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Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
Aspectos históricos e conceituais da etnoornitologia
Etnoecologia caiçara: o conhecimento dos pescadores artesanais
sobre aspectos ecológicos da pesca
MilenaRamires1*
SilviaMariaGuerraMolina2
NataliaHanazaki3
1NEPAM/ IFCH - UNICAMP
Travessa Belmiro Pinazza 55, CEP 13405-380, Piracicaba
ramires@unicamp.br
2Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ/ USP
smgmolin@esalq.usp.br
3Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
natalia@ccb.ufsc.br
* Autora para correspondência
Submetido em 24/03/2006
Aceito para publicação em 19/09/2006
Resumo
Através da pesca artesanal os pescadores exploram o ambiente aquático de forma peculiar e mantêm
grande diversidade de interações diretas com o ambiente. Sob o enfoque da etnoecologia, este trabalho teve
como objetivo realizar um estudo etnoictiológico para obter informações sobre a diversidade da ictiofauna
marinha através do conhecimento dos pescadores artesanais, abordando aspectos morfológicos, ecológicos e
comportamentais dos peixes, tais como: habitat, reprodução, comportamento, entre outros, verificando também
as similaridades entre o etnoconhecimento caiçara e a literatura científica.Apresente pesquisa foi realizada nas
comunidades caiçaras da Barra do Ribeira e Jairê (Iguape), Carijo e Porto Cubatão (Cananéia) e Pedrinhas (Ilha
Comprida). Constatou-se uma elevada concordância entre o etnoconhecimento e o conhecimento científico,
proporcionando assim mais uma contribuição para discussão das relações entre biodiversidade e diversidade
cultural, bem como a potencial contribuição do etnoconhecimento para a conservação da biodiversidade.
Unitermos: etnoecologia, caiçaras, pescadores, pesca artesanal
Abstract
Caiçara Ethnoecology: artisanal fishermen's knowledge. Through artisanal fishing, the fishermen explore
theaquaticenvironmentinaspecificmanner,maintainingagreatdiversityofdirectinteractionswiththeenvironment.
Guided by this ethnoecological focus, this work had the objective of developing an ethnoichthyological study to
obtain information about the diversity of marine ichthyofauna through the artisanal fishermen's knowledge,
considering the morphological, ecological and behavioral aspects of fish such as habitat, reproduction and behavior,
notingalsothesimilaritiesbetweenCaiçaraethnoknowledgeandthescientificliterature.Thisresearchwasdeveloped
in the Caiçara communities of Barra do Ribeira and Jairê (Iguape), Carijo and Porto Cubatão (Cananéia), and
Pedrinhas(IlhaComprida).Ahighlevelofcorrespondencebetweentheethnoknowledgeandthescientificknowledge
was observed, providing therefore one more contribution to the discussion between biodiversity and cultural
diversity, and also making a potential contribution to ethnoknowledge for the preservation of biodiversity.
Key words: ethnoecology, caiçaras, fishermen, artisanal fishing
Biotemas, 20 (1): 101-113, março de 2007
ISSN 0103 – 1643
102
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
M. Ramires et al.
Introdução
A formação de várias das comunidades marítimas
e litorâneas no Brasil se deu entre o vasto período que
vai do século XVIII ao início do século XX, cujos mem-
bros viviam, sobretudo ou parcialmente, de atividade
pesqueira. Em tais comunidades, dispersas por todo o
litoral, modos de vida e culturas locais específicas pude-
ram emergir, diferenciando seus membros de outros gru-
pos (Silva, 1993). Este é o caso das comunidades caiçaras,
cujos habitantes, durante longo período, ficaram relati-
vamente isolados na Mata Atlântica e no litoral dos Es-
tados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Desta for-
ma, desenvolveram uma cultura particular que os dife-
rencia das comunidades tradicionais do interior desses
estados (Diegues, 1988a; Luchiari, 1992 e 1997).
O conhecimento sobre a pesca em particular e toda
a cultura caiçara em geral é transmitido através de expe-
riências do cotidiano e através do relacionamento entre
os membros das comunidades. De acordo com Marques
(1991), a aquisição de informações sobre o ambiente e
seus recursos, bem como o modo de lidar com eles, esta-
belece-se por meio de transmissão cultural. Paz e Begossi
(1996) também afirmam que o conhecimento dos pesca-
dores é proveniente do cotidiano, de experiências vividas
e compartilhadas de geração a geração.
Todo o conhecimento local das comunidades do li-
toral paulista é amplo e tem influência direta no êxito da
atividade pesqueira desenvolvida por elas, além de fazer
parte dos traços culturais caiçaras. A existência e conti-
nuidade do conhecimento local são fundamentais para a
conservação da biodiversidade nos ambientes litorâne-
os. Segundo Costa-Neto e Marques (2000a), o conjunto
de conhecimentos teórico-práticos que os pescadores
apresentam sobre o comportamento, hábitos alimenta-
res, reprodução, taxonomia e ecologia dos peixes ofere-
ce uma rica fonte de informações de como manejar,
conservar e utilizar os recursos pesqueiros de maneira
sustentável.
O conhecimento caiçara pode ser o ponto de parti-
da para novos planos de gestão ambiental que visem
conservar tanto a biodiversidade quanto as diferentes
culturas brasileiras. Muitos estudos têm sido desenvol-
vidos nesta área temática, enfocando as relações entre
as comunidades tradicionais e os recursos naturais. Au-
tores como Clauzet (2003) e Lopes (2004) apontam a
importância da incorporação do conhecimento destas
comunidades para o desenvolvimento de planos de ma-
nejo sustentável.
Neste contexto, torna-se evidente a importância dos
estudos etnoecológicos que valorizam o conhecimento
ecológico local. Para Toledo (1992) e Nazarea (1999), a
etnoecologia é o estudo dos conhecimentos, estratégias,
atitudes e ferramentas que permitem às diferentes cul-
turas produzir e reproduzir as condições materiais de
sua existência social por meio de um manejo apropriado
dos recursos naturais. Ela caracteriza-se como um
enfoque ou abordagem teórico-metodológica no estudo
da relação sociedade-natureza que enfatiza o papel da
cognição no comportamento humano, apresentando-se
como uma ferramenta útil para analisar problemas rela-
cionados com o manejo, sustentabilidade, conservação
e direito de propriedade intelectual.
Marques (2001: p.49) encontra uma definição que
mostra os reais objetivos da etnoecologia como ciência
e (ou) disciplina:
Etnoecologia é o estudo das interações entre a
humanidade e o resto da ecosfera, através da busca da
compreensão dos sentimentos, comportamentos,
conhecimentos e crenças a respeito da natureza,
característicos de uma espécie biológica (Homo
sapiens)altamentepolimórfica,fenotipicamenteplástica
e ontogeneticamente dinâmica, cujas novas
propriedades emergentes geram-lhe múltiplas
descontinuidades com o resto da própria natureza. Sua
ênfase, pois, deve ser na diversidade biocultural e o
seu objetivo principal, a integração entre o
conhecimento ecológico tradicional e o conhecimento
ecológico científico.
Sob o enfoque da etnoecologia, este trabalho teve
como objetivo realizar um estudo etnoictiológico para
obter informações sobre a diversidade da ictiofauna
marinha através do conhecimento dos pescadores
artesanais, abordando aspectos morfológicos, ecológi-
cos e comportamentais dos peixes, tais como: habitat,
reprodução e comportamento, verificando também as
similaridades entre o conhecimento caiçara e a literatu-
ra científica. O diálogo entre essas duas formas de com-
preensão do mundo pode contribuir para gestão
103
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
Etnoecologia caiçara
participativa dos recursos pesqueiros por meio da im-
plantação de planos de manejo que considerem a
complementaridade entre os sistemas tradicional e cien-
tífico de produção, visando a sustentabilidade.Além dis-
so, como aponta Berkes (1985 e 1999), a sustentabilidade
é um indicativo para avaliar se a combinação entre os
doissistemascontribuiparaaumentarouaomenosmanter
o potencial dos recursos.
Material e Métodos
A presente pesquisa foi desenvolvida com pesca-
dores de três municípios do Vale do Ribeira: Iguape (Bar-
ra do Ribeira e Jairê), Cananéia (Carijo e Porto Cubatão)
e Ilha Comprida (Pedrinhas), localizadas ao sul do Esta-
do de São Paulo (Figura 1).
A coleta de dados foi realizada em duas etapas. A
primeira foi baseada no método Bola de Neve (Bailey,
FIGURA 1: Área de estudo. Municípios de Iguape, Cananéia e Ilha Comprida, com destaque para as comunidades caiçaras estudadas.
Fonte: Adaptado de Atlas Eletrônico do Estado de São Paulo (www.eatlas.sp.gov.br/mappage.asp).
1982), onde os informantes eram indicados pelos pesca-
dores entrevistados. Nesta etapa, realizada no período
de janeiro a dezembro de 2002, os pescadores foram
entrevistados com auxílio de questionários estruturados
para a coleta de dados gerais dos informantes e infor-
mações sobre a pesca na região. A duração foi em mé-
dia de 30 minutos e totalizou 110 entrevistas.
Em seguida, foram definidos pescadores informan-
tes para o levantamento etnoictiológico e quais espécies
de peixes fariam parte do levantamento. Os informan-
tes foram definidos de acordo com os seguintes critéri-
os: 1) tempo de pesca igual ou superior a 10 anos; 2)
dedicação integral à atividade de pesca; 3) pescadores
aposentados, que ainda pescam para consumo ou even-
tual comércio; 4) pescadores que desenvolvem outras
atividades ligadas à pesca (guias de pesca esportiva,
coletores de iscas naturais, etc.); 5) caseiros, ex-pesca-
dores com 10 ou mais anos de pesca. Com o uso destes
104
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
M. Ramires et al.
critérios foram definidos os informantes e estes, na se-
gunda etapa, realizada entre os meses de janeiro a agos-
to de 2003, foram entrevistados com o auxílio de questi-
onários semi-estruturados sobre a descrição dos peixes,
o hábitat, as técnicas para captura, a sazonalidade, a
reprodução e as etnoespécies conhecidas. O tempo de
duração das entrevistas nesta etapa variou muito (de 15
a 60 minutos aproximadamente) devido à disposição e
interesse de cada pescador em participar da pesquisa.
