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NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
"Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun.
2012.
[a paginação original está indicada entre colchetes no texto - se citar o trabalho, utilize-a]
A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
PRIVADAS: O CASO GOOGLE
João Costa Neto1
Professor Substituto de Direito Administrativo na UnB.
RESUMO: O objetivo deste trabalho é demonstrar as implicações jurídicas observadas no modus
operandi da empresa Google, no que concerne à transgressão a direitos fundamentais dos usuários, ao
não respeito aos princípios da concorrência de mercado e ao descumprimento a decisões judiciais
decorrentes de processos movidos contra ela, entre outros. No contexto do trabalho, são discutidos os
argumentos da empresa para os procedimentos que adota, bem como duas tendências da literatura para
lidar com o problema: a primeira defende a vinculação direta ou imediata de particulares aos direitos
fundamentais, o que significa dispensar a eles um tratamento idêntico ao do Estado; a segunda,
defende uma vinculação indireta ou mediata. Conclui-se pela urgente e imprescindível necessidade de
regulação dos limites de atuação de entidades como o Google e semelhantes, para fins de preservação
dos vários direitos dos usuários, envolvidos nos atos de busca e de acesso ao referido site.
Palavras-chaves: direitos fundamentais; eficácia horizontal; livre concorrência; Google.
ABSTRACT: The goal of this paper is to demonstrate the legal implications that derive from the
modus operandi of Google. It involves the transgression of fundamental rights of users, the disregard
for principles that regulate market competition and the failure to enforce decisions resulting from
lawsuits filed against the company, among other things. Furthermore, the company's arguments in
favor of the procedures it adopts are discussed in the text. In order to face the problems that arise, two
roughly identifiable constitutional trends are approached: one that defends the direct or immediate
binding effect of the fundamental rights of individuals against companies as Google, giving it a
treatment identical to that reserved for the state; and another that defends the indirect or mediate
binding effect of fundamental rights. The author concludes that there is an urgent and imperative need
to regulate the limits of performance of entities such as Google and the like, on pain of impairment of
some of the various fundamental rights of the users involved.
Key words: fundamental rights; binding effect on private relations; Free market; Google.
1
JOÃO COSTA NETO é Doutorando e Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília
(UnB), sob a orientação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Mestrando em
Direito Romano pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco/Universidade de São Paulo (USP).
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade
Católica de Brasília (UCB). Foi, durante um ano, aluno especial do Mestrado em Filosofia da Universidade de
Brasília (UnB). É Professor Substituto de Direito Administrativo na UnB e Advogado em Brasília. Student
Member da Society for the Promotion of Roman Studies (Fundada em 1910) e da Society for the Promotion of
Hellenic Studies (Fundada em 1879).
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
"Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun.
2012.
1 INTRODUÇÃO
Consolidou-se, na teoria geral dos direitos fundamentais, a visão de que esses direitos
não são apenas oponíveis ao Estado, mas também aos particulares. Deu-se a esse fenômeno,
no Brasil e no estrangeiro, o nome de EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ORDEM JURÍDICO-
PRIVADA, embora alguns prefiram [457] o menos acurado EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS (horizontale Anwendbarkeit der Grundrechte) ou mesmo, em língua alemã,
Drittwirkung. Muito se tem falado acerca desse assunto e, em particular, sobre a oposição
entre uma eficácia direta ou imediata de tais direitos (unmittelbare Wirkung der Grundrechte),
em oposição a outra indireta ou mediata (mittelbare Wirkung der Grundrechte).2
Ao que tudo indica, a doutrina constitucional brasileira hodierna pouco tem falado sobre
a importância da oponibilidade dos direitos fundamentais diante de grandes grupos
econômicos e de sociedades empresárias como o Google, Inc. que, atualmente, detém não
apenas o controle do homônimo instrumento de busca na web (web search engine), como
também do Youtube, da rede social Orkut e do Blogger, o maior hospedeiro de blogs no
mundo.
A ramificação e a capilaridade dos serviços prestados pelo Google geram importantes e
complexos questionamentos de ordem jurídico-constitucional. Suponhamos, a título de
exemplo, que os usuários da ferramenta de busca do Google que digitassem a palavra
2
A respeito, cf. ENGLE, Eric. “Third Party Effect of Fundamental Rights (Drittwirkung).” In: Hanse Law
Review. vol. 5, n. 2, 2009. pp. 165-173; GANTEN, Ted Oliver. Die Drittwirkung der Grundfreiheiten. Berlin:
Duncker & Humblot, 2000; STERN, Klaus. Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland
Band III/1: Allgemeine Lehren der Grundrechte. München: C.H. Beck, 1988, § 76. Entre nós, cf. SARMENTO,
Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004; SOMBRA, Thiago. A
eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas: a identificação do contrato como ponto de
encontro dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004; VALE, André Rufino do.
Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004;
KAUFMANN, Rodrigo. Dimensões e Perspectivas da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais:
Possibilidade e limites de aplicação no Direito Constitucional brasileiro. Tese para obtenção de título de Mestre
em Direito apresentada em 2004 e orientada pelo Professor José Carlos Moreira Alves; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. “Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais.” Direito Público, vol. 1, n. 2,
Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, out./dez. 2003; SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos
Direitos Fundamentais. 11ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; AFONSO DA SILVA, Virgílio. A
constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo:
Malheiros, 2005.
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
"Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun.
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“restaurante” obtivessem sempre como resultado, logo no topo da lista de referência, a
resposta McDonald’s. Imaginemos, ainda, que o grupo Google, dono da rede social Orkut
(como dito), vedasse qualquer menção ao termo Facebook em seus resultados de buscas, a
fim de que o Orkut ganhasse papel de maior proeminência contra seu maior rival.
Esses dois exemplos ilustram usos anticoncorrenciais de uma posição dominante de
mercado relevante, ou seja, o Google, valendo-se de seu sucesso como ferramenta de busca na
Internet e do papel destacado que exerce no mercado de web search engines, institui práticas
para diminuir ou aniquilar a concorrência em outras áreas do mercado, nas quais parceiros
negociais ou ramificações do grupo empresarial ao qual ele pertence atuam. Tal forma de
proceder configurará, eventualmente, não apenas concorrência desleal, mas também infração
da ordem econômica.3
Além disso, por si só, [458] implicaria problemas a serem resolvidos
eminentemente pelo direito econômico, à luz de princípios como o da livre concorrência, o da
eficiência gerada no respectivo mercado de bens e serviços e assim por diante.
Mas ainda há outros importantes questionamentos, ao nível de direito constitucional,
que surgem a partir do caso Google. Neste texto, busca-se demonstrar como alguns desses
questionamentos passam pelo desrespeito a direitos fundamentais.
2 CENSURA PRIVADA?
A violação a direitos fundamentais perpetradas pelo Google, como gigante econômico, é
um fato que desafia a dogmática tradicional dos direitos fundamentais, a qual enxerga tal
instituição como um simples particular.
De maneira análoga ao exemplo citado, podemos imaginar a vedação, por parte do
sistema de busca do Google, de qualquer resultado contendo o nome de um dado candidato à
presidência da república (a fim de prejudicar sua publicidade) ou mesmo a vedação de termos
3
Nesse contexto, cf. FRITZSCHE, Jörg. Wettbewerbs- und Kartellrecht. Baden-Baden: Nomos, 2012;
EMMERICH, Volker. Kartellrecht: Ein Studienbuch. München: C.H. Beck, 2012.
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como “nazismo” ou, quem sabe, “comunismo”. Isso não implicaria uma “censura privada”
(private censorship)?4
2.1 E a política de privacidade?
Em 2012, o Google alterou suas políticas de privacidade (privacy policies), de modo que
a grande maioria dos dados fornecidos por um consumidor a um dos serviços prestados pelo
Google passou a ser partilhado com todos os outros. Dessarte, se se cadastram dados no
Orkut, esses dados (e-mail, nome, idade, local onde mora e outros) são automaticamente
partilhados com o Youtube, o Blogger e a ferramenta de busca do Google. Igualmente, os
dados são complementares entre si, de maneira que, fornecendo-os a um dos prestadores de
serviços, eles são comunicados aos demais. O Google é capaz de formar, dessa maneira, uma
extensa, difusa e penetrante rede de dados sobre seus usuários.
A alteração, amplamente noticiada pela mídia, tem sido questionada na União Europeia
por, supostamente, violar as regras de proteção a dados privados e, como se pode argumentar
ainda, por ferir o direito à autodeterminação informativa (Recht auf informationelle
Selbstbestimmung), consagrado no direito alemão e, em especial, na jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht).5
[459]
2.2 Google-Street-view
O programa Google-street-view gera dúvidas quanto à inobservância de direitos
fundamentais. Nesse programa, é possível visualizar, com qualidade, ruas de inúmeras
cidades ou mesmo imagens de lugares como o Rio Amazonas. Ocorre, entretanto, que as
imagens, feitas por satélite, expõem os rostos e imagens de diversas pessoas que jamais foram
consultadas acerca desse tipo de uso. É possível, com o uso do cursor, percorrer as ruas de
grandes cidades como Londres, Nova York e São Paulo, visualizando pessoas, lugares e
diversos objetos, como automóveis e as respectivas placas de identificação (license plates).
4
cf. NUNZIATO, Dawn. Virtual Freedom: Net Neutrality and Free Speech in the Internet Age. (Stanford Law
Books). Stanford: Stanford University Press, 2009.
5
Doravante, BVerfG.
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Por um lado, isso parece ir de encontro ao direito geral da personalidade, uma vez que o
Google, por meio de anúncios, obtém lucro, utilizando-se de imagens de lugares (muitos dos
quais têm donos) e pessoas, sem qualquer autorização para esse fim.
Cumpre esclarecer que, na política de privacidade do Google-street-view, há a opção de
submeter um pedido ao provedor para que se borre uma dada imagem (blurring request).
Assim, pode-se requerer que as imagens da pessoa ou da própria casa ou automóvel sejam
borradas, tornando-se não identificáveis. É certo que esse tipo de controle é sempre ex post e
um tanto casuístico, mormente por não se poder saber quando e onde se foi fotografado. Se
alguém, por hipótese, ingressar em juízo contra o Google, a fim de ter todas as suas imagens
retiradas, é certo que nem o próprio Google terá como fazê-lo.
É bem possível que a maioria das pessoas que tiveram as placas de seus automóveis ou
suas imagens fotografadas e disponibilizadas na Internet nunca venham a tomar conhecimento
desse fato, porque as imagens não são obtidas em tempo real. Logo, um dado indivíduo pode
ter sido fotografado via satélite enquanto ia à farmácia ou ao supermercado e talvez nunca
saiba que sua imagem, associada àquele lugar, encontra-se na Internet, podendo ser vista por
milhões de pessoas.
3 A TRANSTERRITORIALIDADE DO GOOGLE E A DIFICULDADE DE FAZER
CUMPRIR DECISÕES JUDICIAIS
Há outro problema, que diz respeito à exequibilidade de decisões de Estados nacionais
tomadas contra o Google. O Estado brasileiro não pode “invadir” a sede da empresa (rectior:
sociedade empresária) Google, de forma que será sempre lícito, a ela, conquanto talvez pouco
lucrativo, simplesmente encerrar suas atividades em um dado lugar, como o Brasil, em vez de
submeter-se às políticas de privacidade que se queiram impor a ela.
[460]
Porém, esse cenário parece pouco provável, já que o Google escolheu por aceitar, até
mesmo, as rígidas regras impostas pelo governo chinês, quando passou a operar diretamente
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naquele país. Saliente-se que isso envolveu, na prática, excluir, integral e completamente,
certos resultados das buscas feitas pelos usuários, resultados esses considerados impróprios
pelo governo chinês, em evidente medida de censura prévia. As questões emergem do assunto
são: se em países autoritários, o Google atende às regras impostas pelo governo, por que, em
países democráticos, ele não se submete às normas jurídicas internas ou, ainda, que meios de
fiscalização há para que ele se submeta às normas jurídicas internas em países democráticos?
Para beneficiar sócios econômicos e desfavorecer concorrentes ou, simplesmente, por
questões ideológicas, seria possível, para o Google, omitir e manipular as informações e
resultados das buscas feitas por milhões de pessoas?
Quanto ao poderio de grupos econômicos frente a Estados soberanos, não se deve
menosprezar o enorme poder de barganha que detém o Google: primeiro, porque se estima
que o grupo, como um todo, valia mais de 72 (setenta e dois) bilhões de dólares em 2011,
valor superior ao PIB de 130 (cento e trinta) dos, aproximadamente, 190 (cento e noventa)
países do globo; segundo, porque o Google é um ator transterritorial, de modo que é cada vez
mais difícil, embora não impraticável, impor a vedação de um conteúdo ou de uma prática
dentro de um limite territorial, quando o “espaço virtual” não se organiza territorialmente.
3.1 O caso “Daniela Cicarelli”
Em setembro de 2006, um vídeo da atriz e modelo Daniela Cicarelli com seu namorado
Renato Malzoni espalhou-se na Internet. O vídeo mostrava ambos em situação de intimidade
em uma praia espanhola. Embora o local fosse público, veículos de comunicação valeram-se
das cenas para ganhar dinheiro.
Em face disso, ajuizou-se uma ação contra os seguintes réus: IG - Internet Group do
Brasil Ltda., Organizações Globo de Comunicação e Youtube, Inc. Após muito tempo de
litígio em mais de uma instância, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou os
réus a retirarem de seus sites o vídeo em questão, impondo multa diária de R$ 250.000
(duzentos e cinquenta mil reais), em caso de descumprimento. A sentença não foi cumprida
pelo Youtube, e o DESEMBARGADOR ÊNIO SANTARELLI ZULIANI proferiu uma decisão ameaçando
impedir o acesso de usuários brasileiros ao site de compartilhamento de vídeos. Nela, o
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magistrado invocou um parecer técnico que afirmava ser relativamente [461] fácil bloquear o
acesso ao vídeo, mesmo que ele estivesse hospedado em sites estrangeiros, já que tudo passa
pelo crivo dos provedores brasileiros. Os fatos indicam que o parecer estava certo, uma vez
que, após a longissima via crucis, de anos, o vídeo não mais se encontra disponível nas
páginas de quaisquer dos mencionados réus.
Essa capacidade que o Google, de fato possui, de retirar vídeos, faz lembrar das palavras
de THOMAS HOBBES, em sua obra De Ciue. Nela o autor diz sobre o Estado: "Nam qui satis
habet uirium ad omnes protegendos, satis quoque habet ad omnes opprimendos."6 7
Afinal, se
o Google pode usar todo esse poder para o bem, isto é, para cumprir uma ordem judicial
tendente a cessar uma lesão ao direito geral da personalidade, é certo que ele também pode
valer-se dessa habilidade para fins escusos. Daí a necessidade, sobre a qual se falará mais
adiante, de imposição de um controle externo.
Esse caso demonstrou a dificuldade do Poder Judiciário de fazer valer suas decisões
nesses âmbitos, bem como a pouca coercitividade de multas astreintes, ante o exacerbado
poderio econômico de entidades como Youtube, que é propriedade do Google. Esse tipo de
execução indireta é ainda menos efetivo quando se lembra a possibilidade de redução
equitativa da multa, que é prática comum entre os juízes brasileiros.
Dessa maneira, após muito, muito tempo descumprindo a decisão, ao invés de pagar a
integralidade da multa (que pode chegar a valores altíssimos, por ser diária), o réu deixa de
pagar o valor total. É cediço que isso favorece o descumprimento de decisões e obrigações, o
que, por conseguinte, dificulta o trabalho do Poder Judiciário. As decisões mais recentes no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicam uma tendência, cada vez mais presente, de essa
Corte não reduzir os valores das astreintes.8
3.2 O caso “Carolina Dieckmann”
6
HOBBES, Thomas. De Ciue. Oxford: Clarendon Press, 1983. p. 143
7
“Pois quem tem forças suficientes para todos proteger, tem também para todos oprimir.” (tradução livre do
autor)
8
cf., por todos, o acórdão do REsp de n. 1.229.335/SP, de relatoria da MIN. NANCY ANDRIGHI, j. em 17/04/2012.
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Em maio de 2012, os jornais brasileiros noticiaram que 36 (trinta e seis) fotos da atriz
Carolina Dieckmann, nua, haviam sido divulgadas na Internet. Segundo informações de
advogados da atriz, cerca de 20 dias antes da divulgação, ela recebera e-mail pedindo R$
10.000 (dez mil reais) em troca da não [462] publicação das fotos. De acordo com os jornais,
a atriz procurou a polícia e relatou o ocorrido.9
Quando, finalmente, as fotos foram divulgadas na Internet, os advogados da atriz
obtiveram uma decisão liminar em sede de ação inibitória, para que as fotos não fossem
divulgadas na rede mundial. Entidades como o Google não apenas afirmaram não ter como
exercer controle sobre a divulgação desse material, como ser, tal procedimento, contrário às
políticas da empresa.10
Recorde-se, com amparo nos jornais, que a atriz brasileira nunca pousou nua e que,
apesar de tratar-se de figurar pública, ela fez as fotos em sua intimidade, sem qualquer
interesse de vê-las divulgadas.
3.3 A particularidade de alguns atores sociais privados como o Google
Vive-se, na atualidade, um problema peculiar: a criação da estrutura das redes de
comunicação passou a ser controlada predominantemente por instituições privadas, que não se
submetem ao controle estatal. Assim, esses detentores de poder privado (private
Machtträger), sobretudo quando possuidores de uma posição muito fortalecida ou
hegemônica, não estão sujeitos aos controles próprios do Estado.
Com efeito, em princípio, eles não têm obrigação de observar os valores democráticos
ou o atributo do Estado de Direito (Rechtsstaatlichkeit). Tampouco há compromisso com a
isonomia ou a igualdade de chances, o que suscita questionamentos acerca do tipo de
influência negativa que esses veículos podem exercer, ora para favorecer alguns, ora para
9
ARRAIS, Daniela. “Supostas fotos de Carolina Dieckmann nua vazam na internet.” Folha de S. Paulo, São
Paulo, 4 maio 2012.
10
ARRAIS, Daniela. “Carolina Dieckmann foi chantageada antes de ter fotos divulgadas, diz advogado.” Folha
de S. Paulo, São Paulo, 5 maio 2012.
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desfavorecer outros.11
Que tipo de limites constitucionais ou infraconstucionais podem ser
opostos ao Google, a fim de delinear a fronteira entre sua utilização regular e o abuso? Que
precauções de defesa contra o abuso (Vorkehrungen der Mißbrauchsabwehr) têm sido
implementadas?
Esse fato torna-se preocupante a partir da posição de destaque assumida por veículos
como Google, Youtube e outros, tanto na disseminação de tendências de consumo, de
comportamento e outros, como igualmente na própria formação da vontade coletiva. A
Internet tornou-se um poderoso meio [463] de debate político, e vem sendo utilizada, amiúde,
em campanhas eleitorais. A falta de neutralidade por parte desses veículos pode gerar
consequências ponderáveis, senão nefastas. Na história brasileira recente, assistiu-se, por
exemplo, à manipulação de imagens de debates eleitorais por emissoras de televisão, inclusive
na campanha presidencial de 1989. Da mesma forma que esse ocorrido exerceu impacto em
nossa história política e, possivelmente, manchou, ao menos em parte, o processo eleitoral de
então, é possível cogitar acerca da potencial aptidão que veículos como o Google têm para
agir analogamente.
