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3 MITOS QUE
BLOQUEIAM O
PROGRESSO DOS
POBRES

CARTA
ANUAL
GATES
2014
Bill e Melinda Gates
Quando visitamos
países pobres, vemos
em primeira mão que o
mundo está melhorando
(Jamsaut, Índia, 2011).
3 MITOS QUE
BLOQUEIAM O
PROGRESSO DOS
POBRES
Quase todos os indicadores apontam para um
mundo melhor do que nunca: vida humana mais
longa e saudável, taxas de pobreza extrema
reduzidas pela metade nos últimos 25 anos
e mortalidade infantil em queda precipitada.
Muitos países que recebiam assistência hoje são
autossuficientes.
Seria de se imaginar que tal progresso seria
amplamente celebrado e que as pessoas
procurariam logo saber o que está funcionando
tão bem e como continuar assim. Mas isso não
ocorre, pelo menos não com a mesma intensidade
do progresso. Fico impressionado que tão poucos
achem que o mundo está melhorando e com
quantos tenham a opinião contrária – de que está
piorando.
Creio que isso ocorre, em parte, por que muita
gente está sob a influência de vários mitos –
ideias equivocadas que contradizem os fatos. Os
mitos mais prejudiciais são os de que os pobres
continuarão pobres, que os esforços para ajudálos são em vão e que salvar vidas somente agrava
a situação.
Compreendo que as pessoas possam ter essas
opiniões negativas. É o que veem nos noticiários.
Notícias ruins são eventos espetaculares de fácil
cobertura para os jornalistas: um país que de
repente é assolado pela fome ou um ditador que
assume o poder em algum país. Boas notícias –
pelo menos as que tenho em mente – ocorrem
em câmara lenta. Países ficam mais ricos, mas
é difícil filmar isso. A saúde melhora, mas não
há entrevistas coletivas com crianças que não
morreram de malária.
A percepção de que o mundo está piorando, de
que não podemos superar a pobreza extrema ou a
doença, não é apenas errada. É prejudicial. Pode
parar o progresso. Dá a impressão de que a busca
de soluções não tem sentido. Impede que vejamos
a oportunidade de criarmos um mundo em que
quase todos têm a oportunidade de prosperar.
Quando as pessoas acham que as coisas eram
melhores no passado, podem ficar pessimistas
e desejar a volta dos bons tempos. Quando
acham que o melhor está por vir, veem as coisas
de maneira diferente. Quando o historiador

Bill Gates

de ciência, James Burke, escreveu sobre a
Renascença no livro O Dia em que o Universo
Mudou, ele destacou uma explicação para os
vários avanços que ocorreram naquele período
impressionante: a mudança da percepção de que
tudo estava em declínio e a adoção da perspectiva
de que as pessoas podem criar, descobrir e
melhorar a situação. Hoje, precisamos de uma
mudança parecida para aproveitar plenamente a
oportunidade de melhorar a vida para todos.
Em todas as cinco cartas anuais que escrevi até
agora, tratei das atividades de nossa fundação,
mostrando onde estávamos e onde não estávamos
avançando. Este ano, Melinda e eu decidimos não
enfocar a fundação especificamente. (O relatório
anual da fundação será publicado em breve e
tratará do assunto.)
Em vez disso, queremos nos concentrar
inteiramente em três mitos que impedem o mundo
de acelerar seu sucesso contra a pobreza e as
doenças. Escrevi sobre os dois primeiros mitos,
relativos à pobreza e à assistência. Melinda decidiu
escrever sobre o terceiro, por estar vinculado à sua
área de especialização: saúde reprodutiva.
Ouvimos esses mitos serem mencionados em
conferências internacionais e eventos sociais.
Somos indagados a respeito por políticos,
jornalistas, estudantes e CEOs. Todos os três
refletem uma visão pessimista do futuro: o mundo
não está melhorando e continua pobre, doente e
superpovoado.
Vamos defender a tese contrária, de que o mundo
está ficando melhor e ficará melhor ainda dentro
de duas décadas.
Mas o futuro não está predeterminado. É preciso
aplicar o engenho humano e transformar nossa
compaixão em atos concretos. Começamos
removendo barreiras que solapam a confiança e
reduzem nosso impulso. É por isso que, na carta
deste ano, Melinda e eu desmontamos alguns dos
mitos que freiam o trabalho.
Espero que façam o mesmo da próxima vez que
ouvirem esses mitos.

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

01
MITO

PAÍSES POBRES
ESTÃO CONDENADOS
A CONTINUAR
POBRES
Bill Gates

03

Tenho ouvido esse
mito citado em muitos
lugares, a maioria na
África. Uma breve busca
na Internet produz dezenas
de manchetes e títulos de
livros: “Como os países ricos
ficaram ricos e os países
pobres continuam como
estão”, “Por que os pobres
permanecem pobres”, etc.
Felizmente esses livros não são bestsellers, pois a premissa básica é falsa. O
fato é que rendas e outros indicadores de
bem-estar humano estão aumentando
em quase toda a parte, inclusive na África.
Então por que esse mito
está tão arraigado?
Passaremos à África daqui a pouco, mas
examinemos a tendência mais ampla
em todo o mundo há meio século. Há
cinquenta anos o mundo estava dividido
em três partes: Estados Unidos e nossos
aliados ocidentais; a União Soviética e
seus aliados; e todos os demais. Nasci
em 1955 e cresci aprendendo que o
chamado Primeiro Mundo estava bem de
vida ou “desenvolvido”. Quase todos no
Primeiro Mundo iam à escola e tinham
vidas longas. Não sabíamos exatamente
como era a vida atrás da Cortina de Ferro,
mas parecia ser um lugar assustador.
E havia o chamado Terceiro Mundo –
basicamente todos os demais. Pelo que
sabíamos, estava cheio de gente pobre
que não ia muito à escola e morria jovem.
O pior é que estavam encurralados na
pobreza, sem esperança de melhorar.

As estatísticas confirmam essas
impressões. Em 1960, quase toda a
economia global estava no Ocidente. A
renda per capita nos Estados Unidos
era de cerca de US$ 15.000 por ano.1
(Trata-se de renda por pessoa e,
portanto, US$ 60.000 por ano para
uma família de 4 pessoas.) Na Ásia,
África e América Latina, as rendas
por pessoa eram muito mais baixas.
Brasil: US$ 1.982. China: US$ 928.
Botsuana: US$ 383. E assim por diante.
Anos depois, ao viajar, eu veria essa
disparidade pessoalmente. Melinda
e eu visitamos a Cidade do México
em 1987 e ficamos surpresos com a
pobreza. Não havia água corrente na
maior parte das casas e as pessoas
se deslocavam longas distâncias de
bicicleta ou a pé para encher garrafas
com água. Parecia com o que tínhamos
visto em áreas rurais da África. O diretor
do escritório da Microsoft na Cidade do
México enviava seus filhos aos EUA para
fazer exames médicos e verificar se a
poluição estava afetando sua saúde.

1

O cálculo de PIB é uma ciência inexata, com muito espaço para
erros e divergências. Para fins de uniformidade, em toda esta
carta usarei dados de PIB per capita da Penn World Table, com
ajustes de inflação para dólares de 2005. E, para simplificar,
usarei o termo “renda por pessoa”.

Projetos de desenvolvimento
como os que fornecem água
potável segura têm melhorado
vidas em todo o mundo
(Mtwara, Tanzânia, 2000).

©Corbis, Howard Davies

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

03
PAÍSES POBRES ESTÃO CONDENADOS
A CONTINUAR POBRES

©Corbis, Owen Franken

©Corbis, Keith Dannemiller

CIDADE DO MÉXICO 1980

CIDADE DO MÉXICO 2011

Hoje, a cidade é tremendamente
diferente. O ar é limpo como em
Los Angeles (que não é grande
coisa, mas certamente melhor
do que em 1987). Há arranhacéus, novas estradas e pontes
modernas. Ainda há favelas e
bolsões de pobreza, mas agora,
em geral, quando visito a cidade,
tenho outra impressão: “Uau, a
maioria dos moradores aqui é
de classe média. Que milagre.”

NAIRÓBI 1969, 2009

Vejam esta foto da Cidade do
México em 1980 e compare com
uma de hoje em dia: (TOPO)

©Getty Images, National Geographic

©Corbis, Nigel Pavitt

X ANGAI 1978, 2012

Transformações semelhantes
podem ser vistas nestas
fotos de “antes e depois” de
Nairóbi e Xangai... [DIREITA ]

©Corbis, Dean Conger

04

©Corbis, John Heaton
Essas fotos ilustram uma história poderosa: o quadro global
da pobreza foi modificado completamente no decorrer de
minha vida. As rendas por pessoa na Turquia e no Chile estão
no nível dos Estados Unidos em 1960. A Malásia está quase
lá e o Gabão também. E aquela terra de ninguém entre países
ricos e pobres foi preenchida pela China, Índia, Brasil e outros.
Desde 1960 a renda real por pessoa da China aumentou oito
vezes. A da Índia quadruplicou, a do Brasil quase quintuplicou
e Botsuana, um país pequeno com uma gestão inteligente de
seus recursos minerais, registrou um aumento de 30 vezes. Há
uma categoria de países no meio que mal existia há 50 anos
e nela se encontra mais da metade da população mundial.
Eis outra forma de ver a transição: contando
pessoas em vez de países. (ABAIXO)

A curva da pobreza: uma corcova em vez de duas

Há meio século, a distribuição da renda no mundo parecia as duas corcovas de um camelo. A primeira corcova
representava o chamado mundo em desenvolvimento. A segunda representava a população dos países mais
ricos (a maior parte deles no Ocidente). No entanto, o mundo já não está mais dividido entre o Ocidente e o resto.
Mais de um bilhão de pessoas saíram da pobreza extrema e a maior parte da humanidade agora se situa na
grande corcova de um dromedário, no meio da curva.

“Mundo dromedário” de 2012

“Mundo camelo” de 1960

PIB PER CAPITA EM PPP
CONSTANTE DE 2005

US$1 / DIA

US$10 / DIA

US$100 / DIA

FONTE: Gapminder, baseado no Documento de Trabalho 1 “The Changing Shape of Global Inequality 1820-2000: Exploring a New Dataset [A Forma Cambiante da Desigualdade
Global 1820-2000: Explorando um Novo Conjunto de Dados]”, de Jan Luiten van Zanden et al., Centro de História Econômica Global, Universidade de Utrecht, janeiro de 2011.

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

05
PAÍSES POBRES ESTÃO CONDENADOS
A CONTINUAR POBRES

Portanto, a melhor maneira de se responder ao mito de que
países pobres estão condenados a continuar pobres é destacar
um fato: eles não continuam pobres. Muitos países –
mas certamente não todos – que chamávamos de pobres
hoje têm economias vibrantes. E a percentagem de pessoas
muito pobres reduziu-se por mais da metade desde 1990.
Ainda não chegou a hora de comemorar, pois ainda há
mais de um bilhão de pessoas em pobreza extrema.
Mas seria razoável dizer que o mundo mudou e que
os termos “países em desenvolvimento” e “países
desenvolvidos” perderam sua pertinência.

Até 2035 quase não
haverá mais países
pobres no mundo.

Qualquer categoria que junte a China e a República
Democrática do Congo confunde mais do que esclarece.
Alguns dos chamados países em desenvolvimento avançaram
tanto que seria justo dizer que se desenvolveram. Alguns
estados falidos não estão se desenvolvendo nem um
pouco. A maioria dos países fica em algum ponto no
meio. Por isso é mais instrutivo pensar em termos de
países de baixa, média e alta renda. (Alguns especialistas
chegam mesmo a dividir os países de renda média em
duas subcategorias: média-baixa e média-alta.)
Com isso em mente, voltemos à versão mais específica e
perniciosa desse mito: “Certamente os tigres da Ásia estão
bem, mas a vida na África nunca melhora nem vai melhorar."

Saúde, educação e renda estão
aumentando à medida que mais países da
África aderem a modelos sustentáveis de
desenvolvimento (Nairóbi, Quênia ).

©Getty Images, Tom Cockrem

06
Primeiramente, não deixe ninguém dizer que
a África está pior hoje do que há 50 anos. Na
realidade, a renda por pessoa aumentou na África
ao sul do Saara nesse período – e bastante em
alguns países. Houve uma queda acentuada
durante a crise da dívida da década de 1980, mas
aumentou em dois terços desde 1998, passando
de pouco mais de US$ 1.300 para quase
US$ 2.200. Hoje, um número crescente de países
está entrando em um desenvolvimento forte e
sustentável e outros mais seguirão pelo mesmo
caminho. Sete das dez economias de maior
crescimento nos últimos 5 anos estão na África.
A África também teve grande avanço em saúde
e educação. Desde 1960, a duração da vida das
mulheres ao sul do Saara aumentou de 41 para 57
anos, apesar da epidemia de HIV. Sem HIV seria de
61 anos. A percentagem de crianças matriculadas
nas escolas passou de pouco mais de 40% para
mais de 75% desde 1970. Menos pessoas passam
fome e mais gente tem boa nutrição. Se ter comida
suficiente, ir à escola e viver mais são medidas
de uma vida boa, então a vida certamente está
melhorando na África. Essas melhoras não são o
fim da história; são a base para mais progresso.
É claro que essas médias regionais encobrem
grandes diferenças entre países. Na Etiópia, a
renda é de apenas US$ 800 por ano por pessoa.
Em Botsuana é de quase US$ 12.000. Essa
enorme diferença também ocorre dentro dos
países. A vida em uma área urbana importante
como Nairóbi não se parece em nada com a vida
em um vilarejo rural do Quênia. Deve-se duvidar
de quem trata todo o continente como se fosse
uma massa indiferenciada de pobreza e doença.