As espécies foram definidas com base nas informa-
ções obtidas na primeira etapa e totalizaram 6 espécies,
que correspondem àquelas que, segundo os pescadores,
são mais consumidas e mais comercializadas. Com base
nisto, a unidade amostral tomada neste trabalho foi dada
pelo número de entrevistas realizadas em cada localida-
de, sendo que cada entrevista referiu-se a uma das espé-
cies definidas.Assim, alguns pescadores foram entrevis-
tados mais de uma vez, ou seja, foram questionados acer-
ca de diferentes espécies de peixes. Como dito anterior-
mente, o tempo de duração das entrevistas deu-se de acor-
do com a disposição dos entrevistados, bem como o nú-
mero de entrevistas realizadas com cada pescador. Des-
sa forma, totalizou-se 122 entrevistas com 57 pescado-
res, sendo na Barra do Ribeira realizadas 19 entrevistas
com 15 pescadores; no Jairê 9 entrevistas com 9 pesca-
dores; no Carijo 36 entrevistas com 15 pescadores; em
Porto Cubatão 34 entrevistas com 11 pescadores e em
Pedrinhas 24 entrevistas com 7 pescadores.
Além disso, foi elaborada uma coleção zoológica
com exemplares que representam as espécies mais cap-
turadas pelos pescadores artesanais da região. A identi-
ficação foi feita por Milena Ramires e revisada pelo Prof.
Dr. Walter Barrella (Laboratório de EcossistemasAquá-
ticos da PUC-SP, Campus Sorocaba).
Resultados e Discussão
A pesca artesanal hoje já não é mais a única ativi-
dade econômica das comunidades litorâneas. Segundo
Hanazaki (2001), atividades tradicionalmente praticadas
pelos caiçaras, como a pesca e a agricultura, passam a
ter importância secundária conforme as atividades liga-
das ao turismo tendem a crescer.
Os pescadores residentes nas comunidades caiçaras
estudadas também desenvolvem outras atividades para
complementar a renda familiar. Dentre elas, as princi-
pais são relacionadas ao turismo, como comércio (res-
taurantes, pousadas, bares), prestação de serviços em
casas de veraneio, aluguel de barcos para passeios e
para a pesca esportiva, comércio de iscas naturais, en-
tre outras. Mesmo diante de alternativas econômicas, a
pesca artesanal ainda tem importância total no orçamento
familiar, para 40% dos pescadores entrevistados na Barra
do Ribeira, 66% no Jairê, 88% no Carijo e 57% em Por-
to Cubatão. Porém, em Pedrinhas a pesca artesanal tem
importância total apenas para 18% dos entrevistados.
Hanazaki (2001), também aponta que em Pedrinhas a
pesca não é mais a principal atividade econômica da
população, e é direcionada principalmente para a captu-
ra de peixes para o consumo local.
Mesmo desenvolvendo outras atividades, as comu-
nidades caiçaras ainda mantêm um relacionamento com-
plexo com o ambiente natural, que não é marcado somen-
te por instâncias econômicas. Valores, tradições, crenças
religiosas e percepções permanecem na cultura caiçara e
exercem um papel fundamental no cotidiano destas co-
munidades (Diegues, 1988b), principalmente na maneira
como a pesca artesanal é desenvolvida no Litoral Sul e
Vale do Ribeira (Estado de São Paulo), o que caracteriza
a forma como os pescadores manejam os estoques pes-
queiros dado inclusive pelo tempo de pesca, ou seja, o
tempo de trabalho dos pescadores na atividade pesqueira,
que variou de 1 a 80 anos, sendo que as médias foram: 22
anos na Barra do Ribeira; 30 anos no Jairê; 26 anos no
Carijo; 34 anos em Porto Cubatão e 24 anos em Pedri-
nhas; bem como a idade média dos entrevistados foi de
43 anos na Barra do Ribeira; 55 anos no Jairê; 44 anos no
Carijo; 49 anos em Porto Cubatão e 36 anos em Pedri-
nhas. Todos os entrevistados são do sexo masculino e a
maioria (68%) possui grau de escolaridade referente ao
ensino fundamental incompleto.
As Etnoespécies
Segundo os pescadores, cada peixe pode ter mais
de uma variedade. No grupo dos paratis, por exemplo,
foram citados vários tipos como o parati-guaçú, parati-
pema, parati-poá, entre outros. Neste trabalho, estas
variedades foram consideradas como etnoespécies e
105
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
Etnoecologia caiçara
associadas com a identificação científica em nível de
gênero, ou seja, os pescadores atribuíram mais de uma
variedade para as espécies que formaram a coleção
ictiológica identificada. No caso dos robalos, por exem-
plo, foram identificadas duas espécies, Centropomus
undecimallis e Centropomus parallelus, observados
nos desembarques pesqueiros da região e, segundo os
pescadores, existem 10 variedades de robalos muito pre-
sentes em suas pescarias (Tabela 1). Observou-se o mes-
mo para as demais etnoespécies onde foram
identificadas: Anchoviella lepidentostole (manjubas),
Mugil platanus e Mugil curema (tainhas e paratis),
Cynoscion acoupa e Cynoscion leiarchus (pescadas)
e Scomberomorus brasiliensis (sororoca e cavala).
Costa-Neto e Marques (2000a), em um estudo re-
alizado em Siribinha (BA), verificaram que a taxonomia
etnoictiológica dos pescadores consiste em uma classi-
ficação hierárquica, incluindo etnoespécies dentro de
etnofamílias e estas na categoria popular dos "peixes".
Neste caso, as comparações de semelhanças são evi-
denciadas através de expressões tais como: "é do mes-
mo jeito", "é da mesma família", "é a mesma coisa de",
"tem o mesmo sistema de". A identificação de
etnofamílias tem sido um importante aspecto abordado
pelos estudos de etnoictiologia. Paz e Begossi (1996)
encontraram componentes de etnofamílias importantes
não apenas porque são pescados, consumidos e
comercializados, mas também porque podem ser peri-
gosos, baseando-se esta distinção em fatores utilitários.
Robalo Manjuba Tainha Parati Pescada Sororoca
Robalo
Robalão
Robalo-chato
Robalo-flecha
Robalo-peva
Robalo-cambuiapeva
Robalo-galhudo
Robalo-peba-guaçu
Robalo-tirrinha
Robalo-água-branca
Manjuba
Manjubão
Manjuba-prego
Preguinho
Tainha
Tainha-tara
Tainha-grande
Virote
Virotão
Tainhota
Virotinho
Parati
Parati-guaçú
Parati-pema
Parati-poá
Parati-chorão
Parati-flecha
Parati-do-rio
Parati-sabão
Parati-barbado
Pescada
Pescadinha
Pescada-amarela
Pescada-branca
Pescada-jaguara
Pescada-olhuda
Pescada-cambucu
Pescada-sacu
Pescada-banana
Pescada-fogueta
Sororoca
Cavala
Num estudo realizado por Souza e Barrella (2001),
os pescadores da Estação Ecológica de Juréia Itatins atri-
buem uma relação de parentesco entre as espécies de
tainha e parati que, segundo eles, são bem parecidos e,
portanto, parentes. Segundo os autores, isto está de acor-
do com a literatura científica, pois através de identifica-
ção taxonômica (Menezes e Figueiredo, 1985) verifica-
ram que tanto a tainha quanto o parati pertencem à mes-
ma ordem (Perciformes), família (Mugilidae) e gênero
(Mugil), explicando a semelhança encontrada entre os
dois, o que faz com que os pescadores os classifiquem
como "parentes".
Neste trabalho não foram apontadas relações de
parentesco entre as tainhas e os paratis. Embora se saiba
que é uma família de importância para as comunidades
caiçaras do litoral sul de São Paulo e que os pescadores
desta região possuem um conhecimento detalhado sobre
estas espécies (Hanazaki, 2001). Os pescadores que par-
ticiparam deste trabalho se referiram a esses peixes se-
paradamente, citando inclusive as informações questio-
nadas para cada um deles, mesmo que em alguns mo-
mentos estas informações apresentassem semelhanças.
Este é o caso, por exemplo, dos itens alimentares, onde
ambos se alimentam de limo, lama, espuma etc. Tal co-
nhecimento está de acordo com a literatura científica
(MenezeseFigueiredo,1985)queapontaqueosmugilídeos
se alimentam de matéria vegetal retirada do lodo ou
substrato em que vivem. Os principais predadores cita-
dos (boto, espada, cação etc.) também foram semelhan-
tes para os dois grupos de peixes (tainha/ parati).
TABELA 1: Etnoespécies citadas pelos pescadores artesanais.
106
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
M. Ramires et al.
Descrição dos Peixes
Para a maioria dos pescadores (72,95%), todos os
peixes são diferenciados entre peixes adultos e filhotes
pelo seu tamanho, ou seja, peixes adultos são maiores que
os peixes filhotes. Porém, para algumas espécies, os pes-
cadores atribuem outras diferenças como, por exemplo, a
tainha, que quando ainda é filhote é chamada de virote,
embora tenha as mesmas características morfológicas dos
adultos. Outro exemplo é o caso das pescadas, onde os
filhotes são mais "finos" que os adultos.
A diferenciação entre os peixes machos e fêmeas
é feita pelos pescadores através da observação da ova
do peixe, pois segundo eles não existe outra maneira de
se distinguir entre machos e fêmeas (Figura 2). A litera-
tura científica aponta que na maioria dos casos realmente
não existem características morfológicas externas que
possam ser observadas para a diferenciação de sexo.
Segundo Vazzoler (1996), a grande maioria dos peixes
não apresenta caracteres sexuais secundários, sendo
necessário dissecar os indivíduos para a observação das
gônadas e identificação do sexo.
As gônadas são as estruturas reprodutivas dos pei-
xes e são diferenciadas entre masculinas (testículos) e
femininas (ovários), sendo que estas se apresentam, de
acordo com sua fase de maturação, com diferentes as-
pectos (Höfling et al., 1995). As gônadas masculinas na
fase imatura (estádio A) são reduzidas e as gônadas fe-
mininas em fase de maturação, tornam-se visíveis a olho
nu e com coloração mais forte (Vazzoler, 1996). Tal fato
pode explicar uma das respostas mais generalizadas
(22,95%), que é a de que os peixes fêmeas têm ova,
enquanto que os machos não têm.
Outra forma de diferenciação empregada foi a ob-
servação da cor da ova (Figura 2). Os machos possuem
ova branca, enquanto que as fêmeas podem conter ova
vermelha (19,67%) ou ova amarela (13,11%). De acor-
do com Vazzoler (1996), as gônadas masculinas apre-
sentam forma alongada e sua coloração é esbranquiçada,
enquanto que as gônadas femininas apresentam forma
alongada-tubular, nas fases iniciais de desenvolvimento
são translúcidas e nas fases seguintes sua coloração varia
bastante, em geral, entre amarelo, amarelo-rosado e
avermelhado.
FIGURA 2: Conhecimento dos pescadores artesanais sobre a diferenciação sexual dos peixes pesquisados.
Sabe a
diferença
entre  e  ?