Sobre a liberdade de expressão em meios virtuais, em texto publicado em vários jornais
do mundo, JEREMY BROWNE, membro da House of Commons inglesa e Ministro das Relações
Exteriores do Reino Unido, afirmou que:
The overriding challenge is that 95 percent of the internet is owned by
private companies, so to guarantee an open and innovative internet,
governments must work with business, as well as with civil society, on how
to safeguard and enhance online freedoms. This is why we took the decision
to include internet-related companies at the London Conference on
Cyberspace in November last year – which, in international diplomatic
terms, was ground-breaking. A limited forum where foreign minister talked
to foreign minister would not have worked – which is why we invited the
practitioners at the front of the digital revolution.
11
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (1998). “Informationelle Selbstbestimmung in der Informationsgesellschaft.”
In: HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Offene Rechtswissenschaft: Ausgewählte Schriften und gebleitende
Analysen. Stuttgart: Mohr Siebeck, 2010. p. 510
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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2012.
So Britain is committed to helping governments, business and individuals to
overcome threats to internet freedom. We are supporting businesses to
enhance internet freedom through responsible commercial practice. Human
rights could, for example, form part of a company’s risk analysis prior to
investing in a country.12
Como se nota, o problema que se coloca diante do direito constitucional hodierno é
diverso daqueles habitualmente enfrentados pela dogmática dos direitos fundamentais e, como
tal, está a exigir soluções compatíveis com sua singularidade.
Questiona-se, então, até que ponto é possível deixar de impor-se balizas estatais aos
entes que controlam esses poderosos conglomerados privados. Ressalte-se que, enquanto o
Estado pauta sua conduta em decisões tomadas com base em leis democraticamente
promulgadas, a postura institucional do [464] Google, por exemplo, é definida à revelia de
qualquer debate minimamente amplo. Há uma imposição, por parte da empresa e de seus
administradores, de fatores que podem ser determinantes na sociedade e que reverberam na
vida de milhões e milhões de cidadãos.
4 A POTENCIALIDADE DO ABUSO DE PODER E A ASSIMETRIA
Os critérios com base nos quais são selecionados os resultados de uma determinada
busca no Google deveriam ser mais transparentes do que são. A omissão de um nome ou um
termo pode ser tendenciosa ou arbitrária. Não se sabe, ao certo, se tais dados são manipulados
e, tampouco, há instrumentos de controle impostos pela lei, capazes de traçar exigências de
transparência e equidade.
Os riscos de abuso de poder (Risiken des Machtsmissbrauchs) são uma realidade,
especialmente em virtude das elevadas assimetrias de poder (erhebliche Machtasymmetrien)13
das partes envolvidas. De um lado, os usuários dos serviços Google e, do outro, o poderoso
grupo econômico, que delibera sem ter que consultar o público antes de tomar suas decisões.
12
BROWNE, Jeremy. World Press Freedom Day 2012. Disponível em:
<http://ukinmontserrat.fco.gov.uk/en/news/?view=News&id=760878782> Acesso em 3 de junho de 2012.
13
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 529
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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2012.
Não há qualquer tipo de submissão dessas decisões à esfera pública ou crivo apto a filtrar
alguns dos interesses privados que motivam tais decisões.
O favorecimento a algum tipo de ideologia ou a algum grupo político nos resultados das
buscas ou no compartilhamento de vídeos (no caso do Youtube) é capaz de implementar ou de
extinguir tendências. Teoricamente, o cenário pode soar surreal, mas imagine-se, por
exemplo, se a indicação de um local deixa de constar no Google Maps. Cada vez mais pessoas
usam esse recurso para procurar indicações de atrações a visitar, de locais para alimentar-se,
etc. Não se pode menosprezar o quanto a vida de hoje é perpassada pela presença de entidades
privadas. Se essa presença é menos sentida, embora já expressiva, ao que tudo indica, ela será
cada vez maior, gerando a necessidade de traçar-se, desde logo, os limites de atuação de uma
instituição como o Google.
É de lembrar-se, por exemplo, que certos links do sistema de busca do Google são
patrocinados. Esses “links patrocinados” são formas de publicidade e, no resultado de buscas,
aparecem sempre antes dos demais. Há, inclusive, uma parte do Google responsável por
administrar esse tipo de propaganda; trata-se do AdWords.
[465]
4.1 A oponibilidade dos direitos fundamentais como instrumento de contraposição
A sugestão deste artigo é que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas,
a ser delineada pela Jurisdição Constitucional, pode oferecer respostas para o presente debate.
Além disso, faz-se mister regular, em sede legal, a atuação de grupos como o Google e o
Youtube, de modo a exigir mais transparência da atuação dessas instituições.
Como escolhas axiológicas feitas pelo legislador constituinte originário, os direitos
fundamentais perpassam, por meio de “pontos de irrupção” ou “portas de entrada”
(Einbruchstellen) – como, por exemplo, as cláusulas gerais –, todo o ordenamento jurídico,
inclusive o direito privado, que deve ser interpretado, ainda que mediata e indiretamente, à luz
da Constituição. Os direitos fundamentais fundam não apenas pretensões subjetivas e
concretas, mas também são uma garantia para toda a sociedade e, como tal, possuem dimensão
objetiva.
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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2012.
Explicitou-se, no item 3.1, que, a despeito disso ser negado por alguns, o Google possui
sim a capacidade de vedar conteúdos, como já aconteceu, inclusive em função de ordem
judicial. Esse destacado poder, que traz consigo uma vultosa responsabilidade, deveria ser
acompanhado de limitações e restrições. Assim como já advertia o célebre escritor romano
JUVENAL, em sua sátira 6, é preciso perguntar-se: “Sed quis custodiet ipsos custodes?”14
Ou
seja, se o Google tem o poder de retirar conteúdos, quem é capaz de controlar e fiscalizar o
controle invisível que ele mesmo exerce ou que, ao menos, pode exercer?
É relevante esclarecer que o Google, a pretexto de salvaguardar a liberdade de
expressão, recusa-se a retirar conteúdos ofensivos de páginas mantidas por ele.
4.2 O caso de Rondon do Pará
Tem-se conhecimento, por exemplo, de uma demanda ajuizada no estado do Pará
(autuada sob o n. 201230054152), por Juiz de Direito desse estado, que vinha sendo injuriado,
sistematicamente, por meio de blog hospedado no servidor do Google. As injúrias, de cunho
bastante grave, relatavam episódios pessoais da vida do magistrado. Em alguns momentos,
embora não se usasse [466] o nome do magistrado, eram tantos os dados divulgados sobre ele
(como o número de irmãos, as profissões que exercem, dentre outras informações), que sua
identificação se tornou óbvia.
Aviltou-se, ainda, a honra do magistrado em virtude de uma suposta orientação sexual.
Para tanto, em diversas postagens, seu nome foi feminilizado (e.g. de “Dr. Marcel”, para “Dr.
Marcela”) e amantes foram-lhe atribuídos na cidade. Fatos concretos, conquanto falsos, foram
citados, dentre os quais, o de que um advogado se teria divorciado da esposa para ir viver com
o Juiz. Essas e outras histórias semelhantes foram relatadas em um contexto assaz pejorativo,
sempre depreciando a figura do magistrado.
Alegadamente, as ofensas ao Juiz foram produto de perseguição, especialmente por suas
reiteradas condenações de figuras importantes da cidade, seja em virtude de desvios de verba
pública – inclusive com base em diversas fraudes licitatórias – por parte da prefeitura e de
14
Geralmente, essa frase corresponde, na sátira 6, às linhas 347-348 do texto. Contudo, se se segue o manuscrito
oxfordiano (oxoniensis), trata-se das linhas O31 - O32. A frase latina significa, literalmente: “Mas quem cuida
dos próprios cuidadores?” ou “Mas quem vigia os próprios vigilantes?” (tradução livre do autor)
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
"Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun.
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seus agentes políticos, seja por abusos cometidos por policiais da cidade, como torturas e
homicídios.
Em primeira instância, em uma decisão interlocutória, determinou-se ao Google que
retirasse o blog e o conteúdo ofensivo do ar, devido às afirmações que vilipendiavam a honra
subjetiva do autor, ferindo seu direito geral à personalidade (allgemeines
Persönlichkeitsrecht).
Requereu-se, em antecipação dos efeitos da tutela, que fossem retiradas da rede mundial
de computadores as páginas do blog intitulado “Rondon sem Censura”. Deferido o pedido, o
Google agravou da decisão e não conseguiu ter efeito suspensivo atribuído a seu recurso.
Na espécie, fixaram-se multas astreintes, que foram confirmadas em segunda instância
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, para coagir a instituição a cumprir a obrigação de
fazer, consistente em retirar o blog do ar. Em uma das primeiras decisões do caso, o Juiz de
Direito da comarca de Dom Eliseu, Alexandre H. Arakaki, determinou, em 30 de março de
2012:
(...) novo bloqueio de valores das contas do requerido [Google Brasil
Internet Ltda.] até o montante de R$ 2.100.000,00 (dois milhões e cem mil
reais), considerando o descumprimento desde 09/03/2012. Caso o novo
bloqueio de valores não seja suficiente para compelir a parte a cumprir uma
ordem judicial, resta demonstrado que não obedece a legislação vigente no
Brasil, não havendo motivos para somente se valer dos bônus, dispensando
os ônus, devendo ser fechadas e lacradas suas sucursais no País. (grifo
nosso)
[467]
Porém, mesmo após o valor total da multa ter chegado à expressiva quantia de 5 (cinco)
milhões de reais e mais de 3 (três) milhões de reais terem sido bloqueados via BACEN-JUD,
o Google recusou-se a retirar o conteúdo ofensivo do ar.
Há outros casos em que decisões judiciais foram descumpridas de maneira sistemática
pelo Google. Também nesses casos, essa empresa insiste em invocar a liberdade de expressão
para legitimar sua conduta passiva e inerte. Dentre as referidas decisões, podem ser citadas: os
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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autos de ns. 1.0024.08.041302-4/001(1) e 1.0512.07.045727-4/001(1), ambos do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais.
4.3 Outros casos preocupantes
Nas eleições municipais do ano de 2012, também houve casos que demonstram a
dificuldade de controlar, por meio de uma Justiça territorialmente sediada, o Google, que se
organiza não-territorialmente e que dificilmente se deixa compelir por meio de multas
astreintes. Nesse contexto, lembre-se que o Juiz Flávio Saad Peren, da 35ª Zona Eleitoral do
Mato Grosso do Sul, após determinar, em reiteradas ordens judiciais, a retirada de um vídeo
do Youtube, ordenou à Polícia Federal que efetuasse a prisão do presidente do Google no
Brasil, Fabio José Silva Coelho, por crime de desobediência.15
O Google recorreu da decisão, mas seu pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Mato Grosso do Sul. O relator do caso, o Juiz Amaury Kuklinski, fez consignar, em
sua decisão, que “Conquanto seja um espaço livre e democrático, o uso indevido da internet,
na esfera eleitoral, deve ser coibido, na medida em que não se trata de território isento de
responsabilidade e não se vislumbra qualquer causa de imunidade no manuseio dessa
ferramenta de comunicação.”16
Dias após a decisão, o Presidente do Google foi, de fato, preso e levado até uma das
sedes da Polícia Federal em São Paulo, oportunidade em que, por tratar-se de crime de menor
potencial ofensivo, assinou um termo circunstanciado e foi embora. Posteriormente, a ordem
de prisão foi revogada pelo próprio Juiz que a exarara.
Nas eleições de 2012, ocorreram pelo menos dois outros casos semelhantes. Em um
deles, o Juiz Ruy Jander Teixeira, da 17ª Zona Eleitoral de Campina Grande (PB), mandara
prender o Diretor Geral do Google no Brasil, Edmundo Luiz Pinto Balthazar, por descumprir
ordem judicial. Na decisão, alegou-se que a empresa desobedeceu à ordem de retirar do
15
CARVALHO, Daniel. “Justiça Eleitoral em MS manda prender presidente do Google no Brasil.” Folha de S.
Paulo, São Paulo, 24 set. 2012.
16
CARVALHO, Daniel. “Justiça Eleitoral em MS manda prender presidente do Google no Brasil.” Folha de S.
Paulo, São Paulo, 24 set. 2012.
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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Youtube um vídeo que denegria a imagem de Romero Rodrigues, candidato à Prefeitura de
Campina Grande. O Google recorreu e o Juiz Miguel de Britto Lyra, relator do recurso no
respectivo Tribunal, entendeu que Balthazar não poderia ser responsabilizado pela veiculação
do vídeo, o que implicou a suspensão da respectiva ordem de prisão. Já em Santa Catarina,
um Juiz determinou, também por motivos eleitorais, que o Facebook fosse tirado do ar em
todo o país. Dois dias depois, o próprio Juiz suspendeu a decisão.17
Vale mencionar, outrossim, que, no ano de 2012, vários foram os protestos, em países
muçulmanos, após a divulgação, no Youtube, do filme Innocence of Muslims. Em alguns
países, houve mortes e ataques a corpos diplomáticos de países ocidentais. O embaixador
americano na Líbia foi assassinado durante uma manifestação contra o filme, criado por
extremistas de direita. Em virtude dos fatos estarrecedores, o Google bloqueou a exibição do
vídeo em alguns países islâmicos. Já o governo dos EUA, em uma atitude insólita, pediu ao
gigante econômico que estudasse a possibilidade de bloquear, com base em suas políticas de
privacidade e controle de conteúdo, a exibição do vídeo em todo o mundo, haja vista as
consequências causadas. O Google recusou-se a fazê-lo. Mais uma vez, isso prova que o
Google possui condições técnicas de vedar e manipular as informações e vídeos que
disponibiliza.18
Na Alemanha, há, pelo menos, dois casos que merecem menção. O primeiro concerne a
Max Mosley, um dos ex-dirigentes da Fórmula 1 de automobilismo. O segundo, a Bettina
Wulff, esposa do ex-presidente alemão Christian Wulff.
Em 2008, Mosley fez uma reunião festiva, a portas fechadas e em ambiente
completamente restrito e íntimo, com conotação sadomasoquista. A reunião, de cunho sexual,
foi feita em sua casa e envolvia apenas ele e mais algumas mulheres. Uma delas, entretanto,
tinha sido instruída por um jornalista a fotografá-lo na intimidade, por meio de uma câmera
secreta que ele havia fornecido.19
17
CARVALHO, Daniel. “Justiça Eleitoral em MS manda prender presidente do Google no Brasil.” Folha de S.
Paulo, São Paulo, 24 set. 2012.
18
BARCINSKI, André. “Não fossem manifestações, obra sofrível passaria despercebida.”, Folha de S. Paulo,
São Paulo, 16 set. 2012.
19
HÜLSEN, Isabell. “Für das Vergessen.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 35, 27 ago. 2012. p. 144
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As imagens feitas retratam Mosley em uma situação constrangedora e com contornos
presumidamente nazistas. Em pouco tempo, elas foram parar na rede mundial de
computadores. A partir daí, o ex-magnata do automobilismo começou uma verdadeira cruzada
contra o Google. Recentemente, ele obteve uma importante vitória contra o Google em um
Tribunal alemão. O veículo de buscas foi proibido de divulgar resultados e links que
contivessem o vídeo. Segundo Mosley, sem o Google, torna-se extremamente difícil ou quase
impraticável encontrar o famigerado vídeo.20
Todavia, o fato é que, caso ele queira impedir o Google de mostrar o vídeo em absoluto,
seria necessário, em tese, ajuizar uma ação em cada país do globo.
Já no caso envolvendo Bettina Wulff, ingressou-se em juízo contra o Google, a fim de
coibir o recurso de autopreenchimento do sistema de buscas. Isso porque, segundo a autora da
ação judicial, sempre que se digita “Bettina Wulff” no Google, aparecem, imediatamente, as
palavras “Escort” (acompanhante) e “Prostituirte” (prostituta) ao lado, como sugestões de
busca. Segundo Wulff, durante a campanha do marido e a fim de atacá-lo, criaram-se histórias
de que ela teria, no passado, trabalhado como garota de programa. Além de tudo indicar que
as afirmações são infudadas e que tais fatos nunca ocorreram, ainda que fossem verdade e
houvesse prova disso, parece que, no caso examinado, há graves violações ao direito geral da
personalidade de Wulff e, mais especificamente, de seu direito a ser esquecida (Recht auf
Vergessenwerden).21
Todos esses casos demonstram a dificuldade de lidar com o Google, que tenta impor seu
modelo de gestão de negócios de forma unilateral, fazendo lobby para impedir a
regulamentação de sua prática22
e violando o direito à privacidade, o direito a ser esquecido
(Recht auf Vergessenwerden), o direito de estar só (right to be alone), dentre outros direitos
constitucionalmente assegurados, o que se mostra evidente afronta ao chamado direito geral
da personalidade (allgemeines Persönlichkeitsrecht). Não há dúvidas de que o Google tem
20
HÜLSEN, Isabell. “Für das Vergessen.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 35, 27 ago. 2012. p. 145-146
21
LEYENDECKER, Hans; WIEGAND, Ralf. “Bettina Wulff wehrt sich gegen Verleumdungen.” Süddeutsche
Zeitung, Munique, Disponível em: < http://www.sueddeutsche.de/politik/klage-gegen-google-und-jauch-bettina-
wulff-wehrt-sich-gegen-verleumdungen-1.1462439> Acesso em 15 set. 2012.
22
BECKER, Sven; NIGGEMEIER, Stevan. “Im Namen der Freiheit.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 39, 24 set.
2012. pp. 86ss.
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sido utilizado como meio para a prática e divulgação de atos contrários ao direito. Por outro
lado, também se enxerga a dificuldade de coibir vários dos abusos perpetrados.
4.4 A liberdade de expressão como pretexto
A pretexto da defesa da liberdade de expressão, provedores como o Google, que
hospedam páginas, perfis pessoais e blogs, tornam extremamente difícil o combate a
violações graves ao direito geral da personalidade, à pedofilia, à honra subjetiva de pessoas,
ao discurso do ódio (hate speech), etc. No citado blog “Rondon sem Censura”, por exemplo, o
autor dos textos incita a comunidade da pequena cidade de Rondon, maioritariamente
evangélica, a punir o Juiz de lá, assim como deus punira os habitantes de Sodoma e Gomorra.
Tudo indica ser necessário impor a observância de deveres específicos que emanam dos
direitos fundamentais, originalmente oponíveis apenas aos Estados, a esses grandes grupos
econômicos, por serem eles os responsáveis pelo que se consubstancia como principal espaço
público de comunicação na sociedade hodierna.
Impõe-se ter em mente que não exigir imparcialidade de um meio de comunicação
capaz de tamanha capilaridade poderá minar, por exemplo, em uma eleição, o livre debate de
ideias, a igualdade de chances e a pluralidade da participação democrática.
Cumpre salientar, conforme GUNTHER TEUBNER, que a tendência dos tribunais em todo o
mundo tem sido a de tornar a responsabilidade do provedor dependente de sua cooperação
com as instâncias estatais (die Haftung des provider von seiner Kooperation mit staatlichen
Instanzen abhängig zu machen).23
Como esclarece o autor alemão, a limitação de ambientes virtuais ligados a grupos como
o Yahoo e o Google, imposta judicial ou legalmente, desperta uma [468] pletora de problemas
fundamentais (eine Fülle von fundamentalen Problemen), incluindo: a possível censura de
conteúdos efetuada por esses entes privados; a viabilidade de um controle não-arbitrário e
não-judicial de conteúdos abusivos veiculados em certas páginas da Internet; a validade e a
23
TEUBNER, Gunther. “Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie.” In:
Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht, vol. 63, n. 1, 2003. p. 1
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exequibilidade de decisões nacionais em uma Internet que é transnacional e a eficácia dos
direitos fundamentais em relações jurídico-privadas (Drittwirkung) no espaço virtual.24
Essas questões envolvem a afirmação dos direitos fundamentais não apenas diante de
instâncias políticas, mas também perante instituições sociais, em particular contra centros de
poder econômico. Consequentemente, atribui-se ao Estado a obrigação de contrapor-se a
práticas que coloquem em risco ou infrinjam direitos fundamentais, sob pena, em caso de
inércia, de não se evitarem transgressões de direitos fundamentais perpetradas por atores não-
estatais, que, gradualmente, ocupam lugares de cada vez maior destaque na sociedade atual.