Alguns países ficarão para trás devido a guerras,
política (Coréia do Norte, salvo se houver mudanças
importantes) ou geografia (países sem acesso ao
mar no centro da África). Vai persistir o problema
da desigualdade: haverá pobres em cada região.
No entanto, a maior parte estará em países
autossuficientes. Cada país da América do Sul, Ásia
e América Central (com a possível exceção do Haiti),
e a maioria nas costas da África terão entrado
para a categoria dos países de renda média. Mais
de 70% dos países terão uma renda por pessoa
maior do que a da China hoje em dia. Quase 90%
terão renda maior do que a da Índia atualmente.
Será uma realização notável. Quando nasci, a
maioria dos países do mundo era pobre. Nas duas
próximas décadas, os países em pobreza extrema
passarão a ser exceção em vez de norma. Bilhões
de pessoas terão saído da pobreza extrema. A
ideia de que isso ocorrerá durante minha vida
é simplesmente surpreendente para mim.
Alguns dirão que ajudar quase todos os
países a se desenvolver até o nível de renda
média não vai resolver todos os problemas
do mundo e até mesmo agravará alguns. De
fato precisaremos desenvolver fontes mais
baratas e limpas de energia para evitar que
todo esse crescimento agrave o clima e o meio
ambiente. Também teremos de resolver os
problemas gerados pela prosperidade, como
taxas mais elevadas de diabetes. Mas, à medida
em que as pessoas se educarem mais, elas
contribuirão para resolver tais problemas. Levar
a agenda de desenvolvimento à sua quase
plenitude será mais importante para melhorar
a vida humana do que qualquer outra ação.

Conclusão: Os países pobres não estão condenados
a continuar pobres. Alguns dos chamados
países em desenvolvimento na verdade já se
desenvolveram. Muitos mais estão a caminho. Os
que ainda buscam seu caminho não estão tentando
algo sem precedentes. Há bons exemplos a seguir.
Sinto um otimismo suficiente para fazer uma
previsão. Até 2035, quase não haverá mais
países pobres no mundo.2 Praticamente todos
os países serão o que hoje chamamos de
renda média-baixa ou até mais ricos. Os países
aprenderão com seus vizinhos mais produtivos e
se beneficiarão de inovações como novas vacinas,
melhores sementes e a revolução digital. Suas
forças de trabalho, estimuladas pela expansão
da educação, atrairão novos investimentos.

2

Especificamente, acho que até 2035 quase
nenhum país será tão pobre quanto os 35 países
que o Banco Mundial hoje classifica como de
baixa renda, mesmo após ajustes de inflação.

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

07
MITO

ASSISTÊNCIA
EXTERNA É
UM GRANDE
DESPERDÍCIO.
Bill Gates

08

Vocês podem ter lido artigos sobre assistência
externa com grandes generalizações baseadas
em exemplos menores. Eles tendem a citar
casos de desperdício em algum programa
e sugerem que a assistência externa é um
desperdício. Com muitas histórias desse tipo
é fácil ter a impressão de que a assistência
não funciona. Não surpreende que um jornal
britânico informou no ano passado que mais da
metade dos eleitores quer cortar a assistência
externa.
Essas matérias lhes dão um quadro
distorcido do que ocorre nos países
que recebem assistência. Desde que
Melinda e eu iniciamos a fundação
há 13 anos, tivemos a sorte de ver o
impacto de programas financiados
pela fundação e governos doadores.
O que vemos no decorrer do tempo
é gente vivendo mais, ficando mais
saudável e escapando da pobreza,
em parte devido a serviços que a
assistência ajudou a desenvolver e
distribuir.
Eu me preocupo com o mito de que
a assistência não funciona. Isso dá
aos líderes políticos a desculpa para
tentar cortar a assistência – e isso
significaria menos vidas salvas e mais
tempo até que os países se tornem
autossuficientes.
Quero responder a algumas críticas
que vocês podem ter lido.3 Devo
reconhecer inicialmente que nenhum
programa é perfeito e que há
maneiras de aumentar a eficácia da
assistência. E a assistência é apenas

uma das ferramentas no combate
à pobreza e doença: países ricos
também precisam de mudanças
de políticas, como a abertura de
seus mercados e a redução de
subsídios agrícolas, e países pobres
precisam gastar mais em saúde e
desenvolvimento para seu próprio
povo.
Em termos gerais, a assistência é um
investimento fantástico e devemos
fazer mais. Ela salva e melhora vidas
com muita eficácia, estabelecendo
as bases para o tipo de progresso a
longo prazo que descrevi no mito 1
(que, por sua vez, ajuda os países a
deixar de depender de assistência).
É irônico que a fundação tenha fama
de insistir em resultados, enquanto
muitos duvidam dos programas de
assistência governamental aos quais
nos associamos. A fundação faz muito
para ajudar tais programas a ser mais
eficientes e a medir seu progresso.

3

Vou enfocar mais os programas de saúde e agricultura, já que
Melinda e eu temos experiência direta nisso (e uma parcela
crescente de toda a assistência dos Estados Unidos destina-se
à saúde). Apoiamos outros tipos de assistência internacional,
inclusive em infraestrutura e educação, mas temos trabalhado
menos nessas áreas.

A assistência
externa ajuda
refugiados como
Nikuze Aziza a
alimentar suas
famílias e manter
boa saúde (Campo
Kiziba, Ruanda, 2011).

É irônico que a fundação tenha fama
de insistir em resultados, enquanto
muitos duvidam dos programas
de assistência governamental aos
quais nos associamos.

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

09
ASSISTÊNCIA EXTERNA É
UM GRANDE DESPERDÍCIO.

O VOLUME DE ASSISTÊNCIA
Muitos acham que a assistência para o desenvolvimento seja
uma parcela grande dos orçamentos dos países ricos – o que
significa ser possível economizar muito realizando cortes.
Quando as pesquisas de opinião perguntam aos americanos
que parcela do orçamento é destinada a assistência, a
resposta média é 25%. Indagados sobre quanto o governo
deveria gastar, a resposta tende a ser 10%. Suponho que o
mesmo ocorra no Reino Unido, Alemanha e outras partes.
Eis os números verdadeiros. Na Noruega, o
país mais generoso do mundo, é menos de
3%. Nos Estados Unidos é menos de 1%.
Um por cento do orçamento dos EUA é cerca de US$ 30
bilhões por ano. Desse total, cerca de US$ 11 bilhões vão
para a saúde: vacinas, mosquiteiros, planejamento familiar,
remédios para manter vivas as pessoas com HIV e assim por
diante. (Os outros US$ 19 bilhões cobrem atividades como
construção de escolas, estradas e sistema de irrigação.)

Não quero dar a impressão de que US$ 11 bilhões não seja
muito dinheiro. Mas, em perspectiva, trata-se de cerca de
US$ 30 por cada cidadão americano. Imaginem se
o formulário de declaração de imposto de renda
perguntasse: “Podemos usar US$ 30 do imposto
que você já está pagando para proteger 120 crianças
contra o sarampo?”4 Você marcaria sim ou não?
Vejamos o impacto geral do gasto. Em termos gerais,
somei todo o dinheiro gasto por doadores em assistência à
saúde desde 1980. Em seguida, dividi o número de mortes
infantis que foram evitadas no mesmo período. Chegase a menos de US$ 5.000 por criança salva (e o dado não
inclui melhorias na saúde além de salvar crianças).5 US$
5.000 pode parecer caro, mas devemos nos lembrar que
agências do governo dos EUA tipicamente avaliam a
vida de um americano em vários milhões de dólares.

4

5

Tendo em vista que
a vacina contra
sarampo custa 25
centavos de dólar
por criança,
US$ 30 comprariam
vacinas para 120
crianças.

Calculei a redução da mortalidade infantil desde 1980, o início da “Revolução de Sobrevivência da Criança”, que
tornou muito mais acessível a terapia de vacinas e reidratação oral. Chega-se a 100 milhões de mortes evitadas. O
total da assistência – US$ 500 bilhões – inclui dinheiro de todos os doadores para vacinas, HIV/AIDS, planejamento
familiar, além de água e saneamento desde 1980.

10

Esse cálculo não leva em consideração o quanto a mortalidade infantil poderia ter caído sem assistência – o que
aumentaria o custo por vida salva. Por outro lado, incluí muita assistência que não se destinava a salvar crianças –
mas, digamos, para tratar adultos com AIDS. Assim sendo, esse cálculo exagera o custo por vida salva.
Um número crescente
de países na África
está criando sistemas
comunitários de saúde
que têm um excelente
nível de custo-benefício
(Accra, Gana, 2013).

Lembrem-se também de que crianças saudáveis fazem mais do que apenas sobreviver.
Elas vão à escola e acabam trabalhando. Em tempo tornam seus países mais
autossuficientes. É por isso que digo que a assistência é tão vantajosa.
Este gráfico (ABAIXO) mostra alguns dos programas apoiados pelos Estados Unidos e
outros doadores. Como podem ver, o impacto é bem impressionante.
O governo dos EUA gasta mais do que o dobro em subsídios agrícolas do que em
assistência à saúde. Gasta mais de 60 vezes mais na área militar. Da próxima vez que
alguém lhe disser que podemos reduzir o orçamento cortando a assistência, espero que
lhe perguntem se isso custará a morte de mais pessoas.

O QUE A ASSISTÊNCIA COMPRA

Desde 2000

440M DE CRIANÇAS

Por meio da assistência externa, os contribuintes de todo
o mundo investem em organizações de desenvolvimento
que estão salvando vidas nos países mais pobres.

Desde 1988

2,5B DE CRIANÇAS

foram imunizadas contra
doenças que podem ser
evitadas com vacinas

foram imunizadas contra a pólio

A GAVI tem financiado o
fortalecimento de sistemas
de saúde e serviços de
imunização em mais de

Desde 1988, o número
de países com pólio
endêmica baixou de

70 PAISES

125 PARA 3

Entre 2011 e 2015, com apoio da
GAVI, serão imunizadas outros

Em apenas 25 anos, os casos
novos de pólio foram reduzidos
de 350.000 por ano para

243M DE CRIANÇAS

MENOS DE 400
em 2013

Até o final de 2013, programas
apoiados pelo Fundo Global foram
responsáveis por

6,1M DE PESSOAS
que haviam recebido terapia
anti-retroviral

Detecção e tratamento de

11,2 M DE CASOS
DE TUBERCULOSE

Distribuição de

360M

de mosquiteiros tratados
com inseticida

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

11
ASSISTÊNCIA EXTERNA É
UM GRANDE DESPERDÍCIO.

CORRUPÇÃO
Uma das narrativas mais comuns sobre assistência
refere-se à parte que é desperdiçada por corrupção.
É verdade que, quando a assistência para a saúde é
roubada ou desperdiçada, paga-se o preço em vidas.
Precisamos erradicar a fraude e obter mais de cada
dólar.
No entanto, também devemos ter em mente a
dimensão relativa do problema. Corrupção em
pequena escala, como o funcionário publico que cobra
gastos de viagem fictícios, é uma ineficiência que
equivale a um imposto sobre a assistência. Embora
devamos tentar reduzir isso, não há como eliminar,
assim como não podemos eliminar o desperdício
em todos os programas de governo e mesmo em
empresas particulares. Suponhamos que a corrupção
em pequena escala corresponda a um imposto de 2%
sobre o custo de se salvar uma vida. Devemos tentar
reduzir isso, mas, se não pudermos, deixaríamos de
tentar salvar vidas?
Vocês podem ter ouvido falar de um escândalo no
Camboja ano passado envolvendo um programa
de mosquiteiros sob gestão do Fundo Global de
Combate à AIDS, Tuberculose e Malária. Funcionários
cambojanos foram apanhados recebendo propinas
de centenas de milhares de dólares de fornecedores.
Houve manchetes do tipo “Como desperdiçar dinheiro
de assistência externa”. Fui citado em um artigo
como uma das pessoas cujo dinheiro estava sendo
desperdiçado.
Agradeço a preocupação e é bom ver que a imprensa
cobra respostas das instituições. Mas a imprensa não
foi quem descobriu esse esquema. Foi o Fundo Global
ao fazer uma auditoria interna. Ao descobrir e corrigir
o problema, o Fundo Global fez exatamente o que
devia fazer. Seria estranho exigir que eles eliminassem
a corrupção e depois atacá-los por terem descoberto a
pequena percentagem de abuso.

12

Desde 2000, um esforço global
contra a malária salvou 3,3
milhões de vidas (Aldeia de Phnom
Dambang, Camboja, 2011).