Não
26,23%
Sim
73,77%
Presença de
ova:
 sim  não
22,95%
Formato do
corpo
7,38%
Cor da ova
32,78%
 ova
vermelha
 ova branca
 ova amarela
 ova branca
13,11%
 curta
 comprido
3,28%
 grossa
 fino
4,10%
,
,
,
,
,
,
107
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
Etnoecologia caiçara
Os caracteres sexuais primários, relativos ao pro-
cesso reprodutivo propriamente dito, são os órgãos
reprodutores, as gônadas, que requerem dissecação para
o reconhecimento. No entanto, além destes caracteres,
que estão presentes em todas as espécies, podem existir
outros caracteres secundários de presença restrita a al-
gumas espécies, como a forma do corpo (algumas fê-
meas podem apresentar o ventre mais desenvolvido),
tamanho (fêmeas de espécies que não cuidam da prole
podem ser maiores que os machos) e formato das nada-
deiras (em algumas espécies, os machos podem apre-
sentar os raios da peitoral mais longos) (Vazzoler, 1996).
Este fato também foi identificado nas respostas dos pes-
cadores: segundo eles, em relação ao formato do corpo,
os machos podem ser mais compridos e as fêmeas mais
curtas (3,28%) ou os machos são mais finos e as fême-
as mais grossas (4,10%).
Souza e Barrella (2001) também verificaram o co-
nhecimento dos pescadores sobre a diferenciação entre
machos e fêmeas. Segundo esses autores, os pescado-
res entrevistados mostraram-se muito observadores, pois
92% deles afirmaram que é possível distinguir machos
de fêmeas. E essa diferenciação leva em conta a cor da
ova do peixe (se a ova for branca, o peixe é macho, e se
for vermelha, o peixe é fêmea). Costa-Neto e Marques
(2000a) verificaram em Siribinha que características
morfológicas são usadas pelos pescadores quando reali-
zam a distinção entre os sexos. Como exemplos, os au-
tores citam as falas dos pescadores: ... o aniquim ma-
cho (Thalassophryne nattereri) é seco, todo fininho e
a fêmea tem barriga grande..., ... a carapeba fêmea
(Diapterus rhombeus) é mais longa que o macho; ele é
maior, cresce mais....
Hábitat
Em relação ao habitat dos peixes, pode-se verifi-
car que os pescadores diferenciam os ambientes de acor-
do com as regiões e a posição na coluna d'água em que
os peixes são capturados. Dessa forma, notam-se dois
tipos de distribuição: horizontal e vertical. Na distribui-
ção horizontal feita pelos pescadores foram diferencia-
dos os ambientes de mar, estuário (barra do rio) e canal
(Tabela 2).
Todas as espécies de peixes foram distribuídas pe-
los pescadores nos ambientes já citados, entretanto, as
porcentagens de citação foram diferentes para cada
comunidade. No caso do robalo, por exemplo, para 100%
dos pescadores da Barra do Ribeira, este peixe vive no
mar; enquanto que em Porto Cubatão e Pedrinhas, ele
pode ser capturado também na barra do rio e no canal.
Mesmo com as opiniões diferindo entre as comuni-
dades estudadas em relação às porcentagens de cita-
ção, o conhecimento dos pescadores mostra-se seme-
lhante à literatura científica. Figueiredo e Menezes (1978,
1980 e 2000) e Menezes e Figueiredo (1980 e 1985)
utilizam denominações como águas costeiras, águas
estuarinas, estuários, águas doces e águas de bai-
xa salinidade, o que corresponde ao que os pescadores
caiçaras chamam de mar, barra do rio e canal.
No Jairê, aproximadamente 89% dos pescadores
entrevistados apontaram que a manjuba vive a maior par-
te de sua vida nas regiões próximas às barras dos rios, o
que está de acordo com a literatura científica (Figueiredo
e Menezes, 1978) que afirma que esta espécie tem hábi-
tos costeiros e alguns espécimes penetram nos rios, en-
quanto outros vivem permanentemente em água doce. A
comunidade do Jairê localiza-se mais ao interior do muni-
cípio de Iguape e pratica a pesca da manjuba na extensão
do Rio Ribeira e na barra do mesmo rio.
De acordo com Menezes e Figueiredo (1985), as
espécies pertencentes ao gênero Mugil são distribuídas
horizontalmente nos estuários e zonas costeiras
correspondendo mais uma vez à maioria das citações dos
pescadores (Tabela 2), com exceção de 15,38% dos pes-
cadores do Carijo e 10% dos pescadores de Porto Cubatão
que afirmaram que a tainha vive nos rios. Outra exceção
foi a respeito do parati, que para 50% dos pescadores do
Carijo também vive nos rios. Tais respostas podem estar
associadas ao fato de que algumas espécies deste grupo
(Mugilidae) são esporadicamente capturadas nos rios, o
que também pôde ser verificado pela literatura (Menezes
e Figueiredo, 1985), que indica a existência de apenas
algumas referências sobre desova dessas espécies em
lagoas estuarinas ou mesmo em água doce, além de subi-
rem os rios por distâncias consideráveis.
Quanto à pescada, todas as citações
corresponderam às informações gerais da literatura
108
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
M. Ramires et al.
(Menezes e Figueiredo, 1980) sobre a distribuição hori-
zontal do grupo, com exceção de aproximadamente 14%
dos pescadores de Porto Cubatão que mencionaram que
as pescadas vivem nos rios. No entanto, segundo a mes-
ma literatura, algumas poucas espécies de pescada, de
menor abundância e importância econômica, vivem em
água doce e nas desembocaduras dos rios.
Neste trabalho pode-se verificar que em relação à
distribuição vertical, os pescadores separaram os peixes
em peixes de fundo, peixes de meia água e peixes
de superfície, de acordo com os locais onde estes são
capturados e os métodos utilizados para captura que
expressam a posição que os peixes ocupam na coluna
Espécies Distribuição horizontal segundo os pescadores
Barra
do
Ribeira
(n=19)
Jairê
(n=9)
Carijo
(n=36)
Porto
Cubatão
(n=34)
Pedrinhas
(n=24)
Distribuição
horizontal segundo
a literatura*
Robalo Mar
Rio
Canal
Totais (n)
100
0
0
3
-
-
-
-
-
-
-
-
55,55
33,33
66,66
9
57,14
14,28
100
7
Águas costeiras e
estuarinas. Penetram
em água doce.
Manjuba Barra do rio
Mar
Totais (n)
7,14
78,57
14
88,88
0
9
-
-
-
-
-
-
Hábitos costeiros.
Águas de baixa
salinidade. Algumas
penetram nos rios,
outras vivem
permanentemente em
água doce.
Tainha Mar
Canal
Rio
Totais (n)
100
0
0
2
-
-
-
-
84,61
15,38
15,38
13
50
90
10
10
33,33
83.33
0
6
Estuários e zonas
costeiras.
Parati Mar
Canal
Rio
Totais (n)
-
-
-
-
-
-
-
-
25
41,66
50
12
12,5
87,5
0
8
16,66
100
0
6
Estuários e zonas
costeiras.
Pescada Mar
Canal
Rio
Barra do rio
Totais (n)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
42,86
100
14,28
0
7
40
100
0
20
5
Águas costeiras e
zonas estuárinas.
Sororoca Mar
Canal
Totais (n)
-
-
-
-
100
9,09
11
-
-
-
-
Águas costeiras, de
superfície,
relativamente comum
na costa brasileira.
* Figueiredo e Menezes (1978, 1980 e 2000); Menezes e Figueiredo (1980 e 1985).
TABELA 2: Comparação entre o conhecimento dos pescadores sobre a distribuição horizontal dos peixes e a
literatura científica (% de citação nas entrevistas).
d'água (Tabela 3). Esta posição pode variar em determi-
nadas épocas e/ou situações e de acordo com cada es-
pécie. Para alimentação, por exemplo, os peixes podem
estar na superfície ou em meia água. Para reprodução,
podem estar temporariamente no fundo para desovar.
A distribuição vertical dos peixes é um aspecto que
também foi observado por pescadores de outras comuni-
dades, como a de Conde estudada por Costa-Neto e
Marques (2000b). Neste estudo, os autores observaram
que quanto à segregação vertical, os pescadores explici-
tamente reconhecem que as etnoespécies habitam o rio/
estuário posicionam-se em três níveis na coluna d'água,
distinguindo-as como peixes de veia d'água, peixes de
109
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
Etnoecologia caiçara
mei'água e peixes de fundo, de maneira similar ao co-
nhecimento dos pescadores caiçaras estudados.Além dis-
so, os mesmos autores ainda identificaram uma diferenci-
ação feita pelos pescadores de Conde (BA), em relação
aos peixes marinhos, que também foram distribuídos em
trêsníveisemrazãodaprofundidadenaqualsãocoletados:
peixes de fundo, representados por peixes pescados em
profundidades que variam de 35 a 200 metros, peixes de
seco, pescados próximos à costa; e peixes de fundo e
seco, representados por etnoespécies que habitam dife-
rentes profundidades.
A literatura utilizada para a comparação foi a mes-
ma utilizada para comparar o conhecimento dos pesca-
dores sobre a distribuição horizontal. Entretanto, esta não
apresentou informações detalhadas para todas as espé-
cies questionadas. O que se verificou de concordância
foi em relação à pescada, que segundo 100% dos pes-
cadores de Porto Cubatão e 80% de Pedrinhas vive no
fundo, semelhante à literatura, segundo a qual as espé-
cies deste grupo vivem em fundos de lama e areia. Po-
Espécies/distribuição vertical
Barra do
Ribeira
(n=19)
Jairê
(n=9)
Carijo
(n=36)
Porto
Cubatão
(n=34)
Pedrinhas
(n=24)
Robalo Fundo
Meia água
Superfície
Totais (n)
0
0
0
3
-
-
-
-
-
-
-
-
88,88
33,33
44,44
9
57,14
28,57
28,57
7
Manjuba Fundo
Meia água
Superfície
Totais (n)
42,86
0
35,71
14
66,66
22,22
66,66
9
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Tainha Fundo
Meia água
Superfície
Totais (n)
50
0
50
2
-
-
-
-
53,85
0
92,31
13
60
-
60
10
66,66
33,33
50
6
Parati Fundo
Meia água
Superfície
Totais (n)
-
-
-
-
-
-
-
-
75
0
0
12
50
0
62,5
8
50
0
66,66
6
Pescada Fundo
Meia água
Superfície
Totais (n)
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
100
0
0
7
80
0
20
5
Sororoca Fundo
Meia água
Superfície
Totais (n)
-
-
-
-
-
-
-
-
36,36
0
100
11
-
-
-
-
-
-
-
-
TABELA 3: Conhecimento dos pescadores sobre a distribuição vertical dos peixes (% de citação nas entrevistas).
rém, 20% dos pescadores de Pedrinhas apontaram que
as pescadas são peixes de superfície, o que pode ser um
evento esporádico. Ou seja, segundo eles, em determi-
nadas épocas ou sob determinadas situações elas estão
na superfície e não constantemente. Já em relação à
sororoca, segundo 100% dos pescadores entrevistados,
esta vive na superfície mostrando concordância com
Figueiredo e Menezes (2000). Porém dentre eles, 36,36%
também responderam que as sororocas podem ser cap-
turadas no fundo em determinadas épocas do ano.