4.5 A necessidade de legislar sobre a matéria
A observância aos direitos fundamentais faz-se necessária também nos novos meios de
tecnologia. É imperativo que o Congresso Nacional reflita cuidadosamente sobre essa
questão, de modo a estipular garantias infraconstitucionais e legais que concretizem, em
determinadas esferas específicas, a proteção aos dados e a imparcialidade de grandes atores
privados como o Google.
É, outrossim, crucial, que o Congresso edite lei de modo a delinear os limites dos
direitos fundamentais em esferas como a Internet. Esse requisito é particularmente importante,
mormente se se recorda que a limitação de um direito fundamental, ainda que baseada em um
limite imanente, está condicionada à reserva legal.25
A preocupação com a necessidade de se legislar sobre a matéria é ainda mais justificada,
quando se recorda que a revista alemã Der Spiegel denunciou uma série de tentativas do
Google, no sentido de bloquear propostas legislativas, em países europeus, que buscassem
regular a atividade da sociedade empresária e, em particular, as políticas de privacidade e de
armazenamento de dados da empresa. Para tanto, afirma-se na Der Spiegel, o Google teria
24
TEUBNER, Gunther. op. cit., 2003, pp. 1ss.
25
cf. MERTEN, Detlef. “Grundrechtsschranken und Grundrechtsbeschränkungen.” In: MERTEN, Detlef;
PAPIER, Hans-Jürgen. Handbuch der Grundrechte in Deutschland und Europa: Band III - Grundrechte in
Deutschland - Allgemeine Lehren II. Heidelberg: C.F. Müller, 2009. pp. 201ss.; BADURA, Peter. Staatsrecht:
Systematische Erläuterung des Grundgesetzes für die Bundesrepublik Deutschland. 5.Auf. München: C.H. Beck,
2012. pp. 128ss.; MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. Grundrechte. 3.Auf. Baden-Baden: Nomos, 2012. p.
263, 333
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contratado, a preços altos, vários “lobbistas”, cujos nomes são citados pela revista, bem como
usado organizações privadas, juridicamente dissociadas do Google, porém financiadas por ele,
para promover palestras e remunerar articuladores. Tudo com o intuito de que soçobrasse toda
e qualquer proposta legiferante, intentada na Alemanha ou na Europa, de regular o gigante
econômico.26
Todavia, enquanto a regulamentação não ocorre, é certo que os direitos fundamentais
fundam deveres de respeito e de observância, não apenas em face do Estado. Por conseguinte,
o Poder Judiciário deverá ter cautela ao lidar com grandes grupos econômicos responsáveis
pela administração de sítios eletrônicos de uso extremamente difundido.
[469]
5 A ATUAL EVOLUÇÃO DO PROBLEMA NA JURISPRUDÊNCIA DOS
TRIBUNAIS SUPERIORES
Ao que consta, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não enfrentou os
questionamentos sobre os limites da atuação de atores como o Google. Contudo,
recentemente, reconheceu-se a repercussão geral do Recurso Extraordinário com Agravo
(ARE) de n. 660.861. No recurso, são discutidos os limites da responsabilidade civil da
sociedade empresária Google Brasil Ltda.
Na espécie, é necessário saber até que ponto cumpre ao Google e às empresas que
hospedam páginas na web fiscalizar o conteúdo disponibilizado por seus usuários, bem como
o grau de responsabilidade delas pelo que é divulgado nos sites.
No que diz respeito a atores virtuais, recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
entendeu que é vedada a realização de propaganda eleitoral no Twitter, antes de 6 de julho do
ano em que ocorrerá a eleição. No REC na RP de n. 182524, o TSE entendeu que o Twitter,
como meio de comunicação social, está abrangido pelos artigos 36 e 57-B da Lei das
Eleições, que tratam das proibições relativas à propaganda eleitoral antes do período eleitoral.
26
BECKER, Sven; NIGGEMEIER, Stevan. “Im Namen der Freiheit.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 39, 24 set.
2012. pp. 86ss.
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Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem-se deparado mais
frequentemente com questões relativas a violações de direitos perpetradas por atores que
atuam em ambiente virtual. Contudo, as demandas têm sido apreciadas à luz do regramento
infraconstitucional e cingem-se, em geral, a determinar o alcance da responsabilidade civil de
entidades como o Orkut, que é propriedade do Google, em face de conteúdo publicado por
seus usuários. Entre os julgados de que se tem conhecimento, podemos citar os recursos
especiais de ns. 1.117.633/RO, 1.193.764/SP, 1.186.616/MG, 1.175.675/RS e 1.306.066/MT.
Fixou-se, no STJ, a tese de que a responsabilidade do provedor, por conteúdos ofensivos
publicados em suas páginas “(...) não constitui risco inerente à atividade dos provedores de
conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927,
parágrafo único, do CC/02.” Logo, além da responsabilidade civil não ser objetiva, não há
obrigação de “(...) fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações
postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado.”27
Todavia, ao ser notificado para retirar os endereços em que consta conteúdo ofensivo, as
empresas passam a ser corresponsáveis juridicamente. A [470] retirada do conteúdo, após o
aviso, deve ser imediata, sobretudo quando houver ordem judicial nesse sentido, ainda que em
caráter antecipatório e deve ocorrer, “(...) independentemente da indicação precisa, pelo
ofendido, das páginas que foram veiculadas as ofensas (URL's).”28
Com isso, nota-se que os Tribunais Superiores não se têm deparado com a questão da
oponibilidade de direitos fundamentais, ainda que de maneira mediata e indireta, a atores
dotados de significativo e desproporcional poder econômico e social, como o Google.
5.1 A caminho de uma solução: identificando critérios e parâmetros
Segundo WOLFGANG HOFFMANN-RIEM, a aptidão funcional (Funktionsfähigkeit) dos meios
de comunicação, inclusive dos virtuais, possui não apenas um lado técnico, mas uma
dimensão social que pode e deve ser guiada por certos parâmetros normativos.29
27
REsp 1.186.616/MG, rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, j. em 23/8/11.
28
REsp 1.175.675/RS, rel. MIN. LUÍS FELIPE SALOMÃO, j. em 9/8/11.
29
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). “Der grundrechtliche Schutz der Vertraulichkeit und Integrität” In:
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Offene Rechtswissenschaft: Ausgewählte Schriften und gebleitende Analysen.
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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Deve-se salvaguardar nesses veículos, por exemplo, a segurança da liberdade de acesso
(Sicherheit der Zugangsfreiheit), a liberdade de manipulação (Manipulationsfreiheit) e, em
geral, o uso unilateral do poder ou o seu abuso (einseitiger Machtgebrauch oder Missbrauch).
O arbítrio, em âmbitos como o da Internet, parte cada vez menos do Estado que, na
verdade, parece revelar-se ocioso; ele surge frequentemente por parte de atores privados. A
rede mundial de computadores mostra-se peculiar, à medida que não está circunscrita às
fronteiras territoriais de um dado Estado, embora seus efeitos possam manifestar-se nele.30
A possibilidade de inclusão ou de preenchimento de dados (Fülle der Daten), bem como
as possibilidades de seleção (Selektionsmöglichkeiten), no que diz respeito a resultados e
conteúdos disponibilizados na Internet, deveria causar mais preocupações aos
constitucionalistas hodiernos.31
[471]
5.2 A insuficiência das medidas atuais
No sentido do que se vem aqui tratando, as lesões ao direito geral da personalidade
causam sérias preocupações, no que tange à inobservância de direitos fundamentais por
entidades privadas dotadas de imenso poder econômico e social. O acesso a dados e a
utilização deles pressupõem uma escolha livre e esclarecida.32
Atualmente, os usuários
disponibilizam seus dados, os quais, amiúde, são utilizados de maneira diversa do pretendido.
Dessa forma, como se falar em consentimento (Einwilligung), quando não há informações
suficientes e transparência no que concerne ao repasse dos dados fornecidos?33
Ademais, os contratos são todos por adesão, o que implica usar os serviços oferecidos de
acordo com os termos do oferente ou não usá-los tout court. Essas regras, por sua vez, se não
estiverem sujeitas a algum tipo de controle ou à regulação estatal, terminam por ser
Stuttgart: Mohr Siebeck, 2010. p. 530
30
cf. HOLZNAGEL, B. “Responsibility for Harmful and Illegal Content as well as Free Speech on the Internet
in the United States of America and Germany.” In: ENGEL, C. (ed.). Governance of Global Networks in the
Light of Differing Local Values. Baden-Baden: Nomos, 2000.
31
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 529
32
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 535
33
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 535
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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fatalmente, impositivas e, possivelmente, arbitrárias. No mundo em que vivemos, os atores
privados, especialmente aqueles que desempenham papel relevante e hegemônico na rede
mundial de computadores, não podem ser tratados como meros empresários ou
comerciantes.34
Precisamente, pela capacidade quase sem precedente que esses atores têm de
mobilizar opiniões, positivas e negativas, de alimentar preconceitos, de incitar discriminações,
de impor sua vontade, etc.
O poder concentrado na mão de agentes com tais características revela a inadequação de
uma abordagem prosaica ou reducionista desse fenômeno, abordagem essa que costuma tratar
atores virtuais da magnitude daqueles mencionados como qualquer outro ator privado.
Não usar ferramentas como o Google, nos dias de hoje, é uma opção inviável ou
irracional e não serve como simples resposta aos problemas concretamente surgidos a partir
de seu uso. Em vez disso, deve-se buscar instrumentos regulatórios, fortemente amparados na
proteção dos direitos fundamentais, que imponham barreiras ao que é constitucionalmente
vedado.
[472]
Afirmar que tais entidades são privadas e que se pode deixar de usar os serviços por elas
prestados é, numa perspectiva ampla, ignorar o papel inaudito (em comparação com os
tempos passados) que elas ocupam na sociedade contemporânea; numa perspectiva específica,
em certa medida, é render-se a elas com o silêncio, ou mais ainda, é concordar com os
“métodos” delas pelo mesmo silêncio.
Logo, o consentimento às políticas de privacidade, que ninguém (ou quase ninguém) se
dá ao trabalho de ler, é incapaz de dar qualquer legitimação material para a atuação desses
grupos, isso se não representar mera ficção.35
5.3 Dever do Estado
34
cf. HOLZNAGEL, B. “Meinungsfreiheit oder Free Speech im Internet: Unterschiedliche Grenzen tolerierbarer
Meinungsäußerungen in den USA und Deutschland.” In: Archiv für Presserecht, vol. 9, 2002, pp. 128-133
35
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 536
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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A concentração desproporcional de poder faz com que se imponha ao Estado uma
dimensão de tutela ou proteção que vai além da mera defesa. Direitos de defesa
(Abwehrrechte), que são tipicamente liberais, são aqueles que obrigam o Estado a abster-se de
intervir em esferas privadas do cidadão, como ocorre geralmente, por exemplo, no caso da
liberdade de expressão.
Em casos como os citados, deve-se encontrar formas de criar pressupostos reais e
verdadeiros (reale Voraussetzungen) para o exercício da liberdade pelos cidadãos
(Freiheitsausübung der Bürger), seja por meio do Estado, seja por meio de atos privados ou
como parte de atos de cooperação criados entre o Estado e atores privados.36
Ao Estado, nessa hipótese, impõem-se não apenas restrições e proibições de violar os
direitos dos cidadãos que se utilizam da Internet, mas, também, o dever de dispor e formar
(gestalten), por meio de regras, a organização e os procedimentos desses recursos técnicos e
dos atores privados que lidam com eles. O objetivo é que recursos como a Internet não sejam
usados ao arrepio dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, expressa ou
implicitamente.
Para a consecução de tais fins, é imperativo zelar pela confiabilidade e integridade
(Vertraulichkeit und Integrität) dos sistemas de comunicação que armazenam dados e
informações de usuários, como por exemplo, o Google. [473] Nesse sentido, é preciso criar
mecanismos de segurança que impeçam os dados de caírem em mãos alheias. No caso do
Google, é necessário impedir que os dados sejam capturados por outras empresas, integrantes
ou não de seu conglomerado, ou mesmo, deve-se obstar que o próprio Google repasse tais
dados. Isso vale tanto para as entidades privadas, quanto para o Estado, que tem o dever de
tomar todas as precauções para manter a salvo e em sigilo informações licitamente obtidas de
seus cidadãos.37
Do contrário, o controle a ser imposto a esses atores privilegiados de nenhuma valia
seria, uma vez que estranhos teriam fácil acesso aos dados. Afigura-se plausível, inclusive,
atribuir aos detentores das informações a responsabilidade pela guarda delas, de modo que
36
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 537
37
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 542
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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eles sejam juridicamente imputáveis em caso de obtenção dos dados por terceiros. Afinal,
cabe a eles o dever de velar pelas informações que detêm em seu poder. Eles agem, nesse
contexto, como verdadeiros depositários das informações, o que os torna responsáveis pela
fiel guarda delas. Logo, devem ser-lhes impostos todos os deveres objetivos de cuidado e as
precauções devidas.
5.4 Oponibilidade de direitos fundamentais contra o Google
Além desse dever imposto ao Estado, é possível falar em oponibilidade de direitos
fundamentais contra entidades como o Google? Como se trata de uma sociedade empresária,
completamente privada, ela deve respeito a direitos fundamentais?
Na literatura, parece menos duvidoso que empresas privadas prestadoras de serviço
público tenham que observar, com algumas adaptações de somenos importância, um estatuto
jurídico público que englobe o estrito, direto e imediato cumprimento da Constituição e das
prescrições relativas aos direitos fundamentais.38
Mais controversa é a aplicabilidade desse
entendimento a atores privados que exercem atividades privadas.
Prevalece, na doutrina alemã, a tese de aplicabilidade mediata ou indireta dos direitos
fundamentais às relações privadas. Isso significa que mesmo atores sociais de elevado poder
econômico não podem ser equiparados ao Estado, para fins de observância de tais direitos.
Porém, a aguda assimetria de [474] poder entre um indivíduo e conglomerados econômicos,
bancos, seguradoras, empregadores, etc., leva a crer que certas esferas de comportamento
requerem uma proteção especial, não apenas do direito ordinário, mas igualmente do direito
constitucional e do catálogo de direitos fundamentais.39
Essa necessidade de tutela ou proteção (Schutzbedürfnis) legitima-se enquanto persistir a
posição de superioridade ou predominância (Übermachtstellung). Tal situação enseja que o
Estado, por meio de disposições legais, regule determinados comportamentos, limitando a
autonomia privada (Privatautonomie) e restringindo o regime privado aplicável a essas
entidades dotadas de posições de superioridade. Isso não significa que o particular com
38
BADURA, Peter. op. cit., pp. 107, 115; HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der
Bundesrepublik Deutschland. 20.Auf. Heidelberg: C.F. Müller, 1999. p. 157
39
MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. op. cit., p. 235
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
"Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun.
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grande papel na sociedade passe a ser tratado de maneira idêntica à do Estado, como querem
os defensores da vinculação direta ou imediata dos particulares aos direitos fundamentais, mas
sim que os usuários de seus benefícios sejam respeitados em seus direitos. Em outras
palavras, trata-se de entender que se nem ao Estado é permitido violar os direitos
fundamentais do cidadão, por que esses direitos podem ser violados por outras instituições?
Ou ainda, se o Estado tem o dever de garantir e de proteger os direitos fundamentais do
cidadão, ao regular procedimentos de utilização de dados dos cidadãos na Internet ele estará
cumprindo esse seu dever.
Se a corrente defensora da vinculação direta ou imediata dos particulares aos direitos
fundamentais predominasse, estar-se-ia impondo um estatuto de regime público a atores
privados, o que seria não apenas juridicamente implausível, como economicamente inviável.
Imagine-se, se seria razoável exigir que o Banco Bradesco S.A. ou o Google Brasil Internet
Ltda. ou a Companhia Vale do Rio Doce fossem obrigados a divulgar, de maneira
transparente, todos os negócios que fazem, documentos que possuem, etc., ou ainda que
tivessem que realizar concursos públicos à medida que desejassem contratar funcionários, a
bem da isonomia e da igualdade de chances.
É certo que a aplicabilidade direta ou imediata oferece problemas sérios. Logo, os
direitos fundamentais, mediatamente aplicados, devem fundar o dever de interpretar o direito
ordinário à luz das disposições constitucionais. Constitui-se, assim, a eficácia irradiante
(Ausstrahlungswirkung) dos direitos fundamentais sobre toda a ordem jurídica, inclusive
privada.
Mais do que uma vinculação do particular aos direitos fundamentais, trata-se de uma
eficácia desses direitos sobre as relações jurídicas do particular.40
[475] Nesse ponto, a
atuação do Juiz, como órgão do Estado, é de crucial importância, tanto para aplicar as
limitações legais vigentes, como para instituir outras, com fulcro nas cláusulas gerais, como a
boa-fé objetiva (Treu und Glauben), que é sensível a interpretações constitucionais.
Com isso, a oponibilidade de direitos fundamentais ao Google não implica uma
equalização entre ele e o Estado, uma vez que o nível de proteção (Schutzniveau) dos direitos
40
MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. op. cit., p. 237
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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fundamentais, no que tange a atores privados, varia conforme a suscetibilidade de tais direitos
perante uma ou outra entidade privada.41
Nesse diapasão, o caso Google revela-se especialmente suscetível a violações aos
direitos fundamentais, porque, como já dito, a possibilidade de abusos, de manipulação de
resultados para favorecer preferências econômicas, políticas ou ideológicas pode gerar graves
distorções em cada uma dessas esferas. Fez-se notar, do mesmo modo, que a Internet é um
campo notavelmente tendente a favorecer ofensas ao direito de personalidade. Também com
respeito a essa questão, faz-se mister impor balizas à atuação de atores com o Google.
Com efeito, é imprescindível que o Estado exerça o devido controle sobre essa seara,
seja por meio de edição de lei sobre a matéria, seja mediante atuação do Poder Judiciário,
valendo-se de princípios e regras que delimitem o campo de atuação lícita de entidades como
o Google.
5.5 Dispositivos constitucionais sob ameaça
Os recursos tecnológicos surgidos nos últimos tempos colocam novas questões para o
direito constitucional. Tais desafios apresentam-se, por exemplo, na obrigação de proteger-se
o direito geral da personalidade e os atributos açambarcados por ele (art. 5º, X, CF), a
inviolabilidade da casa (art. 5º, XI, CF) e o sigilo das comunicações, inclusive telemáticas
(art. 5º, XII, CF). Além disso, também estão particularmente expostos a ofensa, nesse tipo de
métier, os direitos fundamentais à isonomia (art. 5º, caput, CF), à igualdade de chances e à
autonomia, à vedação do arbítrio e à prioridade da liberdade, corolários das previsões do art.
1º, inciso III, da CF e do art. 5º, inciso II, da CF.
