O documento descreve como a ditadura militar no Brasil entre 1964-1985 reprimiu a liberdade de expressão artística e política, incluindo censura e perseguição. Duas músicas de resistência à ditadura são analisadas: "Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores" de Geraldo Vandré incita o povo à resistência, e "Apesar de Você" de Chico Buarque critica sutilmente o regime através de metáforas.
Estatuto dos funcionários públicos do estado de pernambuco
10 para epigrafe
1. CALE-SE - A MPB E A DITADURA MILITAR
A Ditadura Militar (1964 – 1985) e a produção musical
O regime militar assumiu o poder no Brasil em 1964, em um golpe de Estado que derrubou
João Goulart do cargo da presidência da República. Durante seus 21 anos, opositores políticos
foram presos e torturados ou mortos, e outros tiveram de recorrer ao exílio para se salvar. Nesse
grupo de opositores políticos estavam inclusos vários artistas que faziam críticas ao governo.
Assim que chegaram ao poder, os militares diminuíram a liberdade de imprensa e a de expressão,
e a liberdade artística foi muito prejudicada por métodos como a censura prévia. As coisas
pioraram para artistas, jornalistas e intelectuais em 1968, quando a ditadura instituiu o AI-5, e a
repressão aumentou. Os anos entre 1968 e 1973 foram marcados por grande crescimento
econômico e forte repressão política. Quando a economia começou a entrar em colapso, começou
a abertura política. Em 1979 veio a anistia ampla, geral e irrestrita e foram surgindo movimentos
populares como as Diretas Já!, e em 1985, assumiu novamente um presidente civil.
Quando o regime endureceu, a censura e a repressão à produção cultural se
intensificaram, foi gerado o que o escritor Alceu Amoroso de Lima classificava como “terrorismo
cultural”, já que qualquer tipo de expressão cultural, seja recitada, cantada, escrita ou
representada, era motivo para perseguição por parte do governo militar. Neste período da história
brasileira, as produções culturais tinham de ser revisadas e aprovadas pelo governo para poderem
circular. Não raro, os censores trocavam palavras, frases ou expressões de músicas ou falas de
uma peça por acharem algo ‘inadequado’ nas originais. É certo que uma música que falasse mal
do governo (e este percebesse) seria censurada e não poderia ser veiculada. De um modo geral,
para suas canções não serem censuradas e para os próprios compositores não sofrerem os
abusos da ditadura, quando se queria criticar o regime vigente, usavam se diversas figuras de
linguagem, especialmente metáforas. Feito isso, rezava-se para os oficiais não perceberem. Foi à
maneira que os compositores encontraram nos “anos de chumbo” para dar seu recado
contornando a censura. Durante o período conhecido como a “Era dos festivais”, entre 1965 e
1968, as canções de protestos ganharam larga divulgação. As músicas tinham três características
primordiais. A crítica do governo, a esperança e a importância da música como veículo de idéias.
2. Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores
(Geraldo Vandré)
Composição: Geraldo Vandré
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção...
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)
Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão...
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)
Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão...
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não...
Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição...
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(4x)
Esta composição de Geraldo Vandré talvez seja a música símbolo da
resistência à ditadura no Brasil, já possuindo enorme valor simbólico na cultura
brasileira. Produzida em uma fase de endurecimento do regime militar, seus versos
incitam a população a resistir, quase de forma heróica, e a lutar para derrubar os
militares do poder, exaltando a força da sociedade civil. A música começa com uma
afirmação de igualdade entre os brasileiros (importante lembrar que na época a
desigualdade social crescia e que parte da sociedade, especialmente a que vivia no
interior, pouco ou nada sabia da situação política real). E partindo desse princípio o
3. autor convoca a população a “seguir a canção”, ou seja, a lutar contra o regime e
avançar politicamente, garantindo direitos iguais para pessoas que são, por
princípios, iguais. É importante observar que o autor quer garantir direitos mesmo
àqueles que não se opuseram até então ao regime por quaisquer motivos.
Para o compositor, não há tempo há perder: a população tem de agir. Para
ele, esperar é um mau sinal e vai contra o princípio de participação das massas,
especialmente considerando os abusos cometidos a todo instante naquela
época. (“Vem, vamos embora, que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora, não
espera acontecer”). Este trecho é repetido muitas vezes ao longo da música, é a
principal mensagem do compositor para seu público.
Na estrofe seguinte, Geraldo Vandré fala sobre os contrastes sociais do
Brasil (“Pelos campos há fome em grandes plantações”). Mesmo com terra sobrando
e comida sendo produzida, nossa produção vai para o exterior e os brasileiros passam
fome. Logo depois, Vandré faz referência à "geração Paz e Amor" dos anos 60, que
ficou conhecida por manifestações pacíficas pedindo mudanças sociais em todo o
mundo, sendo um grande movimento cultural. Os versos são “Pelas ruas marchando
indecisos cordões/ Ainda fazem da flor seu mais forte refrão/ E acreditam nas flores
vencendo o canhão”. Em “Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos
perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ De morrer
pela pátria ou viver sem razão”, o autor fala sobre os militares, mas de um jeito
diferente das outras músicas do período: ele os humaniza e não deposita a culpa
total por agirem como agiam. O autor coloca que há um motivo por trás, que os
soldados foram doutrinados a agir daquele jeito
Em “Nas escolas, nas ruas, campos, construções/ Somos todos soldados,
armados ou não/ Caminhando e cantando e seguindo a canção/ Somos todos iguais
braços dados ou não/ Os amores na mente, as flores no chão/ A certeza na frente, a
história na mão/ Caminhando e cantando e seguindo a canção/ Aprendendo e
ensinando uma nova lição”, Vandré também classifica a população como “soldados”
pois também lutam por uma causa. E não classifica somente a parcela da população
que fez resistência armada, também exalta aqueles que nada fizeram diretamente
para acabar com a ditadura. Estes merecem ser chamados de soldados pois estão no
mesmo time, pois estes também serão beneficiados com a queda dos militares.
Assim, ele reafirma a tese de que todos são iguais.
Geraldo Vandré escreveu essa música em 1968, em meio ao auge da ditadura
militar brasileira. O sucesso da canção que incitava o povo à resistência levou os
militares a proibi-la, usando como pretexto a "ofensa" à instituição contida nos versos
"Há soldados armados, amados ou não / Quase todos perdidos de armas na mão / Nos
quartéis lhes ensinam uma antiga lição / de morrer pela pátria e viver sem razão".