Sazonalidade
Os pescadores diferenciam as épocas do ano em
verão (outubro a março, aproximadamente) e inverno
(abril a setembro, aproximadamente). Desse modo, em
relação à sazonalidade de captura dos peixes, existem
os peixes de safra de verão, os peixes de safra de
inverno e os peixes de ano todo, ou seja, aqueles que
podem ser capturados em qualquer época do ano. Em-
110
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
M. Ramires et al.
bora estas épocas sejam assim observadas pela maioria
dos pescadores, a opinião em relação às safras dos pei-
xes mostrou-se variada. A figura 3 mostra esta diversi-
dade de opiniões sobre a sazonalidade das espécies, es-
pecialmente as pescadas.
Costa-Neto e Marques (2000b) analisaram o co-
nhecimento tradicional sobre aspectos relacionados à
distribuição temporal e espacial de recursos pesqueiros
em Conde e verificaram que lá os pescadores também
entendem inverno e verão como as duas principais
estações do ano, interferindo tanto nas atividades de pesca
quanto na abundância e distribuição espacial e temporal
dos recursos pesqueiros. Neste último caso, a interfe-
rência pode se dar tanto nas características intrínsecas
das espécies, como período reprodutivo, ou nas respos-
tas comportamentais a estímulos ambientais. Segundo
os autores, o conhecimento dos pescadores sobre a
sazonalidade dos peixes dá-se também através de asso-
ciações com fenômenos meteorológicos (tempestades,
chuvas) e fenômenos cósmicos (ciclo lunar, marés).
Reprodução
Os pescadores associam a época de reprodução
com o comportamento de desova, ou seja, as épocas em
FIGURA 3: Sazonalidade das espécies, segundo o conhecimento dos pescadores artesanais (% de citação nas entrevistas).
que são observados os peixes ovados, segundo eles,
são as épocas em que estão desovando e procrian-
do, portanto se reproduzindo. Diferente das épocas de
safra, os pescadores foram mais específicos quanto à
época de reprodução, pois citaram os meses em que os
peixes estão se reproduzindo.Algumas opiniões mostra-
ram-se diversificadas em relação aos meses exatos em
que se reproduzem os peixes, enquanto que em outras
se pôde verificar um padrão nas citações de diferentes
comunidades, conforme mostra a figura 4.
No caso do robalo, houve uma predominância de
citações no intervalo entre os meses de setembro a fe-
vereiro, segundo os pescadores da Barra do Ribeira,
Porto Cubatão e Pedrinhas. Já para a manjuba, pode-se
verificar, segundo os pescadores da Barra do Ribeira e
Jairê, um intervalo entre os meses de outubro a março.
Em relação à tainha a predominância de citação ocor-
reu na época de inverno, ou seja, entre os meses de
maio a agosto, segundo os pescadores da Barra do Ri-
beira, Carijo, Porto Cubatão e Pedrinhas.
Silvano e Begossi (2002), em um estudo realizado
com os pescadores do Rio Piracicaba (SP), mostraram
que dentre vários aspectos de etnoecologia (dieta, habitat,
migração, predação, sazonalidade e reprodução), os pes-
111
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
Etnoecologia caiçara
ROBALO
0
10
20
30
40
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60
70
j
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Barra do Ribeira Porto Cubatão Pedrinhas
MANJUBA
0
10
20
30
40
50
60
70
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Barra do Ribeira Jairê
TAINHA
0
20
40
60
80
100
120
j
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Barra do Ribeira Carijo Porto Cubatão Pedrinhas
PARATI
0
5
10
15
20
25
30
35
40
j
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Carijo Porto Cubatão Pedrinhas
PESCADA
0
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10
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20
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30
35
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45
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Porto Cubatão Pedrinhas
SOROROCA
0
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20
25
30
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m
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o
Carijo
FIGURA 4: Períodos de reprodução das espécies de peixes segundo o conhecimento dos pescadores (% de citação nas entrevistas).
cadores apresentaram mais dúvidas em relação à re-
produção dos peixes que em relação aos demais aspec-
tos. Os autores ainda apontam para o fato de que os
pescadores demonstram um conhecimento mais deta-
lhado em relação a espécies de peixes mais abundantes
e mais úteis, especialmente as mais valiosas comercial-
mente e também conhecem mais sobre os peixes nati-
vos da região que de espécies exóticas introduzidas no
ecossistema.
A análise do conhecimento dos pescadores caiçaras
estudados, relativo às etnofamílias, diferenciação
sexual, hábitat, sazonalidade e reprodução forma um sis-
tema de informações ecológicas essenciais para a pro-
dução pesqueira na região, na medida em que se apre-
sentam como uma rede de saberes interligados, que po-
dem atuar como subsídio para uma gestão participativa
dos recursos pesqueiros.
A concordância entre o conhecimento dos pesca-
dores e a literatura científica observada nesta pesquisa,
e a forma como os recursos naturais são manejados pelas
comunidades caiçaras evidenciam a crescente impor-
tância da etnoecologia. O estudo do comportamento
112
Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
M. Ramires et al.
humano e sua relação com o ambiente, através da utili-
zação dos recursos naturais, entendendo suas estratégi-
as e decisões, aponta que resultados provenientes deste
tipo de estudo podem ser aplicados no desenvolvimento
de políticas de manejo condizentes com o modo de vida
das populações de pescadores.
Berkes (1999) defende que os sistemas tradicio-
nais de manejo dos recursos vêm sendo transmitidos de
geração a geração, embora de maneira a se adaptar ao
contexto contemporâneo, uma vez que as práticas tradi-
cionais evoluem para responder às pressões modernas.
Isto pôde ser verificado neste trabalho, onde o tempo de
dedicação à atividade pesqueira variou entre médias de
22 e 55 anos nas comunidades estudadas, além de apre-
sentarem também adaptações a pressões atuais, como,
por exemplo, a existência de outras atividades comple-
mentares à pesca.
Ao considerar, por exemplo, que a crise atual no
setor pesqueiro é de escala mundial e não se restringe
à pesca industrial, interferindo também na pesca
artesanal, a gestão participativa visa a sustentabilidade
dos recursos pesqueiros. No entanto, não é fácil en-
contrar o equilíbrio entre proteção e regulação da
biodiversidade e o uso dos recursos naturais. Daí a
necessidade dos planos de manejo que considerem os
saberes locais e incorporem as contribuições das ex-
periências sociais, organizações locais, regras e valo-
res dessas comunidades.
Autores como Berkes (1999) e Begossi (2006)
também consideram importante a incorporação do co-
nhecimento local nos planos de manejo, no sentido de
contribuírem para descentralização das ações gover-
namentais, cujas decisões são definidas em âmbito
institucional.
Portanto, espera-se que o conhecimento local seja
valorizado e passe a evidenciar o direito e a necessidade
da participação das populações nos planos de manejo e
conservação, apontando caminhos para outros estudos
que abordem a especificidade do conhecimento local,
sua potencial contribuição para facilitar os passos da ci-
ência convencional e a complexidade das relações entre
as populações caiçaras e o ambiente.
Agradecimentos
À Márcia Regina da Silva, pelas discussões, leitura
do texto e principalmente, pela amizade.Ao Prof°Walter
Barrella (PUC/ SP) e a FAPESP, pela oportunidade de
desenvolver parte deste trabalho através do projeto Os
Peixes e a Pesca na Mata Atlântica do Sul de São Pau-
lo (1999/04529-7). À Profª Maria Elisa Eduardo de Paula
Garavello (ESALQ/ USP) por abrir as portas do espaço
público acadêmico à primeira autora, apoiando diversas
atividades, dentre as quais a redação deste trabalho e
principalmente, pela amizade e incentivo. E finalmente,
aos pescadores do Vale do Ribeira, por toda atenção.