O sigilo das comunicações
O direito ao sigilo nas comunicações funda, em regra, um direito de defesa contra o
Estado, a fim de que não seja lícito a ele ter acesso ao conteúdo das [476] trocas de
informações dos cidadãos. Contudo, opõe-se ao Estado, outrossim, um dever de agir, de modo
a impedir que terceiros, inclusive agentes privados, pratiquem esse tipo de conduta. Os tipos
41
MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. op. cit., p. 238
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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penais dos arts. 151 a 154 do Código Penal, que protegem o sigilo das comunicações e os
segredos em geral, visam a concretizar essa obrigação estatal. É missão do Estado zelar pelo
caráter fidedigno e sigiloso das comunicações dos cidadãos que vivem sob sua égide.
Se é esse o caso, devem ser instituídas restrições à capacidade que entidades
controladoras de partes da rede mundial de computadores têm de obter e guardar informações
dos usuários. Esse dever amplia-se, se se pensa no histórico de páginas da Internet visitadas,
nos produtos comprados, nas senhas utilizadas, nas conversas tidas em meio virtual, tendo-se
em mente que esses dados não podem ser tratados de maneira aleatória, sendo pois necessário
delinear certas barreiras à atuação de agentes que, se não forem impedidos, podem usar tais
informações para qualquer fim, sejam eles econômicos ou não.
Autonomia, dignidade humana e direito geral da personalidade
Impõe-se observar que, por trás de boa parte das garantias constitucionais aos direitos
fundamentais, está a ideia de que certos comportamentos devem ser preservados do
conhecimento público.42
Constitucionalmente, reconhece-se ao indivíduo a faculdade de fazer
certas escolhas e de realizar certos atos, sem que isso seja exposto à ciência alheia. Como bem
percebiam J. J. CANOTILHO e JÓNATAS MACHADO, essa proteção inclui, até mesmo, o direito do
indivíduo de divulgar tais comportamentos se, e como, ele quiser, devendo o consentimento
ser tácito ou expresso.
Leia-se, a propósito, o seguinte trecho:
Do ponto de vista jurídico-constitucional, uma pessoa que decide tornar
públicos comportamentos geralmente protegidos pela reserva de intimidade
da vida privada não está, por esse motivo, a renunciar a esse direito, mas sim
a exercê-lo de acordo com as suas próprias preferências e concepções.43
[477]
42
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 539
43
CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas E.M. Reality Shows e liberdade de programação. (col.
Argumentum, 12). Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 106
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Daí falar-se sobre a importância da autonomia e do livre desenvolvimento da
personalidade (freie Entfaltung der Persönlichkeit), elementos tão intimamente ligados à
dignidade da pessoa humana, já que fundam a prerrogativa eminentemente humana de que
cada um é capaz de autodeterminar-se, segundo as próprias convicções e desejos. J.J. GOMES
CANOTILHO e JÓNATAS MACHADO esclarecem que “A dignidade da pessoa humana deve ser vista,
em primeira linha, como fundamento de um direito geral de liberdade e de um direito geral de
igualdade, concretizado através de múltiplos direitos especiais de igual liberdade.”44
Essa visão afigura-se compatível com a noção de prioridade de liberdade (priority of
liberty), segundo a qual o Estado apenas deve circunscrever a liberdade de um sujeito em
nome da igual liberdade dos outros sujeitos. Essa ideia, enunciada por JOHN RAWLS, em seu A
Theory of Justice, prega que toda limitação à liberdade deve estar fundada na própria liberdade
e na sua distribuição em igual medida.45
Isso sem falar, no que tange ao caso do Google, da
hipossuficiência dos usuários perante o gigante.
Em outras palavras, a máquina pública deve ter um motivo ponderável para tolher a
autonomia de seus cidadãos. Isso vale para a possibilidade de armazenamento de dados e
informações pertinentes à vida de um indivíduo, uma vez que o conhecimento de certos fatos
dizem respeito apenas a ele, singularmente considerado. Desse modo, o Estado requer um
palpável e excepcional interesse coletivo para que qualquer intervenção na esfera íntima reste
legitimada.
Isso é tão mais verdade quando se percebe, na trilha de JAN-ULF SUCHOMEL, que a
dignidade humana não carrega em si qualquer obrigação de adotar um meio de vida ou
existência específico, tido como “o correto” ou “o apropriado” (Verpflichtung zum ‘richtigen’
Menschsein oder Leben); isso desaguaria em um acachapante paternalismo estatal (staatlicher
Paternalismus)46
. Muito ao contrário, ela contém, na verdade, a prerrogativa de que cada um
seja, em princípio, aquele a determinar a maneira como irá viver, bem como até que ponto esse
viver pode e deve ser partilhado com os outros.
44
CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas E.M. op. cit., p. 106
45
RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999. p. 171
46
SUCHOMEL, Jan-Ulf. Partielle Disponibilität der Würde des Menschen. (Schriften zum Öffentlichen Recht,
1152). Berlin: Duncker & Humblot, 2010. p. 48
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O direito à autodeterminação informativa
A autodeterminação informativa é um direito que garante a todos a prerrogativa de dispor
se, e quando, suas informações podem estar à disposição do [478] Estado e de outras pessoas.
Em outras palavras, salvo quando justificado por um interesse coletivo, com base em uma lei
em sentido estrito e observados os demais condicionantes impostos a uma intervenção em
direito fundamental, não pode o Estado reter dados de seus cidadãos. Esse direito foi
reconhecido como fundamental pelo BVerfG (65, 1) na Alemanha, em 15 de novembro de
1983.
Trata-se de reconhecer a autonomia do sujeito quanto às informações que lhe dizem
respeito, significando que a proteção aos bancos de dados é decorrência da tutela do direito
geral da personalidade.47
Todo banco de dados de informações desse tipo em poder do Estado ou de outra
instituição (de corporações como Facebook, Google, Yahoo, etc.) deve ter critérios claros de
armazenamento de dados, submetido ao escrutínio público. Da mesma forma, essas empresas
só podem ter em seu poder dados voluntariamente cedidos, os quais, por sua vez, não podem
ser usados para fins diversos dos especificados ou daqueles presumidamente aplicáveis ao
caso. Isso significa que, se alguém entrega informações a uma empresa “A”, não é permitido a
essa empresa repassar tais dados a uma outra.
Na Alemanha, é antiga a história do direito à autodeterminação informativa. Exigem-se
critérios claros e normatizados para que o governo possua em seu poder dados sobre seus
cidadãos. Em um caso emblemático e recente (BVerfG 120, 274), de relatoria do Juiz48
WOLFGANG HOFFMANN-RIEM, decidiu-se que a Lei Fundamental reconhece o “direito
fundamental de garantia da confiança e integridade dos sistemas técnico-informativos”
47
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (1998). op. cit., p. 505
48
Na Alemanha, o título de um membro do BVerfG é “Juiz no Tribunal Constitucional Federal” (Richter am
Bundesverfassungsgericht). Não há, como no Brasil, o título “Ministro”, tampouco a qualificação Justice, como
há nos EUA e – mais recentemente, após a criação da Suprema Corte do Reino Unido – na Inglaterra.
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(Grundrecht auf Gewährleistung der Vertraulichkeit und Integrität informationstechnischer
Systeme), apelidado, de forma concisa de Computer-Grundrecht.49
Consideram-se legítima, por exemplo, a retenção de dados utilizados de maneira
moderada e proporcional, para fins de tributação, censo da população, prevenção de crimes ou
condenação por reincidência (no caso do processo penal), etc.
[479]
O crivo da proporcionalidade é analisado, em casos como esse, sobretudo no seguinte
aspecto: os métodos utilizados, as informações armazenadas e as justificativas dadas são
coerentes? São aptos a atingir a finalidade à qual se aspira?
Esse tipo de garantia é tão mais relevante, quanto maior a utilização dos meios de
comunicação virtual.
Na Europa, decisões asseguram um largo âmbito ao direito à privacidade, incluindo sob
sua tutela amostras de DNA, como se pode extrair da decisão S. and Marper v. United
Kingdom (30562/04 [2008] ECHR 1581 - 4 December 2008), proferida pela grande câmara
(Grand Chamber) da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH). Nesse caso, o Reino
Unido foi condenado por guardar informações genéticas de indiciados em inquéritos policiais,
mesmo após a absolvição deles em processo judicial.50
Não se vislumbrou interesse legítimo
que autorizasse o Estado a manter um banco de dados com informações de pessoas contras as
quais não se conseguiu provar nada.
Na decisão, consignou-se que, embora o Reino Unido tenha decidido pela legitimidade
da retenção dos dados, ficou expressamente registrado, na última decisão nacional, o voto
divergente da Baronesa de Hale of Richmond, do qual constou:
(...) the retention of both fingerprint and DNA data constituted an
interference by the State in a person's right to respect for his private life and
thus required justification under the Convention. In her opinion, this was an
49
LAMPRECHT, Rolf. Ich gehe bis nach Karlsruhe: Eine Geschichte des Bundesverfassungsgerichts.
München: Deutsche Verlags-Anstalt, 2011. p. 299
50
MOWBRAY, Alastair. Cases, Materials, and Commentary on the European Convention on Human Rights.
Oxford: Oxford University Press, 2012. pp. 488, 521
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aspect of what had been called informational privacy and there could be
little, if anything, more private to the individual than the knowledge of his
genetic make-up.
A Suprema Corte do Canadá deparou-se também com um problema de privacidade
informativa (informational privacy). Em R v. RC ([2005] 3 SCR 99, 2005 SCC 61), ela
considerou a retenção de amostras de DNA de um menor infrator contrária à Carta de Direitos
e Liberdades (Charter of Rights and Freedoms). No caso, decidiu-se que não havia um
interesse significativo por parte do Estado que o autorizasse a reter dados tão pessoais como os
contidos em uma amostra de DNA. Nessa oportunidade, foi dito que:
Of more concern, however, is the impact of an order on an individual's
informational privacy interests. In R. v. Plant, [1993] 3 SCR 281, [480] at
p. 293, the Court found that s. 8 of the Charter protected the 'biographical
core of personal information which individuals in a free and democratic
society would wish to maintain and control from dissemination to the state'.
An individual's DNA contains the 'highest level of personal and private
information': S.A.B., at para. 48. Unlike a fingerprint, it is capable of
revealing the most intimate details of a person's biological makeup. (...) The
taking and retention of a DNA sample is not a trivial matter and, absent a
compelling public interest, would inherently constitute a grave intrusion on
the subject's right to personal and informational privacy.
Tanto a CEDH como a Suprema Corte do Canadá concordam que a retenção de material
genético, ao contrário do armazenamento de digitais e fotos, pressupõe um interesse palpável,
sob pena de revelar-se insustentável juridicamente e ferir a autodeterminação informativa.51
Em S. and Marper v. United Kingdom, a CEDH deixou claro, outrossim, que:
The concept of “private life” is a broad term not susceptible to exhaustive
definition. It covers the physical and psychological integrity of a person (…)
51
GRABENWARTER, Christoph; PABEL, Katharina. Europäische Menschenrechtskonvention. 5.Auf.
München: C.H. Beck, 2012. p. 251
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It can therefore embrace multiple aspects of the person's physical and social
identity (…) Elements such as, for example, gender identification, name and
sexual orientation and sexual life fall within the personal sphere protected
by Article 8 (…) Beyond a person's name, his or her private and family life
may include other means of personal identification and of linking to a family
(…) Information about the person's health is an important element of private
life (…) The Court furthermore considers that an individual's ethnic identity
must be regarded as another such element (…) Article 8 protects in addition
a right to personal development, and the right to establish and develop
relationships with other human beings and the outside world (…) The
concept of private life moreover includes elements relating to a person's
right to their image (…) The mere storing of data relating to the private life
of an individual amounts to an interference within the meaning of Article 8
Tal como o direito sobre a própria imagem (Recht am eigenen Bild), a autodeterminação
informativa é corolário do direito geral da personalidade (allgemeines Persönlichkeitsrecht), o
qual, por sua vez, tem amparo na dignidade [481] humana. O direito geral de personalidade
envolve, segundo a jurisprudência do BVerfG: (1) um direito à esfera privada, secreta e íntima;
(2) o direito à honra e à disposição dos atributos pessoais, tais qual imagem, voz, etc.; (3) o
direito de não receber falsas imputações, como a de ter ações não praticadas ou palavras não
proferidas falsamente atribuídas a si.52
Ninguém pode ser obrigado a suportar que sua imagem ou informações a seu respeito
sejam utilizadas como escopo para interesses alheios, salvo quando observadas as exigências
qualificadas que se faz a esse tipo de intervenção na autodeterminação do sujeito ou quando
ele mesmo, expressa ou tacitamente, anui ao uso desses atributos da personalidade.
52
LENSKI, Sophie-Charlotte. Personenbezogene Massenkommunikation als verfassungsrechtliches Problem:
das allgemeine Persönlichkeitsrecht im Konflikt mit Medien, Kunst und Wissenschaft. (Schriften zum
Öffentlichen Recht, 1052). Berlin: Duncker & Humblot, 2007. p. 141
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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No caso da invasão de banco de dados ou da quebra de sigilos telemáticos, inclusive na
“busca e apreensão online” (Online-Durchsuchung), exige-se a observância da reserva de juiz
(BVerfG 120, 274). A chamada reserva de juiz (Richtervorbehalt) é conceito análogo à reserva
de lei (Gesetzesvorbehalt ou Vorbehalt des Gesetzes) e à reserva de parlamento
(Parlamentsvorbehalt). A reserva de juiz consubstancia, porquanto, exigência a ser cumprida
pelo Estado, quando da intervenção em espaço que, prioritariamente, não comporta sua
ingerência ou que, apesar de comportá-la, exige uma cautela especial. Esse tipo de pré-
requisito é particularmente utilizado na intervenção em órbitas jurídicas guarnecidas e
abrangidas por direito fundamental.
Vale mencionar que a importância do sigilo das comunicações não foi subestimada pela
Suprema Corte dos EUA. A Internet, sobretudo nos EUA, tornou-se um importante
instrumento de disseminação de material pornográfico, bem como de oferta de serviços
sexuais. A fim de instituir proteções a menores de idade, seja para impedir que eles tivessem
acesso a informações reservadas para adultos, seja para combater a pedofilia, o Congresso
americano editou o Communications Decency Act e, após a declaração de
inconstitucionalidade desse, o Child Online Protection Act. Ambos os diplomas legais
reduziam a privacidade do usuário da Internet, dando ciência das páginas e conteúdo visitados
por ele, bem como bens eventualmente comprados na rede. A esse respeito, DAVID SCHULTZ et
alii esclarecem que:
The Communications Decency Act (CDA) of 1996, intended to regulate the
distribution of pornographic materials, was declared unconstitutional in
Reno v. ACLU (521 U.S. 844, 1997). Congress responded with the [482]
Child Online Protection Act. In Ashcoft v. American Civil Liberties Union
( 542 I.S. 656, 2004), the Court again ruled, as it had in Reno, that efforts to
regulate nonobscene but sexually explicit material on Web violated the First
Amendment. (…) the Court also seems to suggest that there are less
restrictive ways to regulate the Internet to make it more difficult for children
to access some materials.53
53
SCHULTZ, David; VILE, John R.; DEARDORFF, Michelle D. Constitutional Law in Contemporary
America: vol. Two - Civil Rights and Liberties. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 254
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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6 CONCLUSÃO
O papel de destaque exercido pelo Google na vida da sociedade hodierna revela-se sem
precedente. A popularização desse veículo de informação representa, ipso facto, uma ameaça,
seja pelas possibilidades de manipulação dos dados fornecidos, seja pela capacidade de
estranhos, ligados ou não ao Google, obterem os dados. Nesse particular, esse caso suscita
questionamentos interessantes, no que diz respeito àquilo que foi chamado de um “especial
potencial de perigo” (ein besonderes Gefährdungspotenzial).54
Em uma ordem jurídica calcada na proteção aos direitos fundamentais, como a
brasileira, deve-se atentar para o sigilo das comunicações, a isonomia, a igualdade de chances,
a inviolabilidade do lar, a autodeterminação informativa e o direito geral da personalidade.
Todos eles prestam-se, inegavelmente, a limitar o arbítrio estatal. Da mesma forma, ante o
destacado papel desempenhado pelo Google e as nefastas conseqüências que podem surgir do
abuso dessa concentração de poder nas mãos de um agente privado, torna-se clara a
necessidade premente de impor balizas à atuação desse agente privado.55
Diante do exposto, podemos concluir pela necessidade de os constitucionalistas
brasileiros refletirem, de forma mais apurada, acerca das implicações jurídicas de alguns
novos meios tecnológicos e dos usos que se fazem deles.
Uma importante forma de delimitar tais fronteiras de atuação, reduzindo o desequilíbrio
de poder, seria a atuação do legislador. Com efeito, é extremamente salutar que o Congresso
Nacional, investido do poder-dever de legislar, tome providências nesse sentido.
[483]
Enquanto isso não ocorre, todavia, buscou-se mostrar neste trabalho que,
independentemente de regulamentação, os direitos fundamentais fornecem barreiras à atuação
de entidades como o Google e que isso ocorre, precipuamente, por meio da eficácia de tais
direitos na ordem jurídico-privada.
54
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 559
55
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 558
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
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Como visto, a proteção aos direitos fundamentais diante de atores privados que atuam na
Internet, como o Google, perpassa a segurança da liberdade de acesso (Sicherheit der
Zugangsfreiheit), a liberdade de manipulação (Manipulationsfreiheit) e, em geral, a vedação
ao uso unilateral do poder ou ao seu abuso (einseitiger Machtgebrauch oder Missbrauch).56
A possibilidade de inclusão ou preenchimento de dados (Fülle der Daten), bem como as
possibilidades de seleção (Selektionsmöglichkeiten), no que diz respeito a resultados e
conteúdos disponibilizados na Internet, deve ser enxergada como uma censura privada
(private censorship) e, como tal, deve ser vedada.57
O argumento de que todos são livres para
usar ou não alguns recursos da Internet não faz mais sentido, ante a força social e quase que
onipresença desses recursos na vida das pessoas atualmente.
Da mesma forma, a anuência às políticas de privacidade traçadas por entidades que
controlam os serviços colocados à disposição do público na Internet é mera ficção, à medida
que, além de configurar-se mediante contrato por adesão, não dá quaisquer chances à
sociedade de discutir ou alterar os critérios impostos unilateralmente.
Enquanto não sobrevier lei que discipline tais relações, instituindo um estatuto para
empresas como o Google, é imprescindível e urgente que o Poder Judiciário exerça, com base
nos direitos vigentes, um controle sobre a atividade desses grandes grupos, de modo a frear
eventuais abusos.
Os direitos fundamentais consubstanciam parâmetro apto a identificar alguns desses
abusos.
[484]
56
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 529
57
cf. NUNZIATO, Dawn. Virtual Freedom: Net Neutrality and Free Speech in the Internet Age. (Stanford Law
Books). Stanford: Stanford University Press, 2009.
NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google.
"Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun.
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particulares. São Paulo: Malheiros, 2005.
ARRAIS, Daniela. Carolina Dieckmann foi chantageada antes de ter fotos divulgadas, diz advogado. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 5 maio 2012.
ARRAIS, Daniela. Supostas fotos de Carolina Dieckmann nua vazam na internet. Folha de S. Paulo, São Paulo,
4 maio 2012.
BADURA, Peter. Staatsrecht: Systematische Erläuterung des Grundgesetzes für die Bundesrepublik
Deutschland. 5.Auf. München: C.H. Beck, 2012.
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CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas E.M. Reality Shows e liberdade de programação.
