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ANÁLISE DO CONTO “CASA TOMADA”, DE JULIO CORTÁZAR¹
Daiane Rodrigues²
Francieli Corbellini
Resumo: Uma das formas literárias mais encantadoras é o conto. Muitos aspectos são
apresentados nesses textos concisos, mas também são apresentados aspectos além texto que
podem remeter à própria vida do autor. Julio Cortázar foi um desses escritores que nos
mostram um pouco sobre suas experiências através de seus contos. O conto “Casa tomada”,
por exemplo, reflete o período da ditadura na Argentina e a necessidade de Cortázar – entre
outros, contrários ao governo – sair do país para continuar escrevendo. Neste trabalho, “Casa
tomada” é analisada, extrínseca e intrinsecamente, de modo a detectar a vivência do autor e
também identificar outros aspectos, como o fantástico nesta obra de Cortázar.
1. INTRODUÇÃO
A maioria das obras literárias tem seu fundamento, ou aspectos alicerçados na vida do
autor. Considerando essa assertiva, desvendar quais são estes aspectos nem sempre é uma
tarefa fácil, mas esses estudos acabam fornecendo melhor compreensão do livro em questão.
Este trabalho tem por finalidade fazer uma análise intrínseca e extrínseca do conto
“Casa tomada”, de Julio Cortázar. Analisaremos os diversos aspectos, tentando desvendar o
aspecto intrigante do conto, com a apresentação de uma paráfrase, a análise propriamente dita,
interpretações – sociológica, psicológica e fantástica – e, por fim, um breve comentário com
sugestões de leituras e novas interpretações.
2. PARÁFRASE
O conto “Casa tomada”, de Julio Cortázar, escrito em 1946, descreve uma casa
espaçosa, antiga, que guardava muitas recordações de várias gerações da família. Irene e o
irmão tinham uma rotina que começava cedo, deixavam tudo limpo antes do almoço, ficando
apenas alguns pratos sujos.
Muitas vezes pensaram que não haviam casados por culpa da casa, já que adoravam o
silencioso dela, tanto que Irene dispensou dois pretendentes e o irmão viu uma morrer. No
entanto, lamentavam acabar com a árvore genealógica da família naquela casa e não gostavam
sequer de pensar que, quando viessem a morrer, seus primos a herdariam e a destruiriam para
aproveitar o terreno e vender os tijolos.
O irmão, que é o narrador, descreve Irene mostrando que ela fazia muito tricô, mas
que só fazia coisas úteis a eles e não fazia mal a ninguém. Ele fala que não entende as
¹Estudo realizado para a disciplina de Crítica Literária I, sob orientação da Prof. Sueli A. T. Barros Cassal, curso
de Letras da Faculdade Porto-Alegrense, no ano de 2013.
²fracorbellini@gmail.com/ddaaiiaannee@yahoo.com.br. Graduandas do curso de Letras, da Faculdade Porto-
Alegrense.
exceção de sua irmã. Aos sábados ele ia ao centro comprar lã para Irene e aproveitava para ir
à livraria e perguntar se havia alguma novidade de literatura francesa, mas há muito tempo
não chegava nada de bom à Argentina. Irene divertia seu irmão fazendo o tricô. Ele apreciava
o movimento das agulhas, a linha se agitando na cestinha e, às vezes, toda encrespada porque
Irene havia desmanchado algo de que não havia gostado.
A casa é descrita com muitos detalhes, inclusive alguns materiais como a porta-
persiana. A divisão das peças é mostrada de modo a enfatizar que existiam duas partes,
separadas pela porta de carvalho, que quase sempre estava fechada. Em momentos que se
encontrava aberta, percebia-se como a casa era grande e, quando fechada, a casa parecia ser
dividida em vários aposentos. Os irmãos só passavam dessa porta para fazer a limpeza,
porque mesmo não vivendo lá, juntava muita poeira.