A melodia da canção tem o ritmo de um hino, e sua letra possui versos de rima fácil
(quase todos em ão), que facilitam memorizá-la, logo era cantada nas ruas. Com sua
letra, Vandré fez uma síntese de sua geração, retratando a angustia da população
perante o regime.
Retirado de: http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/index.php/Analisando_a_m%C3%BAsica_brasileira_do_per
%C3%ADodo_da_ditadura_militar
4. E Vamos Á Luta
Gonzaguinha
Composição : Gonzaguinha
Eu acredito
É na rapaziada
Que segue em frente
E segura o rojão
Eu ponho fé
É na fé da moçada
Que não foge da fera
E enfrenta o leão
Eu vou à luta
É com essa juventude
Que não corre da raia
À troco de nada
Eu vou no bloco
Dessa mocidade
Que não tá na saudade
E constrói
A manhã desejada...(2x)
Aquele que sabe que é negro
O coro da gente
E segura a batida da vida
O ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco
De um jogo tão duro
E apesar dos pesares
Ainda se orgulha
De ser brasileiro
Aquele que sai da batalha
Entra no botequim
Pede uma cerva gelada
E agita na mesa
Uma batucada
Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira
Suada da luta
E faz a brincadeira
Pois o resto é besteira
E nós estamos pelaí...
Acredito
É na rapaziada
Gonzaguinha participava de festivais e já começava a despontar pelas
suas letras sempre com forte teor social. Aliás, essa era uma marca em sua
carreira. Suas letras eram provocativas e, em virtude do regime militar,
estava sempre tendo que driblar a censura. Em 73 se apresentou no programa
de Flávio Cavalcante e causou grande espanto pelo teor de suas música.
Gonzaguinha era agressivo e irônico. Recebeu uma advertência da censura e
muitas críticas, mas teve um lado positivo. Seu compacto que estava
encalhado nas prateleiras foi rapidamente vendido. Começou aí a carreira de
Gonzaguinha. Era um sucesso na Rádio Tamoio e logo veio a gravar seu
primeiro long-play. Isto foi por volta dos anos 1983-1985, um momento de
crescimento dos movimentos sociais no país, abertura política e a nossa
conscientização juvenil político religiosa que a Música “E vamos à luta”,
surgiu, como algo revolucionário. A música, gravada no disco “De volta ao
começo”, em 1980, conclama e celebra a participação da juventude, como
construtora da esperança.
Retirado de: http://radioboanova.com.br/clubeamigosdaboanova/censura-ditadura-militar/
5. Apesar De Você
Chico Buarque
Composição : Chico Buarque
Amanhã vai ser outro dia
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se
esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
De "desinventar"
Você vai pagar, e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai se dar mal, etc e tal
La, laiá, la laiá, la laiá
Nesta composição de 1970, o “você” é a ditadura militar, embora
muitos acreditem que seja uma crítica direta ao ex-presidente Médici. Para
conseguir burlar a censura, Chico Buarque insistiu que “você” era na verdade
uma mulher de temperamento muito difícil, o que, não se pode negar, era
uma característica do regime.
A canção reclama o fato de que por causa “dela” há silêncio, não há
discussão (“Hoje você é quem manda/falou, tá falado/ não tem discussão”),
mas seu tom é de que tudo aquilo é passageiro. Têm-se certeza que aquela
situação é temporária e já há um tom de triunfo na fala do compositor:
6. “Apesar de você/ amanhã há de ser outro dia/ eu pergunto a você/ onde vai
se esconder/ da enorme euforia” A música é uma contestação clara ao
regime, e desafia-o diretamente. Desafia-se o regime moralmente(“Você que
inventou a tristeza/ora, tenha a fineza/de desinventar”) e há um latente
desejo de vingança:“Quando chegar o momento/ esse meu sofrimento/ vou
cobrar com juros, juro/ todo esse amor reprimido”, “Você vai pagar é
dobrado/ cada lágrima rolada/ nesse meu penar”.
O interessante desse desejo de vingança e desse anúncio de uma futura
derrota é que foi conclamado após seis anos da instauração do regime,ou
seja, ainda em seu início, e coincidindo com a época mais repressiva do
mesmo, os chamados “anos de chumbo”. Sabendo disso, compreende-se o tom
de voz revoltoso do enunciador. Depreende-se também que o eu falante da
canção tem boa noção de história e compreende que por mais tenebrosa que
seja uma fase, ela sempre será uma fase. O eu ainda anuncia que seu lado
sairá como vencedor, e provoca os governantes que, no futuro, já não terão
mais poder: “Como vai abafar/nosso coro a cantar/ na sua frente?”.
O enunciador fala ainda das relações interpessoais em um contexto
autoritário. Ao dizer “Água nova brotando/ e a gente se amando/ sem
parar”, o compositor refere-se à hipocrisia da sociedade da época e a falta de
liberdade até mesmo nesses aspectos. Por fim, o autor se refere àqueles anos
como “escuridão”, e resume sua opinião sobre eles em palavras como
“tristeza” e “penar”.
Retirado de: http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/index.php/Analisando_a_m
%C3%BAsica_brasileira_do_per%C3%ADodo_da_ditadura_militar
7. Roda Viva
Chico Buarque
Composição : Chico Buarque
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...(4x)
A canção Roda-viva, de Chico Buarque faz parte da famosíssima peça
de mesmo nome, escrita em 1967. Chico Buarque, que até então era "a única
unanimidade brasileira", nas palavras de Millôr Fernandes, chocou parte de
seu público com a radicalidade crítica e o tom francamente agressivo da peça.
A letra Roda-viva tem um chão histórico específico, ou seja, os obscuros anos
da ditadura. A composição de Chico se originou em meio ao turbilhão da
instauração da ditadura militar no Brasil. Ditadura que representava, para a
cultura, simplesmente o fim da liberdade de expressão. Um meio muito
utilizado na época (e, de um modo geral, em períodos não democráticos, no
Brasil e em outros países) para driblar a censura foi a metáfora, o
despistamento, a linguagem figurada.
O que é roda-viva? Roda-viva é, conforme os dicionários, movimento
incessante, corrupio, cortado; é ainda confusão, barulho. O texto menciona
ações frustradas pela roda-viva. Na letra a roda-viva está associada à morte,
ao contrário do que indica a palavra. A roda ceifa, arranca aquilo que ainda
8. está em desenvolvimento: a gente estancou de repente. A gente parou (de
crescer) de repente. Note-se como é expressivo o uso de estancar, que nos faz
lembrar imediatamente de sangue. Somos abortados na capacidade de decidir
o próprio destino, de adquirir autonomia como um rio é barrado, como um
fluxo de sangue é estagnado.