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  • 1. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto - se citar o trabalho, utilize-a] A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS: O CASO GOOGLE João Costa Neto1 Professor Substituto de Direito Administrativo na UnB. RESUMO: O objetivo deste trabalho é demonstrar as implicações jurídicas observadas no modus operandi da empresa Google, no que concerne à transgressão a direitos fundamentais dos usuários, ao não respeito aos princípios da concorrência de mercado e ao descumprimento a decisões judiciais decorrentes de processos movidos contra ela, entre outros. No contexto do trabalho, são discutidos os argumentos da empresa para os procedimentos que adota, bem como duas tendências da literatura para lidar com o problema: a primeira defende a vinculação direta ou imediata de particulares aos direitos fundamentais, o que significa dispensar a eles um tratamento idêntico ao do Estado; a segunda, defende uma vinculação indireta ou mediata. Conclui-se pela urgente e imprescindível necessidade de regulação dos limites de atuação de entidades como o Google e semelhantes, para fins de preservação dos vários direitos dos usuários, envolvidos nos atos de busca e de acesso ao referido site. Palavras-chaves: direitos fundamentais; eficácia horizontal; livre concorrência; Google. ABSTRACT: The goal of this paper is to demonstrate the legal implications that derive from the modus operandi of Google. It involves the transgression of fundamental rights of users, the disregard for principles that regulate market competition and the failure to enforce decisions resulting from lawsuits filed against the company, among other things. Furthermore, the company's arguments in favor of the procedures it adopts are discussed in the text. In order to face the problems that arise, two roughly identifiable constitutional trends are approached: one that defends the direct or immediate binding effect of the fundamental rights of individuals against companies as Google, giving it a treatment identical to that reserved for the state; and another that defends the indirect or mediate binding effect of fundamental rights. The author concludes that there is an urgent and imperative need to regulate the limits of performance of entities such as Google and the like, on pain of impairment of some of the various fundamental rights of the users involved. Key words: fundamental rights; binding effect on private relations; Free market; Google. 1 JOÃO COSTA NETO é Doutorando e Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), sob a orientação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Mestrando em Direito Romano pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco/Universidade de São Paulo (USP). Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Foi, durante um ano, aluno especial do Mestrado em Filosofia da Universidade de Brasília (UnB). É Professor Substituto de Direito Administrativo na UnB e Advogado em Brasília. Student Member da Society for the Promotion of Roman Studies (Fundada em 1910) e da Society for the Promotion of Hellenic Studies (Fundada em 1879).
  • 2. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. 1 INTRODUÇÃO Consolidou-se, na teoria geral dos direitos fundamentais, a visão de que esses direitos não são apenas oponíveis ao Estado, mas também aos particulares. Deu-se a esse fenômeno, no Brasil e no estrangeiro, o nome de EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ORDEM JURÍDICO- PRIVADA, embora alguns prefiram [457] o menos acurado EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (horizontale Anwendbarkeit der Grundrechte) ou mesmo, em língua alemã, Drittwirkung. Muito se tem falado acerca desse assunto e, em particular, sobre a oposição entre uma eficácia direta ou imediata de tais direitos (unmittelbare Wirkung der Grundrechte), em oposição a outra indireta ou mediata (mittelbare Wirkung der Grundrechte).2 Ao que tudo indica, a doutrina constitucional brasileira hodierna pouco tem falado sobre a importância da oponibilidade dos direitos fundamentais diante de grandes grupos econômicos e de sociedades empresárias como o Google, Inc. que, atualmente, detém não apenas o controle do homônimo instrumento de busca na web (web search engine), como também do Youtube, da rede social Orkut e do Blogger, o maior hospedeiro de blogs no mundo. A ramificação e a capilaridade dos serviços prestados pelo Google geram importantes e complexos questionamentos de ordem jurídico-constitucional. Suponhamos, a título de exemplo, que os usuários da ferramenta de busca do Google que digitassem a palavra 2 A respeito, cf. ENGLE, Eric. “Third Party Effect of Fundamental Rights (Drittwirkung).” In: Hanse Law Review. vol. 5, n. 2, 2009. pp. 165-173; GANTEN, Ted Oliver. Die Drittwirkung der Grundfreiheiten. Berlin: Duncker & Humblot, 2000; STERN, Klaus. Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland Band III/1: Allgemeine Lehren der Grundrechte. München: C.H. Beck, 1988, § 76. Entre nós, cf. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004; SOMBRA, Thiago. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas: a identificação do contrato como ponto de encontro dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004; VALE, André Rufino do. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004; KAUFMANN, Rodrigo. Dimensões e Perspectivas da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais: Possibilidade e limites de aplicação no Direito Constitucional brasileiro. Tese para obtenção de título de Mestre em Direito apresentada em 2004 e orientada pelo Professor José Carlos Moreira Alves; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. “Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais.” Direito Público, vol. 1, n. 2, Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, out./dez. 2003; SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; AFONSO DA SILVA, Virgílio. A constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005.
  • 3. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. “restaurante” obtivessem sempre como resultado, logo no topo da lista de referência, a resposta McDonald’s. Imaginemos, ainda, que o grupo Google, dono da rede social Orkut (como dito), vedasse qualquer menção ao termo Facebook em seus resultados de buscas, a fim de que o Orkut ganhasse papel de maior proeminência contra seu maior rival. Esses dois exemplos ilustram usos anticoncorrenciais de uma posição dominante de mercado relevante, ou seja, o Google, valendo-se de seu sucesso como ferramenta de busca na Internet e do papel destacado que exerce no mercado de web search engines, institui práticas para diminuir ou aniquilar a concorrência em outras áreas do mercado, nas quais parceiros negociais ou ramificações do grupo empresarial ao qual ele pertence atuam. Tal forma de proceder configurará, eventualmente, não apenas concorrência desleal, mas também infração da ordem econômica.3 Além disso, por si só, [458] implicaria problemas a serem resolvidos eminentemente pelo direito econômico, à luz de princípios como o da livre concorrência, o da eficiência gerada no respectivo mercado de bens e serviços e assim por diante. Mas ainda há outros importantes questionamentos, ao nível de direito constitucional, que surgem a partir do caso Google. Neste texto, busca-se demonstrar como alguns desses questionamentos passam pelo desrespeito a direitos fundamentais. 2 CENSURA PRIVADA? A violação a direitos fundamentais perpetradas pelo Google, como gigante econômico, é um fato que desafia a dogmática tradicional dos direitos fundamentais, a qual enxerga tal instituição como um simples particular. De maneira análoga ao exemplo citado, podemos imaginar a vedação, por parte do sistema de busca do Google, de qualquer resultado contendo o nome de um dado candidato à presidência da república (a fim de prejudicar sua publicidade) ou mesmo a vedação de termos 3 Nesse contexto, cf. FRITZSCHE, Jörg. Wettbewerbs- und Kartellrecht. Baden-Baden: Nomos, 2012; EMMERICH, Volker. Kartellrecht: Ein Studienbuch. München: C.H. Beck, 2012.
  • 4. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. como “nazismo” ou, quem sabe, “comunismo”. Isso não implicaria uma “censura privada” (private censorship)?4 2.1 E a política de privacidade? Em 2012, o Google alterou suas políticas de privacidade (privacy policies), de modo que a grande maioria dos dados fornecidos por um consumidor a um dos serviços prestados pelo Google passou a ser partilhado com todos os outros. Dessarte, se se cadastram dados no Orkut, esses dados (e-mail, nome, idade, local onde mora e outros) são automaticamente partilhados com o Youtube, o Blogger e a ferramenta de busca do Google. Igualmente, os dados são complementares entre si, de maneira que, fornecendo-os a um dos prestadores de serviços, eles são comunicados aos demais. O Google é capaz de formar, dessa maneira, uma extensa, difusa e penetrante rede de dados sobre seus usuários. A alteração, amplamente noticiada pela mídia, tem sido questionada na União Europeia por, supostamente, violar as regras de proteção a dados privados e, como se pode argumentar ainda, por ferir o direito à autodeterminação informativa (Recht auf informationelle Selbstbestimmung), consagrado no direito alemão e, em especial, na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht).5 [459] 2.2 Google-Street-view O programa Google-street-view gera dúvidas quanto à inobservância de direitos fundamentais. Nesse programa, é possível visualizar, com qualidade, ruas de inúmeras cidades ou mesmo imagens de lugares como o Rio Amazonas. Ocorre, entretanto, que as imagens, feitas por satélite, expõem os rostos e imagens de diversas pessoas que jamais foram consultadas acerca desse tipo de uso. É possível, com o uso do cursor, percorrer as ruas de grandes cidades como Londres, Nova York e São Paulo, visualizando pessoas, lugares e diversos objetos, como automóveis e as respectivas placas de identificação (license plates). 4 cf. NUNZIATO, Dawn. Virtual Freedom: Net Neutrality and Free Speech in the Internet Age. (Stanford Law Books). Stanford: Stanford University Press, 2009. 5 Doravante, BVerfG.
  • 5. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Por um lado, isso parece ir de encontro ao direito geral da personalidade, uma vez que o Google, por meio de anúncios, obtém lucro, utilizando-se de imagens de lugares (muitos dos quais têm donos) e pessoas, sem qualquer autorização para esse fim. Cumpre esclarecer que, na política de privacidade do Google-street-view, há a opção de submeter um pedido ao provedor para que se borre uma dada imagem (blurring request). Assim, pode-se requerer que as imagens da pessoa ou da própria casa ou automóvel sejam borradas, tornando-se não identificáveis. É certo que esse tipo de controle é sempre ex post e um tanto casuístico, mormente por não se poder saber quando e onde se foi fotografado. Se alguém, por hipótese, ingressar em juízo contra o Google, a fim de ter todas as suas imagens retiradas, é certo que nem o próprio Google terá como fazê-lo. É bem possível que a maioria das pessoas que tiveram as placas de seus automóveis ou suas imagens fotografadas e disponibilizadas na Internet nunca venham a tomar conhecimento desse fato, porque as imagens não são obtidas em tempo real. Logo, um dado indivíduo pode ter sido fotografado via satélite enquanto ia à farmácia ou ao supermercado e talvez nunca saiba que sua imagem, associada àquele lugar, encontra-se na Internet, podendo ser vista por milhões de pessoas. 3 A TRANSTERRITORIALIDADE DO GOOGLE E A DIFICULDADE DE FAZER CUMPRIR DECISÕES JUDICIAIS Há outro problema, que diz respeito à exequibilidade de decisões de Estados nacionais tomadas contra o Google. O Estado brasileiro não pode “invadir” a sede da empresa (rectior: sociedade empresária) Google, de forma que será sempre lícito, a ela, conquanto talvez pouco lucrativo, simplesmente encerrar suas atividades em um dado lugar, como o Brasil, em vez de submeter-se às políticas de privacidade que se queiram impor a ela. [460] Porém, esse cenário parece pouco provável, já que o Google escolheu por aceitar, até mesmo, as rígidas regras impostas pelo governo chinês, quando passou a operar diretamente
  • 6. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. naquele país. Saliente-se que isso envolveu, na prática, excluir, integral e completamente, certos resultados das buscas feitas pelos usuários, resultados esses considerados impróprios pelo governo chinês, em evidente medida de censura prévia. As questões emergem do assunto são: se em países autoritários, o Google atende às regras impostas pelo governo, por que, em países democráticos, ele não se submete às normas jurídicas internas ou, ainda, que meios de fiscalização há para que ele se submeta às normas jurídicas internas em países democráticos? Para beneficiar sócios econômicos e desfavorecer concorrentes ou, simplesmente, por questões ideológicas, seria possível, para o Google, omitir e manipular as informações e resultados das buscas feitas por milhões de pessoas? Quanto ao poderio de grupos econômicos frente a Estados soberanos, não se deve menosprezar o enorme poder de barganha que detém o Google: primeiro, porque se estima que o grupo, como um todo, valia mais de 72 (setenta e dois) bilhões de dólares em 2011, valor superior ao PIB de 130 (cento e trinta) dos, aproximadamente, 190 (cento e noventa) países do globo; segundo, porque o Google é um ator transterritorial, de modo que é cada vez mais difícil, embora não impraticável, impor a vedação de um conteúdo ou de uma prática dentro de um limite territorial, quando o “espaço virtual” não se organiza territorialmente. 3.1 O caso “Daniela Cicarelli” Em setembro de 2006, um vídeo da atriz e modelo Daniela Cicarelli com seu namorado Renato Malzoni espalhou-se na Internet. O vídeo mostrava ambos em situação de intimidade em uma praia espanhola. Embora o local fosse público, veículos de comunicação valeram-se das cenas para ganhar dinheiro. Em face disso, ajuizou-se uma ação contra os seguintes réus: IG - Internet Group do Brasil Ltda., Organizações Globo de Comunicação e Youtube, Inc. Após muito tempo de litígio em mais de uma instância, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou os réus a retirarem de seus sites o vídeo em questão, impondo multa diária de R$ 250.000 (duzentos e cinquenta mil reais), em caso de descumprimento. A sentença não foi cumprida pelo Youtube, e o DESEMBARGADOR ÊNIO SANTARELLI ZULIANI proferiu uma decisão ameaçando impedir o acesso de usuários brasileiros ao site de compartilhamento de vídeos. Nela, o
  • 7. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. magistrado invocou um parecer técnico que afirmava ser relativamente [461] fácil bloquear o acesso ao vídeo, mesmo que ele estivesse hospedado em sites estrangeiros, já que tudo passa pelo crivo dos provedores brasileiros. Os fatos indicam que o parecer estava certo, uma vez que, após a longissima via crucis, de anos, o vídeo não mais se encontra disponível nas páginas de quaisquer dos mencionados réus. Essa capacidade que o Google, de fato possui, de retirar vídeos, faz lembrar das palavras de THOMAS HOBBES, em sua obra De Ciue. Nela o autor diz sobre o Estado: "Nam qui satis habet uirium ad omnes protegendos, satis quoque habet ad omnes opprimendos."6 7 Afinal, se o Google pode usar todo esse poder para o bem, isto é, para cumprir uma ordem judicial tendente a cessar uma lesão ao direito geral da personalidade, é certo que ele também pode valer-se dessa habilidade para fins escusos. Daí a necessidade, sobre a qual se falará mais adiante, de imposição de um controle externo. Esse caso demonstrou a dificuldade do Poder Judiciário de fazer valer suas decisões nesses âmbitos, bem como a pouca coercitividade de multas astreintes, ante o exacerbado poderio econômico de entidades como Youtube, que é propriedade do Google. Esse tipo de execução indireta é ainda menos efetivo quando se lembra a possibilidade de redução equitativa da multa, que é prática comum entre os juízes brasileiros. Dessa maneira, após muito, muito tempo descumprindo a decisão, ao invés de pagar a integralidade da multa (que pode chegar a valores altíssimos, por ser diária), o réu deixa de pagar o valor total. É cediço que isso favorece o descumprimento de decisões e obrigações, o que, por conseguinte, dificulta o trabalho do Poder Judiciário. As decisões mais recentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicam uma tendência, cada vez mais presente, de essa Corte não reduzir os valores das astreintes.8 3.2 O caso “Carolina Dieckmann” 6 HOBBES, Thomas. De Ciue. Oxford: Clarendon Press, 1983. p. 143 7 “Pois quem tem forças suficientes para todos proteger, tem também para todos oprimir.” (tradução livre do autor) 8 cf., por todos, o acórdão do REsp de n. 1.229.335/SP, de relatoria da MIN. NANCY ANDRIGHI, j. em 17/04/2012.
  • 8. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Em maio de 2012, os jornais brasileiros noticiaram que 36 (trinta e seis) fotos da atriz Carolina Dieckmann, nua, haviam sido divulgadas na Internet. Segundo informações de advogados da atriz, cerca de 20 dias antes da divulgação, ela recebera e-mail pedindo R$ 10.000 (dez mil reais) em troca da não [462] publicação das fotos. De acordo com os jornais, a atriz procurou a polícia e relatou o ocorrido.9 Quando, finalmente, as fotos foram divulgadas na Internet, os advogados da atriz obtiveram uma decisão liminar em sede de ação inibitória, para que as fotos não fossem divulgadas na rede mundial. Entidades como o Google não apenas afirmaram não ter como exercer controle sobre a divulgação desse material, como ser, tal procedimento, contrário às políticas da empresa.10 Recorde-se, com amparo nos jornais, que a atriz brasileira nunca pousou nua e que, apesar de tratar-se de figurar pública, ela fez as fotos em sua intimidade, sem qualquer interesse de vê-las divulgadas. 3.3 A particularidade de alguns atores sociais privados como o Google Vive-se, na atualidade, um problema peculiar: a criação da estrutura das redes de comunicação passou a ser controlada predominantemente por instituições privadas, que não se submetem ao controle estatal. Assim, esses detentores de poder privado (private Machtträger), sobretudo quando possuidores de uma posição muito fortalecida ou hegemônica, não estão sujeitos aos controles próprios do Estado. Com efeito, em princípio, eles não têm obrigação de observar os valores democráticos ou o atributo do Estado de Direito (Rechtsstaatlichkeit). Tampouco há compromisso com a isonomia ou a igualdade de chances, o que suscita questionamentos acerca do tipo de influência negativa que esses veículos podem exercer, ora para favorecer alguns, ora para 9 ARRAIS, Daniela. “Supostas fotos de Carolina Dieckmann nua vazam na internet.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 maio 2012. 10 ARRAIS, Daniela. “Carolina Dieckmann foi chantageada antes de ter fotos divulgadas, diz advogado.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 maio 2012.