Em certo momento do conto, Irene estava tricotando quando o irmão lembrou-se de
colocar a chaleira do mate no fogo. Estava indo em direção à cozinha e ouviu um barulho, que
vinha das peças do fundo. Correu, fechou e trancou a porta de carvalho para a segurança dos
dois. Aqueceu a água e voltou para onde Irene estava, disse a ela que haviam tomado a parte
dos fundos.
Os irmãos decidiram viver somente na parte da casa, mais próxima à porta de entrada.
No inicio foi difícil, pois sentiam falta de coisas que haviam ficado na parte dos fundos, como
os livros de literatura francesa. Porém, apesar de tudo, morar em apenas uma parte da casa
teve suas vantagens. O tempo de limpeza diminuiu, agora Irene tinha mais tempo para tricotar
e começou a ajudar o irmão na cozinha. Ele sentia falta das leituras; começou a examinar a
coleção de selos do pai e assim passavam quase todo o tempo no quarto de Irene. Nos
cômodos que ficavam perto da parte tomada eles iam e ficavam falando mais alto ou cantando
canções de ninar para que não ouvissem o som do outro lado.
Mais à frente na narrativa, repete-se a situação; o irmão sente sede e, ao se direcionar a
cozinha, escuta um barulho e para. Irene percebe e vai para o lado dele, ficam escutando e
concluem ser do lado deles na casa. O irmão pega Irene pelo braço e eles correm até a porta-
persiana, sem olhar para trás. Ficam no saguão após fechar a porta. Assim, percebem que não
pegaram nada e que até a lã do tricô havia caído. Eles se abraçam e saem à rua. Fecham a
porta da entrada e jogam a chave no bueiro para que ninguém possa abrir a casa já que ela
estava tomada.
3. ANÁLISE
O conto relata duas histórias paralelas: a convivência dos irmãos, que pertencem a
uma família da elite, e a relação deles com a casa. É composto por três personagens: Irene, o
“eu” não nomeado e a casa. Irene e o “eu” eram irmãos. O “eu” é o narrador, um narrador
homodiegético, ou seja, é um narrador/personagem que participa dos fatos que está narrando.
Ele não fala de si, somente de Irene e da casa.
Só temos a visão do irmão sobre Irene, sendo, às vezes, contraditória como quando ela
entretinha-se tricotando o que, para outras mulheres, era um pretexto de não fazer nada. Ela
era uma moça que se conformava em fazer as tarefas domésticas, não demonstrando sequer
interesse em sair de casa. A casa, por sua vez, é um personagem porque é por influência dela
que as atitudes são tomadas, inclusive o narrador culpa-a de não ter deixado Irene ou ele
casarem-se com os respectivos pretendentes.
A casa também é o espaço principal e este é muito bem descrito. Podemos imaginar os
seus doze cômodos. A descrição da organização das partes contribui para o entendimento do
conto, ou seja, para seu desfecho, já que os sons propagam-se por ela fazendo ecos. É uma
moradia antiga, porque ali moraram também os bisavós, os avós, os pais dos atuais
moradores. Por ser a casa muito espaçosa, após a primeira tomada desta, Irene e o irmão
resolvem viver em uma parte mais próxima da entrada, com cozinha, banheiro e os quartos,
com ligação para o restante da casa por um corredor estreito e, separando os ambientes, uma
porta de carvalho. Esse recanto dos irmãos é tido como o segundo espaço.
O foco narrativo é em primeira pessoa; portanto, temos somente um ponto de vista e
podemos desconfiar do que nos é contado. Quase não há descrição de cenas, mostrando que o
narrador está despreocupado com isso. Ele relata tudo de forma tranquila, disfarçando uma
vida egocêntrica. O tempo é relatado com pouca expressividade, dando a ideia de um tempo
perdido, quase desperdiçado. Esses dois aspectos contribuem e firmam a ideia de uma história
alienada. Há menção de que acordavam cedo, por volta das sete horas, para limpar a casa e às
onze horas Irene passava à cozinha, mas não é possível estabelecer um tempo certo de cada
ação durante o dia.
