3. 2
1 Introdução
Dispositivos baseados em filmes finos orgânicos são de grande interesse para aplicações
na eletrônica, como diodos emissores de luz, células solares e transistores de efeito de campo
[1]. Os primeiros experimentos envolvendo dispositivos orgânicos foram realizados em 1977 por
Shirakawa e col. [2], onde a condutividade eletrônica do poliacetileno dopado com halogênios
foram demonstrados. Desde então materiais orgânicos conjugados vêm recebendo grande atenção.
Os dispositivos orgânicos de maiores destaque são os diodos emissores de luz orgânicos (OLED,
organic light emitting diodes) e os transistores de efeito de campo orgânicos (OFET, organic
field-effect transistor ), além de diodos retificadores de corrente elétrica, fotodiodos e lasers.
Materiais orgânicos conjugados apresentam características eletrônicas semicondutoras além de
manterem propriedades de boa resistência a choques mecânicos e alta flexibilidade, podendo ser
utilizados em superfícies dobráveis, como embalagens e cartões magnéticos, além de possuirem
características de solubilidade e baixo custo de preparação [1].
Materiais orgânicos conjugados são aqueles que apresentam alternância de ligações químicas
simples (σ) e duplas (σ e π) ao longo da cadeia, sendo a ligação σ responsável pelas propriedades
que podem fazer destes materiais candidatos a aplicações em optoeletrônica. Materiais orgânicos
conjugados que possuem cadeia bastante longa apresentam os orbitais ligantes (σ) e os antiligante
(σ ∗ ) que dão origens as bandas de energia, sendo que a primeira delas possui todos os estados
eletrônicos ocupados e a segunda, todos os estados eletrônicamente desocupados. Tais bandas
recebem o nome de HOMO (Highest Occupied Molecular Orbital ) e LUMO (Lowest Unoccupied
Molecular Orbital ) que correspondem aos limites das bandas de valência e condução. A diferença
entre a energia do nível LUMO e a energia do nível HOMO é chamada de gap de energia,
similarmente aos semicondutores inorgânicos [1].
Um dos dispositivos de maior importância para a eletrônica é o transistor de efeito de campo
(FET, field effect transistor ), o FET é um dispositivo de três terminais, sendo dois terminais,
fonte (source) e dreno (drain) ligados diretamente ao canal do FET, região responsável pela
passagens dos portadores de carga. O terceiro terminal, denominado porta (gate), funciona
como controle de portadores através do canal atuando por uma camada isolante. Tal controle é
realizado através de efeito de campo elétrico, onde o campo elétrico vai estrangulando o canal do
transistor fazendo que a cada momento o número de portadores que atravessam o canal é reduzido
até cessar a passagem de portadores pelo canal fazendo com que a corrente elétrica atinja um
valor limite, corrente de saturação. As caracterísitcas que faz do FET muito importante para a
eletrônica é que podem ser controlados por tensão, possuem alta impedância de entrada, e baixa
4. 1 Introdução 3
impedância de saída e são utilizados como chaves em um circuito elétrico. Tais características e
aplicações dos FETs chamam a atenção para sua utilização no desenvolvimento de novos materiais
e seu comportamento modificando o material utilizado como canal o que levou ao desenvolvimento
de transistores a base de filmes orgânicos.
Por mais de duas décadas transistores de filmes finos orgânicos (OTFTs, organic thin-film
transistors) fabricados a base de polímeros conjugados, oligômeros, ou outras moléculas têm sido
previsto como fortes candidatos a substituir os tradicionais transistores de filmes finos baseados
em materiais inorgânicos. Tal possibilidade somente é possível devido a baixa mobilidade desses
materiais, os OTFTs atualmente não podem ter um rendimento similar ao transistores de efeito
de campo feitos com semicondutores inorgânicos monocristalino, tal como Si e Ge, o qual
possuem mobilidade em torno de três ordens de grandeza maior, consequentemente os OTFTs
não são aptos a serem utilizados em aplicações que exigem altas velocidades. No entanto, suas
caracterísitcas de processamento e desempenho já demonstrado sugere que os OTFTs podem ser
competitivos para as novas ou já existentes aplicações de FETs que requerem grande área de
cobertura, flexibilidade estrutural, processamento a baixa temperatura, e especialmente baixo
custo. Tais aplicações incluem dispostivos de tela plana a base de cristal líquido ou diodos
emissores de luz. Uma classe importante de materiais orgânicos que vêm sendo utilizada como
canal em transistores orgânicos é o fulereno, C60 , pois além de apresentar todas as vantagens
já mencionadas para materiais orgânicos, diversos autores têm reportado sua alta mobilidade
eletrônica com valores superiores a 5 cm2 /V.s [3].