  • 9. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. desfavorecer outros.11 Que tipo de limites constitucionais ou infraconstucionais podem ser opostos ao Google, a fim de delinear a fronteira entre sua utilização regular e o abuso? Que precauções de defesa contra o abuso (Vorkehrungen der Mißbrauchsabwehr) têm sido implementadas? Esse fato torna-se preocupante a partir da posição de destaque assumida por veículos como Google, Youtube e outros, tanto na disseminação de tendências de consumo, de comportamento e outros, como igualmente na própria formação da vontade coletiva. A Internet tornou-se um poderoso meio [463] de debate político, e vem sendo utilizada, amiúde, em campanhas eleitorais. A falta de neutralidade por parte desses veículos pode gerar consequências ponderáveis, senão nefastas. Na história brasileira recente, assistiu-se, por exemplo, à manipulação de imagens de debates eleitorais por emissoras de televisão, inclusive na campanha presidencial de 1989. Da mesma forma que esse ocorrido exerceu impacto em nossa história política e, possivelmente, manchou, ao menos em parte, o processo eleitoral de então, é possível cogitar acerca da potencial aptidão que veículos como o Google têm para agir analogamente. Sobre a liberdade de expressão em meios virtuais, em texto publicado em vários jornais do mundo, JEREMY BROWNE, membro da House of Commons inglesa e Ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, afirmou que: The overriding challenge is that 95 percent of the internet is owned by private companies, so to guarantee an open and innovative internet, governments must work with business, as well as with civil society, on how to safeguard and enhance online freedoms. This is why we took the decision to include internet-related companies at the London Conference on Cyberspace in November last year – which, in international diplomatic terms, was ground-breaking. A limited forum where foreign minister talked to foreign minister would not have worked – which is why we invited the practitioners at the front of the digital revolution. 11 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (1998). “Informationelle Selbstbestimmung in der Informationsgesellschaft.” In: HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Offene Rechtswissenschaft: Ausgewählte Schriften und gebleitende Analysen. Stuttgart: Mohr Siebeck, 2010. p. 510
  • 10. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. So Britain is committed to helping governments, business and individuals to overcome threats to internet freedom. We are supporting businesses to enhance internet freedom through responsible commercial practice. Human rights could, for example, form part of a company’s risk analysis prior to investing in a country.12 Como se nota, o problema que se coloca diante do direito constitucional hodierno é diverso daqueles habitualmente enfrentados pela dogmática dos direitos fundamentais e, como tal, está a exigir soluções compatíveis com sua singularidade. Questiona-se, então, até que ponto é possível deixar de impor-se balizas estatais aos entes que controlam esses poderosos conglomerados privados. Ressalte-se que, enquanto o Estado pauta sua conduta em decisões tomadas com base em leis democraticamente promulgadas, a postura institucional do [464] Google, por exemplo, é definida à revelia de qualquer debate minimamente amplo. Há uma imposição, por parte da empresa e de seus administradores, de fatores que podem ser determinantes na sociedade e que reverberam na vida de milhões e milhões de cidadãos. 4 A POTENCIALIDADE DO ABUSO DE PODER E A ASSIMETRIA Os critérios com base nos quais são selecionados os resultados de uma determinada busca no Google deveriam ser mais transparentes do que são. A omissão de um nome ou um termo pode ser tendenciosa ou arbitrária. Não se sabe, ao certo, se tais dados são manipulados e, tampouco, há instrumentos de controle impostos pela lei, capazes de traçar exigências de transparência e equidade. Os riscos de abuso de poder (Risiken des Machtsmissbrauchs) são uma realidade, especialmente em virtude das elevadas assimetrias de poder (erhebliche Machtasymmetrien)13 das partes envolvidas. De um lado, os usuários dos serviços Google e, do outro, o poderoso grupo econômico, que delibera sem ter que consultar o público antes de tomar suas decisões. 12 BROWNE, Jeremy. World Press Freedom Day 2012. Disponível em: <http://ukinmontserrat.fco.gov.uk/en/news/?view=News&id=760878782> Acesso em 3 de junho de 2012. 13 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 529
  • 11. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Não há qualquer tipo de submissão dessas decisões à esfera pública ou crivo apto a filtrar alguns dos interesses privados que motivam tais decisões. O favorecimento a algum tipo de ideologia ou a algum grupo político nos resultados das buscas ou no compartilhamento de vídeos (no caso do Youtube) é capaz de implementar ou de extinguir tendências. Teoricamente, o cenário pode soar surreal, mas imagine-se, por exemplo, se a indicação de um local deixa de constar no Google Maps. Cada vez mais pessoas usam esse recurso para procurar indicações de atrações a visitar, de locais para alimentar-se, etc. Não se pode menosprezar o quanto a vida de hoje é perpassada pela presença de entidades privadas. Se essa presença é menos sentida, embora já expressiva, ao que tudo indica, ela será cada vez maior, gerando a necessidade de traçar-se, desde logo, os limites de atuação de uma instituição como o Google. É de lembrar-se, por exemplo, que certos links do sistema de busca do Google são patrocinados. Esses “links patrocinados” são formas de publicidade e, no resultado de buscas, aparecem sempre antes dos demais. Há, inclusive, uma parte do Google responsável por administrar esse tipo de propaganda; trata-se do AdWords. [465] 4.1 A oponibilidade dos direitos fundamentais como instrumento de contraposição A sugestão deste artigo é que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, a ser delineada pela Jurisdição Constitucional, pode oferecer respostas para o presente debate. Além disso, faz-se mister regular, em sede legal, a atuação de grupos como o Google e o Youtube, de modo a exigir mais transparência da atuação dessas instituições. Como escolhas axiológicas feitas pelo legislador constituinte originário, os direitos fundamentais perpassam, por meio de “pontos de irrupção” ou “portas de entrada” (Einbruchstellen) – como, por exemplo, as cláusulas gerais –, todo o ordenamento jurídico, inclusive o direito privado, que deve ser interpretado, ainda que mediata e indiretamente, à luz da Constituição. Os direitos fundamentais fundam não apenas pretensões subjetivas e concretas, mas também são uma garantia para toda a sociedade e, como tal, possuem dimensão objetiva.
  • 12. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Explicitou-se, no item 3.1, que, a despeito disso ser negado por alguns, o Google possui sim a capacidade de vedar conteúdos, como já aconteceu, inclusive em função de ordem judicial. Esse destacado poder, que traz consigo uma vultosa responsabilidade, deveria ser acompanhado de limitações e restrições. Assim como já advertia o célebre escritor romano JUVENAL, em sua sátira 6, é preciso perguntar-se: “Sed quis custodiet ipsos custodes?”14 Ou seja, se o Google tem o poder de retirar conteúdos, quem é capaz de controlar e fiscalizar o controle invisível que ele mesmo exerce ou que, ao menos, pode exercer? É relevante esclarecer que o Google, a pretexto de salvaguardar a liberdade de expressão, recusa-se a retirar conteúdos ofensivos de páginas mantidas por ele. 4.2 O caso de Rondon do Pará Tem-se conhecimento, por exemplo, de uma demanda ajuizada no estado do Pará (autuada sob o n. 201230054152), por Juiz de Direito desse estado, que vinha sendo injuriado, sistematicamente, por meio de blog hospedado no servidor do Google. As injúrias, de cunho bastante grave, relatavam episódios pessoais da vida do magistrado. Em alguns momentos, embora não se usasse [466] o nome do magistrado, eram tantos os dados divulgados sobre ele (como o número de irmãos, as profissões que exercem, dentre outras informações), que sua identificação se tornou óbvia. Aviltou-se, ainda, a honra do magistrado em virtude de uma suposta orientação sexual. Para tanto, em diversas postagens, seu nome foi feminilizado (e.g. de “Dr. Marcel”, para “Dr. Marcela”) e amantes foram-lhe atribuídos na cidade. Fatos concretos, conquanto falsos, foram citados, dentre os quais, o de que um advogado se teria divorciado da esposa para ir viver com o Juiz. Essas e outras histórias semelhantes foram relatadas em um contexto assaz pejorativo, sempre depreciando a figura do magistrado. Alegadamente, as ofensas ao Juiz foram produto de perseguição, especialmente por suas reiteradas condenações de figuras importantes da cidade, seja em virtude de desvios de verba pública – inclusive com base em diversas fraudes licitatórias – por parte da prefeitura e de 14 Geralmente, essa frase corresponde, na sátira 6, às linhas 347-348 do texto. Contudo, se se segue o manuscrito oxfordiano (oxoniensis), trata-se das linhas O31 - O32. A frase latina significa, literalmente: “Mas quem cuida dos próprios cuidadores?” ou “Mas quem vigia os próprios vigilantes?” (tradução livre do autor)
  • 13. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. seus agentes políticos, seja por abusos cometidos por policiais da cidade, como torturas e homicídios. Em primeira instância, em uma decisão interlocutória, determinou-se ao Google que retirasse o blog e o conteúdo ofensivo do ar, devido às afirmações que vilipendiavam a honra subjetiva do autor, ferindo seu direito geral à personalidade (allgemeines Persönlichkeitsrecht). Requereu-se, em antecipação dos efeitos da tutela, que fossem retiradas da rede mundial de computadores as páginas do blog intitulado “Rondon sem Censura”. Deferido o pedido, o Google agravou da decisão e não conseguiu ter efeito suspensivo atribuído a seu recurso. Na espécie, fixaram-se multas astreintes, que foram confirmadas em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, para coagir a instituição a cumprir a obrigação de fazer, consistente em retirar o blog do ar. Em uma das primeiras decisões do caso, o Juiz de Direito da comarca de Dom Eliseu, Alexandre H. Arakaki, determinou, em 30 de março de 2012: (...) novo bloqueio de valores das contas do requerido [Google Brasil Internet Ltda.] até o montante de R$ 2.100.000,00 (dois milhões e cem mil reais), considerando o descumprimento desde 09/03/2012. Caso o novo bloqueio de valores não seja suficiente para compelir a parte a cumprir uma ordem judicial, resta demonstrado que não obedece a legislação vigente no Brasil, não havendo motivos para somente se valer dos bônus, dispensando os ônus, devendo ser fechadas e lacradas suas sucursais no País. (grifo nosso) [467] Porém, mesmo após o valor total da multa ter chegado à expressiva quantia de 5 (cinco) milhões de reais e mais de 3 (três) milhões de reais terem sido bloqueados via BACEN-JUD, o Google recusou-se a retirar o conteúdo ofensivo do ar. Há outros casos em que decisões judiciais foram descumpridas de maneira sistemática pelo Google. Também nesses casos, essa empresa insiste em invocar a liberdade de expressão para legitimar sua conduta passiva e inerte. Dentre as referidas decisões, podem ser citadas: os
  • 14. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. autos de ns. 1.0024.08.041302-4/001(1) e 1.0512.07.045727-4/001(1), ambos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 4.3 Outros casos preocupantes Nas eleições municipais do ano de 2012, também houve casos que demonstram a dificuldade de controlar, por meio de uma Justiça territorialmente sediada, o Google, que se organiza não-territorialmente e que dificilmente se deixa compelir por meio de multas astreintes. Nesse contexto, lembre-se que o Juiz Flávio Saad Peren, da 35ª Zona Eleitoral do Mato Grosso do Sul, após determinar, em reiteradas ordens judiciais, a retirada de um vídeo do Youtube, ordenou à Polícia Federal que efetuasse a prisão do presidente do Google no Brasil, Fabio José Silva Coelho, por crime de desobediência.15 O Google recorreu da decisão, mas seu pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. O relator do caso, o Juiz Amaury Kuklinski, fez consignar, em sua decisão, que “Conquanto seja um espaço livre e democrático, o uso indevido da internet, na esfera eleitoral, deve ser coibido, na medida em que não se trata de território isento de responsabilidade e não se vislumbra qualquer causa de imunidade no manuseio dessa ferramenta de comunicação.”16 Dias após a decisão, o Presidente do Google foi, de fato, preso e levado até uma das sedes da Polícia Federal em São Paulo, oportunidade em que, por tratar-se de crime de menor potencial ofensivo, assinou um termo circunstanciado e foi embora. Posteriormente, a ordem de prisão foi revogada pelo próprio Juiz que a exarara. Nas eleições de 2012, ocorreram pelo menos dois outros casos semelhantes. Em um deles, o Juiz Ruy Jander Teixeira, da 17ª Zona Eleitoral de Campina Grande (PB), mandara prender o Diretor Geral do Google no Brasil, Edmundo Luiz Pinto Balthazar, por descumprir ordem judicial. Na decisão, alegou-se que a empresa desobedeceu à ordem de retirar do 15 CARVALHO, Daniel. “Justiça Eleitoral em MS manda prender presidente do Google no Brasil.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 set. 2012. 16 CARVALHO, Daniel. “Justiça Eleitoral em MS manda prender presidente do Google no Brasil.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 set. 2012.
  • 15. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Youtube um vídeo que denegria a imagem de Romero Rodrigues, candidato à Prefeitura de Campina Grande. O Google recorreu e o Juiz Miguel de Britto Lyra, relator do recurso no respectivo Tribunal, entendeu que Balthazar não poderia ser responsabilizado pela veiculação do vídeo, o que implicou a suspensão da respectiva ordem de prisão. Já em Santa Catarina, um Juiz determinou, também por motivos eleitorais, que o Facebook fosse tirado do ar em todo o país. Dois dias depois, o próprio Juiz suspendeu a decisão.17 Vale mencionar, outrossim, que, no ano de 2012, vários foram os protestos, em países muçulmanos, após a divulgação, no Youtube, do filme Innocence of Muslims. Em alguns países, houve mortes e ataques a corpos diplomáticos de países ocidentais. O embaixador americano na Líbia foi assassinado durante uma manifestação contra o filme, criado por extremistas de direita. Em virtude dos fatos estarrecedores, o Google bloqueou a exibição do vídeo em alguns países islâmicos. Já o governo dos EUA, em uma atitude insólita, pediu ao gigante econômico que estudasse a possibilidade de bloquear, com base em suas políticas de privacidade e controle de conteúdo, a exibição do vídeo em todo o mundo, haja vista as consequências causadas. O Google recusou-se a fazê-lo. Mais uma vez, isso prova que o Google possui condições técnicas de vedar e manipular as informações e vídeos que disponibiliza.18 Na Alemanha, há, pelo menos, dois casos que merecem menção. O primeiro concerne a Max Mosley, um dos ex-dirigentes da Fórmula 1 de automobilismo. O segundo, a Bettina Wulff, esposa do ex-presidente alemão Christian Wulff. Em 2008, Mosley fez uma reunião festiva, a portas fechadas e em ambiente completamente restrito e íntimo, com conotação sadomasoquista. A reunião, de cunho sexual, foi feita em sua casa e envolvia apenas ele e mais algumas mulheres. Uma delas, entretanto, tinha sido instruída por um jornalista a fotografá-lo na intimidade, por meio de uma câmera secreta que ele havia fornecido.19 17 CARVALHO, Daniel. “Justiça Eleitoral em MS manda prender presidente do Google no Brasil.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 set. 2012. 18 BARCINSKI, André. “Não fossem manifestações, obra sofrível passaria despercebida.”, Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 set. 2012. 19 HÜLSEN, Isabell. “Für das Vergessen.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 35, 27 ago. 2012. p. 144
  • 16. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. As imagens feitas retratam Mosley em uma situação constrangedora e com contornos presumidamente nazistas. Em pouco tempo, elas foram parar na rede mundial de computadores. A partir daí, o ex-magnata do automobilismo começou uma verdadeira cruzada contra o Google. Recentemente, ele obteve uma importante vitória contra o Google em um Tribunal alemão. O veículo de buscas foi proibido de divulgar resultados e links que contivessem o vídeo. Segundo Mosley, sem o Google, torna-se extremamente difícil ou quase impraticável encontrar o famigerado vídeo.20 Todavia, o fato é que, caso ele queira impedir o Google de mostrar o vídeo em absoluto, seria necessário, em tese, ajuizar uma ação em cada país do globo. Já no caso envolvendo Bettina Wulff, ingressou-se em juízo contra o Google, a fim de coibir o recurso de autopreenchimento do sistema de buscas. Isso porque, segundo a autora da ação judicial, sempre que se digita “Bettina Wulff” no Google, aparecem, imediatamente, as palavras “Escort” (acompanhante) e “Prostituirte” (prostituta) ao lado, como sugestões de busca. Segundo Wulff, durante a campanha do marido e a fim de atacá-lo, criaram-se histórias de que ela teria, no passado, trabalhado como garota de programa. Além de tudo indicar que as afirmações são infudadas e que tais fatos nunca ocorreram, ainda que fossem verdade e houvesse prova disso, parece que, no caso examinado, há graves violações ao direito geral da personalidade de Wulff e, mais especificamente, de seu direito a ser esquecida (Recht auf Vergessenwerden).21 Todos esses casos demonstram a dificuldade de lidar com o Google, que tenta impor seu modelo de gestão de negócios de forma unilateral, fazendo lobby para impedir a regulamentação de sua prática22 e violando o direito à privacidade, o direito a ser esquecido (Recht auf Vergessenwerden), o direito de estar só (right to be alone), dentre outros direitos constitucionalmente assegurados, o que se mostra evidente afronta ao chamado direito geral da personalidade (allgemeines Persönlichkeitsrecht). Não há dúvidas de que o Google tem 20 HÜLSEN, Isabell. “Für das Vergessen.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 35, 27 ago. 2012. p. 145-146 21 LEYENDECKER, Hans; WIEGAND, Ralf. “Bettina Wulff wehrt sich gegen Verleumdungen.” Süddeutsche Zeitung, Munique, Disponível em: < http://www.sueddeutsche.de/politik/klage-gegen-google-und-jauch-bettina- wulff-wehrt-sich-gegen-verleumdungen-1.1462439> Acesso em 15 set. 2012. 22 BECKER, Sven; NIGGEMEIER, Stevan. “Im Namen der Freiheit.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 39, 24 set. 2012. pp. 86ss.
  • 17. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. sido utilizado como meio para a prática e divulgação de atos contrários ao direito. Por outro lado, também se enxerga a dificuldade de coibir vários dos abusos perpetrados. 4.4 A liberdade de expressão como pretexto A pretexto da defesa da liberdade de expressão, provedores como o Google, que hospedam páginas, perfis pessoais e blogs, tornam extremamente difícil o combate a violações graves ao direito geral da personalidade, à pedofilia, à honra subjetiva de pessoas, ao discurso do ódio (hate speech), etc. No citado blog “Rondon sem Censura”, por exemplo, o autor dos textos incita a comunidade da pequena cidade de Rondon, maioritariamente evangélica, a punir o Juiz de lá, assim como deus punira os habitantes de Sodoma e Gomorra. Tudo indica ser necessário impor a observância de deveres específicos que emanam dos direitos fundamentais, originalmente oponíveis apenas aos Estados, a esses grandes grupos econômicos, por serem eles os responsáveis pelo que se consubstancia como principal espaço público de comunicação na sociedade hodierna. Impõe-se ter em mente que não exigir imparcialidade de um meio de comunicação capaz de tamanha capilaridade poderá minar, por exemplo, em uma eleição, o livre debate de ideias, a igualdade de chances e a pluralidade da participação democrática. Cumpre salientar, conforme GUNTHER TEUBNER, que a tendência dos tribunais em todo o mundo tem sido a de tornar a responsabilidade do provedor dependente de sua cooperação com as instâncias estatais (die Haftung des provider von seiner Kooperation mit staatlichen Instanzen abhängig zu machen).23 Como esclarece o autor alemão, a limitação de ambientes virtuais ligados a grupos como o Yahoo e o Google, imposta judicial ou legalmente, desperta uma [468] pletora de problemas fundamentais (eine Fülle von fundamentalen Problemen), incluindo: a possível censura de conteúdos efetuada por esses entes privados; a viabilidade de um controle não-arbitrário e não-judicial de conteúdos abusivos veiculados em certas páginas da Internet; a validade e a 23 TEUBNER, Gunther. “Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie.” In: Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht, vol. 63, n. 1, 2003. p. 1
  • 18. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. exequibilidade de decisões nacionais em uma Internet que é transnacional e a eficácia dos direitos fundamentais em relações jurídico-privadas (Drittwirkung) no espaço virtual.24 Essas questões envolvem a afirmação dos direitos fundamentais não apenas diante de instâncias políticas, mas também perante instituições sociais, em particular contra centros de poder econômico. Consequentemente, atribui-se ao Estado a obrigação de contrapor-se a práticas que coloquem em risco ou infrinjam direitos fundamentais, sob pena, em caso de inércia, de não se evitarem transgressões de direitos fundamentais perpetradas por atores não- estatais, que, gradualmente, ocupam lugares de cada vez maior destaque na sociedade atual. 4.5 A necessidade de legislar sobre a matéria A observância aos direitos fundamentais faz-se necessária também nos novos meios de tecnologia. É imperativo que o Congresso Nacional reflita cuidadosamente sobre essa questão, de modo a estipular garantias infraconstitucionais e legais que concretizem, em determinadas esferas específicas, a proteção aos dados e a imparcialidade de grandes atores privados como o Google. É, outrossim, crucial, que o Congresso edite lei de modo a delinear os limites dos direitos fundamentais em esferas como a Internet. Esse requisito é particularmente importante, mormente se se recorda que a limitação de um direito fundamental, ainda que baseada em um limite imanente, está condicionada à reserva legal.25 A preocupação com a necessidade de se legislar sobre a matéria é ainda mais justificada, quando se recorda que a revista alemã Der Spiegel denunciou uma série de tentativas do Google, no sentido de bloquear propostas legislativas, em países europeus, que buscassem regular a atividade da sociedade empresária e, em particular, as políticas de privacidade e de armazenamento de dados da empresa. Para tanto, afirma-se na Der Spiegel, o Google teria 24 TEUBNER, Gunther. op. cit., 2003, pp. 1ss. 25 cf. MERTEN, Detlef. “Grundrechtsschranken und Grundrechtsbeschränkungen.” In: MERTEN, Detlef; PAPIER, Hans-Jürgen. Handbuch der Grundrechte in Deutschland und Europa: Band III - Grundrechte in Deutschland - Allgemeine Lehren II. Heidelberg: C.F. Müller, 2009. pp. 201ss.; BADURA, Peter. Staatsrecht: Systematische Erläuterung des Grundgesetzes für die Bundesrepublik Deutschland. 5.Auf. München: C.H. Beck, 2012. pp. 128ss.; MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. Grundrechte. 3.Auf. Baden-Baden: Nomos, 2012. p. 263, 333
  • 19. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. contratado, a preços altos, vários “lobbistas”, cujos nomes são citados pela revista, bem como usado organizações privadas, juridicamente dissociadas do Google, porém financiadas por ele, para promover palestras e remunerar articuladores. Tudo com o intuito de que soçobrasse toda e qualquer proposta legiferante, intentada na Alemanha ou na Europa, de regular o gigante econômico.26 Todavia, enquanto a regulamentação não ocorre, é certo que os direitos fundamentais fundam deveres de respeito e de observância, não apenas em face do Estado. Por conseguinte, o Poder Judiciário deverá ter cautela ao lidar com grandes grupos econômicos responsáveis pela administração de sítios eletrônicos de uso extremamente difundido. [469] 5 A ATUAL EVOLUÇÃO DO PROBLEMA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES Ao que consta, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não enfrentou os questionamentos sobre os limites da atuação de atores como o Google. Contudo, recentemente, reconheceu-se a repercussão geral do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) de n. 660.861. No recurso, são discutidos os limites da responsabilidade civil da sociedade empresária Google Brasil Ltda. Na espécie, é necessário saber até que ponto cumpre ao Google e às empresas que hospedam páginas na web fiscalizar o conteúdo disponibilizado por seus usuários, bem como o grau de responsabilidade delas pelo que é divulgado nos sites. No que diz respeito a atores virtuais, recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que é vedada a realização de propaganda eleitoral no Twitter, antes de 6 de julho do ano em que ocorrerá a eleição. No REC na RP de n. 182524, o TSE entendeu que o Twitter, como meio de comunicação social, está abrangido pelos artigos 36 e 57-B da Lei das Eleições, que tratam das proibições relativas à propaganda eleitoral antes do período eleitoral. 26 BECKER, Sven; NIGGEMEIER, Stevan. “Im Namen der Freiheit.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 39, 24 set. 2012. pp. 86ss.