As ações restringem-se ao que acontece dentro da casa. O exterior, no caso a cidade
onde vivem, Buenos Aires, aparece somente quando o narrador sai para comprar lã – sendo
esta uma ação importante já que o tricotar é o único passatempo da irmã – e passa por
livrarias à procura de literatura francesa. Outra ação importante é a limpeza da casa; ambos
zelavam muito para a manutenção daquele espaço, já que ele comportara gerações de sua
família, de sua história. Até a casa ser tomada, o narrador lia muito, depois ele apenas revia a
coleção de selos de seu pai.
A principal ação é a da tomada da casa. Não sabemos por quem, mas, aparentemente,
há uma movimentação que remete à ocupação, talvez até por forças estranhas ao mundo real.
Os irmãos, pelo zelo que têm pela moradia, ficam abalados com a situação, demoram para
retomarem normalmente seus afazeres, até a segunda tomada, quando saem definitivamente
do lar.
Para finalizar, Paloma Vidal diz, na revista Confraria do Tempo, que:
Em “Casa tomada”, que Cortázar chamou de “escrita exata de um sonho”, o
unheimlich³ invade a casa e rompe não apenas com a ordem que pautava os afazeres
diários de seus dois habitantes (a limpeza dos cômodos, as leituras, o tricô etc.), mas
com uma tradição que remontava aos bisavós dos protagonistas, segundo a
genealogia estabelecida pelo conto. A invasão paulatina do espaço aparece em
contigüidade com a invasão do pensamento: assim como os personagens são
privados da circulação pela casa, eles deixam também de pensar, o que para Irene e
seu irmão logo se torna uma evidência absolutamente natural.
4. INTERPRETAÇÃO
4.1 SOCIOLÓGICA
Filho de diplomata, Julio Florencio Cortázar nasceu em uma embaixada da Argentina,
na Bélgica, em 1914. Seus pais separaram-se quando ele ainda era criança e foi criado pela
mãe, por uma tia e pela avó, na Argentina. Formou-se professor de Letras e seu primeiro livro
foi “Presencia”, livro de poemas, com o pseudônimo Júlio Denis. Vidal, (2008), nos diz ainda
que
[...] Julio Cortázar, depois de formado em 1932 na Escola Normal de Professores
Mariano Acosta, em Buenos Aires, vai ensinar no interior, primeiro na província de
Buenos Aires, em Bolívar e Chivilcoy, depois em Mendoza, na Universidad de
Cuyo. Não há nesses deslocamentos o desejo de descoberta de uma “Argentina
profunda”, de apropriação pela escrita de regiões remotas que guardariam a essência
de uma cultura própria. Pelo contrário, o emprego de professor permite a Cortázar,
além de ajudar financeiramente sua mãe, continuar suas leituras e sua formação.
Assim, ele se interna num universo estético cujo horizonte é principalmente a
literatura européia, que ele lê com avidez, em especial os poetas simbolistas
franceses e os escritores românticos ingleses.
Em 1951, foi para Paris em função de discordar da ditadura na Argentina e também
por ter recebido uma bolsa de estudos do governo francês.
Antes de viajar, porém, Cortázar fará seu ritual de iniciação, entregando a Borges o
conto “Casa Tomada”, incluído no número de dezembro de 1946 de Los anales de
Buenos Aires, revista então dirigida pelo autor de Ficções. O conto abrirá o livro
Bestiario, primeiro que Cortázar publica com seu nome, em 1951, meses antes de se
mudar para Paris. Nesses contos, encontraremos a emergência de um outro plano
que deixa em evidência uma cisão do sujeito, algo que foge ao seu controle e o
aliena em seu próprio discurso. (VIDAL, 2008).