Essa espécie de vendaval arrebata a voz, o destino das pessoas e a capacidade
de exprimir artisticamente seu sofrimento:arrebata-lhes ainda a viola . A
roda-viva arrebata da gente a roseira há tanto cultivada e que não teve tempo
de exibir tudo o que prometia.
A composição é cortada por dois movimentos: um expressa a ação
empenhada, o trabalho sistemático, o desejo de ser o sujeito da própria
história. A esse movimento pertence o querer ter voz ativa, o ir contra a
corrente (da roda-viva), o cultivo ininterrupto da rosa, o tocar viola na rua e a
saudade de tudo isso (na medida em que a saudade pode ajudar a reorganizar
o pensamento e a luta). O outro movimento expressa a ação abortiva exercida
pela roda-viva. Esse movimento vem expresso numa frase reiterada: "Mas eis
que chega a roda-viva e carrega (o que quer que seja) pra lá". A conjunção
"mas" sinaliza justamente essa mudança de direção, sinaliza ação adversa. A
frase "eis que chega..." vem sempre ligada na letra a um tipo de estribilho, a
uma fórmula aparentemente ingênua, que lembra as cantigas de roda: "roda
mundo, roda gigante/ roda-moinho, roda pião/ o tempo rodou num instante
nas voltas do meu coração". Essa fórmula, inocente na aparência, dado seu
teor caótico e quase surrealista (típico de enigmas, cantigas de ninar etc.) e a
referência a brinquedos infantis (roda-gigante, pião), tem o efeito de exprimir
um desnorteio, uma situação absurda, fora do esquadro. De fato, não é
possível conceber a ditadura como algo natural.
Esses movimentos descritos na letra são, portanto, de trabalho em
curso e de sucessiva frustração. Isso descreve muito a experiência brasileira,
tanto do ponto de vista social e político como do ponto de vista cultural.
Quando estávamos começando a engatinhar na democracia, é instalado o
regime totalitário, para o qual não existem indivíduos.
Mas esse ambiente de tanto mal-estar foi filtrado por Chico Buarque com
muita cautela: era preciso despistar a censura, daí a profusão de rodas e de
versos encantatórios; era preciso dizer a verdade, daí o tumulto e a sensação
de frustração advinda da mesma profusão de rodas, que diríamos serem antes
de trator.
Retirado de
http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/poesias/chicobuarquedehollanda_rodaviv
a.htm
9. Acorda Amor
Chico Buarque
Composição : Leonel Paiva/Julinho da Adelaide (Chico Buarque)
Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura
viatura
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame lá
Chame, chame o ladrão, chame o
ladrão
Acorda amor
Não é mais pesadelo nada
Tem gente já no vão de escada
Fazendo confusão, que aflição
São os homens
E eu aqui parado de pijama
Eu não gosto de passar vexame
Chame, chame, chame
Chame o ladrão, chame o ladrão
Se eu demorar uns meses
Convém, às vezes, você sofrer
Mas depois de um ano eu não vindo
Ponha a roupa de domingo
E pode me esquecer
Acorda amor
Que o bicho é brabo e não sossega
Se você corre o bicho pega
Se fica não sei não
Atenção
Não demora
Dia desses chega a sua hora
Não discuta à toa não reclame
Clame, chame lá, chame, chame
Chame o ladrão, chame o ladrão,
chame o ladrão
(Não esqueça a escova, o sabonete e
o violão)
Após as canções “Cálice” e “Apesar de Você” terem sido censuradas pelo
sistema repressivo, Chico Buarque achou que seria mais difícil conseguir aprovar
alguma música sua pelos agentes da censura. Escreveu então “Acorda Amor” com o
pseudônimo de Julinho de Adelaide para driblar a censura. Como ele esperava, a
música passou. Julinho ainda escreveria mais 2 músicas antes de uma reportagem
especial do Jornal do Brasil sobre censura, que denunciou o personagem de Chico.
Após esta revelação, os censores passaram a exigir que as músicas enviadas para
aprovação deveriam ser acompanhadas de documentos dos compositores.
Acorda Amor é um retrato fiel aos fatos ocorridos no período que teve seu
ápice entre 1968 (logo após a decretação do AI-05) e 1976 quando, teoricamente, a
tortura já não era mais praticada pelos militares. Diversas pessoas sumiram durante
este período após terem sido arrancadas de suas casas a qualquer hora do dia ou da
noite, e levadas para DOPS e DOI-CODI´s espalhados pelo Brasil. A falta de confiança
era tão grande que as pessoas tinham mais medo dos policiais (que seqüestravam,
torturavam, matavam e, muitas vezes sumiam com corpos) do que de ladrões. A
ironia do compositor é tão grande que, quando os agentes da repressão chegam a
casa chamam-se os ladrões para que sejam socorridos.
Retirado de: http://www.latinoamericano.jor.br/musica_brasil_mpb_ditadura.html
10. Cálice
Chico Buarque
Composição : Chico Buarque e Gilberto Gil
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor e engolir a labuta?
Mesmo calada a boca resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer
momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
De muito gorda a porca já não anda
(Cálice!)
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, Pai, abrir a porta
(Cálice!)
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Talvez o mundo não seja pequeno
(Cale-se!)
Nem seja a vida um fato consumado
(Cale-se!)
Quero inventar o meu próprio
pecado (Cale-se!)
Quero morrer do meu próprio
veneno (Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez tua cabeça!
(Cale-se!)
Minha cabeça perder teu juízo.
(Cale-se!)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
(Cale-se!)
Me embriagar até que alguém me
esqueça (Cale-se!)
Esta canção de Chico Buarque é uma das mais lembradas quando se pensa em
ditadura. Faz críticas à ditadura do começo ao fim, e seu próprio nome é um
trocadilho com o “cale-se” imposto aos civis. É uma tática para burlar a
censura. Assim, os versos iniciais “Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho
tinto de sangue” referem-se à própria censura da época (o cale-se, que traz
consigo o sangue daqueles que sofreram na mão dos militares). Nota-se que
esses mesmo versos são constituídos de vocábulos comumente usados em
discursos religiosos, o que pode dar uma conotação religiosa à frase, como se
11. somente Deus pudesse acabar com esse mal da sociedade (a ditadura).
Somente Deus pode afastar o cálice de vinho tinto de sangue e o cale-se
imposto pelos militares.
A música inteira reflete insatisfação com a situação de falta de liberdade,
como nos versos “Mesmo calada a boca, resta o peito” (ninguém controla a
esfera íntima de cada um. Mesmo que não falem, há insatisfação); “Melhor
seria ser filho da outra/ outra realidade menos morta/ tanta mentira tanta
força bruta”.