  • 20. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem-se deparado mais frequentemente com questões relativas a violações de direitos perpetradas por atores que atuam em ambiente virtual. Contudo, as demandas têm sido apreciadas à luz do regramento infraconstitucional e cingem-se, em geral, a determinar o alcance da responsabilidade civil de entidades como o Orkut, que é propriedade do Google, em face de conteúdo publicado por seus usuários. Entre os julgados de que se tem conhecimento, podemos citar os recursos especiais de ns. 1.117.633/RO, 1.193.764/SP, 1.186.616/MG, 1.175.675/RS e 1.306.066/MT. Fixou-se, no STJ, a tese de que a responsabilidade do provedor, por conteúdos ofensivos publicados em suas páginas “(...) não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.” Logo, além da responsabilidade civil não ser objetiva, não há obrigação de “(...) fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado.”27 Todavia, ao ser notificado para retirar os endereços em que consta conteúdo ofensivo, as empresas passam a ser corresponsáveis juridicamente. A [470] retirada do conteúdo, após o aviso, deve ser imediata, sobretudo quando houver ordem judicial nesse sentido, ainda que em caráter antecipatório e deve ocorrer, “(...) independentemente da indicação precisa, pelo ofendido, das páginas que foram veiculadas as ofensas (URL's).”28 Com isso, nota-se que os Tribunais Superiores não se têm deparado com a questão da oponibilidade de direitos fundamentais, ainda que de maneira mediata e indireta, a atores dotados de significativo e desproporcional poder econômico e social, como o Google. 5.1 A caminho de uma solução: identificando critérios e parâmetros Segundo WOLFGANG HOFFMANN-RIEM, a aptidão funcional (Funktionsfähigkeit) dos meios de comunicação, inclusive dos virtuais, possui não apenas um lado técnico, mas uma dimensão social que pode e deve ser guiada por certos parâmetros normativos.29 27 REsp 1.186.616/MG, rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, j. em 23/8/11. 28 REsp 1.175.675/RS, rel. MIN. LUÍS FELIPE SALOMÃO, j. em 9/8/11. 29 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). “Der grundrechtliche Schutz der Vertraulichkeit und Integrität” In: HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Offene Rechtswissenschaft: Ausgewählte Schriften und gebleitende Analysen.
  • 21. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Deve-se salvaguardar nesses veículos, por exemplo, a segurança da liberdade de acesso (Sicherheit der Zugangsfreiheit), a liberdade de manipulação (Manipulationsfreiheit) e, em geral, o uso unilateral do poder ou o seu abuso (einseitiger Machtgebrauch oder Missbrauch). O arbítrio, em âmbitos como o da Internet, parte cada vez menos do Estado que, na verdade, parece revelar-se ocioso; ele surge frequentemente por parte de atores privados. A rede mundial de computadores mostra-se peculiar, à medida que não está circunscrita às fronteiras territoriais de um dado Estado, embora seus efeitos possam manifestar-se nele.30 A possibilidade de inclusão ou de preenchimento de dados (Fülle der Daten), bem como as possibilidades de seleção (Selektionsmöglichkeiten), no que diz respeito a resultados e conteúdos disponibilizados na Internet, deveria causar mais preocupações aos constitucionalistas hodiernos.31 [471] 5.2 A insuficiência das medidas atuais No sentido do que se vem aqui tratando, as lesões ao direito geral da personalidade causam sérias preocupações, no que tange à inobservância de direitos fundamentais por entidades privadas dotadas de imenso poder econômico e social. O acesso a dados e a utilização deles pressupõem uma escolha livre e esclarecida.32 Atualmente, os usuários disponibilizam seus dados, os quais, amiúde, são utilizados de maneira diversa do pretendido. Dessa forma, como se falar em consentimento (Einwilligung), quando não há informações suficientes e transparência no que concerne ao repasse dos dados fornecidos?33 Ademais, os contratos são todos por adesão, o que implica usar os serviços oferecidos de acordo com os termos do oferente ou não usá-los tout court. Essas regras, por sua vez, se não estiverem sujeitas a algum tipo de controle ou à regulação estatal, terminam por ser Stuttgart: Mohr Siebeck, 2010. p. 530 30 cf. HOLZNAGEL, B. “Responsibility for Harmful and Illegal Content as well as Free Speech on the Internet in the United States of America and Germany.” In: ENGEL, C. (ed.). Governance of Global Networks in the Light of Differing Local Values. Baden-Baden: Nomos, 2000. 31 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 529 32 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 535 33 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 535
  • 22. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. fatalmente, impositivas e, possivelmente, arbitrárias. No mundo em que vivemos, os atores privados, especialmente aqueles que desempenham papel relevante e hegemônico na rede mundial de computadores, não podem ser tratados como meros empresários ou comerciantes.34 Precisamente, pela capacidade quase sem precedente que esses atores têm de mobilizar opiniões, positivas e negativas, de alimentar preconceitos, de incitar discriminações, de impor sua vontade, etc. O poder concentrado na mão de agentes com tais características revela a inadequação de uma abordagem prosaica ou reducionista desse fenômeno, abordagem essa que costuma tratar atores virtuais da magnitude daqueles mencionados como qualquer outro ator privado. Não usar ferramentas como o Google, nos dias de hoje, é uma opção inviável ou irracional e não serve como simples resposta aos problemas concretamente surgidos a partir de seu uso. Em vez disso, deve-se buscar instrumentos regulatórios, fortemente amparados na proteção dos direitos fundamentais, que imponham barreiras ao que é constitucionalmente vedado. [472] Afirmar que tais entidades são privadas e que se pode deixar de usar os serviços por elas prestados é, numa perspectiva ampla, ignorar o papel inaudito (em comparação com os tempos passados) que elas ocupam na sociedade contemporânea; numa perspectiva específica, em certa medida, é render-se a elas com o silêncio, ou mais ainda, é concordar com os “métodos” delas pelo mesmo silêncio. Logo, o consentimento às políticas de privacidade, que ninguém (ou quase ninguém) se dá ao trabalho de ler, é incapaz de dar qualquer legitimação material para a atuação desses grupos, isso se não representar mera ficção.35 5.3 Dever do Estado 34 cf. HOLZNAGEL, B. “Meinungsfreiheit oder Free Speech im Internet: Unterschiedliche Grenzen tolerierbarer Meinungsäußerungen in den USA und Deutschland.” In: Archiv für Presserecht, vol. 9, 2002, pp. 128-133 35 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 536
  • 23. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. A concentração desproporcional de poder faz com que se imponha ao Estado uma dimensão de tutela ou proteção que vai além da mera defesa. Direitos de defesa (Abwehrrechte), que são tipicamente liberais, são aqueles que obrigam o Estado a abster-se de intervir em esferas privadas do cidadão, como ocorre geralmente, por exemplo, no caso da liberdade de expressão. Em casos como os citados, deve-se encontrar formas de criar pressupostos reais e verdadeiros (reale Voraussetzungen) para o exercício da liberdade pelos cidadãos (Freiheitsausübung der Bürger), seja por meio do Estado, seja por meio de atos privados ou como parte de atos de cooperação criados entre o Estado e atores privados.36 Ao Estado, nessa hipótese, impõem-se não apenas restrições e proibições de violar os direitos dos cidadãos que se utilizam da Internet, mas, também, o dever de dispor e formar (gestalten), por meio de regras, a organização e os procedimentos desses recursos técnicos e dos atores privados que lidam com eles. O objetivo é que recursos como a Internet não sejam usados ao arrepio dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, expressa ou implicitamente. Para a consecução de tais fins, é imperativo zelar pela confiabilidade e integridade (Vertraulichkeit und Integrität) dos sistemas de comunicação que armazenam dados e informações de usuários, como por exemplo, o Google. [473] Nesse sentido, é preciso criar mecanismos de segurança que impeçam os dados de caírem em mãos alheias. No caso do Google, é necessário impedir que os dados sejam capturados por outras empresas, integrantes ou não de seu conglomerado, ou mesmo, deve-se obstar que o próprio Google repasse tais dados. Isso vale tanto para as entidades privadas, quanto para o Estado, que tem o dever de tomar todas as precauções para manter a salvo e em sigilo informações licitamente obtidas de seus cidadãos.37 Do contrário, o controle a ser imposto a esses atores privilegiados de nenhuma valia seria, uma vez que estranhos teriam fácil acesso aos dados. Afigura-se plausível, inclusive, atribuir aos detentores das informações a responsabilidade pela guarda delas, de modo que 36 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 537 37 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 542
  • 24. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. eles sejam juridicamente imputáveis em caso de obtenção dos dados por terceiros. Afinal, cabe a eles o dever de velar pelas informações que detêm em seu poder. Eles agem, nesse contexto, como verdadeiros depositários das informações, o que os torna responsáveis pela fiel guarda delas. Logo, devem ser-lhes impostos todos os deveres objetivos de cuidado e as precauções devidas. 5.4 Oponibilidade de direitos fundamentais contra o Google Além desse dever imposto ao Estado, é possível falar em oponibilidade de direitos fundamentais contra entidades como o Google? Como se trata de uma sociedade empresária, completamente privada, ela deve respeito a direitos fundamentais? Na literatura, parece menos duvidoso que empresas privadas prestadoras de serviço público tenham que observar, com algumas adaptações de somenos importância, um estatuto jurídico público que englobe o estrito, direto e imediato cumprimento da Constituição e das prescrições relativas aos direitos fundamentais.38 Mais controversa é a aplicabilidade desse entendimento a atores privados que exercem atividades privadas. Prevalece, na doutrina alemã, a tese de aplicabilidade mediata ou indireta dos direitos fundamentais às relações privadas. Isso significa que mesmo atores sociais de elevado poder econômico não podem ser equiparados ao Estado, para fins de observância de tais direitos. Porém, a aguda assimetria de [474] poder entre um indivíduo e conglomerados econômicos, bancos, seguradoras, empregadores, etc., leva a crer que certas esferas de comportamento requerem uma proteção especial, não apenas do direito ordinário, mas igualmente do direito constitucional e do catálogo de direitos fundamentais.39 Essa necessidade de tutela ou proteção (Schutzbedürfnis) legitima-se enquanto persistir a posição de superioridade ou predominância (Übermachtstellung). Tal situação enseja que o Estado, por meio de disposições legais, regule determinados comportamentos, limitando a autonomia privada (Privatautonomie) e restringindo o regime privado aplicável a essas entidades dotadas de posições de superioridade. Isso não significa que o particular com 38 BADURA, Peter. op. cit., pp. 107, 115; HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. 20.Auf. Heidelberg: C.F. Müller, 1999. p. 157 39 MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. op. cit., p. 235
  • 25. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. grande papel na sociedade passe a ser tratado de maneira idêntica à do Estado, como querem os defensores da vinculação direta ou imediata dos particulares aos direitos fundamentais, mas sim que os usuários de seus benefícios sejam respeitados em seus direitos. Em outras palavras, trata-se de entender que se nem ao Estado é permitido violar os direitos fundamentais do cidadão, por que esses direitos podem ser violados por outras instituições? Ou ainda, se o Estado tem o dever de garantir e de proteger os direitos fundamentais do cidadão, ao regular procedimentos de utilização de dados dos cidadãos na Internet ele estará cumprindo esse seu dever. Se a corrente defensora da vinculação direta ou imediata dos particulares aos direitos fundamentais predominasse, estar-se-ia impondo um estatuto de regime público a atores privados, o que seria não apenas juridicamente implausível, como economicamente inviável. Imagine-se, se seria razoável exigir que o Banco Bradesco S.A. ou o Google Brasil Internet Ltda. ou a Companhia Vale do Rio Doce fossem obrigados a divulgar, de maneira transparente, todos os negócios que fazem, documentos que possuem, etc., ou ainda que tivessem que realizar concursos públicos à medida que desejassem contratar funcionários, a bem da isonomia e da igualdade de chances. É certo que a aplicabilidade direta ou imediata oferece problemas sérios. Logo, os direitos fundamentais, mediatamente aplicados, devem fundar o dever de interpretar o direito ordinário à luz das disposições constitucionais. Constitui-se, assim, a eficácia irradiante (Ausstrahlungswirkung) dos direitos fundamentais sobre toda a ordem jurídica, inclusive privada. Mais do que uma vinculação do particular aos direitos fundamentais, trata-se de uma eficácia desses direitos sobre as relações jurídicas do particular.40 [475] Nesse ponto, a atuação do Juiz, como órgão do Estado, é de crucial importância, tanto para aplicar as limitações legais vigentes, como para instituir outras, com fulcro nas cláusulas gerais, como a boa-fé objetiva (Treu und Glauben), que é sensível a interpretações constitucionais. Com isso, a oponibilidade de direitos fundamentais ao Google não implica uma equalização entre ele e o Estado, uma vez que o nível de proteção (Schutzniveau) dos direitos 40 MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. op. cit., p. 237
  • 26. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. fundamentais, no que tange a atores privados, varia conforme a suscetibilidade de tais direitos perante uma ou outra entidade privada.41 Nesse diapasão, o caso Google revela-se especialmente suscetível a violações aos direitos fundamentais, porque, como já dito, a possibilidade de abusos, de manipulação de resultados para favorecer preferências econômicas, políticas ou ideológicas pode gerar graves distorções em cada uma dessas esferas. Fez-se notar, do mesmo modo, que a Internet é um campo notavelmente tendente a favorecer ofensas ao direito de personalidade. Também com respeito a essa questão, faz-se mister impor balizas à atuação de atores com o Google. Com efeito, é imprescindível que o Estado exerça o devido controle sobre essa seara, seja por meio de edição de lei sobre a matéria, seja mediante atuação do Poder Judiciário, valendo-se de princípios e regras que delimitem o campo de atuação lícita de entidades como o Google. 5.5 Dispositivos constitucionais sob ameaça Os recursos tecnológicos surgidos nos últimos tempos colocam novas questões para o direito constitucional. Tais desafios apresentam-se, por exemplo, na obrigação de proteger-se o direito geral da personalidade e os atributos açambarcados por ele (art. 5º, X, CF), a inviolabilidade da casa (art. 5º, XI, CF) e o sigilo das comunicações, inclusive telemáticas (art. 5º, XII, CF). Além disso, também estão particularmente expostos a ofensa, nesse tipo de métier, os direitos fundamentais à isonomia (art. 5º, caput, CF), à igualdade de chances e à autonomia, à vedação do arbítrio e à prioridade da liberdade, corolários das previsões do art. 1º, inciso III, da CF e do art. 5º, inciso II, da CF. O sigilo das comunicações O direito ao sigilo nas comunicações funda, em regra, um direito de defesa contra o Estado, a fim de que não seja lícito a ele ter acesso ao conteúdo das [476] trocas de informações dos cidadãos. Contudo, opõe-se ao Estado, outrossim, um dever de agir, de modo a impedir que terceiros, inclusive agentes privados, pratiquem esse tipo de conduta. Os tipos 41 MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. op. cit., p. 238
  • 27. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. penais dos arts. 151 a 154 do Código Penal, que protegem o sigilo das comunicações e os segredos em geral, visam a concretizar essa obrigação estatal. É missão do Estado zelar pelo caráter fidedigno e sigiloso das comunicações dos cidadãos que vivem sob sua égide. Se é esse o caso, devem ser instituídas restrições à capacidade que entidades controladoras de partes da rede mundial de computadores têm de obter e guardar informações dos usuários. Esse dever amplia-se, se se pensa no histórico de páginas da Internet visitadas, nos produtos comprados, nas senhas utilizadas, nas conversas tidas em meio virtual, tendo-se em mente que esses dados não podem ser tratados de maneira aleatória, sendo pois necessário delinear certas barreiras à atuação de agentes que, se não forem impedidos, podem usar tais informações para qualquer fim, sejam eles econômicos ou não. Autonomia, dignidade humana e direito geral da personalidade Impõe-se observar que, por trás de boa parte das garantias constitucionais aos direitos fundamentais, está a ideia de que certos comportamentos devem ser preservados do conhecimento público.42 Constitucionalmente, reconhece-se ao indivíduo a faculdade de fazer certas escolhas e de realizar certos atos, sem que isso seja exposto à ciência alheia. Como bem percebiam J. J. CANOTILHO e JÓNATAS MACHADO, essa proteção inclui, até mesmo, o direito do indivíduo de divulgar tais comportamentos se, e como, ele quiser, devendo o consentimento ser tácito ou expresso. Leia-se, a propósito, o seguinte trecho: Do ponto de vista jurídico-constitucional, uma pessoa que decide tornar públicos comportamentos geralmente protegidos pela reserva de intimidade da vida privada não está, por esse motivo, a renunciar a esse direito, mas sim a exercê-lo de acordo com as suas próprias preferências e concepções.43 [477] 42 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 539 43 CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas E.M. Reality Shows e liberdade de programação. (col. Argumentum, 12). Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 106
  • 28. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Daí falar-se sobre a importância da autonomia e do livre desenvolvimento da personalidade (freie Entfaltung der Persönlichkeit), elementos tão intimamente ligados à dignidade da pessoa humana, já que fundam a prerrogativa eminentemente humana de que cada um é capaz de autodeterminar-se, segundo as próprias convicções e desejos. J.J. GOMES CANOTILHO e JÓNATAS MACHADO esclarecem que “A dignidade da pessoa humana deve ser vista, em primeira linha, como fundamento de um direito geral de liberdade e de um direito geral de igualdade, concretizado através de múltiplos direitos especiais de igual liberdade.”44 Essa visão afigura-se compatível com a noção de prioridade de liberdade (priority of liberty), segundo a qual o Estado apenas deve circunscrever a liberdade de um sujeito em nome da igual liberdade dos outros sujeitos. Essa ideia, enunciada por JOHN RAWLS, em seu A Theory of Justice, prega que toda limitação à liberdade deve estar fundada na própria liberdade e na sua distribuição em igual medida.45 Isso sem falar, no que tange ao caso do Google, da hipossuficiência dos usuários perante o gigante. Em outras palavras, a máquina pública deve ter um motivo ponderável para tolher a autonomia de seus cidadãos. Isso vale para a possibilidade de armazenamento de dados e informações pertinentes à vida de um indivíduo, uma vez que o conhecimento de certos fatos dizem respeito apenas a ele, singularmente considerado. Desse modo, o Estado requer um palpável e excepcional interesse coletivo para que qualquer intervenção na esfera íntima reste legitimada. Isso é tão mais verdade quando se percebe, na trilha de JAN-ULF SUCHOMEL, que a dignidade humana não carrega em si qualquer obrigação de adotar um meio de vida ou existência específico, tido como “o correto” ou “o apropriado” (Verpflichtung zum ‘richtigen’ Menschsein oder Leben); isso desaguaria em um acachapante paternalismo estatal (staatlicher Paternalismus)46 . Muito ao contrário, ela contém, na verdade, a prerrogativa de que cada um seja, em princípio, aquele a determinar a maneira como irá viver, bem como até que ponto esse viver pode e deve ser partilhado com os outros. 44 CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas E.M. op. cit., p. 106 45 RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999. p. 171 46 SUCHOMEL, Jan-Ulf. Partielle Disponibilität der Würde des Menschen. (Schriften zum Öffentlichen Recht, 1152). Berlin: Duncker & Humblot, 2010. p. 48
  • 29. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. O direito à autodeterminação informativa A autodeterminação informativa é um direito que garante a todos a prerrogativa de dispor se, e quando, suas informações podem estar à disposição do [478] Estado e de outras pessoas. Em outras palavras, salvo quando justificado por um interesse coletivo, com base em uma lei em sentido estrito e observados os demais condicionantes impostos a uma intervenção em direito fundamental, não pode o Estado reter dados de seus cidadãos. Esse direito foi reconhecido como fundamental pelo BVerfG (65, 1) na Alemanha, em 15 de novembro de 1983. Trata-se de reconhecer a autonomia do sujeito quanto às informações que lhe dizem respeito, significando que a proteção aos bancos de dados é decorrência da tutela do direito geral da personalidade.47 Todo banco de dados de informações desse tipo em poder do Estado ou de outra instituição (de corporações como Facebook, Google, Yahoo, etc.) deve ter critérios claros de armazenamento de dados, submetido ao escrutínio público. Da mesma forma, essas empresas só podem ter em seu poder dados voluntariamente cedidos, os quais, por sua vez, não podem ser usados para fins diversos dos especificados ou daqueles presumidamente aplicáveis ao caso. Isso significa que, se alguém entrega informações a uma empresa “A”, não é permitido a essa empresa repassar tais dados a uma outra. Na Alemanha, é antiga a história do direito à autodeterminação informativa. Exigem-se critérios claros e normatizados para que o governo possua em seu poder dados sobre seus cidadãos. Em um caso emblemático e recente (BVerfG 120, 274), de relatoria do Juiz48 WOLFGANG HOFFMANN-RIEM, decidiu-se que a Lei Fundamental reconhece o “direito fundamental de garantia da confiança e integridade dos sistemas técnico-informativos” 47 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (1998). op. cit., p. 505 48 Na Alemanha, o título de um membro do BVerfG é “Juiz no Tribunal Constitucional Federal” (Richter am Bundesverfassungsgericht). Não há, como no Brasil, o título “Ministro”, tampouco a qualificação Justice, como há nos EUA e – mais recentemente, após a criação da Suprema Corte do Reino Unido – na Inglaterra.