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Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007
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Etnoecologia Caiçara

  • 1. 101 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 Aspectos históricos e conceituais da etnoornitologia Etnoecologia caiçara: o conhecimento dos pescadores artesanais sobre aspectos ecológicos da pesca MilenaRamires1* SilviaMariaGuerraMolina2 NataliaHanazaki3 1NEPAM/ IFCH - UNICAMP Travessa Belmiro Pinazza 55, CEP 13405-380, Piracicaba ramires@unicamp.br 2Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ/ USP smgmolin@esalq.usp.br 3Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC natalia@ccb.ufsc.br * Autora para correspondência Submetido em 24/03/2006 Aceito para publicação em 19/09/2006 Resumo Através da pesca artesanal os pescadores exploram o ambiente aquático de forma peculiar e mantêm grande diversidade de interações diretas com o ambiente. Sob o enfoque da etnoecologia, este trabalho teve como objetivo realizar um estudo etnoictiológico para obter informações sobre a diversidade da ictiofauna marinha através do conhecimento dos pescadores artesanais, abordando aspectos morfológicos, ecológicos e comportamentais dos peixes, tais como: habitat, reprodução, comportamento, entre outros, verificando também as similaridades entre o etnoconhecimento caiçara e a literatura científica.Apresente pesquisa foi realizada nas comunidades caiçaras da Barra do Ribeira e Jairê (Iguape), Carijo e Porto Cubatão (Cananéia) e Pedrinhas (Ilha Comprida). Constatou-se uma elevada concordância entre o etnoconhecimento e o conhecimento científico, proporcionando assim mais uma contribuição para discussão das relações entre biodiversidade e diversidade cultural, bem como a potencial contribuição do etnoconhecimento para a conservação da biodiversidade. Unitermos: etnoecologia, caiçaras, pescadores, pesca artesanal Abstract Caiçara Ethnoecology: artisanal fishermen's knowledge. Through artisanal fishing, the fishermen explore theaquaticenvironmentinaspecificmanner,maintainingagreatdiversityofdirectinteractionswiththeenvironment. Guided by this ethnoecological focus, this work had the objective of developing an ethnoichthyological study to obtain information about the diversity of marine ichthyofauna through the artisanal fishermen's knowledge, considering the morphological, ecological and behavioral aspects of fish such as habitat, reproduction and behavior, notingalsothesimilaritiesbetweenCaiçaraethnoknowledgeandthescientificliterature.Thisresearchwasdeveloped in the Caiçara communities of Barra do Ribeira and Jairê (Iguape), Carijo and Porto Cubatão (Cananéia), and Pedrinhas(IlhaComprida).Ahighlevelofcorrespondencebetweentheethnoknowledgeandthescientificknowledge was observed, providing therefore one more contribution to the discussion between biodiversity and cultural diversity, and also making a potential contribution to ethnoknowledge for the preservation of biodiversity. Key words: ethnoecology, caiçaras, fishermen, artisanal fishing Biotemas, 20 (1): 101-113, março de 2007 ISSN 0103 – 1643
  • 2. 102 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 M. Ramires et al. Introdução A formação de várias das comunidades marítimas e litorâneas no Brasil se deu entre o vasto período que vai do século XVIII ao início do século XX, cujos mem- bros viviam, sobretudo ou parcialmente, de atividade pesqueira. Em tais comunidades, dispersas por todo o litoral, modos de vida e culturas locais específicas pude- ram emergir, diferenciando seus membros de outros gru- pos (Silva, 1993). Este é o caso das comunidades caiçaras, cujos habitantes, durante longo período, ficaram relati- vamente isolados na Mata Atlântica e no litoral dos Es- tados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Desta for- ma, desenvolveram uma cultura particular que os dife- rencia das comunidades tradicionais do interior desses estados (Diegues, 1988a; Luchiari, 1992 e 1997). O conhecimento sobre a pesca em particular e toda a cultura caiçara em geral é transmitido através de expe- riências do cotidiano e através do relacionamento entre os membros das comunidades. De acordo com Marques (1991), a aquisição de informações sobre o ambiente e seus recursos, bem como o modo de lidar com eles, esta- belece-se por meio de transmissão cultural. Paz e Begossi (1996) também afirmam que o conhecimento dos pesca- dores é proveniente do cotidiano, de experiências vividas e compartilhadas de geração a geração. Todo o conhecimento local das comunidades do li- toral paulista é amplo e tem influência direta no êxito da atividade pesqueira desenvolvida por elas, além de fazer parte dos traços culturais caiçaras. A existência e conti- nuidade do conhecimento local são fundamentais para a conservação da biodiversidade nos ambientes litorâne- os. Segundo Costa-Neto e Marques (2000a), o conjunto de conhecimentos teórico-práticos que os pescadores apresentam sobre o comportamento, hábitos alimenta- res, reprodução, taxonomia e ecologia dos peixes ofere- ce uma rica fonte de informações de como manejar, conservar e utilizar os recursos pesqueiros de maneira sustentável. O conhecimento caiçara pode ser o ponto de parti- da para novos planos de gestão ambiental que visem conservar tanto a biodiversidade quanto as diferentes culturas brasileiras. Muitos estudos têm sido desenvol- vidos nesta área temática, enfocando as relações entre as comunidades tradicionais e os recursos naturais. Au- tores como Clauzet (2003) e Lopes (2004) apontam a importância da incorporação do conhecimento destas comunidades para o desenvolvimento de planos de ma- nejo sustentável. Neste contexto, torna-se evidente a importância dos estudos etnoecológicos que valorizam o conhecimento ecológico local. Para Toledo (1992) e Nazarea (1999), a etnoecologia é o estudo dos conhecimentos, estratégias, atitudes e ferramentas que permitem às diferentes cul- turas produzir e reproduzir as condições materiais de sua existência social por meio de um manejo apropriado dos recursos naturais. Ela caracteriza-se como um enfoque ou abordagem teórico-metodológica no estudo da relação sociedade-natureza que enfatiza o papel da cognição no comportamento humano, apresentando-se como uma ferramenta útil para analisar problemas rela- cionados com o manejo, sustentabilidade, conservação e direito de propriedade intelectual. Marques (2001: p.49) encontra uma definição que mostra os reais objetivos da etnoecologia como ciência e (ou) disciplina: Etnoecologia é o estudo das interações entre a humanidade e o resto da ecosfera, através da busca da compreensão dos sentimentos, comportamentos, conhecimentos e crenças a respeito da natureza, característicos de uma espécie biológica (Homo sapiens)altamentepolimórfica,fenotipicamenteplástica e ontogeneticamente dinâmica, cujas novas propriedades emergentes geram-lhe múltiplas descontinuidades com o resto da própria natureza. Sua ênfase, pois, deve ser na diversidade biocultural e o seu objetivo principal, a integração entre o conhecimento ecológico tradicional e o conhecimento ecológico científico. Sob o enfoque da etnoecologia, este trabalho teve como objetivo realizar um estudo etnoictiológico para obter informações sobre a diversidade da ictiofauna marinha através do conhecimento dos pescadores artesanais, abordando aspectos morfológicos, ecológi- cos e comportamentais dos peixes, tais como: habitat, reprodução e comportamento, verificando também as similaridades entre o conhecimento caiçara e a literatu- ra científica. O diálogo entre essas duas formas de com- preensão do mundo pode contribuir para gestão
  • 3. 103 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 Etnoecologia caiçara participativa dos recursos pesqueiros por meio da im- plantação de planos de manejo que considerem a complementaridade entre os sistemas tradicional e cien- tífico de produção, visando a sustentabilidade.Além dis- so, como aponta Berkes (1985 e 1999), a sustentabilidade é um indicativo para avaliar se a combinação entre os doissistemascontribuiparaaumentarouaomenosmanter o potencial dos recursos. Material e Métodos A presente pesquisa foi desenvolvida com pesca- dores de três municípios do Vale do Ribeira: Iguape (Bar- ra do Ribeira e Jairê), Cananéia (Carijo e Porto Cubatão) e Ilha Comprida (Pedrinhas), localizadas ao sul do Esta- do de São Paulo (Figura 1). A coleta de dados foi realizada em duas etapas. A primeira foi baseada no método Bola de Neve (Bailey, FIGURA 1: Área de estudo. Municípios de Iguape, Cananéia e Ilha Comprida, com destaque para as comunidades caiçaras estudadas. Fonte: Adaptado de Atlas Eletrônico do Estado de São Paulo (www.eatlas.sp.gov.br/mappage.asp). 1982), onde os informantes eram indicados pelos pesca- dores entrevistados. Nesta etapa, realizada no período de janeiro a dezembro de 2002, os pescadores foram entrevistados com auxílio de questionários estruturados para a coleta de dados gerais dos informantes e infor- mações sobre a pesca na região. A duração foi em mé- dia de 30 minutos e totalizou 110 entrevistas. Em seguida, foram definidos pescadores informan- tes para o levantamento etnoictiológico e quais espécies de peixes fariam parte do levantamento. Os informan- tes foram definidos de acordo com os seguintes critéri- os: 1) tempo de pesca igual ou superior a 10 anos; 2) dedicação integral à atividade de pesca; 3) pescadores aposentados, que ainda pescam para consumo ou even- tual comércio; 4) pescadores que desenvolvem outras atividades ligadas à pesca (guias de pesca esportiva, coletores de iscas naturais, etc.); 5) caseiros, ex-pesca- dores com 10 ou mais anos de pesca. Com o uso destes