O fulereno é uma forma alotrópica do carbono, sendo este um dos elementos químicos mais
interessantes, pois podem dar origem a uma das substâncias mais frágeis e baratas - o grafite -
e também a uma das mais rígidas e caras - o diamante. Tais estruturas são possíveis devido à
configuração eletrônica 1s1 2s2 2p3 e os orbitais de valência 2s e 2p podem se misturar para formar
três orbitais híbridos: sp1 , sp2 e sp3 . O carbono puro é encontrado em duas formas cristalinas
já citadas: a grafita é formada pela sobreposição de folhas de grafeno que se unem através de
interações fracas do tipo Van der Waals. Cada átomo de carbono, se liga a outros três formando
espacialmente uma rede bidimensional de anéis hexagonais, todos com hibridização sp2 ; no
diamante, carbonos com hibridização sp3 se ligam a outros quatro carbonos formando um arranjo
tetraédrico resultando numa estrutura tridimensional o que faz com que o diamante seja uma
estrutura extremamente rígida e estável. Em meados dos anos 80, Kroto e col., descobriram um
material composto por estrutura fechada, convexa, composta por faces pentagonais e hexagonais,
formadas por átomos de carbono com hibridização sp2 , denominada fulereno. A primeira
estrutura possuia sessenta átomos de carbono C60 e se organizava espacialmente de forma similar
a uma bola de futebol [4].
A utilização do fulereno para o desenvolvimento de transistores de filmes finos requer a
preparação de filmes robustos na superfícies do eletrodo desejado com uma morfologia bem
5. 1 Introdução 4
controlada. As técnicas mais utilizadas para a formação desses filmes de fulereno são: spin
coating, casting, deep coating e evaporação térmica. Cada técnica é utilizada para se obter
determinadas características do filme: quando se deseja um filme espesso e que não necessite de
uma superfíce morfologicamente perfeita, pode-se usar as técnicas casting e deep coating. Na
deposição por casting uma determinada quantidade da solução do material orgânico que deseja
formar o filme é colocada sobre o substrato e se espera até que o solvente seja todo evaporado; no
método de deposição por deep coating o substrato é mergulhado diversas vezes dentro da solução
desejada e a quantidade de mergulhos está relacionada com a espessura do filme que se deseja
obter. Em ambas as técnicas os filmes obtidos são da ordem de µm. Quando se deseja obter
filmes da ordem de poucas centenas de nanômetros pode-se usar a deposição por spin coating:
nesta técnica é feita uma solução do material orgânico e colocada sobre o substrato e com o
auxílio de um spinner o filme é formado. Escolhendo a rotação desejada do spinner pode-se
ajustar a espessura do filme. No processo de deposição térmica ou deposição física, os átomos ou
moléculas da substância que vão constituir o filme são removidos de uma fonte sólida com auxílio
de calor ou bombardeamento com partículas energéticas em uma câmara de vácuo. O fluxo de
evaporação pode ser controlado pela temperatura ou pelo fluxo de bombardeamento. Os átomos
removidos da fonte sólida se reagrupam novamente nas superfícies expostas da câmara de vácuo
formando o filme do material evaporado. Filmes obtidos por essa técnica podem apresentar
espessura de até dezenas de nanômetros e superfícies relativamente uniformes.