Em “Como é difícil acordar calado/se na calada da noite eu me dano” , “Esse
silêncio todo me atordoa/atordoado eu permaneço atento” o autor lembra as
invasões noturnas do militares à casa de inimigos do regime para prendê-los
sem qualquer chance de defesa, e retorna à insatisfação de viver em um país
com tão pouca liberdade e transparência, onde o silêncio não demonstra
aprovação e sim medo.
No verso “De muito gorda a porca já não anda”, Chico faz referência até
mesmo ao fim do “milagre econômico”, onde se dizia a respeito dos recursos
do Brasil que “primeiro o bolo tinha que crescer, para depois ser dividido”.
Neste verso, a ‘porca’ seria este aspecto econômico da ditadura militar: Já
entrou tanto dinheiro, mas ele não chegou para quem precisava. Pelo
contrario, o Brasil fica estagnado ou regride.
“Cálice” foi censurada, como a maior parte da obra de Chico, e hoje é um
símbolo da manifestação artística na época.
Retirado de: http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/index.php/Analisando_a_m
%C3%BAsica_brasileira_do_per%C3%ADodo_da_ditadura_militar
12. Alegria, Alegria
Caetano Veloso
Composição : Caetano Veloso
Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou...
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou...
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot...
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não...
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou...
Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil...
Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou...
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Desde o início da carreira, Caetano Veloso sempre demonstrou uma
posição política ativa e esquerdista, ganhando por isso a inimizade do regime
militar. Por esse motivo, suas canções foram
freqüentemente censuradas neste período, e algumas até banidas. Em 27 de
dezembro de 1968, Veloso e o parceiro Gilberto Gil foram presos, acusados de
terem desrespeitado o hino nacional e a bandeira brasileira. Foram levados
para o quartel do Exército de Marechal Deodoro, no Rio, e tiveram suas
cabeças raspadas.
Ambos foram soltos em 19 de fevereiro de 1969, quarta-feira de cinzas,
e seguiram para Salvador, onde tiveram de se manter em regime de
confinamento, sem aparecer nem dar declarações em público. Em julho de
1969, partiram com suas mulheres, respectivamente as irmãs Dedé e Sandra
Gadelha, para o exílio na Inglaterra.
13. Alegria, Alegria foi composta neste contexto. Por isso, mostra-se uma
música carregada de ideologias e idéias que vão de encontro à cultura, ao
regime e à ideologia vigentes.
Se, devido a o regime ditatorial, as pessoas devem andar na linha
obedecendo e se submetendo a regras e metas previamente estipuladas,
Caetano propõe uma caminhada “contra o vento”, ou seja, contra a ordem
imposta das coisas. Além disso, “sem lenço e sem documentos” conota uma
crítica à norma que proibia as pessoas de saírem às ruas sem portar
documentos. Caetano Veloso, em seu livro Verdade Tropical, falou sobre o
famoso e marcante verso “sem lenço e sem documento” correspondente à
idéia do jovem desgarrado que, mais do que a canção queria criticar,
homenagear ou simplesmente apresentar.
Alegria, Alegria não se caracteriza como uma canção de protesto igual
a tantas outras compostas nessa época, como Apesar de Você, de Chico
Buarque. Ao contrário, a música de Caetano questionava as idéias e as tensões
daquelas que lutavam contra a Ditadura: enquanto o sol repartia-se “em
crimes, espaçonaves e guerrilhas”, ele seguia, “sem lenço e sem documento”,
“andando contra o vento”. Mesmo alguns elementos da música reforçam essa
idéia; pode-se perceber que a música é formada por um compasso binário, por
um andamento acelerado e por acordes dissonantes e maiores, encerrados por
um consonante, – o que garante um ambiente alegre, ágil e dinâmico à
música.
Retirado de:
http://tropicaliaepoesia.arteblog.com.br/2
28548/Analise-da-musica-Alegria-Alegria-
de-Caetano-Veloso/
14. Debaixo Dos Caracóis Dos Seus Cabelos
Roberto Carlos
Composição : Roberto Carlos
Um dia a areia branca
Seus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar
Debaixo dos caracóis dos seus
cabelos
Uma história pra contar de um
mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus
cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais
um instante
As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora
Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente
Debaixo dos caracóis dos seus
cabelos
Uma história pra contar de um
mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus
cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais
um instante
Você anda pela tarde
E o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito
Uma saudade, um sonho
Um dia vou ver você
Chegando num sorriso
Pisando a areia branca
Que é seu paraíso
Debaixo dos caracóis dos seus
cabelos
Uma história pra contar de um
mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus
cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais
um instante
Sim! A composição desta música é de Roberto Carlos. E não, ela não foi
dedicada a nenhuma mulher. O “rei” Roberto compôs esta música para o
amigo Caetano Veloso que estava exilado em Londres. Sabia das saudades que
15. o amigo sentia de seu país e a dor e vazio por não poder voltar. Compôs então
a música que, mais tarde se tornaria sucesso na voz do próprio Caetano.
Caetano já havia composto para Roberto algumas músicas que se
tornaram clássicos. Com o amigo em desgraça, resolveu fazer algo para
homenageá-lo. Roberto nunca teve problemas com a censura, muito menos
com a repressão militar. Então, como fazer um texto que fosse ao mesmo
tempo engajado politicamente, e romântico, como sempre foram suas letras?
sAaída encontrada foi em nenhum momento citar o nome do Caetano, mas
enfatizar sua marca registrada naquela época: seus enormes cabelos
encaracolados. O clima romântico da melodia nos faz imaginar que é a
saudade de uma pessoa apaixonada pela ausência da outra, e não o protesto
de um amigo solidário. E na estrutura da letra o Roberto procurou colocar
justamente aquilo que o Caetano possivelmente mais sentia saudade na fria
Londres: o mar da Bahia, o que só ajudou para fixar a marca dos famosos
caracóis de Caetano. No entanto, a música torce por uma volta ao Brasil
como um todo, então estes versos podem também se universalizar e
representar qualquer praia de nosso litoral. O trecho também diz que a volta
de Caetano será festejada (“Janelas e portas vão se abrir pra ver você
chegar”). Diz também que a saudade de casa é tão grande que ao retornar,
irá chorar de felicidade.