  • 30. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. (Grundrecht auf Gewährleistung der Vertraulichkeit und Integrität informationstechnischer Systeme), apelidado, de forma concisa de Computer-Grundrecht.49 Consideram-se legítima, por exemplo, a retenção de dados utilizados de maneira moderada e proporcional, para fins de tributação, censo da população, prevenção de crimes ou condenação por reincidência (no caso do processo penal), etc. [479] O crivo da proporcionalidade é analisado, em casos como esse, sobretudo no seguinte aspecto: os métodos utilizados, as informações armazenadas e as justificativas dadas são coerentes? São aptos a atingir a finalidade à qual se aspira? Esse tipo de garantia é tão mais relevante, quanto maior a utilização dos meios de comunicação virtual. Na Europa, decisões asseguram um largo âmbito ao direito à privacidade, incluindo sob sua tutela amostras de DNA, como se pode extrair da decisão S. and Marper v. United Kingdom (30562/04 [2008] ECHR 1581 - 4 December 2008), proferida pela grande câmara (Grand Chamber) da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH). Nesse caso, o Reino Unido foi condenado por guardar informações genéticas de indiciados em inquéritos policiais, mesmo após a absolvição deles em processo judicial.50 Não se vislumbrou interesse legítimo que autorizasse o Estado a manter um banco de dados com informações de pessoas contras as quais não se conseguiu provar nada. Na decisão, consignou-se que, embora o Reino Unido tenha decidido pela legitimidade da retenção dos dados, ficou expressamente registrado, na última decisão nacional, o voto divergente da Baronesa de Hale of Richmond, do qual constou: (...) the retention of both fingerprint and DNA data constituted an interference by the State in a person's right to respect for his private life and thus required justification under the Convention. In her opinion, this was an 49 LAMPRECHT, Rolf. Ich gehe bis nach Karlsruhe: Eine Geschichte des Bundesverfassungsgerichts. München: Deutsche Verlags-Anstalt, 2011. p. 299 50 MOWBRAY, Alastair. Cases, Materials, and Commentary on the European Convention on Human Rights. Oxford: Oxford University Press, 2012. pp. 488, 521
  • 31. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. aspect of what had been called informational privacy and there could be little, if anything, more private to the individual than the knowledge of his genetic make-up. A Suprema Corte do Canadá deparou-se também com um problema de privacidade informativa (informational privacy). Em R v. RC ([2005] 3 SCR 99, 2005 SCC 61), ela considerou a retenção de amostras de DNA de um menor infrator contrária à Carta de Direitos e Liberdades (Charter of Rights and Freedoms). No caso, decidiu-se que não havia um interesse significativo por parte do Estado que o autorizasse a reter dados tão pessoais como os contidos em uma amostra de DNA. Nessa oportunidade, foi dito que: Of more concern, however, is the impact of an order on an individual's informational privacy interests. In R. v. Plant, [1993] 3 SCR 281, [480] at p. 293, the Court found that s. 8 of the Charter protected the 'biographical core of personal information which individuals in a free and democratic society would wish to maintain and control from dissemination to the state'. An individual's DNA contains the 'highest level of personal and private information': S.A.B., at para. 48. Unlike a fingerprint, it is capable of revealing the most intimate details of a person's biological makeup. (...) The taking and retention of a DNA sample is not a trivial matter and, absent a compelling public interest, would inherently constitute a grave intrusion on the subject's right to personal and informational privacy. Tanto a CEDH como a Suprema Corte do Canadá concordam que a retenção de material genético, ao contrário do armazenamento de digitais e fotos, pressupõe um interesse palpável, sob pena de revelar-se insustentável juridicamente e ferir a autodeterminação informativa.51 Em S. and Marper v. United Kingdom, a CEDH deixou claro, outrossim, que: The concept of “private life” is a broad term not susceptible to exhaustive definition. It covers the physical and psychological integrity of a person (…) 51 GRABENWARTER, Christoph; PABEL, Katharina. Europäische Menschenrechtskonvention. 5.Auf. München: C.H. Beck, 2012. p. 251
  • 32. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. It can therefore embrace multiple aspects of the person's physical and social identity (…) Elements such as, for example, gender identification, name and sexual orientation and sexual life fall within the personal sphere protected by Article 8 (…) Beyond a person's name, his or her private and family life may include other means of personal identification and of linking to a family (…) Information about the person's health is an important element of private life (…) The Court furthermore considers that an individual's ethnic identity must be regarded as another such element (…) Article 8 protects in addition a right to personal development, and the right to establish and develop relationships with other human beings and the outside world (…) The concept of private life moreover includes elements relating to a person's right to their image (…) The mere storing of data relating to the private life of an individual amounts to an interference within the meaning of Article 8 Tal como o direito sobre a própria imagem (Recht am eigenen Bild), a autodeterminação informativa é corolário do direito geral da personalidade (allgemeines Persönlichkeitsrecht), o qual, por sua vez, tem amparo na dignidade [481] humana. O direito geral de personalidade envolve, segundo a jurisprudência do BVerfG: (1) um direito à esfera privada, secreta e íntima; (2) o direito à honra e à disposição dos atributos pessoais, tais qual imagem, voz, etc.; (3) o direito de não receber falsas imputações, como a de ter ações não praticadas ou palavras não proferidas falsamente atribuídas a si.52 Ninguém pode ser obrigado a suportar que sua imagem ou informações a seu respeito sejam utilizadas como escopo para interesses alheios, salvo quando observadas as exigências qualificadas que se faz a esse tipo de intervenção na autodeterminação do sujeito ou quando ele mesmo, expressa ou tacitamente, anui ao uso desses atributos da personalidade. 52 LENSKI, Sophie-Charlotte. Personenbezogene Massenkommunikation als verfassungsrechtliches Problem: das allgemeine Persönlichkeitsrecht im Konflikt mit Medien, Kunst und Wissenschaft. (Schriften zum Öffentlichen Recht, 1052). Berlin: Duncker & Humblot, 2007. p. 141
  • 33. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. No caso da invasão de banco de dados ou da quebra de sigilos telemáticos, inclusive na “busca e apreensão online” (Online-Durchsuchung), exige-se a observância da reserva de juiz (BVerfG 120, 274). A chamada reserva de juiz (Richtervorbehalt) é conceito análogo à reserva de lei (Gesetzesvorbehalt ou Vorbehalt des Gesetzes) e à reserva de parlamento (Parlamentsvorbehalt). A reserva de juiz consubstancia, porquanto, exigência a ser cumprida pelo Estado, quando da intervenção em espaço que, prioritariamente, não comporta sua ingerência ou que, apesar de comportá-la, exige uma cautela especial. Esse tipo de pré- requisito é particularmente utilizado na intervenção em órbitas jurídicas guarnecidas e abrangidas por direito fundamental. Vale mencionar que a importância do sigilo das comunicações não foi subestimada pela Suprema Corte dos EUA. A Internet, sobretudo nos EUA, tornou-se um importante instrumento de disseminação de material pornográfico, bem como de oferta de serviços sexuais. A fim de instituir proteções a menores de idade, seja para impedir que eles tivessem acesso a informações reservadas para adultos, seja para combater a pedofilia, o Congresso americano editou o Communications Decency Act e, após a declaração de inconstitucionalidade desse, o Child Online Protection Act. Ambos os diplomas legais reduziam a privacidade do usuário da Internet, dando ciência das páginas e conteúdo visitados por ele, bem como bens eventualmente comprados na rede. A esse respeito, DAVID SCHULTZ et alii esclarecem que: The Communications Decency Act (CDA) of 1996, intended to regulate the distribution of pornographic materials, was declared unconstitutional in Reno v. ACLU (521 U.S. 844, 1997). Congress responded with the [482] Child Online Protection Act. In Ashcoft v. American Civil Liberties Union ( 542 I.S. 656, 2004), the Court again ruled, as it had in Reno, that efforts to regulate nonobscene but sexually explicit material on Web violated the First Amendment. (…) the Court also seems to suggest that there are less restrictive ways to regulate the Internet to make it more difficult for children to access some materials.53 53 SCHULTZ, David; VILE, John R.; DEARDORFF, Michelle D. Constitutional Law in Contemporary America: vol. Two - Civil Rights and Liberties. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 254
  • 34. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. 6 CONCLUSÃO O papel de destaque exercido pelo Google na vida da sociedade hodierna revela-se sem precedente. A popularização desse veículo de informação representa, ipso facto, uma ameaça, seja pelas possibilidades de manipulação dos dados fornecidos, seja pela capacidade de estranhos, ligados ou não ao Google, obterem os dados. Nesse particular, esse caso suscita questionamentos interessantes, no que diz respeito àquilo que foi chamado de um “especial potencial de perigo” (ein besonderes Gefährdungspotenzial).54 Em uma ordem jurídica calcada na proteção aos direitos fundamentais, como a brasileira, deve-se atentar para o sigilo das comunicações, a isonomia, a igualdade de chances, a inviolabilidade do lar, a autodeterminação informativa e o direito geral da personalidade. Todos eles prestam-se, inegavelmente, a limitar o arbítrio estatal. Da mesma forma, ante o destacado papel desempenhado pelo Google e as nefastas conseqüências que podem surgir do abuso dessa concentração de poder nas mãos de um agente privado, torna-se clara a necessidade premente de impor balizas à atuação desse agente privado.55 Diante do exposto, podemos concluir pela necessidade de os constitucionalistas brasileiros refletirem, de forma mais apurada, acerca das implicações jurídicas de alguns novos meios tecnológicos e dos usos que se fazem deles. Uma importante forma de delimitar tais fronteiras de atuação, reduzindo o desequilíbrio de poder, seria a atuação do legislador. Com efeito, é extremamente salutar que o Congresso Nacional, investido do poder-dever de legislar, tome providências nesse sentido. [483] Enquanto isso não ocorre, todavia, buscou-se mostrar neste trabalho que, independentemente de regulamentação, os direitos fundamentais fornecem barreiras à atuação de entidades como o Google e que isso ocorre, precipuamente, por meio da eficácia de tais direitos na ordem jurídico-privada. 54 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 559 55 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 558
  • 35. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. Como visto, a proteção aos direitos fundamentais diante de atores privados que atuam na Internet, como o Google, perpassa a segurança da liberdade de acesso (Sicherheit der Zugangsfreiheit), a liberdade de manipulação (Manipulationsfreiheit) e, em geral, a vedação ao uso unilateral do poder ou ao seu abuso (einseitiger Machtgebrauch oder Missbrauch).56 A possibilidade de inclusão ou preenchimento de dados (Fülle der Daten), bem como as possibilidades de seleção (Selektionsmöglichkeiten), no que diz respeito a resultados e conteúdos disponibilizados na Internet, deve ser enxergada como uma censura privada (private censorship) e, como tal, deve ser vedada.57 O argumento de que todos são livres para usar ou não alguns recursos da Internet não faz mais sentido, ante a força social e quase que onipresença desses recursos na vida das pessoas atualmente. Da mesma forma, a anuência às políticas de privacidade traçadas por entidades que controlam os serviços colocados à disposição do público na Internet é mera ficção, à medida que, além de configurar-se mediante contrato por adesão, não dá quaisquer chances à sociedade de discutir ou alterar os critérios impostos unilateralmente. Enquanto não sobrevier lei que discipline tais relações, instituindo um estatuto para empresas como o Google, é imprescindível e urgente que o Poder Judiciário exerça, com base nos direitos vigentes, um controle sobre a atividade desses grandes grupos, de modo a frear eventuais abusos. Os direitos fundamentais consubstanciam parâmetro apto a identificar alguns desses abusos. [484] 56 HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). op. cit., p. 529 57 cf. NUNZIATO, Dawn. Virtual Freedom: Net Neutrality and Free Speech in the Internet Age. (Stanford Law Books). Stanford: Stanford University Press, 2009.
  • 36. NETO, João Costa. "A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: o caso Google. "Revista Brasileira de Estudos Constitucionais”, Belo Horizonte, ano 6, n. 22, p. 457-487, abr./jun. 2012. REFERÊNCIAS AFONSO DA SILVA, Virgílio. A constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005. ARRAIS, Daniela. Carolina Dieckmann foi chantageada antes de ter fotos divulgadas, diz advogado. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 maio 2012. ARRAIS, Daniela. Supostas fotos de Carolina Dieckmann nua vazam na internet. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 maio 2012. BADURA, Peter. Staatsrecht: Systematische Erläuterung des Grundgesetzes für die Bundesrepublik Deutschland. 5.Auf. München: C.H. Beck, 2012. BARCINSKI, André. “Não fossem manifestações, obra sofrível passaria despercebida.”, Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 set. 2012. BECKER, Sven; NIGGEMEIER, Stevan. “Im Namen der Freiheit.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 39, 24 set. 2012. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais. Direito Público, v. 1, n. 2, Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, out./dez. 2003. BROWNE, Jeremy. World Press Freedom Day 2012. Disponível em: <http://ukinmontserrat.fco.gov. uk/en/news/?view=News&id=760878782> Acesso em 3 de junho de 2012. CANOTILHO, José J. Gomes; MACHADO, Jónatas E.M. Reality Shows e liberdade de programação. Coimbra: Coimbra, 2003, Col. Argumentum. CARVALHO, Daniel. “Justiça Eleitoral em MS manda prender presidente do Google no Brasil.” Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 set. 2012. EMMERICH, Volker. Kartellrecht: Ein Studienbuch. München: C.H. Beck, 2012. ENGLE, Eric. Third Party Effect of Fundamental Rights (Drittwirkung). In: Hanse Law Review. v. 5, n. 2, 2009. FRITZSCHE, Jörg. Wettbewerbs- und Kartellrecht. Baden-Baden: Nomos, 2012. GANTEN, Ted Oliver. Die Drittwirkung der Grundfreiheiten. Berlin: Duncker & Humblot, 2000. GRABENWARTER, Christoph; PABEL, Katharina. Europäische Menschenrechtskonvention. 5.Auf. München: C.H. Beck, 2012. HOBBES, Thomas. De Ciue. Oxford: Clarendon Press, 1983. HOFFMANN-RIEM, Wolfgang (2008). Der grundrechtliche Schutz der Vertraulichkeit und Integrität In: HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Offene Rechtswissenschaft: Ausgewählte Schriften und gebleitende Analysen. Stuttgart: Mohr Siebeck, 2010. HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Informationelle Selbstbestimmung in der Informationsgesellschaft. In: HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Offene Rechtswissenschaft: Ausgewählte Schriften und gebleitende Analysen. Stuttgart: Mohr Siebeck, 2010. HOLZNAGEL, B. Meinungsfreiheit oder Free Speech im Internet: Unterschiedliche Grenzen tolerierbarer Meinungsäußerungen in den USA und Deutschland. Archiv für Presserecht, v. 9, 2002. HOLZNAGEL, B. Responsibility for Harmful and Illegal Content as well as Free Speech on the Internet in the United States of America and Germany. In: ENGEL, C. (ed.). Governance of Global Networks in the Light of Differing Local Values. Baden-Baden: Nomos, 2000. HÜLSEN, Isabell. “Für das Vergessen.” Der Spiegel, Hamburg, Nr. 35, 27 ago. 2012.
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