Quatro dos últimos sete
governadores do estado norteamericano de Illinois foram presos
por corrupção e, que eu saiba,
ninguém exigiu o fechamento das
escolas ou estradas de Illinois.
Há nisso dois pesos e duas medidas. Ouvimos
gente exigindo que o governo feche um
programa de assistência quando se descobre
um dólar de corrupção. Por outro lado, quatro
dos últimos sete governadores do estado
norte-americano de Illinois foram presos por
corrupção e, que eu saiba, ninguém exigiu o
fechamento das escolas ou estradas de Illinois.
Melinda e eu não apoiaríamos o Fundo Global
ou qualquer outro programa se o dinheiro fosse
mal empregado em grande escala. As mortes
por malária declinaram 80% no Camboja desde
que o Fundo Global iniciou suas atividades no
país em 2003. As histórias horríveis – segundo
as quais a assistência serve apenas para ajudar
o ditador a construir um novo palácio – vêm
da época em que muita assistência visava
apenas ganhar aliados na Guerra Fria em vez

de melhorar vidas humanas. Desde aquela
época, todos os interessados aprimoraram
muito a medição dos resultados. Principalmente
em saúde e agricultura, podemos validar os
resultados e saber o que obtemos por cada dólar
que gastamos.
Mais e mais, a tecnologia ajudará na luta
contra a corrupção. A Internet está ajudando os
cidadãos a saberem o que seu governo deveria
estar oferecendo – como o volume de recursos
que sua clínica deve receber – e assim podem
cobrar dos funcionários. À medida em que
aumenta o conhecimento do público, reduz-se
a corrupção e mais dinheiro segue para o lugar
certo.

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

13
ASSISTÊNCIA EXTERNA É
UM GRANDE DESPERDÍCIO.

DEPENDÊNCIA DE ASSISTÊNCIA
Outro argumento dos críticos é de que a assistência
restringe o desenvolvimento econômico normal,
mantendo os países sob dependência da generosidade de
pessoas de fora.

e agora doa mais do que recebe. A China também é um
doador líquido e financia muita atividade científica para
ajudar os países em desenvolvimento. A Índia recebe
0,09% de seu PIB em assistência; em 1991 recebia 1%.

Esse argumento contém vários erros. Primeiramente,
junta tipos diferentes de assistência. Não diferencia a
assistência enviada diretamente a governos e recursos
utilizados para pesquisas sobre novas ferramentas,
como vacinas e sementes. O que os EUA gastaram na
década de 1960 para desenvolver safras mais produtivas
tornaram os países asiáticos e latino-americanos menos
(e não mais) dependentes de nós. O que gastamos hoje
em uma Revolução Verde para a África ajuda os países
a produzirem mais alimentos, reduzindo também sua
dependência. A assistência é essencial para esses “bens
públicos globais”, que são essenciais para a saúde e
o crescimento econômico. Por isso nossa fundação
aplica mais de um terço de nossos financiamentos no
desenvolvimento de novas ferramentas.

Mesmo na África ao sul do Saara, a parcela da economia
que provém da assistência é um terço menor do que há
20 anos, embora o total da assistência à região tenha
dobrado. Alguns países, como a Etiópia, dependem de
assistência e todos – principalmente os próprios etíopes–
querem que a situação mude. Desconheço qualquer
argumento convincente de que a Etiópia estaria melhor
hoje em dia com muito menos assistência.

Segundo, o argumento de que “assistência cria
dependência” ignora todos os países que deixaram de
receber assistência e se concentra apenas nos casos
mais difíceis. Eis uma breve lista de antigos grandes
beneficiários que cresceram tanto que hoje praticamente
não recebem qualquer assistência: Botsuana, Marrocos,
Brasil, México, Chile, Costa Rica, Peru, Tailândia,
Maurício, Cingapura e Malásia. A Coréia do Sul recebeu
enormes volumes de assistência após a Guerra da Coréia

14

Quem critica tem razão em dizer que não há prova
definitiva de que a assistência seja um motor do
desenvolvimento econômico. Mas o mesmo pode ser
dito sobre qualquer outro fator da economia. É muito
difícil saber exatamente que investimentos estimularão
o crescimento econômico, sobretudo a curto prazo. No
entanto, sabemos que a assistência melhora a saúde,
agricultura e infraestrutura – o que tem uma forte
correlação com o crescimento a longo prazo. Assistência
em saúde salva vidas e permite o desenvolvimento
mental e físico das crianças. Pesquisas mostram que
elas serão adultos mais saudáveis e mais produtivos no
trabalho. Ao se posicionar contra esse tipo de assistência,
é preciso argumentar que salvar vidas não afeta o
crescimento econômico ou que não interessa salvar vidas.
O rendimento das safras de
Sharifa Idd Mumbi aumentou
de maneira espetacular desde
que começou a usar novas
sementes de milho mais
tolerantes à seca (Região de
Morogoro, Tanzânia, 2010).

O poder da assistência para salvar vidas é tão óbvio que mesmo os críticos da
assistência o reconhecem. No meio de seu livro O Fardo do Homem Branco,
William Easterly (um dos mais conhecidos críticos da assistência) lista vários
sucessos globais de saúde que foram financiados mediante assistência. Eis
alguns destaques:
“Uma campanha de vacinação no sul da África praticamente eliminou o
sarampo como doença fatal da infância.”
“Um esforço internacional erradicou a varíola no mundo.”
“Um programa de controle de tuberculose na China reduziu o número de
casos em 40% entre 1990 e 2000.”
“Um programa regional para eliminar a pólio na América Latina após 1985
eliminou-a como ameaça à saúde pública nas Américas.”
Último ponto que vale a pena citar. Hoje há apenas três países que nunca
estiveram livres da pólio: Afeganistão, Paquistão e Nigéria. No ano passado,
a comunidade global da saúde adotou um plano abrangente para eliminar a
pólio no mundo até 2018, e dezenas de doadores se ofereceram para financiálo. Com a eliminação da pólio, o mundo economizará cerca de US$ 2 bilhões
por ano, que hoje são empregados no combate à doença.
Conclusão: A assistência à saúde é um investimento fenomenal. Ao examinar
a redução do número de mortes infantis nos últimos trinta anos e quantas
pessoas agora têm vidas mais longas e saudáveis, sinto um grande otimismo
quanto ao futuro. A fundação trabalhou com um grupo de destacados
economistas e especialistas em saúde global examinando as possibilidades
futuras. Mês passado eles escreveram na revista médica The Lancet que, com
os investimentos apropriados e mudanças em políticas, até 2035 cada país terá
taxas de mortalidade infantil tão baixas quanto as dos Estados Unidos ou Reino
Unido em 1980.6

6

Especificamente, a Comissão Lancet sobre Investimentos em Saúde concluiu que as
taxas de doenças infecciosas, mortalidade infantil e mortalidade materna “podem
baixar ao nível que se observa atualmente nos países de renda média com melhor
desempenho". Hoje em dia, nos países de renda média com melhor desempenho, a
taxa de mortalidade infantil é de cerca de 15 por mil nascimentos vivos – o equivalente
à taxa dos Estados Unidos em 1980.

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

15
ASSISTÊNCIA EXTERNA É
UM GRANDE DESPERDÍCIO.

Pode-se ver como a convergência será espetacular: (ABAIXO)
Coloquemos esse sucesso em perspectiva histórica. Um bebê nascido em 1960 tinha
uma chance de 18% de morrer antes dos cinco anos. Para uma criança nascida hoje,
a probabilidade é inferior a 5%. Em 2035, a probabilidade será de 1,6%. Não conheço
nenhuma melhora em um prazo de 75 anos que possa se comparar a isso.
Para tanto será necessário que o mundo se una em torno dessa meta, inclusive
cientistas e profissionais de saúde, bem como países doadores e beneficiários. A
inclusão dessa visão na próxima rodada dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da
ONU ajudará a todos os que atuam em prol desse marco importante.
Muitos países de baixa e média renda se desenvolverão o suficiente para pagarem
pela convergência. Outros ainda precisarão da generosidade de doadores, inclusive de
investimentos em pesquisa e desenvolvimento em saúde. Os governos também deverão
adotar políticas apropriadas. Por exemplo, os países de renda média devem considerar
impostos sobre o tabaco e cortes nos subsídios a combustíveis fósseis, liberando
recursos para a saúde.

CONVERGINDO RUMO A UM AVANÇO DECISIVO PARA A HUMANIDADE
Com investimentos apropriados nas próximas duas décadas, as taxas de mortalidade infantil em
quase todos os países poderão cair para o mesmo nível em que os Estados Unidos estavam em 1980.

Mortes por 1.000 nascimentos

200

Países de renda baixa e média-baixa
150

Até 2035, a mortalidade
infantil em quase todos os
países poderá ser tão baixa
quanto a dos Estados
Unidos em 1980.

100

50

Estados Unidos em 1980: 15 mortes por mil nascimentos

1980

1985

1990

1995

2000

2005

2010

2015

2020

2025

2030

2035

FONTE: Dados históricos do Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial. Projeções adaptadas da Comissão Lancet sobre Investimentos na Saúde, “Global
Health 2035: A World Converging within a Generation [Saúde Global 2035: Um mundo Convergindo em uma Geração]”. The Lancet, 3 de dezembro de 2013, Apêndice 5.

16
Hannah Konadu é uma das milhares de
pessoas que trabalham na área de saúde
em Gana, onde a cobertura de imunização é
superior a 90% (Agordiebe, Gana, 2013).

É injusto e inaceitável que
milhões de crianças morram
cada ano de doenças que podem
ser prevenidas ou tratadas.

Espero principalmente que deixemos de discutir se a
assistência funciona e dediquemos mais tempo a como
aprimorá-la ainda mais. Isso é essencial à medida que
passamos das pesquisas sobre bens públicos globais
a montante para as iniciativas de implementação
dessas inovações a jusante. Os países beneficiários são
responsáveis por identificar os melhores locais para a
construção de clínicas e treinar o pessoal? E os doadores
estão ajudando a capacitar as equipes locais para
eliminar a necessidade de peritos ocidentais? Será que
os países com melhor desempenho estão transmitindo
as lições aprendidas para que outros países façam o
mesmo? Essa é uma importante área de aprendizado na
Fundação.
Há muito tempo acho que as desigualdades em saúde
são uma das maiores iniquidades do mundo – é injusto
e inaceitável que milhões de crianças morram cada ano
de doenças que podem ser prevenidas ou tratadas. Não
creio que o destino das crianças deva depender do que
Warren Buffet chama de “loteria ovariana”. Se atingirmos
a meta de convergência, essa loteria ovariana será
fechada de uma vez por todas.

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

17
MITO

SALVAR VIDAS
RESULTA EM
SUPERPOPULAÇÃO.
Melinda Gates

18

Vemos com frequência comentários desse
tipo no blog, na página do Facebook e
nas mensagens do Twitter da Fundação
Gates. Explica-se que as pessoas estejam
preocupadas quanto à capacidade do
planeta para continuar a sustentar a
humanidade, principalmente em uma
época de mudança climática. No entanto,
esse tipo de pensamento criou muitos
problemas para o mundo. As ansiedades
quanto ao tamanho da população mundial
têm uma tendência perigosa de obscurecer
as preocupações com os seres humanos
que formam essa população.
Pelo menos desde Thomas Malthus,
que publicou seu “Ensaio sobre o
Princípio da População” em 1798,
as pessoas têm se preocupado
com cenários de fim de mundo em
que a quantidade de alimentos não
consegue acompanhar o aumento
da população. Mais recentemente,
no período da Guerra Fria, peritos
em política externa nos EUA
teorizavam que a fome tornaria
a população de países pobres
suscetível ao comunismo. O controle
da população dos países pobres, o
chamado “Terceiro Mundo”, tornouse política oficial no chamado
“Primeiro Mundo”. Nos piores casos,
isso significava tentar forçar as
mulheres a não engravidar. Pouco
a pouco, a comunidade global de
planejamento familiar afastou-se
desse enfoque restrito voltado a
limitar a reprodução e passou a

pensar em como ajudar as mulheres
a controlar suas próprias vidas. Foi
uma boa mudança. Tornamos o
futuro sustentável quando investimos
nos pobres e não quando insistimos
em seu sofrimento.
O fato é que a abordagem de não
intervenção no desenvolvimento –
deixando as crianças morrerem para
que não passem fome mais tarde –
realmente não funciona, graças a
Deus. Pode não ser muito intuitivo,
mas os países com mais mortes são
os que têm o maior crescimento
populacional do mundo. A explicação
é que a tendência das mulheres
nesses países é de ter mais partos.
Os estudiosos debatem os motivos
precisos desse fenômeno, mas a
correlação entre mortalidade infantil
e taxas de nascimento é forte.

Tornamos o futuro sustentável
quando investimos nos pobres e não
quando insistimos em seu sofrimento.

Mais crianças do que
nunca antes estão sendo
vacinadas, baixando as taxas
de mortalidade infantil (Roti
Mushahari, Índia, 2013).

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

19
SALVAR VIDAS RESULTA
EM SUPERPOPULAÇÃO

vigoroso de planejamento familiar, as taxas de
natalidade começaram a baixar. No decorrer de
apenas duas décadas, as mulheres tailandesas
passaram de uma média de seis filhos para
uma média de dois. Hoje a mortalidade infantil
na Tailândia é quase tão baixa quanto nos EUA
e as mulheres tailandesas têm, em média, 1,6
filhos.

Vejamos o Afeganistão, onde a mortalidade
infantil – o número de crianças que morrem
antes dos cindo anos de idade – é muito
alta. As mulheres afegãs têm, em média, 6,2
filhos.7 Devido a isso, embora mais de 10% das
crianças afegãs não sobrevivam, a previsão
é de que a população do país aumentará dos
30 milhões de hoje para 55 milhões até 2050.
Obviamente, taxas elevadas de mortalidade não
impedem o crescimento da população (sem
mencionar o fato de que ninguém considera
o Afeganistão um modelo para um futuro
próspero).