Esta monografia visa mostrar, analisar e discutir criticamente o processo de transporte de
corrente em um dispositivo baseado em um material orgânico, C60 , quando os contatos elétricos
no dispositivo são bloqueantes (Schottky). Devido as características já citadas dos OFETs Yohei
Ohta e col.1 ressaltaram a necessidade de quantificar a análise da injeção de portadores nos
dispositivos com uma única barreira Schottky [5]. Neste dispositivo, um dos eletrodos foi
recoberto com 1-alkanethiols Cn H2n+1 SH, com n = 12, sendo que este contato apresentou
uma barreira para o fluxo de portadores e a outra junção, sem recobrimento, formou um contato
ôhmico. Serão apresentados alguns dados sobre a estrutura geral da classe dos chamados fulerenos
e a formação do dispositivo; em seguida será feito um tratamento quantitativo do processo de
transporte na estrutura e sua aplicabilidade, tendo como base o modelo proposto pelos autores
do artigo em questão. Por fim, uma visão crítica do artigo será apresentada .
1
Transport properties in C60 field-effect transistor with a single Schottky barrier artigo escolhido
para esta monografia de qualificação de doutorado.
6. 5
2 Contato Metal-Semicondutor
O contato metal-semicondutor (MS ) é motivo de grande estudo e interesse para os dispositi-
vos eletrônicos, pois é a forma de conexão do material semicondutor com o mundo externo, além
de permitir a formação das interconexões entre dispositivos dentro de um circuito integrado.
O contato MS constitui-se numa parte intrínseca de vários dispositivos, podendo apresentar
um comportamento ôhmico (dependência linear e simétrica da corrente en função da tensão)
com baixa resistência ou retificador (dependência não linear da corrente em função da tensão,
característica de um diodo). O contato retificador é conhecido desde o trabalho de Braun [6]
que observou a primeira evidência da natureza assimétrica da condução elétrica entre contatos
metálicos e semicondutores tais como cobre e sulfeto de ferro. Em 1938 Schottky e independente
Mott mostraram que a retificação poderia ser explicada supondo que os elétrons passam sobre
uma barreira de potencial através de um processos de emissão termicamente estimulada [7, 8].De
acordo com Mott, a barreira de potencial é devido a diferença entre a função do trabalho do metal
e a eletroafinidade do semicondutor; Mott supôs que a região da barreira (interface MS ) estava
desprovida de portadores de forma que o campo elétrico era constante e o potencial eletrostático
variava linearmente com a distância.
Diversos dispositivos atuais são baseados em contatos MS com características como as
definidas por Schottky e Mott. O estudo destas barreiras, bem como do processo de formação
é fundamental para o desenvolvimento e entendimento de novos materiais com aplicações em
dispositivos. Normalmente um dispositivo de barreira, como um diodo, é formado por dois
contatos MS : um retificador e outro ôhmico; há casos porém, como o que é tratado pelo artigo
escolhido em que os dois contatos formados são do tipo retificador. Para entender o processo de
condução de corrente neste caso, precisamos antes entender como se dá a formação da barreira
Schottky e como ela determina a corrente no dispositivo.
2.1 Formação da barreira Schottky
Afim de estudarmos formação da barreira Schottky supomos inicialmente que o metal e o
semicondutor são eletricamente neutros e separados um do outro. O diagrama de bandas é
mostrado na fig. 1(a) para um semicondutor do tipo-n com uma eletroafinidade menor do que
a função trabalho do metal e ainda vamos supor que não há estados de superfície presentes 1 .
Conectando agora o metal e o semicondutor elétrons irão fluir do semicondutor para o metal e os
1
São formados quando a estrutura (atômica e química) do semicondutor não coincide com a do metal, dessa
maneira, dipolos elétricos se formarão na interface modificando a altura de barreira na junção.
7. 2.1 Formação da barreira Schottky 6
niveis de Fermi de ambos serão forçados a coincidir, como apresentado na fig. 1(b). As energias
dos elétrons longe das superfícies dos dois sólidos continuam as mesmas e há o aparecimento de
um campo elétrico na interface, havendo uma carga negativa na superfície do metal balanceada
por uma carga positiva no semicondutor. Visto que o semicondutor é do tipo-n, a carga positiva
será composta por íons positivos na região de depleção indicada na fig. 1(c). Como a concentração
de doadores é muitas ordens de grandeza menor do que a concentração de elétrons no metal, os
doadores ionizados ocupam uma camada de espessura apreciável, w, comparável ao comprimento
da região de depleção em uma junção p-n, e as bandas no semicondutor são curvadas como
mostra a fig. 1(b). A diferença Vi entre os potenciais eletrostáticos nas superfícies do metal
e do semicondutor é dada por Vi = δεi , onde δ é a separação entre os sólidos e εi o campo
elétrico na região de gap. Se continuarmos a aproximar o metal do semicondutor, Vi tende a
zero e εi permanece finito, [fig. 1(c)] e, quando finalmente colocarmos em contato o metal e o
semicondutor, [fig. 1(d)], a barreira devido ao vácuo desaparece completamente e ficamos com
um contato metal-semicondutor ideal. Fica claro pela figura que Vi tende a zero e que a altura
da barreira, φb , medida em relação ao nível de Fermi é dada por [9]
φ b = φ m − χs , (2.1)
onde φb é a função trabalho do metal e χs é a eletroafinidade do semicondutor. Na prática,
tal contato ideal nunca é alcançado, como visto na fig. 1(d), pois geralmente há a presença de
uma fina camada de óxido com espessura em torno de 10-20 Å, na superfície do semicondutor.