  • 4. 104 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 M. Ramires et al. critérios foram definidos os informantes e estes, na se- gunda etapa, realizada entre os meses de janeiro a agos- to de 2003, foram entrevistados com o auxílio de questi- onários semi-estruturados sobre a descrição dos peixes, o hábitat, as técnicas para captura, a sazonalidade, a reprodução e as etnoespécies conhecidas. O tempo de duração das entrevistas nesta etapa variou muito (de 15 a 60 minutos aproximadamente) devido à disposição e interesse de cada pescador em participar da pesquisa. As espécies foram definidas com base nas informa- ções obtidas na primeira etapa e totalizaram 6 espécies, que correspondem àquelas que, segundo os pescadores, são mais consumidas e mais comercializadas. Com base nisto, a unidade amostral tomada neste trabalho foi dada pelo número de entrevistas realizadas em cada localida- de, sendo que cada entrevista referiu-se a uma das espé- cies definidas.Assim, alguns pescadores foram entrevis- tados mais de uma vez, ou seja, foram questionados acer- ca de diferentes espécies de peixes. Como dito anterior- mente, o tempo de duração das entrevistas deu-se de acor- do com a disposição dos entrevistados, bem como o nú- mero de entrevistas realizadas com cada pescador. Des- sa forma, totalizou-se 122 entrevistas com 57 pescado- res, sendo na Barra do Ribeira realizadas 19 entrevistas com 15 pescadores; no Jairê 9 entrevistas com 9 pesca- dores; no Carijo 36 entrevistas com 15 pescadores; em Porto Cubatão 34 entrevistas com 11 pescadores e em Pedrinhas 24 entrevistas com 7 pescadores. Além disso, foi elaborada uma coleção zoológica com exemplares que representam as espécies mais cap- turadas pelos pescadores artesanais da região. A identi- ficação foi feita por Milena Ramires e revisada pelo Prof. Dr. Walter Barrella (Laboratório de EcossistemasAquá- ticos da PUC-SP, Campus Sorocaba). Resultados e Discussão A pesca artesanal hoje já não é mais a única ativi- dade econômica das comunidades litorâneas. Segundo Hanazaki (2001), atividades tradicionalmente praticadas pelos caiçaras, como a pesca e a agricultura, passam a ter importância secundária conforme as atividades liga- das ao turismo tendem a crescer. Os pescadores residentes nas comunidades caiçaras estudadas também desenvolvem outras atividades para complementar a renda familiar. Dentre elas, as princi- pais são relacionadas ao turismo, como comércio (res- taurantes, pousadas, bares), prestação de serviços em casas de veraneio, aluguel de barcos para passeios e para a pesca esportiva, comércio de iscas naturais, en- tre outras. Mesmo diante de alternativas econômicas, a pesca artesanal ainda tem importância total no orçamento familiar, para 40% dos pescadores entrevistados na Barra do Ribeira, 66% no Jairê, 88% no Carijo e 57% em Por- to Cubatão. Porém, em Pedrinhas a pesca artesanal tem importância total apenas para 18% dos entrevistados. Hanazaki (2001), também aponta que em Pedrinhas a pesca não é mais a principal atividade econômica da população, e é direcionada principalmente para a captu- ra de peixes para o consumo local. Mesmo desenvolvendo outras atividades, as comu- nidades caiçaras ainda mantêm um relacionamento com- plexo com o ambiente natural, que não é marcado somen- te por instâncias econômicas. Valores, tradições, crenças religiosas e percepções permanecem na cultura caiçara e exercem um papel fundamental no cotidiano destas co- munidades (Diegues, 1988b), principalmente na maneira como a pesca artesanal é desenvolvida no Litoral Sul e Vale do Ribeira (Estado de São Paulo), o que caracteriza a forma como os pescadores manejam os estoques pes- queiros dado inclusive pelo tempo de pesca, ou seja, o tempo de trabalho dos pescadores na atividade pesqueira, que variou de 1 a 80 anos, sendo que as médias foram: 22 anos na Barra do Ribeira; 30 anos no Jairê; 26 anos no Carijo; 34 anos em Porto Cubatão e 24 anos em Pedri- nhas; bem como a idade média dos entrevistados foi de 43 anos na Barra do Ribeira; 55 anos no Jairê; 44 anos no Carijo; 49 anos em Porto Cubatão e 36 anos em Pedri- nhas. Todos os entrevistados são do sexo masculino e a maioria (68%) possui grau de escolaridade referente ao ensino fundamental incompleto. As Etnoespécies Segundo os pescadores, cada peixe pode ter mais de uma variedade. No grupo dos paratis, por exemplo, foram citados vários tipos como o parati-guaçú, parati- pema, parati-poá, entre outros. Neste trabalho, estas variedades foram consideradas como etnoespécies e
  • 5. 105 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 Etnoecologia caiçara associadas com a identificação científica em nível de gênero, ou seja, os pescadores atribuíram mais de uma variedade para as espécies que formaram a coleção ictiológica identificada. No caso dos robalos, por exem- plo, foram identificadas duas espécies, Centropomus undecimallis e Centropomus parallelus, observados nos desembarques pesqueiros da região e, segundo os pescadores, existem 10 variedades de robalos muito pre- sentes em suas pescarias (Tabela 1). Observou-se o mes- mo para as demais etnoespécies onde foram identificadas: Anchoviella lepidentostole (manjubas), Mugil platanus e Mugil curema (tainhas e paratis), Cynoscion acoupa e Cynoscion leiarchus (pescadas) e Scomberomorus brasiliensis (sororoca e cavala). Costa-Neto e Marques (2000a), em um estudo re- alizado em Siribinha (BA), verificaram que a taxonomia etnoictiológica dos pescadores consiste em uma classi- ficação hierárquica, incluindo etnoespécies dentro de etnofamílias e estas na categoria popular dos "peixes". Neste caso, as comparações de semelhanças são evi- denciadas através de expressões tais como: "é do mes- mo jeito", "é da mesma família", "é a mesma coisa de", "tem o mesmo sistema de". A identificação de etnofamílias tem sido um importante aspecto abordado pelos estudos de etnoictiologia. Paz e Begossi (1996) encontraram componentes de etnofamílias importantes não apenas porque são pescados, consumidos e comercializados, mas também porque podem ser peri- gosos, baseando-se esta distinção em fatores utilitários. Robalo Manjuba Tainha Parati Pescada Sororoca Robalo Robalão Robalo-chato Robalo-flecha Robalo-peva Robalo-cambuiapeva Robalo-galhudo Robalo-peba-guaçu Robalo-tirrinha Robalo-água-branca Manjuba Manjubão Manjuba-prego Preguinho Tainha Tainha-tara Tainha-grande Virote Virotão Tainhota Virotinho Parati Parati-guaçú Parati-pema Parati-poá Parati-chorão Parati-flecha Parati-do-rio Parati-sabão Parati-barbado Pescada Pescadinha Pescada-amarela Pescada-branca Pescada-jaguara Pescada-olhuda Pescada-cambucu Pescada-sacu Pescada-banana Pescada-fogueta Sororoca Cavala Num estudo realizado por Souza e Barrella (2001), os pescadores da Estação Ecológica de Juréia Itatins atri- buem uma relação de parentesco entre as espécies de tainha e parati que, segundo eles, são bem parecidos e, portanto, parentes. Segundo os autores, isto está de acor- do com a literatura científica, pois através de identifica- ção taxonômica (Menezes e Figueiredo, 1985) verifica- ram que tanto a tainha quanto o parati pertencem à mes- ma ordem (Perciformes), família (Mugilidae) e gênero (Mugil), explicando a semelhança encontrada entre os dois, o que faz com que os pescadores os classifiquem como "parentes". Neste trabalho não foram apontadas relações de parentesco entre as tainhas e os paratis. Embora se saiba que é uma família de importância para as comunidades caiçaras do litoral sul de São Paulo e que os pescadores desta região possuem um conhecimento detalhado sobre estas espécies (Hanazaki, 2001). Os pescadores que par- ticiparam deste trabalho se referiram a esses peixes se- paradamente, citando inclusive as informações questio- nadas para cada um deles, mesmo que em alguns mo- mentos estas informações apresentassem semelhanças. Este é o caso, por exemplo, dos itens alimentares, onde ambos se alimentam de limo, lama, espuma etc. Tal co- nhecimento está de acordo com a literatura científica (MenezeseFigueiredo,1985)queapontaqueosmugilídeos se alimentam de matéria vegetal retirada do lodo ou substrato em que vivem. Os principais predadores cita- dos (boto, espada, cação etc.) também foram semelhan- tes para os dois grupos de peixes (tainha/ parati). TABELA 1: Etnoespécies citadas pelos pescadores artesanais.
  • 6. 106 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 M. Ramires et al. Descrição dos Peixes Para a maioria dos pescadores (72,95%), todos os peixes são diferenciados entre peixes adultos e filhotes pelo seu tamanho, ou seja, peixes adultos são maiores que os peixes filhotes. Porém, para algumas espécies, os pes- cadores atribuem outras diferenças como, por exemplo, a tainha, que quando ainda é filhote é chamada de virote, embora tenha as mesmas características morfológicas dos adultos. Outro exemplo é o caso das pescadas, onde os filhotes são mais "finos" que os adultos. A diferenciação entre os peixes machos e fêmeas é feita pelos pescadores através da observação da ova do peixe, pois segundo eles não existe outra maneira de se distinguir entre machos e fêmeas (Figura 2). A litera- tura científica aponta que na maioria dos casos realmente não existem características morfológicas externas que possam ser observadas para a diferenciação de sexo. Segundo Vazzoler (1996), a grande maioria dos peixes não apresenta caracteres sexuais secundários, sendo necessário dissecar os indivíduos para a observação das gônadas e identificação do sexo. As gônadas são as estruturas reprodutivas dos pei- xes e são diferenciadas entre masculinas (testículos) e femininas (ovários), sendo que estas se apresentam, de acordo com sua fase de maturação, com diferentes as- pectos (Höfling et al., 1995). As gônadas masculinas na fase imatura (estádio A) são reduzidas e as gônadas fe- mininas em fase de maturação, tornam-se visíveis a olho nu e com coloração mais forte (Vazzoler, 1996). Tal fato pode explicar uma das respostas mais generalizadas (22,95%), que é a de que os peixes fêmeas têm ova, enquanto que os machos não têm. Outra forma de diferenciação empregada foi a ob- servação da cor da ova (Figura 2). Os machos possuem ova branca, enquanto que as fêmeas podem conter ova vermelha (19,67%) ou ova amarela (13,11%). De acor- do com Vazzoler (1996), as gônadas masculinas apre- sentam forma alongada e sua coloração é esbranquiçada, enquanto que as gônadas femininas apresentam forma alongada-tubular, nas fases iniciais de desenvolvimento são translúcidas e nas fases seguintes sua coloração varia bastante, em geral, entre amarelo, amarelo-rosado e avermelhado. FIGURA 2: Conhecimento dos pescadores artesanais sobre a diferenciação sexual dos peixes pesquisados. Sabe a diferença entre e ? Não 26,23% Sim 73,77% Presença de ova: sim não 22,95% Formato do corpo 7,38% Cor da ova 32,78% ova vermelha ova branca ova amarela ova branca 13,11% curta comprido 3,28% grossa fino 4,10% , , , , , ,