Se examinarem o gráfico abaixo, relativo
ao Brasil, verão a mesma coisa: à medida
que declinava a taxa de mortalidade infantil,
também baixava a taxa de natalidade. Também
tenho o gráfico da taxa de crescimento da
população para mostrar que a população
do país cresceu mais lentamente à medida
em que mais crianças sobreviviam. Se
examinarmos gráficos da maioria dos países
sul-americanos, as linhas serão semelhantes.

Quando crianças sobrevivem em maiores
números, os pais decidem ter famílias
menores. Vejamos o caso da Tailândia. A
mortalidade infantil começou a cair por volta
de 1960. Então, em cerca de 1970, após
investimento do governo em um programa

7

Estimar as taxas de fertilidade e mortalidade é uma
ciência inexata. Por isso, as estimativas produzidas
pela ONU e o Banco Mundial apresentam uma
pequena diferença. Na maioria dos casos (salvo
menção em contrário), uso as estimativas da ONU.

NO BRASIL, À MEDIDA QUE DECLINAVA A TAXA DE
MORTALIDADE INFANTIL, O MESMO OCORRIA COM AS TAXAS DE
FERTILIDADE E CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO

BRASIL

TAXA DE
MORTALIDADE

TAXA DE
FERTILIDADE

TAXA DE CRESCIMENTO
POPULACIONAL

A probabilidade, por 1.000,
de um recém-nascido morrer
antes dos cinco anos.

Número médio de
partos por mulher.

Mudança percentual da
população residente em
relação ao ano anterior.

150 / 6 / 3%
100 / 4 / 2%
50 / 2 / 1%

1965

1970

Fonte: Banco Mundial

20

1975

1980

1985

1990

1995

2000

2005

2010
AS TAXAS DE NATALIDADE DECLINARAM NA MAIOR PARTE DO MUNDO

Final do século XVIII

Década de 1880

Década de 1910

Década de 1960

F R A N ÇA

A L E M AN H A

A R G ENT I NA

BRASIL

Década de 1970

Década de 1970

Década de 1980

Década de 1980

VIETNÃ

E Q U ADO R

B A NG LA D ES H

SÍRIA

O padrão de declínio da mortalidade seguido
da redução das taxas de natalidade aplica-se
à ampla maioria dos países. Os demógrafos
realizaram muitos. Os franceses foram
os primeiros a iniciar essa transição, no
final do século XVIII. Na França, o tamanho
médio da família baixa a cada década há 150
anos seguidos. Na Alemanha, as mulheres
passaram a ter menos filhos na década de
1880 e, em apenas 50 anos, o tamanho das
famílias voltou a se estabilizar. No Sudeste
da Ásia e na América Latina, a média de
fertilidade baixou, em uma única geração,
de seis ou sete filhos para dois ou três por
mulher, graças, em grande medida, aos
anticoncepcionais modernos disponibilizados
na década de 1960.
Como muitos países – com exceções na África
ao sul do Saara e no Sul da Ásia – já passaram

por essa transição, a população global está
crescendo mais lentamente a cada ano. Como
disse Hans Rosling, professor do Instituto
Karolinska da Suécia e um dos meus nerds de
dados favoritos, “A quantidade de crianças no
mundo hoje é provavelmente a maior do que
jamais teremos no futuro! Estamos entrando
na era do Pico de Crianças!”.
Com base em toda a evidência, minha
perspectiva quanto a um futuro sustentável é
muito mais otimista do que a dos malthusianos.
O planeta não prospera quando se permite que
os mais doentes morram, mas, sim, quando
eles conseguem melhorar suas vidas. Os
seres humanos não são máquinas. Não nos
reproduzimos sem pensar. Tomamos decisões
com base nas circunstâncias que enfrentamos.
Eis um exemplo: as mães em Moçambique têm

Com acesso a uma gama de
anticoncepcionais e informações
sobre espaçamento de
gestações, mulheres como
Sharmila Devi podem criar
famílias mais saudáveis
(Aldeia de Dedaur, Índia, 2013).

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

21
SALVAR VIDAS RESULTA
EM SUPERPOPULAÇÃO

uma possibilidade 80 vezes maior de perder um filho do que as
mães em Portugal, o país que governou Moçambique até 1975.
Essa estatística agregada chocante representa uma realidade
horrível que as mulheres moçambicanas precisam confrontar;
elas nunca têm certeza se seus filhos sobreviverão. Conversei
com mães que deram à luz a muitas crianças, mas perderam a
maioria. Elas me disseram que todo o seu luto valeu a pena, para
acabar com o número de filhos sobreviventes que desejavam.
Quando as crianças são bem nutridas, plenamente vacinadas
e recebem tratamento para doenças comuns como diarréia,
malária e pneumonia, o futuro fica muito mais previsível. Os
pais começam a tomar decisões com base em expectativas
razoáveis de que seus filhos sobreviverão.
Taxas de mortalidade são apenas um dos muitos fatores que
afetam as taxas de natalidade. Por exemplo, o empoderamento
das mulheres – com base em idade ao se casar e nível de
formação – é um fator da maior importância. Moças que
casam quando ainda são adolescentes tendem a começar
a engravidar mais cedo e, portanto, terão mais filhos. Elas
normalmente deixam a escola, o que limita suas oportunidades
de aprender mais sobre seus corpos, sexo e reprodução
e também de adquirir outros tipos de conhecimento que
as ajudariam a melhorar de vida. Além disso, as esposas
adolescentes em geral têm dificuldades em seus casamentos
em falar sobre seu desejo de planejar suas famílias. Acabei
de viajar à Etiópia, onde conversei longamente com jovens
esposas, a maioria delas tendo-se casado aos 11 anos de
idade. Todas falaram sobre o desejo de um futuro diferente
para seus filhos, mas as informações de que dispunham sobre
anticoncepcionais eram incompletas na melhor das hipóteses.
Sabiam também que, quando foram obrigadas a deixar a
escola, fechou-se o melhor caminho para a oportunidade.
De fato, quando as meninas adiam o casamento e continuam
22

a estudar, tudo muda. Um estudo recente em 30 países em
desenvolvimento constatou que as mulheres sem escolaridade
tinham, em média, três filhos a mais do que mulheres
que cursaram o ensino médio. Quando as mulheres estão
empoderadas com conhecimentos e habilidades profissionais,
elas começam a mudar de opinião quanto ao tipo de futuro
que desejam.
Recentemente passei uma tarde com uma mulher chamada
Sadi Seyni, que mal consegue ganhar a vida para si e os cinco
filhos em uma fazenda árida da região desértica do Níger. Ela
desconhecia anticoncepcionais ao se casar, ainda adolescente.
Agora ela sabe e está deixando espaço de vários anos entre
cada gravidez para proteger sua saúde e a saúde de seus
recém-nascidos. Visitei o lugar onde ela aprendeu sobre
planejamento familiar: o poço da aldeia, onde as mulheres
vão para conversar. E conversar. E conversar. Enquanto
contávamos histórias, uma jovem esposa veio buscar água.
Com a ajuda de um tradutor, a jovem me disse que suas
gestações eram a “vontade de Deus” e, portanto, fora de seu
controle. Sadi sugeriu que, se essa moça continuasse a ir ao
poço e ouvir, ela iria mudar sua visão com o tempo. Mesmo a
educação informal, que ocorre quando algum conhecimento
se espalha entre pessoas amigas, transforma a maneira de se
pensar sobre o que é possível.
É importante destacar que o desejo de planejar é apenas
uma parte da equação; as mulheres precisam de acesso a
anticoncepcionais para continuarem em seu plano. Sadi mora
muito perto de uma clínica de saúde que, no entanto, não
dispõe das injeções anticoncepcionais que ela prefere. Por
isso, ela precisar caminhar 10 milhas de três em três meses
para obter suas injeções. Sadi está furiosa e com toda razão
com a grande dificuldade que tem em cuidar de si própria e de
sua família. Muitas mulheres como Sadi não têm informações
sobre o planejamento de suas gestações de maneira saudável
A exemplo de milhões de mulheres da África ao sul do
Saara, Sadi desconhecia anticoncepcionais ao se casar
(Talle, Níger, 2012).

milagre econômico asiático da década de
1980 foi a queda tão rápida da fertilidade em
todo o Sudeste da Ásia. Os peritos dão a esse
fenômeno o nome de dividendo demográfico.8
À medida que menos crianças morrem e
nascem, a estrutura etária da população
muda gradualmente, como se vê no gráfico
abaixo. A certa altura ocorre um acúmulo
de pessoas trabalhando em sua idade mais
produtiva. Isso significa que há mais gente
na força de trabalho gerando crescimento
econômico. Ao mesmo tempo, tendo em
vista que o número de crianças pequenas
é relativamente menor, o governo e os pais
podem investir mais na educação e saúde de
cada criança, o que pode resultar em mais
crescimento econômico a longo prazo.

e não têm acesso a anticoncepcionais. Mais
de 200 milhões de mulheres dizem que não
querem engravidar mas não estão usando
anticoncepcionais. Rouba-se dessas mulheres
as oportunidades de decidir sobre como criar
suas famílias. Por não poderem determinar
quantos filhos terão ou quando tê-los, também
enfrentam dificuldades maiores para alimentálos, pagar por cuidados médicos ou manda-los
à escola. É um círculo vicioso de pobreza.
Por outro lado, o círculo virtuoso que começa
com saúde básica e empoderamento resulta
não apenas em uma vida melhor para as
mulheres e suas famílias, mas também em
crescimento econômico significativo para o
país. Na verdade, um dos motivos do chamado

8

Para maiores informações sobre o dividendo demográfico, leia este excelente
trabalho elaborado pelo Instituto Gates sobre População e Saúde Reprodutiva
da Johns Hopkins University: http://gates.ly/1b0a8f1

A MUDANÇA DA ESTRUTURA ETÁRIA DA CORÉIA DO SUL
AJUDOU O PAÍS A OBTER O DIVIDENDO DEMOGRÁFICO

IDADE

1950

HOMENS

1970

1990

MULHERES

2010

FORÇA DE
TRABALHO

80+
75-79
70-74
65-69
60-64
55-59
50-54
45-49
40-44
35-39
30-34
25-29
20-24
15-19
10-14
5-9
0-4
10

5

0

5

10

10

5

0

5

10

10

5

0

5

10

10

5

0

5

10

% DA POPULAÇÃO

Fonte: Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais do Secretariado da ONU.

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

23
SALVAR VIDAS RESULTA
EM SUPERPOPULAÇÃO

Tais mudanças não ocorrem por si sós. É preciso que os
governos estabeleçam políticas para ajudar os países
a aproveitar a oportunidade criada por transições
demográficas. Com a ajuda de doadores, os governos
devem investir em saúde e educação, dar prioridade
ao planejamento familiar e criar empregos. Mas, se os
líderes definirem as prioridades estratégicas certas, a
perspectiva de um círculo virtuoso de desenvolvimento,
que transforme sociedades inteiras, será muito real.
Círculo virtuoso não é apenas um jargão de
desenvolvimento. É um fenômeno que milhões de
pessoas pobres entendem muito bem e que orienta
suas decisões do dia-a-dia. Tenho o privilégio de
conhecer mulheres e homens em países pobres que
praticam pequenos gestos de amor e otimismo –
como abster-se de algo para poder pagar a escola
de seus filhos – que impulsionam o círculo virtuoso.
O futuro que esperam e pelo qual trabalham
arduamente – esse é o futuro em que acredito.

Nessa versão do futuro, os países atualmente
pobres serão mais saudáveis, mais ricos, com maior
igualdade – e crescendo de maneira sustentável. A
visão alternativa resumida pelo mito malthusiano – um
mundo em que a sustentabilidade depende da miséria
permanente de alguns – é uma leitura equivocada das
evidências, além de ser uma falha de imaginação.
Salvar vidas não leva à superpopulação. Na verdade, o
que ocorre é exatamente o contrário. Criar sociedades
em que as pessoas gozem de saúde básica, alguma
prosperidade, igualdade fundamental e acesso a
anticoncepcionais é a única maneira de garantir um
mundo sustentável. Construiremos um futuro melhor
dando às pessoas liberdade e poder para construir um
futuro melhor para si próprias e para suas famílias.

Crianças que têm um início de vida
saudável entram em um círculo virtuoso de
desenvolvimento (Dakar, Senegal, 2013).

24
O FUTURO
Para quem lê notícias todos os dias, é fácil ter a impressão
de que o mundo está piorando. Não há nada de errado em
enfocar notícias ruins quando as colocamos em contexto.
Melinda e eu achamos repugnante o fato de que mais de seis
milhões de crianças morreram no ano passado. Mas ficamos
motivados pelo fato de que esse número é o menor jamais
registrado. Queremos assegurar que continue baixando.
Esperamos que vocês ajudem a desmentir esses mitos. Incentivem
seus amigos a colocar notícias ruins em contexto. Digam aos
líderes políticos que vocês se interessam em salvar vidas e apoiam a
assistência externa. Se quiserem fazer alguma doação, saibam que
as organizações que atuam em saúde e desenvolvimento oferecem
um retorno fenomenal para seu dinheiro. Quando estiverem em
um fórum online e alguém alegar que salvar crianças causa
superpopulação, expliquem os fatos. Vocês podem ajudar a criar
uma nova percepção global de que cada vida tem valor igual.
Todos temos a chance de criar um mundo em que a pobreza extrema
seja a exceção, e não a regra, e onde todas as crianças tenham
a mesma possibilidade de prosperar, não importa onde tenham
nascido. Para os que acreditamos no valor de cada vida humana,
não há nenhum outro trabalho mais inspirador no mundo hoje.

