O documento é um poema que descreve a jornada de uma lagarta se transformando em uma borboleta. A lagarta se prepara cuidadosamente para o dia em que irá quebrar sua crisálida e voar livremente como uma borboleta. Agora como borboleta, ela sabe que sua existência é breve e deve aproveitar o tempo voando para explorar novas montanhas e planícies, em busca de aventura e para inspirar outras borboletas a também voarem livremente.
1. São asas que se tornaram apenas ombros, e “os
ombros suportam o mundo”, como o poeta escreveu.
ROMPI MINHA CRISÁLIDA
Agora sou uma borboleta feliz e ansiosa que fia com
urgência a sua história. Sei que a minha existência é breve e
preciso projetar para o mundo tempo que hibernei. Vôo, vôo sim. Já tenho até na asa esquerda algumas
No meu ciclo de larva eu já recolhia tudo a violências de pássaros que não são nenhuma ilusão de ótica.
metamorfose das cores, o veneno necessário, a experiência É ferida mesmo, marcas do bico de um predador que me
do mel. avistou nas asas da descoberta e quis me prender. Me feriu,
Involuntariamente eu me construía para o mundo, sugava mas em troca recebeu o gosto do meu veneno. Não nasci
com as patas a seiva das plantas, me preparava para o dia para perpetuar apenas a doçura do néctar, a seiva que trago
de voar. no corpo é também minha senha e minha arma.
Mal podia supor que as minhas asas seriam tatuadas de Simples, a minha natureza é feita de círculos, de
todas as formas, sobreposição de escamas cintilantes igual quebra de planos, de aspirais.
a um telhado suspenso no ar. Não tenho nada a ver com o vôo em linha reta, sou
Asas, minha enseada e minha perdição. responsável por mim e pela aventura de outras borboletas,
Acho mesmo que as antenas aguçadíssimas e olhos minha vida é transgredir. Afinal de contas voar é com os
sensíveis ao som vieram dessa minha vontade de ir sempre pássaros, e inverter o rumo das coisas, migrar sem descanso
além. no horizonte da procura, é com as borboletas.
É arriscado voar e é por isso que vôo Por isso a minha história, aconteça o que acontecer,
Sou atraída por novas montanhas e desconhecidas planícies só deve valer para quem sabe que toda verdade é sempre
– não posso esperar porque o tempo que me pertence é uma um pedaço de outra coisa e que o vôo mais urgente é
única estação. Vôo para estar na aventura do Vôo e vôo revolucionar os jardins.
também pelas borboletas domesticadas que perderam a
ousadia de voar.
2. (Jorge Miguel Marinho – professor de literatura
das
Faculdades Integradas de Osasco-
Extraído do livro “Na curva das Emoções”.)