Os versos “As luzes e o colorido/ que você vê agora/ nas ruas por onde
anda/ na casa onde mora/ você olha tudo, e nada/ lhe faz ficar contente/
você só deseja agora/ voltar pra sua gente” reiteram a idéia da solidão e da
saudade da pátria, dizendo que mesmo que ele esteja em um lugar diferente,
colorido, melhor (com menos pobreza), isso não o faz feliz. O compositor e o
homenageado estão tristes por este último não estar no lugar em que nasceu,
lugar ao qual pertence. O maior desejo de Caetano é reencontrar-se com
aquilo que deixou para trás.
Nesta época muitos brasileiros viviam no exílio, ou seja, tiveram que
fugir do Brasil por conta da forte repressão sofrida pelos órgãos de repressão
da ditadura militar. Assim, embora a música tenha sido destinada a uma
pessoa específica, na verdade traduzia muitos corações brasileiros, já que a
situação de exílio era comum durante a ditadura militar.
Retirado de: http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/index.php/Analisando_a_m
%C3%BAsica_brasileira_do_per%C3%ADodo_da_ditadura_militar
E http://www.latinoamericano.jor.br/musica_brasil_mpb_ditadura.html
16. Como Nossos Pais
Elis Regina
Composição : Belchior
Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi
Nos discos...
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens...
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço,
O seu lábio e a sua voz...
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração...
Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais...
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais...
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando...
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem...
Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando vil metal...
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo,
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
18. Música escrita por Belchior e imortalizada na voz de Elis Regina,lançada
no LP Falso Brilhante, de 1975. O Brasil vivia a era do conservadorismo e da
intolerância à liberdade de expressão por parte do governo militar. A musica
trata disso, e pede um novo contexto de vida... um novo mundo,com novos
pensamentos e ideologias.A vanguarda vai sendo deixada de lado ao ser dito
que as experiências de frases feitas de discos não valem de nada; o que conta
mesmo são as experiências vividas,...quando a musica diz:"qualquer canto é
menor do que a vida de qualquer pessoa” ela mostra uma referência (ou não)
à censura, que fez o sinal estar fechado para os jovens pela falta de liberdade
de expressão, fazendo com que a juventude da época caísse no comodismo
forçado pelos militares.
A letra aparentemente é um romance, mas tem um fundo político
enorme: ” Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que
fizemos Nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” – neste
trecho Belchior critica o fato de apesar de tanta luta pra tornar o Brasil um
país a frente de seu tempo, nós estagnamos e nos tornamos tão conservadores
quanto a geração que nos antecedeu.
Com toda certeza o eu lírico desta música é alguém cheio de lembranças boas
mais muito dolorosas de um tempo em que muito se lutou por mudanças, mas
que no fim pouco conseguiu alcançar. Belchior conseguiu falar do brasileiro
como um todo, o brasileiro sofrido, esperançoso, enganado, cansado,
romântico, sertanejo…
Também é perceptível a decepção de ver os movimentos sociais e da
juventude caírem por terra como caíram, tendo forte referência, por
exemplo, ao Maio Francês. Inclusive “Hoje eu sei que quem me deu a idéia de
uma nova consciência e juventude. Tá em casa guardado por Deus contando
vil metal” refere-se possivelmente ao Sartre, filósofo francês, cujos atos
negaram sua filosofia.
Na opinião do professor Eliude A. Santos sobre a canção coloca uma
análise ainda mais clara sobre a importância de sua letra. Segundo o
professor, “Como os nossos pais é um hino à juventude que amadurece
percebendo que o mundo é uma constante, porque é feito de homens que se
acomodam e de outros que lutam por mudança”.
19. O Bêbado e A Equilibrista
Elis Regina
Composição : João Bosco e Aldir Blanc
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...
A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!...
Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil...
Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...
Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...
Composta em 1979, tornou-se um símbolo da luta pela anistia. Pela
volta dos exilados e pela abertura política do regime militar. Carlitos,
personagem mais famoso de Charles Chaplin, representa a população
oprimida, mas que ainda consegue manter o bom humor, denunciava as
injustiças sociais de forma inteligente e engraçada. A Equilibrista dançando na
corda bamba, de sombrinha, é a esperança de todo um povo.
Henrique de Sousa Filho, conhecido como Henfil, foi um cartunista,
quadrinista, jornalista e escritor brasileiro. Seu irmão, Herbert José de Sousa,
conhecido como Betinho, foi um sociólogo e ativista dos direitos humanos
brasileiro; concebeu e dedicou-se ao projeto Ação da Cidadania contra a
Miséria e Pela Vida. Com o golpe militar, em 1964, mobilizou-se contra a
ditadura, sem nunca esquecer as causas sociais. Mas, com o aumento da
repressão, foi obrigado a se exilar no Chile em 1971.
Maria era mãe de Betinho (irmão de Henfil) e Clarice mulher do
jornalista assassinado na ditadura Vladimir Herzog. Mas Marias e Clarisses, no
plural, fazem referência às mães, talvez irmãs ou mulheres de pessoas que se
20. foram, ou mesmo deixaram o nosso país, lutando por um ideal, um sonho, de
ver o Brasil livre para a informação e para a expressão das artes.
Retirado: http://www.latinoamericano.jor.br/musica_brasil_mpb_ditadura.html
Nada Será Como Antes
Elis Regina
Composição : Milton Nascimento/Ronaldo Bastos
Eu já estou com o pé nessa estrada
Qualquer dia a gente se vê
Sei que nada será como antes amanhã
Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você?
Sei que nada será como está, amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite um gosto de sol
Num domingo qualquer, qualquer hora
Ventania em qualquer direção
Sei que nada será como antes, amanhã
Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você?
Sei que nada será como está, amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite um gosto de sol
21. Cartomante
Elis Regina
Composição : Ivan Lins / Victor Martins
Nos dias de hoje é bom que se proteja
Ofereça a face pra quem quer que seja
Nos dias de hoje esteja tranqüilo
Haja o que houver pense nos seus filhos
Não ande nos bares, esqueça os amigos
Não pare nas praças, não corra perigo
Não fale do medo que temos da vida
Não ponha o dedo na nossa ferida
Nos dias de hoje não lhes dê motivo
Porque na verdade eu te quero vivo
Tenha paciência, Deus está contigo
Deus está conosco até o pescoço
Já está escrito, já está previsto
Por todas as videntes, pelas cartomantes
Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas
No jogo dos búzios e nas profecias
Cai o rei de Espadas
Cai o rei de Ouros
Cai o rei de Paus
Cai não fica nada.(6x)
Conforme o próprio Ivan Lins, essa música chamava Está Tudo nas
Cartas: “Uma jornalista da revista Veja usou uma declaração do meu parceiro,
Vitor Martins, que ele deu em off, e ela publicou. Nessa declaração o Vitor
não falava boas coisas sobre o chefe da Censura Federal, mas isso não fazia
parte da entrevista. Essa jornalista traiu o Vitor. Ela fez isso com a intenção
de prejudicá-lo e fazer sensacionalismo. Eu nem quero falar o nome dela, mas
é uma pessoa bastante conhecida aqui em São Paulo. Depois dessa entrevista
do Vitor, Está Tudo nas Cartas entrou na lista de “vetada definitivamente”
pela censura. Só que a gravação já estava pronta na voz da Elis Regina.