Bill & Melinda Gates
Co-presidentes
Bill & Melinda Gates Foundation
Janeiro de 2014

CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4

25
© 2014 Bill & Melinda Gates Foundation
Todos os direitos reservados. Bill & Melinda
Gates Foundation é marca registrada nos
Estados Unidos e outros países.

CAPA
TOPO
Vista panorâmica de Nova Deli
(Nova Deli, Índia, 2012) ©Corbis,
Christian Charisius/dpa
MEIO
Sacas de farinha enriquecida com ferro
e ácido fólico sendo estocadas num
moinho de trigo (Luxor, Egito, 2009)

www.gatesletter.com
#stopthemyth

FINAL (DA PÁGINA)
Aissatou Soumare ninando seu bebê
recém nascido. (Dakar, Senegal, 2013).

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3 mitos que bloqueiam o progresso dos pobres

  • 1. 3 MITOS QUE BLOQUEIAM O PROGRESSO DOS POBRES CARTA ANUAL GATES 2014 Bill e Melinda Gates
  • 2. Quando visitamos países pobres, vemos em primeira mão que o mundo está melhorando (Jamsaut, Índia, 2011).
  • 3. 3 MITOS QUE BLOQUEIAM O PROGRESSO DOS POBRES Quase todos os indicadores apontam para um mundo melhor do que nunca: vida humana mais longa e saudável, taxas de pobreza extrema reduzidas pela metade nos últimos 25 anos e mortalidade infantil em queda precipitada. Muitos países que recebiam assistência hoje são autossuficientes. Seria de se imaginar que tal progresso seria amplamente celebrado e que as pessoas procurariam logo saber o que está funcionando tão bem e como continuar assim. Mas isso não ocorre, pelo menos não com a mesma intensidade do progresso. Fico impressionado que tão poucos achem que o mundo está melhorando e com quantos tenham a opinião contrária – de que está piorando. Creio que isso ocorre, em parte, por que muita gente está sob a influência de vários mitos – ideias equivocadas que contradizem os fatos. Os mitos mais prejudiciais são os de que os pobres continuarão pobres, que os esforços para ajudálos são em vão e que salvar vidas somente agrava a situação. Compreendo que as pessoas possam ter essas opiniões negativas. É o que veem nos noticiários. Notícias ruins são eventos espetaculares de fácil cobertura para os jornalistas: um país que de repente é assolado pela fome ou um ditador que assume o poder em algum país. Boas notícias – pelo menos as que tenho em mente – ocorrem em câmara lenta. Países ficam mais ricos, mas é difícil filmar isso. A saúde melhora, mas não há entrevistas coletivas com crianças que não morreram de malária. A percepção de que o mundo está piorando, de que não podemos superar a pobreza extrema ou a doença, não é apenas errada. É prejudicial. Pode parar o progresso. Dá a impressão de que a busca de soluções não tem sentido. Impede que vejamos a oportunidade de criarmos um mundo em que quase todos têm a oportunidade de prosperar. Quando as pessoas acham que as coisas eram melhores no passado, podem ficar pessimistas e desejar a volta dos bons tempos. Quando acham que o melhor está por vir, veem as coisas de maneira diferente. Quando o historiador Bill Gates de ciência, James Burke, escreveu sobre a Renascença no livro O Dia em que o Universo Mudou, ele destacou uma explicação para os vários avanços que ocorreram naquele período impressionante: a mudança da percepção de que tudo estava em declínio e a adoção da perspectiva de que as pessoas podem criar, descobrir e melhorar a situação. Hoje, precisamos de uma mudança parecida para aproveitar plenamente a oportunidade de melhorar a vida para todos. Em todas as cinco cartas anuais que escrevi até agora, tratei das atividades de nossa fundação, mostrando onde estávamos e onde não estávamos avançando. Este ano, Melinda e eu decidimos não enfocar a fundação especificamente. (O relatório anual da fundação será publicado em breve e tratará do assunto.) Em vez disso, queremos nos concentrar inteiramente em três mitos que impedem o mundo de acelerar seu sucesso contra a pobreza e as doenças. Escrevi sobre os dois primeiros mitos, relativos à pobreza e à assistência. Melinda decidiu escrever sobre o terceiro, por estar vinculado à sua área de especialização: saúde reprodutiva. Ouvimos esses mitos serem mencionados em conferências internacionais e eventos sociais. Somos indagados a respeito por políticos, jornalistas, estudantes e CEOs. Todos os três refletem uma visão pessimista do futuro: o mundo não está melhorando e continua pobre, doente e superpovoado. Vamos defender a tese contrária, de que o mundo está ficando melhor e ficará melhor ainda dentro de duas décadas. Mas o futuro não está predeterminado. É preciso aplicar o engenho humano e transformar nossa compaixão em atos concretos. Começamos removendo barreiras que solapam a confiança e reduzem nosso impulso. É por isso que, na carta deste ano, Melinda e eu desmontamos alguns dos mitos que freiam o trabalho. Espero que façam o mesmo da próxima vez que ouvirem esses mitos. CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 01
  • 4. MITO PAÍSES POBRES ESTÃO CONDENADOS A CONTINUAR POBRES Bill Gates 03 Tenho ouvido esse mito citado em muitos lugares, a maioria na África. Uma breve busca na Internet produz dezenas de manchetes e títulos de livros: “Como os países ricos ficaram ricos e os países pobres continuam como estão”, “Por que os pobres permanecem pobres”, etc.
  • 5. Felizmente esses livros não são bestsellers, pois a premissa básica é falsa. O fato é que rendas e outros indicadores de bem-estar humano estão aumentando em quase toda a parte, inclusive na África. Então por que esse mito está tão arraigado? Passaremos à África daqui a pouco, mas examinemos a tendência mais ampla em todo o mundo há meio século. Há cinquenta anos o mundo estava dividido em três partes: Estados Unidos e nossos aliados ocidentais; a União Soviética e seus aliados; e todos os demais. Nasci em 1955 e cresci aprendendo que o chamado Primeiro Mundo estava bem de vida ou “desenvolvido”. Quase todos no Primeiro Mundo iam à escola e tinham vidas longas. Não sabíamos exatamente como era a vida atrás da Cortina de Ferro, mas parecia ser um lugar assustador. E havia o chamado Terceiro Mundo – basicamente todos os demais. Pelo que sabíamos, estava cheio de gente pobre que não ia muito à escola e morria jovem. O pior é que estavam encurralados na pobreza, sem esperança de melhorar. As estatísticas confirmam essas impressões. Em 1960, quase toda a economia global estava no Ocidente. A renda per capita nos Estados Unidos era de cerca de US$ 15.000 por ano.1 (Trata-se de renda por pessoa e, portanto, US$ 60.000 por ano para uma família de 4 pessoas.) Na Ásia, África e América Latina, as rendas por pessoa eram muito mais baixas. Brasil: US$ 1.982. China: US$ 928. Botsuana: US$ 383. E assim por diante. Anos depois, ao viajar, eu veria essa disparidade pessoalmente. Melinda e eu visitamos a Cidade do México em 1987 e ficamos surpresos com a pobreza. Não havia água corrente na maior parte das casas e as pessoas se deslocavam longas distâncias de bicicleta ou a pé para encher garrafas com água. Parecia com o que tínhamos visto em áreas rurais da África. O diretor do escritório da Microsoft na Cidade do México enviava seus filhos aos EUA para fazer exames médicos e verificar se a poluição estava afetando sua saúde. 1 O cálculo de PIB é uma ciência inexata, com muito espaço para erros e divergências. Para fins de uniformidade, em toda esta carta usarei dados de PIB per capita da Penn World Table, com ajustes de inflação para dólares de 2005. E, para simplificar, usarei o termo “renda por pessoa”. Projetos de desenvolvimento como os que fornecem água potável segura têm melhorado vidas em todo o mundo (Mtwara, Tanzânia, 2000). ©Corbis, Howard Davies CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 03
  • 6. PAÍSES POBRES ESTÃO CONDENADOS A CONTINUAR POBRES ©Corbis, Owen Franken ©Corbis, Keith Dannemiller CIDADE DO MÉXICO 1980 CIDADE DO MÉXICO 2011 Hoje, a cidade é tremendamente diferente. O ar é limpo como em Los Angeles (que não é grande coisa, mas certamente melhor do que em 1987). Há arranhacéus, novas estradas e pontes modernas. Ainda há favelas e bolsões de pobreza, mas agora, em geral, quando visito a cidade, tenho outra impressão: “Uau, a maioria dos moradores aqui é de classe média. Que milagre.” NAIRÓBI 1969, 2009 Vejam esta foto da Cidade do México em 1980 e compare com uma de hoje em dia: (TOPO) ©Getty Images, National Geographic ©Corbis, Nigel Pavitt X ANGAI 1978, 2012 Transformações semelhantes podem ser vistas nestas fotos de “antes e depois” de Nairóbi e Xangai... [DIREITA ] ©Corbis, Dean Conger 04 ©Corbis, John Heaton
  • 7. Essas fotos ilustram uma história poderosa: o quadro global da pobreza foi modificado completamente no decorrer de minha vida. As rendas por pessoa na Turquia e no Chile estão no nível dos Estados Unidos em 1960. A Malásia está quase lá e o Gabão também. E aquela terra de ninguém entre países ricos e pobres foi preenchida pela China, Índia, Brasil e outros. Desde 1960 a renda real por pessoa da China aumentou oito vezes. A da Índia quadruplicou, a do Brasil quase quintuplicou e Botsuana, um país pequeno com uma gestão inteligente de seus recursos minerais, registrou um aumento de 30 vezes. Há uma categoria de países no meio que mal existia há 50 anos e nela se encontra mais da metade da população mundial. Eis outra forma de ver a transição: contando pessoas em vez de países. (ABAIXO) A curva da pobreza: uma corcova em vez de duas Há meio século, a distribuição da renda no mundo parecia as duas corcovas de um camelo. A primeira corcova representava o chamado mundo em desenvolvimento. A segunda representava a população dos países mais ricos (a maior parte deles no Ocidente). No entanto, o mundo já não está mais dividido entre o Ocidente e o resto. Mais de um bilhão de pessoas saíram da pobreza extrema e a maior parte da humanidade agora se situa na grande corcova de um dromedário, no meio da curva. “Mundo dromedário” de 2012 “Mundo camelo” de 1960 PIB PER CAPITA EM PPP CONSTANTE DE 2005 US$1 / DIA US$10 / DIA US$100 / DIA FONTE: Gapminder, baseado no Documento de Trabalho 1 “The Changing Shape of Global Inequality 1820-2000: Exploring a New Dataset [A Forma Cambiante da Desigualdade Global 1820-2000: Explorando um Novo Conjunto de Dados]”, de Jan Luiten van Zanden et al., Centro de História Econômica Global, Universidade de Utrecht, janeiro de 2011. CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 05
  • 8. PAÍSES POBRES ESTÃO CONDENADOS A CONTINUAR POBRES Portanto, a melhor maneira de se responder ao mito de que países pobres estão condenados a continuar pobres é destacar um fato: eles não continuam pobres. Muitos países – mas certamente não todos – que chamávamos de pobres hoje têm economias vibrantes. E a percentagem de pessoas muito pobres reduziu-se por mais da metade desde 1990. Ainda não chegou a hora de comemorar, pois ainda há mais de um bilhão de pessoas em pobreza extrema. Mas seria razoável dizer que o mundo mudou e que os termos “países em desenvolvimento” e “países desenvolvidos” perderam sua pertinência. Até 2035 quase não haverá mais países pobres no mundo. Qualquer categoria que junte a China e a República Democrática do Congo confunde mais do que esclarece. Alguns dos chamados países em desenvolvimento avançaram tanto que seria justo dizer que se desenvolveram. Alguns estados falidos não estão se desenvolvendo nem um pouco. A maioria dos países fica em algum ponto no meio. Por isso é mais instrutivo pensar em termos de países de baixa, média e alta renda. (Alguns especialistas chegam mesmo a dividir os países de renda média em duas subcategorias: média-baixa e média-alta.) Com isso em mente, voltemos à versão mais específica e perniciosa desse mito: “Certamente os tigres da Ásia estão bem, mas a vida na África nunca melhora nem vai melhorar." Saúde, educação e renda estão aumentando à medida que mais países da África aderem a modelos sustentáveis de desenvolvimento (Nairóbi, Quênia ). ©Getty Images, Tom Cockrem 06