  • 7. 107 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 Etnoecologia caiçara Os caracteres sexuais primários, relativos ao pro- cesso reprodutivo propriamente dito, são os órgãos reprodutores, as gônadas, que requerem dissecação para o reconhecimento. No entanto, além destes caracteres, que estão presentes em todas as espécies, podem existir outros caracteres secundários de presença restrita a al- gumas espécies, como a forma do corpo (algumas fê- meas podem apresentar o ventre mais desenvolvido), tamanho (fêmeas de espécies que não cuidam da prole podem ser maiores que os machos) e formato das nada- deiras (em algumas espécies, os machos podem apre- sentar os raios da peitoral mais longos) (Vazzoler, 1996). Este fato também foi identificado nas respostas dos pes- cadores: segundo eles, em relação ao formato do corpo, os machos podem ser mais compridos e as fêmeas mais curtas (3,28%) ou os machos são mais finos e as fême- as mais grossas (4,10%). Souza e Barrella (2001) também verificaram o co- nhecimento dos pescadores sobre a diferenciação entre machos e fêmeas. Segundo esses autores, os pescado- res entrevistados mostraram-se muito observadores, pois 92% deles afirmaram que é possível distinguir machos de fêmeas. E essa diferenciação leva em conta a cor da ova do peixe (se a ova for branca, o peixe é macho, e se for vermelha, o peixe é fêmea). Costa-Neto e Marques (2000a) verificaram em Siribinha que características morfológicas são usadas pelos pescadores quando reali- zam a distinção entre os sexos. Como exemplos, os au- tores citam as falas dos pescadores: ... o aniquim ma- cho (Thalassophryne nattereri) é seco, todo fininho e a fêmea tem barriga grande..., ... a carapeba fêmea (Diapterus rhombeus) é mais longa que o macho; ele é maior, cresce mais.... Hábitat Em relação ao habitat dos peixes, pode-se verifi- car que os pescadores diferenciam os ambientes de acor- do com as regiões e a posição na coluna d'água em que os peixes são capturados. Dessa forma, notam-se dois tipos de distribuição: horizontal e vertical. Na distribui- ção horizontal feita pelos pescadores foram diferencia- dos os ambientes de mar, estuário (barra do rio) e canal (Tabela 2). Todas as espécies de peixes foram distribuídas pe- los pescadores nos ambientes já citados, entretanto, as porcentagens de citação foram diferentes para cada comunidade. No caso do robalo, por exemplo, para 100% dos pescadores da Barra do Ribeira, este peixe vive no mar; enquanto que em Porto Cubatão e Pedrinhas, ele pode ser capturado também na barra do rio e no canal. Mesmo com as opiniões diferindo entre as comuni- dades estudadas em relação às porcentagens de cita- ção, o conhecimento dos pescadores mostra-se seme- lhante à literatura científica. Figueiredo e Menezes (1978, 1980 e 2000) e Menezes e Figueiredo (1980 e 1985) utilizam denominações como águas costeiras, águas estuarinas, estuários, águas doces e águas de bai- xa salinidade, o que corresponde ao que os pescadores caiçaras chamam de mar, barra do rio e canal. No Jairê, aproximadamente 89% dos pescadores entrevistados apontaram que a manjuba vive a maior par- te de sua vida nas regiões próximas às barras dos rios, o que está de acordo com a literatura científica (Figueiredo e Menezes, 1978) que afirma que esta espécie tem hábi- tos costeiros e alguns espécimes penetram nos rios, en- quanto outros vivem permanentemente em água doce. A comunidade do Jairê localiza-se mais ao interior do muni- cípio de Iguape e pratica a pesca da manjuba na extensão do Rio Ribeira e na barra do mesmo rio. De acordo com Menezes e Figueiredo (1985), as espécies pertencentes ao gênero Mugil são distribuídas horizontalmente nos estuários e zonas costeiras correspondendo mais uma vez à maioria das citações dos pescadores (Tabela 2), com exceção de 15,38% dos pes- cadores do Carijo e 10% dos pescadores de Porto Cubatão que afirmaram que a tainha vive nos rios. Outra exceção foi a respeito do parati, que para 50% dos pescadores do Carijo também vive nos rios. Tais respostas podem estar associadas ao fato de que algumas espécies deste grupo (Mugilidae) são esporadicamente capturadas nos rios, o que também pôde ser verificado pela literatura (Menezes e Figueiredo, 1985), que indica a existência de apenas algumas referências sobre desova dessas espécies em lagoas estuarinas ou mesmo em água doce, além de subi- rem os rios por distâncias consideráveis. Quanto à pescada, todas as citações corresponderam às informações gerais da literatura
  • 8. 108 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 M. Ramires et al. (Menezes e Figueiredo, 1980) sobre a distribuição hori- zontal do grupo, com exceção de aproximadamente 14% dos pescadores de Porto Cubatão que mencionaram que as pescadas vivem nos rios. No entanto, segundo a mes- ma literatura, algumas poucas espécies de pescada, de menor abundância e importância econômica, vivem em água doce e nas desembocaduras dos rios. Neste trabalho pode-se verificar que em relação à distribuição vertical, os pescadores separaram os peixes em peixes de fundo, peixes de meia água e peixes de superfície, de acordo com os locais onde estes são capturados e os métodos utilizados para captura que expressam a posição que os peixes ocupam na coluna Espécies Distribuição horizontal segundo os pescadores Barra do Ribeira (n=19) Jairê (n=9) Carijo (n=36) Porto Cubatão (n=34) Pedrinhas (n=24) Distribuição horizontal segundo a literatura* Robalo Mar Rio Canal Totais (n) 100 0 0 3 - - - - - - - - 55,55 33,33 66,66 9 57,14 14,28 100 7 Águas costeiras e estuarinas. Penetram em água doce. Manjuba Barra do rio Mar Totais (n) 7,14 78,57 14 88,88 0 9 - - - - - - Hábitos costeiros. Águas de baixa salinidade. Algumas penetram nos rios, outras vivem permanentemente em água doce. Tainha Mar Canal Rio Totais (n) 100 0 0 2 - - - - 84,61 15,38 15,38 13 50 90 10 10 33,33 83.33 0 6 Estuários e zonas costeiras. Parati Mar Canal Rio Totais (n) - - - - - - - - 25 41,66 50 12 12,5 87,5 0 8 16,66 100 0 6 Estuários e zonas costeiras. Pescada Mar Canal Rio Barra do rio Totais (n) - - - - - - - - - - - - - - - 42,86 100 14,28 0 7 40 100 0 20 5 Águas costeiras e zonas estuárinas. Sororoca Mar Canal Totais (n) - - - - 100 9,09 11 - - - - Águas costeiras, de superfície, relativamente comum na costa brasileira. * Figueiredo e Menezes (1978, 1980 e 2000); Menezes e Figueiredo (1980 e 1985). TABELA 2: Comparação entre o conhecimento dos pescadores sobre a distribuição horizontal dos peixes e a literatura científica (% de citação nas entrevistas). d'água (Tabela 3). Esta posição pode variar em determi- nadas épocas e/ou situações e de acordo com cada es- pécie. Para alimentação, por exemplo, os peixes podem estar na superfície ou em meia água. Para reprodução, podem estar temporariamente no fundo para desovar. A distribuição vertical dos peixes é um aspecto que também foi observado por pescadores de outras comuni- dades, como a de Conde estudada por Costa-Neto e Marques (2000b). Neste estudo, os autores observaram que quanto à segregação vertical, os pescadores explici- tamente reconhecem que as etnoespécies habitam o rio/ estuário posicionam-se em três níveis na coluna d'água, distinguindo-as como peixes de veia d'água, peixes de
  • 9. 109 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 Etnoecologia caiçara mei'água e peixes de fundo, de maneira similar ao co- nhecimento dos pescadores caiçaras estudados.Além dis- so, os mesmos autores ainda identificaram uma diferenci- ação feita pelos pescadores de Conde (BA), em relação aos peixes marinhos, que também foram distribuídos em trêsníveisemrazãodaprofundidadenaqualsãocoletados: peixes de fundo, representados por peixes pescados em profundidades que variam de 35 a 200 metros, peixes de seco, pescados próximos à costa; e peixes de fundo e seco, representados por etnoespécies que habitam dife- rentes profundidades. A literatura utilizada para a comparação foi a mes- ma utilizada para comparar o conhecimento dos pesca- dores sobre a distribuição horizontal. Entretanto, esta não apresentou informações detalhadas para todas as espé- cies questionadas. O que se verificou de concordância foi em relação à pescada, que segundo 100% dos pes- cadores de Porto Cubatão e 80% de Pedrinhas vive no fundo, semelhante à literatura, segundo a qual as espé- cies deste grupo vivem em fundos de lama e areia. Po- Espécies/distribuição vertical Barra do Ribeira (n=19) Jairê (n=9) Carijo (n=36) Porto Cubatão (n=34) Pedrinhas (n=24) Robalo Fundo Meia água Superfície Totais (n) 0 0 0 3 - - - - - - - - 88,88 33,33 44,44 9 57,14 28,57 28,57 7 Manjuba Fundo Meia água Superfície Totais (n) 42,86 0 35,71 14 66,66 22,22 66,66 9 - - - - - - - - - - - - Tainha Fundo Meia água Superfície Totais (n) 50 0 50 2 - - - - 53,85 0 92,31 13 60 - 60 10 66,66 33,33 50 6 Parati Fundo Meia água Superfície Totais (n) - - - - - - - - 75 0 0 12 50 0 62,5 8 50 0 66,66 6 Pescada Fundo Meia água Superfície Totais (n) - - - - - - - - - - - - 100 0 0 7 80 0 20 5 Sororoca Fundo Meia água Superfície Totais (n) - - - - - - - - 36,36 0 100 11 - - - - - - - - TABELA 3: Conhecimento dos pescadores sobre a distribuição vertical dos peixes (% de citação nas entrevistas). rém, 20% dos pescadores de Pedrinhas apontaram que as pescadas são peixes de superfície, o que pode ser um evento esporádico. Ou seja, segundo eles, em determi- nadas épocas ou sob determinadas situações elas estão na superfície e não constantemente. Já em relação à sororoca, segundo 100% dos pescadores entrevistados, esta vive na superfície mostrando concordância com Figueiredo e Menezes (2000). Porém dentre eles, 36,36% também responderam que as sororocas podem ser cap- turadas no fundo em determinadas épocas do ano. Sazonalidade Os pescadores diferenciam as épocas do ano em verão (outubro a março, aproximadamente) e inverno (abril a setembro, aproximadamente). Desse modo, em relação à sazonalidade de captura dos peixes, existem os peixes de safra de verão, os peixes de safra de inverno e os peixes de ano todo, ou seja, aqueles que podem ser capturados em qualquer época do ano. Em-
  • 10. 110 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 M. Ramires et al. bora estas épocas sejam assim observadas pela maioria dos pescadores, a opinião em relação às safras dos pei- xes mostrou-se variada. A figura 3 mostra esta diversi- dade de opiniões sobre a sazonalidade das espécies, es- pecialmente as pescadas. Costa-Neto e Marques (2000b) analisaram o co- nhecimento tradicional sobre aspectos relacionados à distribuição temporal e espacial de recursos pesqueiros em Conde e verificaram que lá os pescadores também entendem inverno e verão como as duas principais estações do ano, interferindo tanto nas atividades de pesca quanto na abundância e distribuição espacial e temporal dos recursos pesqueiros. Neste último caso, a interfe- rência pode se dar tanto nas características intrínsecas das espécies, como período reprodutivo, ou nas respos- tas comportamentais a estímulos ambientais. Segundo os autores, o conhecimento dos pescadores sobre a sazonalidade dos peixes dá-se também através de asso- ciações com fenômenos meteorológicos (tempestades, chuvas) e fenômenos cósmicos (ciclo lunar, marés). Reprodução Os pescadores associam a época de reprodução com o comportamento de desova, ou seja, as épocas em FIGURA 3: Sazonalidade das espécies, segundo o conhecimento dos pescadores artesanais (% de citação nas entrevistas). que são observados os peixes ovados, segundo eles, são as épocas em que estão desovando e procrian- do, portanto se reproduzindo. Diferente das épocas de safra, os pescadores foram mais específicos quanto à época de reprodução, pois citaram os meses em que os peixes estão se reproduzindo.Algumas opiniões mostra- ram-se diversificadas em relação aos meses exatos em que se reproduzem os peixes, enquanto que em outras se pôde verificar um padrão nas citações de diferentes comunidades, conforme mostra a figura 4. No caso do robalo, houve uma predominância de citações no intervalo entre os meses de setembro a fe- vereiro, segundo os pescadores da Barra do Ribeira, Porto Cubatão e Pedrinhas. Já para a manjuba, pode-se verificar, segundo os pescadores da Barra do Ribeira e Jairê, um intervalo entre os meses de outubro a março. Em relação à tainha a predominância de citação ocor- reu na época de inverno, ou seja, entre os meses de maio a agosto, segundo os pescadores da Barra do Ri- beira, Carijo, Porto Cubatão e Pedrinhas. Silvano e Begossi (2002), em um estudo realizado com os pescadores do Rio Piracicaba (SP), mostraram que dentre vários aspectos de etnoecologia (dieta, habitat, migração, predação, sazonalidade e reprodução), os pes-