Alguém da gravadora Phillips foi à Brasília e conseguiu liberar a música, mas
com uma condição: era preciso mexer no título. Mudamos pra Cartomante. A
Rosalyn Carter, esposa do presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter,
recebeu cartas da presidente do comitê feminino dos Direitos Humanos
falando sobre os direitos humanos no Brasil. O nome da música Está Tudo nas
Cartas ficou parecendo que a gente estava insinuando alguma coisa sobre
essas cartas que foram entregues pra Rosalyn. Na época, isso deu uma
confusão danada. Misteriosamente, liberaram a música com a condição de
alterarmos o título.”.
22. Retirado: http://www.latinoamericano.jor.br/musica_brasil_mpb_ditadura.html
Apenas um Rapaz Latino-Americano
Belchior
Composição: Belchior
Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco
Sem parentes importantes e vindo do interior
Mas trago, de cabeça, uma canção do rádio
Em que um antigo compositor baiano me dizia
Tudo é divino, tudo é maravilhoso
Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas,
caminhado meu caminho
Papo, som dentro da noite e não tenho um amigo sequer
E não acredite nisso, não, tudo muda e com toda razão
Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco
Sem parentes importantes e vindo do interior
Mas sei que tudo é proibido aliás, eu queria dizer
Que tudo é permitido até beijar você no escuro do cinema
Quando ninguém nos vê
Não me peça que lhe faça uma canção como se deve
Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém
Mas não se preocupe meu amigo com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção, a vida, a vida realmente é diferente
Quer dizer, a vida é muito pior
Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco
Por favor não saque a arma no "saloon" eu sou apenas um cantor
Mas se depois de cantar você ainda quiser me atirar
Mate-me logo, à tarde, às três, que à noite tenho um compromisso
E não posso faltar por causa de você
Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco
Sem parentes importantes e vindo do interior
Mas sei que nada é divino, nada, nada é maravilhoso
Nada, nada é sagrado, nada, nada é misterioso, não
Escrita em 1976, a canção de Belchior caracteriza o Brasil da época de
forma irônica. “Apenas um rapaz latino americano” é um protesto contra a
repressão que censurava os artistas e, principalmente músicos da época.
Versos como “Por favor não saque a arma no "saloon" eu sou apenas um cantor
/ Mas se depois de cantar você ainda quiser me atirar / Mate-me logo, à
tarde, às três, que à noite tenho um compromisso / E não posso faltar por
causa de você” seriam quase como uma pergunta: O que vocês tanto têm a
23. temer que não podem nem deixar que nós, que somos somente músicos,
digamos e cantemos o que pensamos??
Retirado: http://www.latinoamericano.jor.br/musica_brasil_mpb_ditadura.html
Divórcio
Luiz Ayrão
Compositor: Luiz Ayrão
Treze anos eu te aturo
Eu não agüento mais
Não há "cristo" que suporte
Eu não suporto mais
Treze anos me seguro
E agora não dá mais
Se treze é minha sorte
Vai, me deixa em paz
Você vem me infernizando
Como satanás
Você vem me enclausurando
Como alcatraz
Você vem me sufocando
Como o próprio gás
Ainda vive me gozando
Assim já é demais
Você vem me tapeando
Como um pente-fino
E vem me conversando
Como ao bom menino
E vem subjugando
O meu destino
E vem me instigando
A um desatino
Um dia eu perco a timidez
E falo sério
E faço as minhas leis
Com o meu critério
E vou para o xadrez
O cemitério
Mas findo de uma vez
Com seu império.
Esta composição de Luiz Ayrão, de 1977, conseguiu burlar a censura da época pois aparentemente
não trata de nenhum tema que incomodava aos militares, mas o Divórcio a que ele se refere é com a
ditadura. Assim, a música inteira é uma grande metáfora, onde o sujeito quer terminar seu
relacionamento com o próprio regime. Assim como as outras músicas deste grupo temático, há crítica à
falta de liberdade individual e coletiva naqueles tempos, e esse é o motivo do falso divórcio.”Treze anos
eu te aturo/ eu não agüento mais” são os versos que iniciam a canção, fazendo referência clara aos 13
anos de ditadura no país. A música ainda fala das medidas tomadas pelo governo para “tapar” os olhos
da população e desviar a atenção da situação política, em “Ainda vive me gozando/ assim já é demais”.
“Você vem me tapeando/ Como um pente-fino/ E vem me conversando/ Como ao bom menino/ E
vem subjugando/ O meu destino/ E vem me instigando/ A um desatino” é uma estrofe que insiste no
assunto da alienação e desvio de atenção da população, mas considera que além dos militares
desrespeitarem seus cidadãos, os subestimam. E esta situação está tão caótica que a reação parece ser
inevitável e deve pegar a ditadura de surpresa. O pente-fino do trecho faz referência à peneira que o
governo fazia em sua própria população.
24. Na última estrofe, o autor fala em um tom impaciente, e percebe-se que ele assim está com a
situação. Ele ameaça rebelar-se contra o governo, já que vê nisso a única saída para conseguir o que
quer, e não se importa com o que pode acontecer consigo mesmo, sendo a perfeita representação da
juventude da época: Uma juventude que enxergava além daquele tempo.
Retirado: http://www.jorwiki.usp.br/gdnot10/index.php/Analisando_a_m
%C3%BAsica_brasileira_do_per%C3%ADodo_da_ditadura_militar
Fé Cega, Faca Amolada
Doces Bárbaros
Composição: Milton Nascimento e Ronaldo Bastos
Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada
Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranqüilo
Deixar o seu amor crescer e ser muito tranqüilo
Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar faca amolada
Irmão, irmã, irmã, irmão de fé faca amolada
Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia
Beber o vinho e renascer na luz de todo dia
A fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada
O chão, o chão, o sal da terra, o chão, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar no pão de todo dia
Deixar o seu amor crescer na luz de cada dia
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai se muito tranqüilo
“Fé Cega, Faca Amolada” é uma espécie de continuação de “Nada Será como Antes”, ou
seja, uma canção de oposição ao regime militar brasileiro, escrita em linguagem bem mais
agressiva, ao mesmo tempo em que mostra um entrosamento maior da parceria Milton
Nascimento-Ronaldo Bastos: “Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada / agora não
espero mais aquela madrugada / vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada / o brilho
cego de paixão e fé, faca amolada...”