  • 9. Primeiramente, não deixe ninguém dizer que a África está pior hoje do que há 50 anos. Na realidade, a renda por pessoa aumentou na África ao sul do Saara nesse período – e bastante em alguns países. Houve uma queda acentuada durante a crise da dívida da década de 1980, mas aumentou em dois terços desde 1998, passando de pouco mais de US$ 1.300 para quase US$ 2.200. Hoje, um número crescente de países está entrando em um desenvolvimento forte e sustentável e outros mais seguirão pelo mesmo caminho. Sete das dez economias de maior crescimento nos últimos 5 anos estão na África. A África também teve grande avanço em saúde e educação. Desde 1960, a duração da vida das mulheres ao sul do Saara aumentou de 41 para 57 anos, apesar da epidemia de HIV. Sem HIV seria de 61 anos. A percentagem de crianças matriculadas nas escolas passou de pouco mais de 40% para mais de 75% desde 1970. Menos pessoas passam fome e mais gente tem boa nutrição. Se ter comida suficiente, ir à escola e viver mais são medidas de uma vida boa, então a vida certamente está melhorando na África. Essas melhoras não são o fim da história; são a base para mais progresso. É claro que essas médias regionais encobrem grandes diferenças entre países. Na Etiópia, a renda é de apenas US$ 800 por ano por pessoa. Em Botsuana é de quase US$ 12.000. Essa enorme diferença também ocorre dentro dos países. A vida em uma área urbana importante como Nairóbi não se parece em nada com a vida em um vilarejo rural do Quênia. Deve-se duvidar de quem trata todo o continente como se fosse uma massa indiferenciada de pobreza e doença. Alguns países ficarão para trás devido a guerras, política (Coréia do Norte, salvo se houver mudanças importantes) ou geografia (países sem acesso ao mar no centro da África). Vai persistir o problema da desigualdade: haverá pobres em cada região. No entanto, a maior parte estará em países autossuficientes. Cada país da América do Sul, Ásia e América Central (com a possível exceção do Haiti), e a maioria nas costas da África terão entrado para a categoria dos países de renda média. Mais de 70% dos países terão uma renda por pessoa maior do que a da China hoje em dia. Quase 90% terão renda maior do que a da Índia atualmente. Será uma realização notável. Quando nasci, a maioria dos países do mundo era pobre. Nas duas próximas décadas, os países em pobreza extrema passarão a ser exceção em vez de norma. Bilhões de pessoas terão saído da pobreza extrema. A ideia de que isso ocorrerá durante minha vida é simplesmente surpreendente para mim. Alguns dirão que ajudar quase todos os países a se desenvolver até o nível de renda média não vai resolver todos os problemas do mundo e até mesmo agravará alguns. De fato precisaremos desenvolver fontes mais baratas e limpas de energia para evitar que todo esse crescimento agrave o clima e o meio ambiente. Também teremos de resolver os problemas gerados pela prosperidade, como taxas mais elevadas de diabetes. Mas, à medida em que as pessoas se educarem mais, elas contribuirão para resolver tais problemas. Levar a agenda de desenvolvimento à sua quase plenitude será mais importante para melhorar a vida humana do que qualquer outra ação. Conclusão: Os países pobres não estão condenados a continuar pobres. Alguns dos chamados países em desenvolvimento na verdade já se desenvolveram. Muitos mais estão a caminho. Os que ainda buscam seu caminho não estão tentando algo sem precedentes. Há bons exemplos a seguir. Sinto um otimismo suficiente para fazer uma previsão. Até 2035, quase não haverá mais países pobres no mundo.2 Praticamente todos os países serão o que hoje chamamos de renda média-baixa ou até mais ricos. Os países aprenderão com seus vizinhos mais produtivos e se beneficiarão de inovações como novas vacinas, melhores sementes e a revolução digital. Suas forças de trabalho, estimuladas pela expansão da educação, atrairão novos investimentos. 2 Especificamente, acho que até 2035 quase nenhum país será tão pobre quanto os 35 países que o Banco Mundial hoje classifica como de baixa renda, mesmo após ajustes de inflação. CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 07
  • 10. MITO ASSISTÊNCIA EXTERNA É UM GRANDE DESPERDÍCIO. Bill Gates 08 Vocês podem ter lido artigos sobre assistência externa com grandes generalizações baseadas em exemplos menores. Eles tendem a citar casos de desperdício em algum programa e sugerem que a assistência externa é um desperdício. Com muitas histórias desse tipo é fácil ter a impressão de que a assistência não funciona. Não surpreende que um jornal britânico informou no ano passado que mais da metade dos eleitores quer cortar a assistência externa.
  • 11. Essas matérias lhes dão um quadro distorcido do que ocorre nos países que recebem assistência. Desde que Melinda e eu iniciamos a fundação há 13 anos, tivemos a sorte de ver o impacto de programas financiados pela fundação e governos doadores. O que vemos no decorrer do tempo é gente vivendo mais, ficando mais saudável e escapando da pobreza, em parte devido a serviços que a assistência ajudou a desenvolver e distribuir. Eu me preocupo com o mito de que a assistência não funciona. Isso dá aos líderes políticos a desculpa para tentar cortar a assistência – e isso significaria menos vidas salvas e mais tempo até que os países se tornem autossuficientes. Quero responder a algumas críticas que vocês podem ter lido.3 Devo reconhecer inicialmente que nenhum programa é perfeito e que há maneiras de aumentar a eficácia da assistência. E a assistência é apenas uma das ferramentas no combate à pobreza e doença: países ricos também precisam de mudanças de políticas, como a abertura de seus mercados e a redução de subsídios agrícolas, e países pobres precisam gastar mais em saúde e desenvolvimento para seu próprio povo. Em termos gerais, a assistência é um investimento fantástico e devemos fazer mais. Ela salva e melhora vidas com muita eficácia, estabelecendo as bases para o tipo de progresso a longo prazo que descrevi no mito 1 (que, por sua vez, ajuda os países a deixar de depender de assistência). É irônico que a fundação tenha fama de insistir em resultados, enquanto muitos duvidam dos programas de assistência governamental aos quais nos associamos. A fundação faz muito para ajudar tais programas a ser mais eficientes e a medir seu progresso. 3 Vou enfocar mais os programas de saúde e agricultura, já que Melinda e eu temos experiência direta nisso (e uma parcela crescente de toda a assistência dos Estados Unidos destina-se à saúde). Apoiamos outros tipos de assistência internacional, inclusive em infraestrutura e educação, mas temos trabalhado menos nessas áreas. A assistência externa ajuda refugiados como Nikuze Aziza a alimentar suas famílias e manter boa saúde (Campo Kiziba, Ruanda, 2011). É irônico que a fundação tenha fama de insistir em resultados, enquanto muitos duvidam dos programas de assistência governamental aos quais nos associamos. CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 09
  • 12. ASSISTÊNCIA EXTERNA É UM GRANDE DESPERDÍCIO. O VOLUME DE ASSISTÊNCIA Muitos acham que a assistência para o desenvolvimento seja uma parcela grande dos orçamentos dos países ricos – o que significa ser possível economizar muito realizando cortes. Quando as pesquisas de opinião perguntam aos americanos que parcela do orçamento é destinada a assistência, a resposta média é 25%. Indagados sobre quanto o governo deveria gastar, a resposta tende a ser 10%. Suponho que o mesmo ocorra no Reino Unido, Alemanha e outras partes. Eis os números verdadeiros. Na Noruega, o país mais generoso do mundo, é menos de 3%. Nos Estados Unidos é menos de 1%. Um por cento do orçamento dos EUA é cerca de US$ 30 bilhões por ano. Desse total, cerca de US$ 11 bilhões vão para a saúde: vacinas, mosquiteiros, planejamento familiar, remédios para manter vivas as pessoas com HIV e assim por diante. (Os outros US$ 19 bilhões cobrem atividades como construção de escolas, estradas e sistema de irrigação.) Não quero dar a impressão de que US$ 11 bilhões não seja muito dinheiro. Mas, em perspectiva, trata-se de cerca de US$ 30 por cada cidadão americano. Imaginem se o formulário de declaração de imposto de renda perguntasse: “Podemos usar US$ 30 do imposto que você já está pagando para proteger 120 crianças contra o sarampo?”4 Você marcaria sim ou não? Vejamos o impacto geral do gasto. Em termos gerais, somei todo o dinheiro gasto por doadores em assistência à saúde desde 1980. Em seguida, dividi o número de mortes infantis que foram evitadas no mesmo período. Chegase a menos de US$ 5.000 por criança salva (e o dado não inclui melhorias na saúde além de salvar crianças).5 US$ 5.000 pode parecer caro, mas devemos nos lembrar que agências do governo dos EUA tipicamente avaliam a vida de um americano em vários milhões de dólares. 4 5 Tendo em vista que a vacina contra sarampo custa 25 centavos de dólar por criança, US$ 30 comprariam vacinas para 120 crianças. Calculei a redução da mortalidade infantil desde 1980, o início da “Revolução de Sobrevivência da Criança”, que tornou muito mais acessível a terapia de vacinas e reidratação oral. Chega-se a 100 milhões de mortes evitadas. O total da assistência – US$ 500 bilhões – inclui dinheiro de todos os doadores para vacinas, HIV/AIDS, planejamento familiar, além de água e saneamento desde 1980. 10 Esse cálculo não leva em consideração o quanto a mortalidade infantil poderia ter caído sem assistência – o que aumentaria o custo por vida salva. Por outro lado, incluí muita assistência que não se destinava a salvar crianças – mas, digamos, para tratar adultos com AIDS. Assim sendo, esse cálculo exagera o custo por vida salva.
  • 13. Um número crescente de países na África está criando sistemas comunitários de saúde que têm um excelente nível de custo-benefício (Accra, Gana, 2013). Lembrem-se também de que crianças saudáveis fazem mais do que apenas sobreviver. Elas vão à escola e acabam trabalhando. Em tempo tornam seus países mais autossuficientes. É por isso que digo que a assistência é tão vantajosa. Este gráfico (ABAIXO) mostra alguns dos programas apoiados pelos Estados Unidos e outros doadores. Como podem ver, o impacto é bem impressionante. O governo dos EUA gasta mais do que o dobro em subsídios agrícolas do que em assistência à saúde. Gasta mais de 60 vezes mais na área militar. Da próxima vez que alguém lhe disser que podemos reduzir o orçamento cortando a assistência, espero que lhe perguntem se isso custará a morte de mais pessoas. O QUE A ASSISTÊNCIA COMPRA Desde 2000 440M DE CRIANÇAS Por meio da assistência externa, os contribuintes de todo o mundo investem em organizações de desenvolvimento que estão salvando vidas nos países mais pobres. Desde 1988 2,5B DE CRIANÇAS foram imunizadas contra doenças que podem ser evitadas com vacinas foram imunizadas contra a pólio A GAVI tem financiado o fortalecimento de sistemas de saúde e serviços de imunização em mais de Desde 1988, o número de países com pólio endêmica baixou de 70 PAISES 125 PARA 3 Entre 2011 e 2015, com apoio da GAVI, serão imunizadas outros Em apenas 25 anos, os casos novos de pólio foram reduzidos de 350.000 por ano para 243M DE CRIANÇAS MENOS DE 400 em 2013 Até o final de 2013, programas apoiados pelo Fundo Global foram responsáveis por 6,1M DE PESSOAS que haviam recebido terapia anti-retroviral Detecção e tratamento de 11,2 M DE CASOS DE TUBERCULOSE Distribuição de 360M de mosquiteiros tratados com inseticida CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 11
  • 14. ASSISTÊNCIA EXTERNA É UM GRANDE DESPERDÍCIO. CORRUPÇÃO Uma das narrativas mais comuns sobre assistência refere-se à parte que é desperdiçada por corrupção. É verdade que, quando a assistência para a saúde é roubada ou desperdiçada, paga-se o preço em vidas. Precisamos erradicar a fraude e obter mais de cada dólar. No entanto, também devemos ter em mente a dimensão relativa do problema. Corrupção em pequena escala, como o funcionário publico que cobra gastos de viagem fictícios, é uma ineficiência que equivale a um imposto sobre a assistência. Embora devamos tentar reduzir isso, não há como eliminar, assim como não podemos eliminar o desperdício em todos os programas de governo e mesmo em empresas particulares. Suponhamos que a corrupção em pequena escala corresponda a um imposto de 2% sobre o custo de se salvar uma vida. Devemos tentar reduzir isso, mas, se não pudermos, deixaríamos de tentar salvar vidas? Vocês podem ter ouvido falar de um escândalo no Camboja ano passado envolvendo um programa de mosquiteiros sob gestão do Fundo Global de Combate à AIDS, Tuberculose e Malária. Funcionários cambojanos foram apanhados recebendo propinas de centenas de milhares de dólares de fornecedores. Houve manchetes do tipo “Como desperdiçar dinheiro de assistência externa”. Fui citado em um artigo como uma das pessoas cujo dinheiro estava sendo desperdiçado. Agradeço a preocupação e é bom ver que a imprensa cobra respostas das instituições. Mas a imprensa não foi quem descobriu esse esquema. Foi o Fundo Global ao fazer uma auditoria interna. Ao descobrir e corrigir o problema, o Fundo Global fez exatamente o que devia fazer. Seria estranho exigir que eles eliminassem a corrupção e depois atacá-los por terem descoberto a pequena percentagem de abuso. 12 Desde 2000, um esforço global contra a malária salvou 3,3 milhões de vidas (Aldeia de Phnom Dambang, Camboja, 2011). Quatro dos últimos sete governadores do estado norteamericano de Illinois foram presos por corrupção e, que eu saiba, ninguém exigiu o fechamento das escolas ou estradas de Illinois.