O contato, na prática, é mais frequentemente obtido como na fig. 1(c) com o detalhe de que
a barreira apresentada na fig. 1(c) é suficientemente estreita de modo que os elétrons podem
tunelar facilmente através da interface; dessa forma considera-se que os diagramas apresentados
nas fig. 1(c) e (d) são praticamente indistinguíveis.
O modelo descrito acima descreve a maneira pela qual surge a barreira em uma junção metal-
semicondutor. Quando isso ocorre teremos um contato retificador, ou seja, haverá condução
de corrente para polarização direta e em polarização reversa, a corrente será extremamente
pequena. Em determinadas situações, quando ambos os contatos realizados em um dado material
semicondutor apresentam características retificadores como o apresentado aqui, diz-se que o
sistema tem injeção de cargas controlada por duas barreiras, sendo que cada uma delas comporta-
se da mesma maneira que a apresentada anteriormente. A diferença está no processo de condução
de corrente, que poderá ser entendido facilmente considerando-se, inicialmente, o processo de
condução global de corrente através da emissão termiônica 2 .
2
Num dispositivo retificador, um contato elétrico comporta-se como o apresentado aqui, enquanto que o outro,
tem características ôhmicas, ou seja, a barreira entre o metal e o semicondutor φb não existe ou é muito pequena
para influenciar o processo de transporte.
8. 2.2 Emissão termiônica 7
Figura 1: Formação de uma barreira entre um metal e um semicondutor (a) ambos eletricamente
neutros e isolados, (b) eletricamente conectados, (c) separados por uma pequena distância, (d)
em total contato. O símbolo denota elétrons na banda de condução, enquanto que o símbolo
+ denota ions doadores.
2.2 Emissão termiônica
Nesta seção será discutido o mecanismo de transporte que determina as propriedades de
condução através de uma barreira Schottky. Há várias maneiras pelas quais os elétrons podem
ser transportados através da junção MS como está esquematicamente mostrado na fig. 2(a). Os
mecanismos de transportes que podem ocorrer são [9]:
a emissão de elétrons do semicondutor sobre o topo da barreira no metal;
b tunelamento quântico através da barreira;
c recombinação na região de carga espacial;
d recombinação em uma região neutra (injeção de lacunas).
Destas, a mais usualmente observada é a emissão por sobre a barreira e será a estudada aqui
3. O modelo de emissão termiônica para a barreira em uma junção metal-semicondutor pode ser
expressa por:
φb qVB
J = A∗ T 2 exp − exp −1 (2.2)
kB T nkB T
onde A∗ , φb , q, T, n e kB são a constante de Richardson, altura da barreira Schottky da
junção MS, carga eletrônica, temperatura, fator de idealidade e constante de Boltzmann,
respectivamente. A eq. (2.2) é a equação de um diodo Schottky modificada, incorporando a
3
Os outros mecanismos dependem, por exemplo, de condições específicas como alta dopagem no semicondutor,
gap estreito, alta taxa de recombinação, entre outros.
9. 2.2 Emissão termiônica 8
Figura 2: (a) Processo de transporte de uma barreira Schottky em tensão direta, (b) diagrama
de banda do fulereno, (c) Diagrama esquemático do dispositivo com duas barreiras com V = 0V
e (d) V = V1 + V2 .
dependência da altura de barreira com a voltagem aplicada (devido a efeito de carga imagem).