O título tem origem no super-grupo pop inglês Blind Faith, O único disco do Blind Faith
era um dos favoritos de brasileiros, como Ronaldo Bastos e Gilberto Gil, que viviam em Londres
na época. “Fé cega” é pois “blind faith”, tendo o adjetivo “amolada” o duplo sentido de
“afiada” e “contrariada”.
A canção joga com as palavras e conclui o quão perigosa pode ser uma fé cega, mais
perigosa e cortante até do que a faca. A música também passa uma idéia de despreocupação
involuntária, de que o sujeito chegou a um determinado limite e agora já não importa mais a
direção que ele está tomando.
25. A seqüência melódica relativamente simples e repetida de forma insistente em “Fé Cega,
Faca Amolada” não seria suficiente para alcançar o brilhante resultado mostrado no disco. Para
a obtenção deste resultado devem também ser creditadas as notas picadas do sax-soprano de
Nivaldo Ornelas, criando um clima nervoso em perfeita consonância com o objetivo da canção, o
interlúdio musical decididamente pop, a voz convicta de Milton, usando com perfeição o
falsete, e a voz aguda de Beto Guedes, que soa às vezes como um eco ao canto de Milton.
Retirado de: http://cifrantiga3.blogspot.com/2006/06/f-cega-faca-amolada.html
Primavera Nos Dentes
Secos & Molhados
Composição : João Ricardo/João Apolinário
Quem tem consciência pra se ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera
"Primavera nos Dentes" é uma das canções do grupo Secos & Molhados, lançada no
homônimo album de estréia. É uma poesia escrita pelo pai de João Ricardo, João Apolinário, e
musicada por ele. É composta por uma longa introdução instrumental em Blues, composta por
baixo, bateria, guitarra e teclado. O tempo e a introdução são levementes inspirados em
"Breathe", faixa de Dark Side of the Moon do Pink Floyd. O vocal da canção, com as vozes de Ney
Matogrosso, Gérson Conrad e João Ricardo desaguam em um grito, após versos poéticos e
calmos.
A ruptura com os valores estabelecidos, dando continuidade à mudança de
comportamento iniciada pelos tropicalistas, o desejo de liberdade por um mundo justo e
igualitário são apresentados por metáforas que compõem o Elemental, como o grito que estava
sufocado na garganta, às vezes a esperança, às vezes o desespero.
O poeta João Apolinário lutou contra o fascismo em seus anos úteis e o poema serviu
como base contra a Ditadura Militar no Brasil. A letra da canção sugere uma guerra contra o
sistema, assim como outras canções do grupo. É considerada uma canção atual, mesmo depois
de 37 anos do lançamento, portanto, também é a favor da liberdade do indivíduo em suas
repressões, como diz no verso "inventa a contra-mola que resiste".
26. Retirado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Primavera_nos_Dentes
Metrô Linha 743
Raul Seixas
Composição : Raul Seixas
Ele ia andando pela rua meio apressado
Ele sabia que tava sendo vigiado
Cheguei para ele e disse: Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?
Ele disse: Eu dou, mas vá fumar lá do outro lado
Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado!
Disse: O prato mais caro do melhor banquete é
O que se come cabeça de gente que pensa
E os canibais de cabeça descobrem aqueles que pensam
Porque quem pensa, pensa melhor parado.
Desculpe minha pressa, fingindo atrasado
Trabalho em cartório mas sou escritor,
Perdi minha pena nem sei qual foi o mês
Metrô linha 743
O homem apressado me deixou e saiu voando
Aí eu me encostei num poste e fiquei fumando
Três outros chegaram com pistolas na mão,
Um gritou: Mão na cabeça malandro, se não quiser levar chumbo quente nos cornos
Eu disse: Claro, pois não, mas o que é que eu fiz?
Se é documento eu tenho aqui...
Outro disse: Não interessa, pouco importa, fique aí
Eu quero é saber o que você estava pensando
Eu avalio o preço me baseando no nível mental
Que você anda por aí usando
E aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está custando
Minha cabeça caída, solta no chão
27. Eu vi meu corpo sem ela pela primeira e última vez
Metrô linha 743
Jogaram minha cabeça oca no lixo da cozinha
E eu era agora um cérebro, um cérebro vivo à vinagrete
Meu cérebro logo pensou: que seja, mas nunca fui tiete
Fui posto à mesa com mais dois
E eram três pratos raros, e foi o maitre que pôs
Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor alinhado
Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado:
Quem será este desgraçado dono desta zorra toda?
Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais
Mas o negócio aqui tá muito bandeira
Dá bandeira demais meu Deus
Cuidado brother, cuidado sábio senhor
É um conselho sério pra vocês
Eu morri e nem sei mesmo qual foi aquele mês
Ah! Metrô linha 743
Lançado em 1984, o disco Metrô linha 743, e sua faixa homônima, em uma narrativa
agradável, resume bastante bem todo o período militar no que se refere, principalmente, à
censura e à repressão. Começa já em ambiente hostil e típico de filme policial: Ele ia andando
pela rua meio apressado/ Ele sabia que tava sendo vigiado; a pressa é característica de quem
não pode perder tempo, neste caso, de alguém que sabe que não durará muito pelas ruas, pois é
perseguido (ou acredita ser, tamanha a dureza das histórias que repercutem durante períodos de
autoritarismo, o que causa verdadeiras paranóias), como tantos outros foram e muitos jamais
foram vistos novamente. A situação é tão crítica (ou parece ser) que quando outra pessoa se
aproxima o pavor aumenta, e ele é tão forte que impede a normal convivência entre as
pessoas: Cheguei para ele e disse: Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?/ Ele disse: Eu
dou, mas vá fumar lá pro outro lado/ Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado!;
No jogo da censura e do combate aos insatisfeitos, os agentes militares são
metaforizados em canibais que têm por objetivo aniquilar, nulificar aqueles que podem trazer
problemas, não têm o nobre desejo de adquirir as forças, as características dos oponentes.
Mais adiante, um dos personagens revela sua verdadeira, e perigosa, profissão: escritor. E
as coisas iriam piorar. O que se vê a seguir é uma cena bastante comum nas ruas à época da
28. ditadura, na qual o desrespeito impera e não há explicação nenhuma para as atitudes tomadas, o
simples fato de estar inerte em via pública já era sinal de afronta ou de desacato, assim que
constatado o ato ilícito de pensar, se fosse contra a corrente.