  • 15. Há nisso dois pesos e duas medidas. Ouvimos gente exigindo que o governo feche um programa de assistência quando se descobre um dólar de corrupção. Por outro lado, quatro dos últimos sete governadores do estado norte-americano de Illinois foram presos por corrupção e, que eu saiba, ninguém exigiu o fechamento das escolas ou estradas de Illinois. Melinda e eu não apoiaríamos o Fundo Global ou qualquer outro programa se o dinheiro fosse mal empregado em grande escala. As mortes por malária declinaram 80% no Camboja desde que o Fundo Global iniciou suas atividades no país em 2003. As histórias horríveis – segundo as quais a assistência serve apenas para ajudar o ditador a construir um novo palácio – vêm da época em que muita assistência visava apenas ganhar aliados na Guerra Fria em vez de melhorar vidas humanas. Desde aquela época, todos os interessados aprimoraram muito a medição dos resultados. Principalmente em saúde e agricultura, podemos validar os resultados e saber o que obtemos por cada dólar que gastamos. Mais e mais, a tecnologia ajudará na luta contra a corrupção. A Internet está ajudando os cidadãos a saberem o que seu governo deveria estar oferecendo – como o volume de recursos que sua clínica deve receber – e assim podem cobrar dos funcionários. À medida em que aumenta o conhecimento do público, reduz-se a corrupção e mais dinheiro segue para o lugar certo. CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 13
  • 16. ASSISTÊNCIA EXTERNA É UM GRANDE DESPERDÍCIO. DEPENDÊNCIA DE ASSISTÊNCIA Outro argumento dos críticos é de que a assistência restringe o desenvolvimento econômico normal, mantendo os países sob dependência da generosidade de pessoas de fora. e agora doa mais do que recebe. A China também é um doador líquido e financia muita atividade científica para ajudar os países em desenvolvimento. A Índia recebe 0,09% de seu PIB em assistência; em 1991 recebia 1%. Esse argumento contém vários erros. Primeiramente, junta tipos diferentes de assistência. Não diferencia a assistência enviada diretamente a governos e recursos utilizados para pesquisas sobre novas ferramentas, como vacinas e sementes. O que os EUA gastaram na década de 1960 para desenvolver safras mais produtivas tornaram os países asiáticos e latino-americanos menos (e não mais) dependentes de nós. O que gastamos hoje em uma Revolução Verde para a África ajuda os países a produzirem mais alimentos, reduzindo também sua dependência. A assistência é essencial para esses “bens públicos globais”, que são essenciais para a saúde e o crescimento econômico. Por isso nossa fundação aplica mais de um terço de nossos financiamentos no desenvolvimento de novas ferramentas. Mesmo na África ao sul do Saara, a parcela da economia que provém da assistência é um terço menor do que há 20 anos, embora o total da assistência à região tenha dobrado. Alguns países, como a Etiópia, dependem de assistência e todos – principalmente os próprios etíopes– querem que a situação mude. Desconheço qualquer argumento convincente de que a Etiópia estaria melhor hoje em dia com muito menos assistência. Segundo, o argumento de que “assistência cria dependência” ignora todos os países que deixaram de receber assistência e se concentra apenas nos casos mais difíceis. Eis uma breve lista de antigos grandes beneficiários que cresceram tanto que hoje praticamente não recebem qualquer assistência: Botsuana, Marrocos, Brasil, México, Chile, Costa Rica, Peru, Tailândia, Maurício, Cingapura e Malásia. A Coréia do Sul recebeu enormes volumes de assistência após a Guerra da Coréia 14 Quem critica tem razão em dizer que não há prova definitiva de que a assistência seja um motor do desenvolvimento econômico. Mas o mesmo pode ser dito sobre qualquer outro fator da economia. É muito difícil saber exatamente que investimentos estimularão o crescimento econômico, sobretudo a curto prazo. No entanto, sabemos que a assistência melhora a saúde, agricultura e infraestrutura – o que tem uma forte correlação com o crescimento a longo prazo. Assistência em saúde salva vidas e permite o desenvolvimento mental e físico das crianças. Pesquisas mostram que elas serão adultos mais saudáveis e mais produtivos no trabalho. Ao se posicionar contra esse tipo de assistência, é preciso argumentar que salvar vidas não afeta o crescimento econômico ou que não interessa salvar vidas.
  • 17. O rendimento das safras de Sharifa Idd Mumbi aumentou de maneira espetacular desde que começou a usar novas sementes de milho mais tolerantes à seca (Região de Morogoro, Tanzânia, 2010). O poder da assistência para salvar vidas é tão óbvio que mesmo os críticos da assistência o reconhecem. No meio de seu livro O Fardo do Homem Branco, William Easterly (um dos mais conhecidos críticos da assistência) lista vários sucessos globais de saúde que foram financiados mediante assistência. Eis alguns destaques: “Uma campanha de vacinação no sul da África praticamente eliminou o sarampo como doença fatal da infância.” “Um esforço internacional erradicou a varíola no mundo.” “Um programa de controle de tuberculose na China reduziu o número de casos em 40% entre 1990 e 2000.” “Um programa regional para eliminar a pólio na América Latina após 1985 eliminou-a como ameaça à saúde pública nas Américas.” Último ponto que vale a pena citar. Hoje há apenas três países que nunca estiveram livres da pólio: Afeganistão, Paquistão e Nigéria. No ano passado, a comunidade global da saúde adotou um plano abrangente para eliminar a pólio no mundo até 2018, e dezenas de doadores se ofereceram para financiálo. Com a eliminação da pólio, o mundo economizará cerca de US$ 2 bilhões por ano, que hoje são empregados no combate à doença. Conclusão: A assistência à saúde é um investimento fenomenal. Ao examinar a redução do número de mortes infantis nos últimos trinta anos e quantas pessoas agora têm vidas mais longas e saudáveis, sinto um grande otimismo quanto ao futuro. A fundação trabalhou com um grupo de destacados economistas e especialistas em saúde global examinando as possibilidades futuras. Mês passado eles escreveram na revista médica The Lancet que, com os investimentos apropriados e mudanças em políticas, até 2035 cada país terá taxas de mortalidade infantil tão baixas quanto as dos Estados Unidos ou Reino Unido em 1980.6 6 Especificamente, a Comissão Lancet sobre Investimentos em Saúde concluiu que as taxas de doenças infecciosas, mortalidade infantil e mortalidade materna “podem baixar ao nível que se observa atualmente nos países de renda média com melhor desempenho". Hoje em dia, nos países de renda média com melhor desempenho, a taxa de mortalidade infantil é de cerca de 15 por mil nascimentos vivos – o equivalente à taxa dos Estados Unidos em 1980. CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 15
  • 18. ASSISTÊNCIA EXTERNA É UM GRANDE DESPERDÍCIO. Pode-se ver como a convergência será espetacular: (ABAIXO) Coloquemos esse sucesso em perspectiva histórica. Um bebê nascido em 1960 tinha uma chance de 18% de morrer antes dos cinco anos. Para uma criança nascida hoje, a probabilidade é inferior a 5%. Em 2035, a probabilidade será de 1,6%. Não conheço nenhuma melhora em um prazo de 75 anos que possa se comparar a isso. Para tanto será necessário que o mundo se una em torno dessa meta, inclusive cientistas e profissionais de saúde, bem como países doadores e beneficiários. A inclusão dessa visão na próxima rodada dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU ajudará a todos os que atuam em prol desse marco importante. Muitos países de baixa e média renda se desenvolverão o suficiente para pagarem pela convergência. Outros ainda precisarão da generosidade de doadores, inclusive de investimentos em pesquisa e desenvolvimento em saúde. Os governos também deverão adotar políticas apropriadas. Por exemplo, os países de renda média devem considerar impostos sobre o tabaco e cortes nos subsídios a combustíveis fósseis, liberando recursos para a saúde. CONVERGINDO RUMO A UM AVANÇO DECISIVO PARA A HUMANIDADE Com investimentos apropriados nas próximas duas décadas, as taxas de mortalidade infantil em quase todos os países poderão cair para o mesmo nível em que os Estados Unidos estavam em 1980. Mortes por 1.000 nascimentos 200 Países de renda baixa e média-baixa 150 Até 2035, a mortalidade infantil em quase todos os países poderá ser tão baixa quanto a dos Estados Unidos em 1980. 100 50 Estados Unidos em 1980: 15 mortes por mil nascimentos 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030 2035 FONTE: Dados históricos do Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial. Projeções adaptadas da Comissão Lancet sobre Investimentos na Saúde, “Global Health 2035: A World Converging within a Generation [Saúde Global 2035: Um mundo Convergindo em uma Geração]”. The Lancet, 3 de dezembro de 2013, Apêndice 5. 16
  • 19. Hannah Konadu é uma das milhares de pessoas que trabalham na área de saúde em Gana, onde a cobertura de imunização é superior a 90% (Agordiebe, Gana, 2013). É injusto e inaceitável que milhões de crianças morram cada ano de doenças que podem ser prevenidas ou tratadas. Espero principalmente que deixemos de discutir se a assistência funciona e dediquemos mais tempo a como aprimorá-la ainda mais. Isso é essencial à medida que passamos das pesquisas sobre bens públicos globais a montante para as iniciativas de implementação dessas inovações a jusante. Os países beneficiários são responsáveis por identificar os melhores locais para a construção de clínicas e treinar o pessoal? E os doadores estão ajudando a capacitar as equipes locais para eliminar a necessidade de peritos ocidentais? Será que os países com melhor desempenho estão transmitindo as lições aprendidas para que outros países façam o mesmo? Essa é uma importante área de aprendizado na Fundação. Há muito tempo acho que as desigualdades em saúde são uma das maiores iniquidades do mundo – é injusto e inaceitável que milhões de crianças morram cada ano de doenças que podem ser prevenidas ou tratadas. Não creio que o destino das crianças deva depender do que Warren Buffet chama de “loteria ovariana”. Se atingirmos a meta de convergência, essa loteria ovariana será fechada de uma vez por todas. CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 17
  • 20. MITO SALVAR VIDAS RESULTA EM SUPERPOPULAÇÃO. Melinda Gates 18 Vemos com frequência comentários desse tipo no blog, na página do Facebook e nas mensagens do Twitter da Fundação Gates. Explica-se que as pessoas estejam preocupadas quanto à capacidade do planeta para continuar a sustentar a humanidade, principalmente em uma época de mudança climática. No entanto, esse tipo de pensamento criou muitos problemas para o mundo. As ansiedades quanto ao tamanho da população mundial têm uma tendência perigosa de obscurecer as preocupações com os seres humanos que formam essa população.
  • 21. Pelo menos desde Thomas Malthus, que publicou seu “Ensaio sobre o Princípio da População” em 1798, as pessoas têm se preocupado com cenários de fim de mundo em que a quantidade de alimentos não consegue acompanhar o aumento da população. Mais recentemente, no período da Guerra Fria, peritos em política externa nos EUA teorizavam que a fome tornaria a população de países pobres suscetível ao comunismo. O controle da população dos países pobres, o chamado “Terceiro Mundo”, tornouse política oficial no chamado “Primeiro Mundo”. Nos piores casos, isso significava tentar forçar as mulheres a não engravidar. Pouco a pouco, a comunidade global de planejamento familiar afastou-se desse enfoque restrito voltado a limitar a reprodução e passou a pensar em como ajudar as mulheres a controlar suas próprias vidas. Foi uma boa mudança. Tornamos o futuro sustentável quando investimos nos pobres e não quando insistimos em seu sofrimento. O fato é que a abordagem de não intervenção no desenvolvimento – deixando as crianças morrerem para que não passem fome mais tarde – realmente não funciona, graças a Deus. Pode não ser muito intuitivo, mas os países com mais mortes são os que têm o maior crescimento populacional do mundo. A explicação é que a tendência das mulheres nesses países é de ter mais partos. Os estudiosos debatem os motivos precisos desse fenômeno, mas a correlação entre mortalidade infantil e taxas de nascimento é forte. Tornamos o futuro sustentável quando investimos nos pobres e não quando insistimos em seu sofrimento. Mais crianças do que nunca antes estão sendo vacinadas, baixando as taxas de mortalidade infantil (Roti Mushahari, Índia, 2013). CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 19
