Céus, revelou-nos o
seu mistério e realizou a redenção com a obediência”2. São Paulo, na segunda Leitura
da Missa3, sublinha o amor de Jesus Cristo por esta virtude: sendo Deus, humilhou-Se a
2. Si mesmo, fazendo-Se obediente até à morte, e morte de cruz! Naqueles tempos, a
morte de cruz era a mais infamante, pois estava reservada aos piores criminosos. Eis
por que a máxima expressão do amor de Cristo pelos planos salvíficos do Pai consistiu
em obedecer até à morte e morte de cruz.
Cristo obedece por amor; esse é o sentido da obediência cristã: a que se deve a
Deus, a que devemos prestar à Igreja, aos pais; aos superiores, àqueles que de um
modo ou de outro regem a vida profissional e social. Deus não quer servidores de má
vontade, mas filhos que queiram obedecer com alegria. Santa Teresa conta que,
considerando um dia as grandes penitências a que se entregava uma boa mulher sua
conhecida, sentiu uma santa inveja e pensou que ela também as poderia fazer, não
fosse a expressa proibição que recebera do seu confessor. Foi tanta a vontade que teve
de imitar aquela mulher penitente que pensou por um momento se não seria melhor
desobedecer à ordem que lhe fora dada. Então Jesus disse-lhe: “Isso não, filha; levas
bom caminho e seguro. Vês toda a penitência que faz? Em maior conta tenho Eu a tua
obediência”4.
II. A OBEDIÊNCIA DE JESUS – como nos ensina São Paulo – não consistiu
simplesmente em deixar-se submeter à vontade do Pai. Ele próprio se fez obediente: a
sua obediência activa assumiu como próprios os desígnios do Pai e os meios para
alcançar a salvação do género humano.
Um dos sinais mais claros de que se anda pelo bom caminho – o da humildade – é o
desejo de obedecer5, “ao passo que a soberba nos inclina a fazer a vontade própria, a
procurar o que nos exalta e a não querer deixar-nos dirigir pelos outros, mas a dirigi-los.
A obediência é o oposto da soberba. Mas o Unigénito do Pai, vindo do Céu para nos
salvar e curar da soberba, fez-se obediente até à morte na cruz”6. Ele ensinou-nos para
onde devemos dirigir os nossos passos: Lâmpada para os meus passos é a tua palavra,
e luz para os meus caminhos, recitam hoje os sacerdotes na Liturgia das Horas7.
A obediência nasce da liberdade e conduz a uma maior liberdade. Quando o homem
renuncia à sua vontade para obedecer a Deus, conserva a liberdade na determinação
radical e firme de escolher o que é bom e verdadeiro. Quem escolhe uma auto-estrada
para chegar antes e com maior segurança ao seu destino, não se sente coagido pelos
limites e indicações que encontra; a corda que ata um alpinista aos seus companheiros
de escalada não é cadeia que o perturbe – ainda que o prenda fortemente –, mas
vínculo que lhe dá segurança e evita que caia no abismo; os ligamentos que unem as
3. diversas partes do corpo não são liames que impedem os movimentos, mas garantia de
que estes se realizem com desembaraço e firmeza.
É o amor que faz com que a obediência seja plenamente livre. Como pensar que
Cristo – que tanto amou e nos inculcou esta virtude – não o fosse? “Para quem queira
caminhar em seguimento de Cristo, a lei não é pesada. Só se converte num fardo
quando não se consegue ver nela a chamada de Jesus ou não se tem vontade de seguir
essa chamada. Portanto, se a lei às vezes se torna pesada, pode ser que tenhamos de
melhorar não tanto a lei como o nosso empenho em seguir o Senhor.
“Se me amais, observareis os meus mandamentos (Jo 14, 15). Esta é a razão por
que quero obedecer-te a Ti e à Tua Igreja, Senhor; não principalmente por compreender
a racionalidade do que se manda (ainda que essa racionalidade seja tantas vezes
evidente), mas – principalmente – por que quero amar-Te e demonstrar-Te o meu amor.