  • 11. 111 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 Etnoecologia caiçara ROBALO 0 10 20 30 40 50 60 70 j a n e i r o f e v e r e i r o m a r ç o a b r i l m a i o j u n h o j u l h o a g o s t o s e t e m b r o o u t u b r o n o v e m b r o d e z e m b r o Barra do Ribeira Porto Cubatão Pedrinhas MANJUBA 0 10 20 30 40 50 60 70 j a n e i r o f e v e r e i r o m a r ç o a b r i l m a i o j u n h o j u l h o a g o s t o s e t e m b r o o u t u b r o n o v e m b r o d e z e m b r o Barra do Ribeira Jairê TAINHA 0 20 40 60 80 100 120 j a n e i r o f e v e r e i r o m a r ç o a b r i l m a i o j u n h o j u l h o a g o s t o s e t e m b r o o u t u b r o n o v e m b r o d e z e m b r o Barra do Ribeira Carijo Porto Cubatão Pedrinhas PARATI 0 5 10 15 20 25 30 35 40 j a n e i r o f e v e r e i r o m a r ç o a b r i l m a i o j u n h o j u l h o a g o s t o s e t e m b r o o u t u b r o n o v e m b r o d e z e m b r o Carijo Porto Cubatão Pedrinhas PESCADA 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 j a n e i r o f e v e r e i r o m a r ç o a b r i l m a i o j u n h o j u l h o a g o s t o s e t e m b r o o u t u b r o n o v e m b r o d e z e m b r o Porto Cubatão Pedrinhas SOROROCA 0 5 10 15 20 25 30 j a n e i r o f e v e r e i r o m a r ç o a b r i l m a i o j u n h o j u l h o a g o s t o s e t e m b r o o u t u b r o n o v e m b r o d e z e m b r o Carijo FIGURA 4: Períodos de reprodução das espécies de peixes segundo o conhecimento dos pescadores (% de citação nas entrevistas). cadores apresentaram mais dúvidas em relação à re- produção dos peixes que em relação aos demais aspec- tos. Os autores ainda apontam para o fato de que os pescadores demonstram um conhecimento mais deta- lhado em relação a espécies de peixes mais abundantes e mais úteis, especialmente as mais valiosas comercial- mente e também conhecem mais sobre os peixes nati- vos da região que de espécies exóticas introduzidas no ecossistema. A análise do conhecimento dos pescadores caiçaras estudados, relativo às etnofamílias, diferenciação sexual, hábitat, sazonalidade e reprodução forma um sis- tema de informações ecológicas essenciais para a pro- dução pesqueira na região, na medida em que se apre- sentam como uma rede de saberes interligados, que po- dem atuar como subsídio para uma gestão participativa dos recursos pesqueiros. A concordância entre o conhecimento dos pesca- dores e a literatura científica observada nesta pesquisa, e a forma como os recursos naturais são manejados pelas comunidades caiçaras evidenciam a crescente impor- tância da etnoecologia. O estudo do comportamento
  • 12. 112 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 M. Ramires et al. humano e sua relação com o ambiente, através da utili- zação dos recursos naturais, entendendo suas estratégi- as e decisões, aponta que resultados provenientes deste tipo de estudo podem ser aplicados no desenvolvimento de políticas de manejo condizentes com o modo de vida das populações de pescadores. Berkes (1999) defende que os sistemas tradicio- nais de manejo dos recursos vêm sendo transmitidos de geração a geração, embora de maneira a se adaptar ao contexto contemporâneo, uma vez que as práticas tradi- cionais evoluem para responder às pressões modernas. Isto pôde ser verificado neste trabalho, onde o tempo de dedicação à atividade pesqueira variou entre médias de 22 e 55 anos nas comunidades estudadas, além de apre- sentarem também adaptações a pressões atuais, como, por exemplo, a existência de outras atividades comple- mentares à pesca. Ao considerar, por exemplo, que a crise atual no setor pesqueiro é de escala mundial e não se restringe à pesca industrial, interferindo também na pesca artesanal, a gestão participativa visa a sustentabilidade dos recursos pesqueiros. No entanto, não é fácil en- contrar o equilíbrio entre proteção e regulação da biodiversidade e o uso dos recursos naturais. Daí a necessidade dos planos de manejo que considerem os saberes locais e incorporem as contribuições das ex- periências sociais, organizações locais, regras e valo- res dessas comunidades. Autores como Berkes (1999) e Begossi (2006) também consideram importante a incorporação do co- nhecimento local nos planos de manejo, no sentido de contribuírem para descentralização das ações gover- namentais, cujas decisões são definidas em âmbito institucional. Portanto, espera-se que o conhecimento local seja valorizado e passe a evidenciar o direito e a necessidade da participação das populações nos planos de manejo e conservação, apontando caminhos para outros estudos que abordem a especificidade do conhecimento local, sua potencial contribuição para facilitar os passos da ci- ência convencional e a complexidade das relações entre as populações caiçaras e o ambiente. Agradecimentos À Márcia Regina da Silva, pelas discussões, leitura do texto e principalmente, pela amizade.Ao Prof°Walter Barrella (PUC/ SP) e a FAPESP, pela oportunidade de desenvolver parte deste trabalho através do projeto Os Peixes e a Pesca na Mata Atlântica do Sul de São Pau- lo (1999/04529-7). À Profª Maria Elisa Eduardo de Paula Garavello (ESALQ/ USP) por abrir as portas do espaço público acadêmico à primeira autora, apoiando diversas atividades, dentre as quais a redação deste trabalho e principalmente, pela amizade e incentivo. E finalmente, aos pescadores do Vale do Ribeira, por toda atenção. Referências Bailey, K. D. 1982. Methods of social research. McMillan Publishers, The Free Press, New York, USA 553pp. Berkes, F. 1985. Fishermen and 'The tragedy of the commons'. Environmental Conservation, 12 (3): 199-206. Berkes, F. 1999. Sacred ecology: tradicional ecological knowledge and resource management. Taylor and Francis, Philadelphia, Pennsylvania, USA. 209pp. Begossi, A. 2006. Temporal stability in fishing spots: conservation and co-management in Brazilian artisanal coastal fisheries. Ecology and Society, 11 (1): 5 [online] URL: http://www.ecologyandsociety. org/vol11/iss1/art5/ Clauzet, M. 2003. Conhecimento local e atividade pesqueira na enseada do Mar Virado, Ubatuba litoral norte, SP, São Paulo. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Brasil, 123pp. Costa-Neto, E. M.; Marques, J. G. W. 2000a. A Etnotaxonomia de recursos ictiofaunísticos pelos pescadores da comunidade de Siribinha, Norte do Estado da Bahia, Brasil. Biociências, 8 (2): 61-76. Costa-Neto, E. M.; Marques, J. G. W. 2000b. Conhecimento ictiológico tradicional e a distribuição temporal e espacial de recursos pesqueiros pelos pescadores de Conde, Estado da Bahia, Brasil. Etnoecológica, 4 (6): 56-68. Diegues, A. C. 1988a. A pesca artesanal no litoral brasileiro: cenários e estratégias para sua sobrevivência. IO/USP/FFord/ IUCN, São Paulo, Brasil, 44pp. Diegues,A. C. 1988b Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: O caso das comunidades caiçaras. São Paulo: NUPAUB-USP, 22pp. Figueiredo, J. L.; Menezes, N.A. 1978. Manual de peixes marinhos do sudeste do Brasil: II. Teleostei (1). Museu de Zoologia da USP, São Paulo, Brasil, 110pp. Figueiredo, J. L.; Menezes, N.A. 1980. Manual de peixes marinhos do sudeste do Brasil: III. Teleostei (2). Museu de Zoologia da USP, São Paulo, Brasil, 90pp. Figueiredo, J. L.; Menezes, N.A. 2000. Manual de peixes marinhos do sudeste do Brasil: VI. Teleostei (5). Museu de Zoologia da USP, São Paulo, Brasil, 116pp.
  • 13. 113 Revista Biotemas, 20 (1), março de 2007 Etnoecologia caiçara Hanazaki, N. 2001. Ecologia de caiçaras: Uso de recursos e dieta. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Brasil, 193pp. Höfling, E.; Oliveira,A. M. S.; Rodrigues, M. T.; Trajano, E.; Rocha, P. L. B.1995. Chordata: Manual para um curso prático. Ed. USP, São Paulo, Brasil, 242pp. Lopes, P. F. M. 2004. Ecologia caiçara: Pesca e uso de recursos na comunidade da praia do Puruba. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Brasil, 117pp. Luchiari, M. T. D. P. 1992. Caiçaras, migrantes e turistas: A trajetória da apropriação da natureza no litoral norte Paulista (São Sebastião - Distrito de Maresias). Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil, 210pp. Luchiari, M. T. D. P. 1997. Turismo e cultura caiçara no litoral norte paulista. In: Rodrigues, A. B. (Org.). Turismo, modernidade e globalização. Hucitec, São Paulo, Brasil, p.136-154. Marques, J. G. W. 1991. Aspectos ecológicos na ecologia dos pescadores do complexo estuarino - lagunar de Mundaú - Manguaba,Alagoas. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Brasil, 296pp. Marques, J. G. 2001. Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva ecológica. 2. ed. NUPAUB, USP, São Paulo, Brasil, 258pp. Menezes, N.A.; Figueiredo, J. L. 1980. Manual de peixes marinhos do sudeste do Brasil: IV. Teleostei (3). Museu de Zoologia da USP, São Paulo, Brasil, 96pp. Menezes, N.A.; Figueiredo, J. L. 1985. Manual de peixes marinhos do sudeste do Brasil: V. Teleostei (4). Museu de Zoologia da USP, São Paulo, Brasil, 105pp. Nazarea, V. D. 1999. Introduction: a view from a point: Ethnoecology as situated knowledge. In: Nazarea, V. D. (ed.). Ethnoecology: Situated knowledge/located lives. The University ofArizona Press, Arizona, USA, p.3-20. Paz,V.A.; Begossi,A. 1996. Ethnoichthyology of Gamboa: Fishermen of Sepetiba bay, Brazil. Journal of Ethnobiology, 16 (2): 157-168. Silva, L. G. S. da. 1993. Caiçaras e jangadeiros: Cultura marítima e modernização no Brasil. CEMAR - Centro de Culturas Marítimas/USP, São Paulo, Brasil, 143pp. Silvano, R. A. M.; Begossi, A. 2002. Ethnoichthyology and fish conservation in the Piracicaba river (Brazil).JournalofEthnobiology, 22 (2): 285-306. Souza, M. R.; Barrella, W. 2001. Conhecimento popular sobre peixes numa comunidade caiçara da Estação Ecológica de Juréia - Itatins/SP. Boletim do Instituto de Pesca, 27: 123-130. Toledo, V. M. 1992. What is ethnoecology? Origins, scope and implications of a rising discipline. Etnoecológica, 1: 5-21. Vazzoler, A. E. A. M. 1996. Biologia da reprodução de peixes teleósteos: Teoria e prática. EDUEM, SBI, Maringá, Brasil, 69pp.