Tal dependência é descrita por
1
φb (V ) = φb + eV 1− , (2.3)
n
Para o artigo em questão a barreira Schottky é formada através da junção Au-C60 /pentaceno
e tem entre 0, 09 − 0, 17eV , valor muito menor do que esperado através do diagrama de bandas,
1, 5eV , como é apresentado na fig. 2(b) [10]. No artigo publicado por Yohei Ohta e col., os
contatos elétricos foram formados a partir da evaporação de Au sendo que um dos eletrodos foi
recoberto com C12 H25 SH permitindo a príncipio a formação de duas barreiras. De forma geral,
a obtenção de contato ôhmico na prática é dificil, pois em uma junção MS sempre se forma uma
barreira (a menos que algum processo adicional seja usado, como por exemplo, alta dopagem
no semicondutor ou tratamento térmico). Por esta razão, uma análise mais geral baseada no
modelo de emissão termiônica para duas barreiras Schottky deve ser usada. Uma representação
esquemática para o modelo de duas barreiras Schottky é apresentado na fig. 2(c) e (d).
Quando uma tensão V é aplicada ao dispositivo, o diagrama de energia, fig. 2(c), será
alterado como mostra a fig. 2(d). Como é visto nesta figura, a densidade de corrente líquida será
J1 e é uma corrente direta pois o potencial intrínseco, eVBi1 muda para e(VBi1 -V1 ) enquanto que
a altura da barreira Schottky para a junção 1, φef f , não é alterada. A densidade de corrente na
b1
outra junção (junção 2) J2 , é uma corrente reversa pois eVBi2 aumenta para e(VBi2 +V2 ) no lado
do semicondutor, e novamente a altura da barreira Schottky para a junção 2, φef f , também não
b2
10. 2.2 Emissão termiônica 9
varia. As tensões V1 e V2 são as quedas de tensão nas junções 1 e 2, respectivamente. J1 e J2
são expressas por [11, 12]
eV1 eV2
J1 = Js1 exp − 1 , J2 = −Js2 exp − −1 , (2.4)
nkB T nkB T
onde Js1 e Js2 são densidades de corrente de saturação e expressas por [13]:
∗ 2 qφef f ∗ qφef f
2
Js1 = A T exp − b1 , Js2 = A T exp − b2 . (2.5)
kB T kB T
A densidade de corrente total JT pode ser obtida levando-se em consideração que JT = J1 =
J2 e V = V1 + V2 [11], ou seja,
eV
2Js1 Js2 sinh ekB T
JT = . (2.6)
eV eV
Js1 exp 2nkB T + Js2 exp − 2nkB T
O modelo expresso pela eq. (2.6) é geral e válido para qualquer que seja a altura de barreira,
implícita nas correntes de saturação Js1 e Js2 . Por esta razão é interessante estudarmos alguns
casos limites, como por exemplo, o que ocorre quando as barreiras de ambas junções são iguais.
Por outro lado, quando fazemos a altura de uma das barreiras igual a zero, temos que recuperar
o modelo de emissão termiônica para um diodo Schottky. Cada um desses casos será descrito e
analisado a seguir.
Caso 1 Para φef f = φef f = φef f e n = 1
b1 b2
ef f
Nestas condições temos que Js1 = Js2 = A∗ T 2 exp − qφ T
kB e a eq. (2.6) se reduz a:
qφef f
A∗ T 2 exp − b
kB T sinh eV
2kB T
JT = (2.7)
eV
cosh 2nkB T
Nas condições citadas acima temos a equação inicialmente proposta por Yohei Ohta e col.
quando se usa eletrodos do mesmo metal. A fig. 3(a) apresenta a condição em que φef f = 0, 5eV
e n = 1, 15 para temperaturas de 280, 300 e 320K. O efeito da barreira dupla pode ser notado
claramente, assim como o efeito da temperatura.