Como tantos outros que jamais foram encontrados, este tem seu corpo lançado fora como se
fosse lixo, como se não merecesse consideração (Jogaram minha cabeça oca no lixo da cozinha/
E eu era agora um cérebro, um cérebro vivo à vinagrete). Os apreciadores de tal iguaria são
pessoas distintas, aparentemente de destaque social (militares de alta patente talvez). Vendo-se
sem saída, encurralado, rende-se, mas não sem antes deixar claro que tal situação não o agrada
e uma indagação que muitos certamente faziam:
É possível ver um autor preocupado com as atitudes arbitrárias dos governantes e
ainda mais preocupado com a passividade de muitos cidadãos, Seixas mostra-se sabedor dos
perigos que corriam aqueles que, como ele, falavam o que pensavam e mesmo com vigilância
cerrada não se calou e tampouco perdeu o humor, a ironia ácida de que usava para satirizar
situações absurdas típicas de anos de autoritarismo. Na conjuntura de repressão dos anos 70,
a música popular desses poetas portadores do recado compreendeu talvez mais do que nunca a
especificidade da sua força, e quiçá Seixas tenha sido daqueles que não apenas compreendeu
seu papel como fez o que pode para executá-lo.
Retirado de: http://www.dacex.ct.utfpr.edu.br/8dilson.htm
Sapato 36
Composição: Raul Seixas
Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez
Pai eu já tô crescidinho
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto
29. Por que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai
Pai já tô indo-me embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Por que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai
Pai já tô indo-me embora
Eu quero partir sem brigar
Já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar (Êêêê)
Muito embora se possa dizer que Sapato 36 trata de questões familiares, o que é perfeitamente
aceitável, uma vez que a auto-afirmação de um filho muitas vezes gera conflitos por haver falta de
compreensão entre as partes ou, e principalmente, por não haver respeito; é inevitável pensá-la como
crítica à ditadura. Logo no início quando lemos: Eu calço é 37/ Meu pai me dá 36, já se observa a falta
de liberdade de escolher o que bem entender, aqui metaforizada no sapato (há uma pedra em meu
sapato, diz a expressão popular) que causa desconforto e impede que se vá mais longe, que se progrida.
Na seqüência: Pai eu já tô crescidinho/ Pague prá ver, que eu aposto/ Vou escolher meu sapato/ E
andar do jeito que eu gosto/ E andar do jeito que eu gosto; é o pedido de confiança que, após nove anos
de AI-5 e treze de regime militar, já é o momento de poder-se caminhar sem que algo incomode, sem
chateações, sem perseguições. Nos versos posteriores vem a indignação com a falta de consideração que
a população sofre por parte dos governantes: Por que cargas d'águas/ Você acha que tem o direito/ De
afogar tudo aquilo que eu/ Sinto em meu peito; tão forte é o descaso ) que atingi até os sentimentos, os
sonhos, os desejos, tudo sufocado e reprimido em prol do bem do Estado que sempre exigiu consideração
e, como não a tinha de todos, partiu para a violência, a canção mostra o caminho tão simples e eficaz
para que qualquer conflito seja extinto: Você só vai ter o respeito que quer/ Na realidade/ No dia em
que você souber respeitar/A minha vontade. O fim desta pendenga se dá, como era de se esperar, com a
resignação da parte mais fraca que, no entanto, mostra-se mais racional e prudente (ou sensata), mas a
conformação não se processa totalmente, pois mesmo sem ter a concordância da outra parte, sai em
busca de algo que atendesse melhor suas necessidades, é um clamor de liberdade: Pai já tô indo-me
embora/ Quero partir sem brigar/ Pois eu já escolhi meu sapato/ Que não vai mais me apertar.
Retirado de: http://www.dacex.ct.utfpr.edu.br/8dilson.htm
Veraneio Vascaína
Aborto Elétrico
Composição : Flávio Lemos/Renato Russo
30. Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Porque pobre quando nasce com instinto assassino
Sabe o que vai ser quando crescer desde menino
Ladrão pra roubar, marginal pra matar
Papai eu quero ser policial quando eu crescer
Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Se eles vêm com fogo em cima, é melhor sair da frente
Tanto faz, ninguém se importa se você é inocente
Com uma arma na mão eu boto fogo no país
E não vai ter problema eu sei estou do lado da lei
Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
Com números do lado, dentro dois ou três tarados
Assassinos armados, uniformizados
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Veraneio Vascaína, em seu título, já nos remete ao velho modelo da Chevrolet Veraneio, usada como
viatura militar, e apelidada de Veraneio Vascaína, por ter na pintura as cores preta, branca, cinza e
vermelho, por coincidência, cores do time fluminense Vasco da Gama.
Vivia-se a época da repressão, da falta de liberdade de expressão, da opressão, enfim, da ditadura
militar. Como todos devem saber, não se era fácil viver naqueles tempos. O governo, formado por
militares, era inimigo do povo e, conseqüentemente, a polícia também. A primeira estrofe da canção
poderia ser decodificada da seguinte maneira:
"Cuidado, pessoal! Lá vem vindo a viatura da polícia, aquele carro preto, branco, cinza e vermelho,
aquele com os números do lado, que tem dentro alguns tarados, os assassinos armados e uniformizados,
que são os nossos policiais.".
E a dura crítica não para por aí. Na terceira estrofe a crítica continua, sempre de forma mais forte e
pesada que a anterior. Fala-se: Porque pobre quando nasce com instinto assassino, sabe o que vai
ser quando crescer, desde menino: ladrão pra roubar, marginal pra matar.
Ou seja, fala-se que o pobre, quando nasce com a ânsia de matar e fazer o mal, transforma-se em
policial, já que esse pode matar-te, roubar-te, bater-te, humilhar-te, estuprar-te... Tudo isso sem preocupar-
31. se se você é inocente ou não, afinal, fazem eles o que querem. São eles senhores da lei, "homens do
bem", são eles policiais e tudo podem (é o que diz a sétima e a oitava estrofe).
O importante, nesta música, é saber que ela retrata um período passado, o regime militar, e que não
fala dos dias atuais. Muitos confundem o significado da letra deVeraneio Vascaína e o relacionam com
os dias atuais. No entanto, apesar de ainda existir abuso de poder por parte da nossa polícia, não se pode
relacionar a polícia na época da ditadura e a polícia dos dias atuais.
Retirado: http://interpretacaopessoal.blogspot.com/2011/03/capital-do-inicio-ao-fim-veraneio.html