  • 22. SALVAR VIDAS RESULTA EM SUPERPOPULAÇÃO vigoroso de planejamento familiar, as taxas de natalidade começaram a baixar. No decorrer de apenas duas décadas, as mulheres tailandesas passaram de uma média de seis filhos para uma média de dois. Hoje a mortalidade infantil na Tailândia é quase tão baixa quanto nos EUA e as mulheres tailandesas têm, em média, 1,6 filhos. Vejamos o Afeganistão, onde a mortalidade infantil – o número de crianças que morrem antes dos cindo anos de idade – é muito alta. As mulheres afegãs têm, em média, 6,2 filhos.7 Devido a isso, embora mais de 10% das crianças afegãs não sobrevivam, a previsão é de que a população do país aumentará dos 30 milhões de hoje para 55 milhões até 2050. Obviamente, taxas elevadas de mortalidade não impedem o crescimento da população (sem mencionar o fato de que ninguém considera o Afeganistão um modelo para um futuro próspero). Se examinarem o gráfico abaixo, relativo ao Brasil, verão a mesma coisa: à medida que declinava a taxa de mortalidade infantil, também baixava a taxa de natalidade. Também tenho o gráfico da taxa de crescimento da população para mostrar que a população do país cresceu mais lentamente à medida em que mais crianças sobreviviam. Se examinarmos gráficos da maioria dos países sul-americanos, as linhas serão semelhantes. Quando crianças sobrevivem em maiores números, os pais decidem ter famílias menores. Vejamos o caso da Tailândia. A mortalidade infantil começou a cair por volta de 1960. Então, em cerca de 1970, após investimento do governo em um programa 7 Estimar as taxas de fertilidade e mortalidade é uma ciência inexata. Por isso, as estimativas produzidas pela ONU e o Banco Mundial apresentam uma pequena diferença. Na maioria dos casos (salvo menção em contrário), uso as estimativas da ONU. NO BRASIL, À MEDIDA QUE DECLINAVA A TAXA DE MORTALIDADE INFANTIL, O MESMO OCORRIA COM AS TAXAS DE FERTILIDADE E CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO BRASIL TAXA DE MORTALIDADE TAXA DE FERTILIDADE TAXA DE CRESCIMENTO POPULACIONAL A probabilidade, por 1.000, de um recém-nascido morrer antes dos cinco anos. Número médio de partos por mulher. Mudança percentual da população residente em relação ao ano anterior. 150 / 6 / 3% 100 / 4 / 2% 50 / 2 / 1% 1965 1970 Fonte: Banco Mundial 20 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010
  • 23. AS TAXAS DE NATALIDADE DECLINARAM NA MAIOR PARTE DO MUNDO Final do século XVIII Década de 1880 Década de 1910 Década de 1960 F R A N ÇA A L E M AN H A A R G ENT I NA BRASIL Década de 1970 Década de 1970 Década de 1980 Década de 1980 VIETNÃ E Q U ADO R B A NG LA D ES H SÍRIA O padrão de declínio da mortalidade seguido da redução das taxas de natalidade aplica-se à ampla maioria dos países. Os demógrafos realizaram muitos. Os franceses foram os primeiros a iniciar essa transição, no final do século XVIII. Na França, o tamanho médio da família baixa a cada década há 150 anos seguidos. Na Alemanha, as mulheres passaram a ter menos filhos na década de 1880 e, em apenas 50 anos, o tamanho das famílias voltou a se estabilizar. No Sudeste da Ásia e na América Latina, a média de fertilidade baixou, em uma única geração, de seis ou sete filhos para dois ou três por mulher, graças, em grande medida, aos anticoncepcionais modernos disponibilizados na década de 1960. Como muitos países – com exceções na África ao sul do Saara e no Sul da Ásia – já passaram por essa transição, a população global está crescendo mais lentamente a cada ano. Como disse Hans Rosling, professor do Instituto Karolinska da Suécia e um dos meus nerds de dados favoritos, “A quantidade de crianças no mundo hoje é provavelmente a maior do que jamais teremos no futuro! Estamos entrando na era do Pico de Crianças!”. Com base em toda a evidência, minha perspectiva quanto a um futuro sustentável é muito mais otimista do que a dos malthusianos. O planeta não prospera quando se permite que os mais doentes morram, mas, sim, quando eles conseguem melhorar suas vidas. Os seres humanos não são máquinas. Não nos reproduzimos sem pensar. Tomamos decisões com base nas circunstâncias que enfrentamos. Eis um exemplo: as mães em Moçambique têm Com acesso a uma gama de anticoncepcionais e informações sobre espaçamento de gestações, mulheres como Sharmila Devi podem criar famílias mais saudáveis (Aldeia de Dedaur, Índia, 2013). CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 21
  • 24. SALVAR VIDAS RESULTA EM SUPERPOPULAÇÃO uma possibilidade 80 vezes maior de perder um filho do que as mães em Portugal, o país que governou Moçambique até 1975. Essa estatística agregada chocante representa uma realidade horrível que as mulheres moçambicanas precisam confrontar; elas nunca têm certeza se seus filhos sobreviverão. Conversei com mães que deram à luz a muitas crianças, mas perderam a maioria. Elas me disseram que todo o seu luto valeu a pena, para acabar com o número de filhos sobreviventes que desejavam. Quando as crianças são bem nutridas, plenamente vacinadas e recebem tratamento para doenças comuns como diarréia, malária e pneumonia, o futuro fica muito mais previsível. Os pais começam a tomar decisões com base em expectativas razoáveis de que seus filhos sobreviverão. Taxas de mortalidade são apenas um dos muitos fatores que afetam as taxas de natalidade. Por exemplo, o empoderamento das mulheres – com base em idade ao se casar e nível de formação – é um fator da maior importância. Moças que casam quando ainda são adolescentes tendem a começar a engravidar mais cedo e, portanto, terão mais filhos. Elas normalmente deixam a escola, o que limita suas oportunidades de aprender mais sobre seus corpos, sexo e reprodução e também de adquirir outros tipos de conhecimento que as ajudariam a melhorar de vida. Além disso, as esposas adolescentes em geral têm dificuldades em seus casamentos em falar sobre seu desejo de planejar suas famílias. Acabei de viajar à Etiópia, onde conversei longamente com jovens esposas, a maioria delas tendo-se casado aos 11 anos de idade. Todas falaram sobre o desejo de um futuro diferente para seus filhos, mas as informações de que dispunham sobre anticoncepcionais eram incompletas na melhor das hipóteses. Sabiam também que, quando foram obrigadas a deixar a escola, fechou-se o melhor caminho para a oportunidade. De fato, quando as meninas adiam o casamento e continuam 22 a estudar, tudo muda. Um estudo recente em 30 países em desenvolvimento constatou que as mulheres sem escolaridade tinham, em média, três filhos a mais do que mulheres que cursaram o ensino médio. Quando as mulheres estão empoderadas com conhecimentos e habilidades profissionais, elas começam a mudar de opinião quanto ao tipo de futuro que desejam. Recentemente passei uma tarde com uma mulher chamada Sadi Seyni, que mal consegue ganhar a vida para si e os cinco filhos em uma fazenda árida da região desértica do Níger. Ela desconhecia anticoncepcionais ao se casar, ainda adolescente. Agora ela sabe e está deixando espaço de vários anos entre cada gravidez para proteger sua saúde e a saúde de seus recém-nascidos. Visitei o lugar onde ela aprendeu sobre planejamento familiar: o poço da aldeia, onde as mulheres vão para conversar. E conversar. E conversar. Enquanto contávamos histórias, uma jovem esposa veio buscar água. Com a ajuda de um tradutor, a jovem me disse que suas gestações eram a “vontade de Deus” e, portanto, fora de seu controle. Sadi sugeriu que, se essa moça continuasse a ir ao poço e ouvir, ela iria mudar sua visão com o tempo. Mesmo a educação informal, que ocorre quando algum conhecimento se espalha entre pessoas amigas, transforma a maneira de se pensar sobre o que é possível. É importante destacar que o desejo de planejar é apenas uma parte da equação; as mulheres precisam de acesso a anticoncepcionais para continuarem em seu plano. Sadi mora muito perto de uma clínica de saúde que, no entanto, não dispõe das injeções anticoncepcionais que ela prefere. Por isso, ela precisar caminhar 10 milhas de três em três meses para obter suas injeções. Sadi está furiosa e com toda razão com a grande dificuldade que tem em cuidar de si própria e de sua família. Muitas mulheres como Sadi não têm informações sobre o planejamento de suas gestações de maneira saudável
  • 25. A exemplo de milhões de mulheres da África ao sul do Saara, Sadi desconhecia anticoncepcionais ao se casar (Talle, Níger, 2012). milagre econômico asiático da década de 1980 foi a queda tão rápida da fertilidade em todo o Sudeste da Ásia. Os peritos dão a esse fenômeno o nome de dividendo demográfico.8 À medida que menos crianças morrem e nascem, a estrutura etária da população muda gradualmente, como se vê no gráfico abaixo. A certa altura ocorre um acúmulo de pessoas trabalhando em sua idade mais produtiva. Isso significa que há mais gente na força de trabalho gerando crescimento econômico. Ao mesmo tempo, tendo em vista que o número de crianças pequenas é relativamente menor, o governo e os pais podem investir mais na educação e saúde de cada criança, o que pode resultar em mais crescimento econômico a longo prazo. e não têm acesso a anticoncepcionais. Mais de 200 milhões de mulheres dizem que não querem engravidar mas não estão usando anticoncepcionais. Rouba-se dessas mulheres as oportunidades de decidir sobre como criar suas famílias. Por não poderem determinar quantos filhos terão ou quando tê-los, também enfrentam dificuldades maiores para alimentálos, pagar por cuidados médicos ou manda-los à escola. É um círculo vicioso de pobreza. Por outro lado, o círculo virtuoso que começa com saúde básica e empoderamento resulta não apenas em uma vida melhor para as mulheres e suas famílias, mas também em crescimento econômico significativo para o país. Na verdade, um dos motivos do chamado 8 Para maiores informações sobre o dividendo demográfico, leia este excelente trabalho elaborado pelo Instituto Gates sobre População e Saúde Reprodutiva da Johns Hopkins University: http://gates.ly/1b0a8f1 A MUDANÇA DA ESTRUTURA ETÁRIA DA CORÉIA DO SUL AJUDOU O PAÍS A OBTER O DIVIDENDO DEMOGRÁFICO IDADE 1950 HOMENS 1970 1990 MULHERES 2010 FORÇA DE TRABALHO 80+ 75-79 70-74 65-69 60-64 55-59 50-54 45-49 40-44 35-39 30-34 25-29 20-24 15-19 10-14 5-9 0-4 10 5 0 5 10 10 5 0 5 10 10 5 0 5 10 10 5 0 5 10 % DA POPULAÇÃO Fonte: Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais do Secretariado da ONU. CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 23
  • 26. SALVAR VIDAS RESULTA EM SUPERPOPULAÇÃO Tais mudanças não ocorrem por si sós. É preciso que os governos estabeleçam políticas para ajudar os países a aproveitar a oportunidade criada por transições demográficas. Com a ajuda de doadores, os governos devem investir em saúde e educação, dar prioridade ao planejamento familiar e criar empregos. Mas, se os líderes definirem as prioridades estratégicas certas, a perspectiva de um círculo virtuoso de desenvolvimento, que transforme sociedades inteiras, será muito real. Círculo virtuoso não é apenas um jargão de desenvolvimento. É um fenômeno que milhões de pessoas pobres entendem muito bem e que orienta suas decisões do dia-a-dia. Tenho o privilégio de conhecer mulheres e homens em países pobres que praticam pequenos gestos de amor e otimismo – como abster-se de algo para poder pagar a escola de seus filhos – que impulsionam o círculo virtuoso. O futuro que esperam e pelo qual trabalham arduamente – esse é o futuro em que acredito. Nessa versão do futuro, os países atualmente pobres serão mais saudáveis, mais ricos, com maior igualdade – e crescendo de maneira sustentável. A visão alternativa resumida pelo mito malthusiano – um mundo em que a sustentabilidade depende da miséria permanente de alguns – é uma leitura equivocada das evidências, além de ser uma falha de imaginação. Salvar vidas não leva à superpopulação. Na verdade, o que ocorre é exatamente o contrário. Criar sociedades em que as pessoas gozem de saúde básica, alguma prosperidade, igualdade fundamental e acesso a anticoncepcionais é a única maneira de garantir um mundo sustentável. Construiremos um futuro melhor dando às pessoas liberdade e poder para construir um futuro melhor para si próprias e para suas famílias. Crianças que têm um início de vida saudável entram em um círculo virtuoso de desenvolvimento (Dakar, Senegal, 2013). 24
  • 27. O FUTURO Para quem lê notícias todos os dias, é fácil ter a impressão de que o mundo está piorando. Não há nada de errado em enfocar notícias ruins quando as colocamos em contexto. Melinda e eu achamos repugnante o fato de que mais de seis milhões de crianças morreram no ano passado. Mas ficamos motivados pelo fato de que esse número é o menor jamais registrado. Queremos assegurar que continue baixando. Esperamos que vocês ajudem a desmentir esses mitos. Incentivem seus amigos a colocar notícias ruins em contexto. Digam aos líderes políticos que vocês se interessam em salvar vidas e apoiam a assistência externa. Se quiserem fazer alguma doação, saibam que as organizações que atuam em saúde e desenvolvimento oferecem um retorno fenomenal para seu dinheiro. Quando estiverem em um fórum online e alguém alegar que salvar crianças causa superpopulação, expliquem os fatos. Vocês podem ajudar a criar uma nova percepção global de que cada vida tem valor igual. Todos temos a chance de criar um mundo em que a pobreza extrema seja a exceção, e não a regra, e onde todas as crianças tenham a mesma possibilidade de prosperar, não importa onde tenham nascido. Para os que acreditamos no valor de cada vida humana, não há nenhum outro trabalho mais inspirador no mundo hoje. Bill & Melinda Gates Co-presidentes Bill & Melinda Gates Foundation Janeiro de 2014 CA R TA A N U A L GAT E S 2 0 1 4 25
  • 28. © 2014 Bill & Melinda Gates Foundation Todos os direitos reservados. Bill & Melinda Gates Foundation é marca registrada nos Estados Unidos e outros países. CAPA TOPO Vista panorâmica de Nova Deli (Nova Deli, Índia, 2012) ©Corbis, Christian Charisius/dpa MEIO Sacas de farinha enriquecida com ferro e ácido fólico sendo estocadas num moinho de trigo (Luxor, Egito, 2009) www.gatesletter.com #stopthemyth FINAL (DA PÁGINA) Aissatou Soumare ninando seu bebê recém nascido. (Dakar, Senegal, 2013).