Em 1953, casou-se com uma tradutora argentina. Cortázar traduziu a obra completa de
Edgar Allan Poe para a Universidade de Puerto Rico. A partir de 1963, envolveu-se com a
política e comprometeu-se com a libertação da América Latina dos regimes ditatoriais. Fez
viagens a Cuba, Costa Rica e Nicarágua. Só retorna à Argentina em 1983, quando ali já se
______________________________________________________________________________________
³unheimlich – expressão de Freud para significar o “estranho inquietante”, a “inquietante estranheza”.
estabelecia a democracia. Sua última esposa faleceu em 1982, Cortázar entra em profunda
depressão e morre em 1984 com leucemia.
Fatos importantes, que ocorreram na Argentina, marcaram a vida de Cortázar. Por
exemplo, Juan Domingo Péron assume o governo em 1946, após uma campanha violenta e
repressiva. Fez um mandato de “nação em armas”, aumentando 50% os investimentos em
material bélico. No entanto, a Argentina sofreu avanços benéficos para a população, como a
criação de leis trabalhistas favoráveis ao operariado. O aumento do salário, por exemplo,
ofereceu estabilidade aos trabalhadores, mas não aos empresários que se revoltaram contra o
governo, alegando-se que este mesmo aumento causou uma grande inflação, pois a produção
era baixa, discordando do poder aquisitivo. Em 1951, Perón é reeleito para um mandato que
durou praticamente um ano, já que em 1952 ele é deposto por um golpe militar. É em 1951
que Cortázar precisa fugir da Argentina, justamente por não concordar com o governo
repressivo de Péron.
[...] depois de deixar seu emprego em Mendoza por não querer compactuar com o
Peronismo, cuja ingerência na educação julgava intolerável, exacerba-se a sensação
negativa de inadequação, de isolamento, de não caber nesse contexto. O
nacionalismo, o populismo e a hostilidade em relação à cultura letrada do novo
governo são sinais de uma decomposição social que só faz oprimir o escritor.
“Buenos Aires era uma espécie de castigo. Viver ali era estar encarcerado”, diria
mais tarde. Freqüentemente mencionada como motivo fundamental da viagem, a
discordância política parece, contudo, apenas mais uma dobra do sentimento que
abarca toda a nação argentina, esse “país infecto”, cujos limites espaciais, culturais e
sociais é preciso ultrapassar para que a subjetividade artística possa se realizar em
sua plenitude. (VIDAL, 2008).
4.2 PSICOLÓGICA
Pelo que podemos perceber, os barulhos ouvidos por Irene e o irmão eram produzidos
por eles mesmos. O que comprova isso é a colocação dos pronomes em algumas frases como
“ficamos escutando os ruídos, notando claramente, que eram deste lado da porta de carvalho”.
Como a casa era grande, o que provavelmente acontecia, era a propagação do som dos irmãos
em ecos, dando a impressão de que havia mais alguém na casa.
Viviam isoladamente, tanto que o narrador acreditava não ser preciso sequer pensar
para viver. Culpam a casa de que ela não os deixava casar, mas são eles que já não se
relacionam com as pessoas. Aparentemente entende-se que a casa os expulsou, com os ruídos
das forças desconhecidas que a tomou, mas foram os irmãos que a abandonaram, jogando,
inclusive a chave no bueiro, para que ninguém se deparasse com o que imaginavam estar na
casa.
Tinham por crença que, com eles, terminaria toda a árvore genealógica da família que
vivera na casa desde os bisavós. Entende-se que já eram parte da casa e lamentavam deixá-la,
para os primos que a demoliriam para vender os tijolos. Os objetos descritos são importantes
porque refletem os gostos dos irmãos, retratando por eles como eram monótonas suas vidas.
Tanto que, aos poucos, vão deixando tudo o que têm e abandonam a casa apenas com a roupa
do corpo.