Caso 2 Para φef f = φef f = φef f e n = 1
b1 b2
ef f
Novamente teremos Js1 = Js2 = A∗ T 2 exp − qφ T
kB e a eq. (2.6) se reduz a:
ef f
A∗ T 2 exp − qφ T
kB sinh eV
2kB T
JT = (2.8)
eV
cosh 2kB T
11. 2.2 Emissão termiônica 10
0,20
20 (a) n = 1,15 320 K
(b) n = 1,00
0,15
300 K
15
280 K 0,10
10
(A/m )
(A/m )
2
= =0,5 eV
2
5 = =0,5 eV 0,05 1
1
0 0,00
T
-5
T
-0,05
J
J
-10 320 K
-0,10
300 K
-15
-0,15
280 K
-20
-0,20
-2 -1 0 1 2 -2 -1 0 1 2
350 4
n = 1,15 (d) n = 1,25
(c) = 0,48 eV
320 K
2
300
300 K
3
x 10 (A/m )
=0,45 eV
2
250
(A/m )
2
280 K
=0,5 eV
2
1
200 =0,48 eV
2 2
= 0 eV
2
5
150
10
x 10
1
100
=0,5 eV
1
T
50
J
0
T
J
0
-50 -1
-2 -1 0 1 2 -2 -1 0 1 2
Voltagem (V) Voltagem (V)
Figura 3: Casos limites para o modelo de dupla barreira Schottky, em (a) temos φef f = φef f =
b1 b2
φef f e n = 1, (b) φef f = φef f = φef f e n = 1, (c) φef f = φef f e n = 1 e (d) φef f = 0, 5eV e
b1 b2 b1 b2 b1
φef f = 0 e n = 1
b2
Nesta situação teremos dois diodos ideais. Dessa maneira, quando um permite a passagem
de corrente elétrica o outro não permite, e quando invertemos a polarização o contrário ocorre,
a corrente total é então limitada pelas correntes de saturação Js1 e Js2 . Tal situação pode ser
observada na fig. 3(b), com φef f = 0, 5eV para temperaturas de 280, 300 e 320K. O valor da
corrente de saturação apresentado na fig. 3(b) é devido somente ao efeito de emissão termiônica.
Caso 3 Para φef f = φef f e n = 1
b1 b2
Neste caso Js1 = Js2 e dessa forma a eq. (2.6) permite o cálculo da corrente total como
mostra a fig. 3(c): nessa situação φef f = 0.5eV e φef f tem os seguintes valores: 0,4, 0,45 e 0,48
b1 b2
eV e n = 1,15 em T = 300K. O efeito da barreira é observado na fig. 3(c) e como previsto pela
teoria, quanto menor a altura da barreira maior o nível de corrente.
Caso 4 Para φef f = 0, 5eV e φef f = 0 e n = 1
b1 b2
Com uma barreira igual a zero retomamos o caso inicial dado pela eq. (2.2), quando um dos
contatos é ôhmico - ausência de barreira, e o outro é bloqueante - presença de barreira. Para
tensão reversa temos uma densidade de corrente extremamente pequena enquanto para tensão
direta temos que a densidade de corrente aumenta exponencialmente, como pode ser visto na fig.
3(d) para φef f = 0, 5eV e fator de idealidade n = 1,25 (temperaturas 280, 300 e 320K).
b1
12. 2.3 Resultados de Yohei Ohta e col. 11
O modelo descrito acima para emissão termiônica com barreiras Schottky única e dupla
norteou todo o trabalho descrito por Yohei Ohta col.. O modelo de barreiras Schottky duplas
é bastante interessante, pois algumas vezes, uma análise das caracterísitcas J vs. V é realizada
de forma errônea, porque se usa apenas a região de tensão direta ou reversa. Como resultado,
encontra-se fator de idealidade muito maior do que a unidade e/ou altura de barreira que não
condiz com a teoria. Na seção seguinte os dados e a discussão dos resultados obtidos por Yohei
Ohta e col. serão apresentados.
2.3 Resultados de Yohei Ohta e col.
A estrutura do dispositivo FET usado é apresentada nas fig. 4(a) e (b). Os eletrodos foram
obtidos da seguinte maneira: primeiro evaporou-se Cr no substrato de Si/SiO2 para melhorar
a adesão entre Au (também evaporado, com espessura de 18 nm) e SiO2 ; após esta etapa, o
eletrodo foi recoberto com C12 H25 SH submergindo o substrato em solução de etanol com 1,0 x
10−2 mol.dm−3 de C12 H25 SH. Após esta etapa um filme de 50 nm de C60 foi evaporado sobre
o substrato e sobre este filme foi definido o segundo eletrodo, também de Au com 40 nm de
espessura; os autores esperavam que este eletrodo formasse um contato ôhmico. No texto os
autores definem VB =VDS (para se referenciarem a um outro trabalho; no nosso caso, VB =V) e
que JF é JR são densidade de corrente direta e reversa, respecivamente. Todas as medidas foram
D D
realizadas em vácuo e com pressão de 10−6 Torr.