E também porque estou convencido de que os teus mandamentos procedem do amor e
me tornam livre. Corri pelos caminhos dos Teus mandamentos quando dilataste o meu
coração... Caminharei por uma senda larga, porque busquei os Teus mandamentos (Sal
119, 32-45) ”8.
III. A OBEDIÊNCIA vale mais do que as vítimas9, lemos na Sagrada Escritura. “É
com razão – comenta São Gregório Magno – que se antepõe a obediência às vítimas,
porque mediante as vítimas imola-se a carne alheia, ao passo que pela obediência
imola-se a vontade própria”10, que é a coisa mais difícil de entregar, porque é o que
possuímos de mais íntimo e pessoal. Por isso é tão grata ao Senhor, e por isso o
empenho de Jesus – a quem até os ventos e o mar obedecem11 – em ensinar-nos com
a sua palavra e a sua vida que o caminho do bem, da paz da alma e de todo o progresso
interior passa pelo exercício desta virtude.
Já dizia o Antigo Testamento: Vir obediens loquetur victoriam12, quem obedece
alcança vitória, “quem obedece, vence”, obtém a graça e a luz necessárias, pois recebe
o Espírito Santo, dado por Deus a todos os que Lhe obedecem13. “Ó virtude de
obedecer, que tudo podes!”14, exclamava Santa Teresa. Por serem tantos os bens que
derivam do exercício desta virtude, e por se tratar do caminho que leva mais
directamente à santidade, o demónio procurará semear no nosso espírito falsas razões e
desculpas para não obedecermos15.
4. A necessidade de obedecer não provém somente dos bens tão imensos que traz à
alma, mas da sua íntima união com a Redenção: é parte essencial do mistério da
Cruz16. Portanto, quem pretendesse estabelecer limites à obediência querida por Deus,
limitaria ao mesmo tempo a sua união com Cristo e dificilmente poderia identificar-se
com Ele: Tende nos vossos corações os mesmos sentimentos que teve Jesus Cristo, o
Qual, possuindo a natureza de Deus..., não obstante aniquilou-se a Si mesmo tomando
a forma de servo17.
O desejo de imitar Cristo deve fazer com que nos perguntemos frequentemente:
Faço neste momento o que Deus quer, ou deixo-me levar pelo capricho, pela vaidade ou
pelo estado de ânimo? A minha obediência é sobrenatural, interna, pronta, alegre,
humilde e discreta? 18.
Peçamos a Nossa Senhora um grande desejo de nos identificarmos com Cristo por
meio da obediência, embora alguma vez por nossa causa. “Obedece sem tantas
vacilações inúteis... Mostrar tristeza ou pouca vontade perante o que se manda é falta
muito considerável. Mas senti-la apenas, não somente não é culpa, mas pode ser uma
grande ocasião de nos vencermos a nós mesmos, de coroarmos um acto heróico de
virtude. Não sou eu que o invento. Lembras-te? Narra o Evangelho que um pai de
família confiou o mesmo encargo aos seus dois filhos... E Jesus alegra-se com aquele
que, apesar de ter levantado dificuldades, cumpre! Alegra-se porque a disciplina é fruto
do Amor” 19.
(1) Mt 21, 28-32; (2) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 3; (3) Fil 2, 1-11; (4) Santa
Teresa, Contas de consciência, 20; (5) São Tomás de Aquino, Comentário à Epístola aos Filipenses, 2, 8;
(6) Réginald Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. II, pág. 683; (7) Liturgia das
Horas, Primeiras Vésperas; Sal 119, 105; (8) Cormac Burke, Autoridad y libertad en la Iglesia, pág. 75; (9)
1 Sam 15, 22; (10) São Gregório Magno, Moralia, 14; (11) Mt 8, 27; (12) Prov 21, 28; (13) Act 5, 32; (14)
Santa Teresa, Vida, 18, 7; (15) Santa Teresa, Fundações, 5, 10; (16) cfr. São Tomás de
Aquino, Comentário à Epístola aos Romanos, V, 8, 5; (17) Fil 2, 5-7; (18) cfr. São Tomás de Aquino, Suma
teológica, II-II, qq. 104 e 105; q. 108, aa. 5 e 8; (19) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 378.