As curvas |JF |-|VB | e |JR |-|VB | são apresentadas na fig. 4(c) e (d) para VG = 100V em
D D
300 K e 220 K, respectivamente. Os valores para |JF | foram maiores para |JR |, tanto para
D D
300K quanto para 220 K; porém, para 220 K o valor obtido para as densidades de corrente foi
maior. Foi observada uma maior concavidade4 para JR do que para JF . Tal resultado vai ao
D D
encontro do que é mostrado no diagrama de bandas apresentado na fig. 2(d), quando é aplicado
um potencial no eletrodo de Au recoberto com C12 H25 SH: a barreira de potencial no filme de
fulereno reduz-se para eVBi - eVB . Por outro lado, quando eVB é aplicado ao eletrodo de Au
puro, a barreira de potencial no filme de fulereno aumenta de eVBi para eVBi + eVB .
Os dados da curva |JF |-|VB | em 300 K foram ajustados seguindo a modelo de emissão
D
termiônica para uma única barreira e |VB | < 10 V, e os valores obtidos para φef f e nF 5 foram,
BF
0,3325 eV e 263, respectivamente. O valor econtrado para φef f está de acordo com o obtido por
BF
outros autores como Hayashi e col. (como citado no artigo) [10]. No entando nF é muito maior
do que a unidade, indicando que este modelo não é aplicável as curvas |JF |-|VB | para o FET C60
D
usado no estudo. Para a densidade de corrente reversa em 300 K os valores obtidos para φef f
BR
e nR foram, 0.347 eV e 1,0039, respectivamente. O valor de φef f é similar ao encontrado por
BR
4
Os autores referem-se concavidade ao comportamento mais próximo a de um diodo Schottky.
5
nF e nR referem-se ao fator de idealiade obtido para tensão direta e reversa, respectivamente.
13. 2.3 Resultados de Yohei Ohta e col. 12
F
Figura 4: Em (a) tem-se configuração de medida de densidade de corrente direta JD e (b) reversa
R . As regiões mostradas pela cor azul, cinza e roxa refere-se a C H SH, Cr e filme fino de
JD 12 25
C60 , respectivamente. As caracterizações |JF |-|VB | e |JR |-|VB | são apresentadas em (c) para 300
D D
K, (d) 220 K, (e) gráfico φef f vs. T e φef f vs. T e em (f) µF f vs. T e µR f vs. T.
BF BR ef ef
Hayashi e col. para o FET C60 com barreira Schottky dupla formada por C12 H25 SH. No entanto,
nR é muito próximo da unidade o que indica que os dados |JR |-|VB | podem ser razoavelmente
D
analisados com o modelo de uma única barreira Schottky eq. (2.2) [10]. A diferença entre as
características de transporte das curvas |JF |-|VB | e |JR |-|VB |, pode ser um indício de que um
D D
contato ôhmico ideal ainda não foi formado junção na C60 - Au. Na verdade, quando φef f
B1
φef f , JD pode ser expresso pela eq. (2.2) ao invés da eq. (2.6). Isto pode ser explicado pelo
B2
fato de que |JR | é consideravelmente dominada pelo maior potencial (eVBi + eVB ) na junção
D
Au-(C12 H25 SH)-C60 e que o pequeno valor de φef f , dificilmente afeta |JR |; este comportamento
B2 D
levou os autores a supor que para as curvas |JR |-|VB | pode ser usada uma barreira de potencial,
D
obtendo valores próximos para φef f em ambos casos φef f ∼ φef f . Entretanto, os valores de nF
B BF BR
e nR são muito diferentes, o que nos leva a crer que pode haver um problema no tratamento
dos dados apresentados, uma vez que isto está em contraste ao fato de que n é muito sensível às
curvas de caracterização |JF | e |JR |.
D D
As curvas para φef f vs. T e φef f vs. T são apresentadas na fig. 4(e). Os resultados
BF BR
para ambas barreiras são praticamente idênticas, o que mostra que φef f quase não é afetada pela
B
existência de uma pequena barreira Schottky no contato superior, e os resultados são consistentes
em baixa temperatura. De forma geral a altura de barreira Schottky é descrita pela eq. (2.3),
mas neste trabalho os autores consideraram também uma barreira de tunelamento através da
14. 2.3 Resultados de Yohei Ohta e col. 13
pequena camada de C12 H25 SH usada para recobrir o contato de Au inferior. Dessa forma, a
barreira efetiva então deve ser escrita como
φef f = φb + kB T βl (2.9)
onde β e l são eficiência de tunelamento dos elétrons através da camada isolante e espessura do
isolante, respectivamente; o menor valor β nos leva a maior eficiência dos portadores em tunelar
através do isolante. Os valores de β e φB são determinados através da inclinação e do intercepto
do gráfico φef f vs. T; os valores obtidos foram, β ∼ 0,82 - 0,97 próximo de 0,65 determinado
B
para o FET C60 com duas barreiras Schottky com C12 H25 SH. Por outro lado, foi encontrado φB
∼ -0,020 - 0,026 eV menor do que 0,152 eV para FET C60 com duas barreiras Schottky formada
por C12 H25 SH. O pequeno valor da altura da barreira está em contraste com o valor esperado
via diagrama de banda (1,5 eV, ver fig. 2(b)).
O dispositivo utilizado pelos autores tem a configuração de um transistor, cuja mobilidade
1 1
DF DR DF DR
pode ser calculada através das caracterizações |IS | 2 -|VG | e |IS | 2 -|VG |, onde |IS | e |IS |
são correntes de saturação direta e reversa no dreno, respectivamente. A fig. 4(f) apresenta os
resultados para a mobilidade do FET, µF e µR em função da temperatura. Uma nítida diferença
é observada entre µF e µR , o que, segundo os autores, mostra que efeito retificador está presente
na região de alta temperatura. Isto, pode ser um índício que a altura da barreira Schottky na
junção Au-C60 não é desprezível abaixo de 300 K e neste caso o uso de duas barreiras Schottky
é necessário.
Como conclusão Yohei Ohta e col., observaram um contato retificador no FET Au-C60 -
C12 H25 SH:Au e aplicando a idéia de um dispositivo com duas barreiras Schottky, conseguiram
extrair parâmetros como altura de barreira e fator de idealidade para os dispositivos. Na
interpretação dos autores, foi possível diferenciar barreiras diferentes em contatos diferentes.
15. 14
3 Considerações Finais
O artigo em questão apresenta uma importante ferramenta para a análise das características
corrente-tensão em dispositivos com junções MS, principalmente por tratar o caso quando duas
barreiras Schottky são formadas em um mesmo dispositivo. Um fato importante e mesmo sem
explicação é que os autores passam a introdução descrevendo sobre como obter a densidade
de corrente para um dispositivo com dupla barreira Schottky, mas em seus resultados, em
momento algum sua própria idéia é usada. Para analisar os dados apresentados os autores
separam as características de polarização reversa e direta para tratá-las independentementes
como se se tratassem de dispositivos como uma única barreira. Como foi mostrado na seção 2.2
e especificamente na fig. 3 o modelo de dupla barreira é, na verdade, uma generalização do caso
simples de uma barreira: dessa forma deveria ter sido utilizado na análise das curvas apresentadas
no trabalho. Os autores também afirmam, usando os resultados para a mobilidade eletrônica
que é possível descobrir o caráter retificador dos dispositivos. Segundo eles isso é mostrado pela
diferença entre µF e µR . Entretanto a pequena diferença observada nos dados de mobilidade, a
meu ver, não justificam tal afirmativa, sendo no máximo uma evidência do efeito retificador. De
forma geral, o artigo toca em um ponto muito importante e atual, independentemente do material
estudado, uma vez que a fabricação de contatos ôhmicos em dispositivos é relativamente dificil.
O modelo inicialmente apresentado dá conta de analisar as características de um dispositivo
mesmo fora das condições ideais, como por exemplo, um contato retificador e um ôhmico.
16. 15
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