As portas também têm função importante no conto, além de delimitar os espaços. Com
a porta de carvalho aberta viam a casa ampla a ponto de poderem viver ali oito pessoas sem se
estorvar, dando a entender que a casa poderia ser ocupada por pessoas além deles sem se
incomodar, reforçando a tese de que ela foi tomada. Já com a porta de carvalho fechada,
existe a divisão em pequenos apartamentos e, habitado, somente o dos irmãos, dando a ilusão,
ou realidade, de que estão sozinhos.
Analisando psicologicamente a vida do autor em relação ao conto, essa expulsão dos
irmãos reflete ao momento em que Cortázar sofre com a ditadura de Péron. Provavelmente ele
teve que deixar tudo para trás. A casa seria, então, a representação da Argentina para
Cortázar, com todos seus antepassados e sua história. Vale lembrar que o conto é de 1946 e
Cortázar sai do país em 1951; logo, o autor poderia já estar prevendo o que seria obrigado a
fazer, no momento da escrita de “Casa tomada”. Outra relação entre autor e obra é o fato de
Cortázar gostar muito da literatura francesa.
4.3 O FANTÁSTICO
O fantástico, nesse conto, pode ser encontrado nas forças estranhas que invadem a
casa e expulsam os irmãos, caracterizando uma situação inusitada, inesperada e incomum.
Vidal coloca esse fator estranho na fala acrescentada à análise acima, nomeando-o como
“unheimlich”. Esta denominação foi usada por Freud, sendo este um conceito fundamental
para a literatura fantástica, para eventos de natureza estranha, incomum, excepcional, sinistra
e misteriosa. Bráulio Tavares, no site Universo Fantástico, acrescenta, sobre Freud, o
seguinte: em seu artigo clássico sobre o tema ele diz que o “Unheimlich/Uncanny” não
deriva seu terror de alguma coisa externa, estranha ou desconhecida, mas, pelo contrário, de
algo estranhamente familiar, que tentamos afastar de nós, mas que resiste aos nossos
esforços.
Corroboramos a ideia acima porque não é relatado nenhum tipo de resistência dos
irmãos à ocupação. Quando imaginam ter alguma coisa dentro da casa, simplesmente a
abandonam e o conto termina sem uma explicação ao leitor desta atitude e sobre o que tomou
a casa. Essa sensação de estranhamento frente ao inexplicável é também uma característica do
realismo fantástico.
5 COMENTÁRIOS
Existem muitas interpretações possíveis para o conto “Casa tomada”. No texto “Casa
tomada, de Julio Cortázar”, publicado no site Impressões Literárias, inclui-se a interpretação
de que a casa foi tomada, com a alusão de que a memória dos irmãos ia se perdendo. Nós
somos o que nós lembramos que somos e, em conjunto com a destruição da memória e da
história, perde-se a identidade; por consequência, a saúde mental e a realidade necessária para
viver. O narrador deixa claro que já não se faz necessário pensar, comprovando que, aos
poucos, tudo na casa vai se perdendo – objetos, história, identidade.
Nos dois momentos do conto - um com a descrição das personagens e da casa e outro
com a situação da casa sendo tomada – as situações se entrelaçam ao longo da história,
fazendo com que tudo se torne único. Não se sabe pelo que a casa está sendo tomada, apenas
que há algo estranho que faz com que os irmãos a abandonem e ainda joguem a chave fora
para evitar que outras pessoas possam passar pela mesma situação.
Sugestões de livro de Julio Cortázar: Bestiario, 1951; As Armas Secretas, 1959; Os
Prêmios, 1961; Histórias de Cronópios e de Famas, 1962; O Jogo da Amarelinha, 1963 e
Todos os Fogos o Fogo, 1966.
Sugestões de leituras sobre o conto “A casa tomada”:
MACHADO, Eduardo Pereira. MAGALHÃES, Epaminondas de Matos. Quem tomou a
casa? Uma leitura possível da casa Tomada de Júlio Cortázar. Revista Ave Palavra. 2012.
Disponível em http://www2.unemat.br/avepalavra/EDICOES/13/artigos/machadomatos.pdf
Acesso em 10/09/2013
PRADO, José Henrique da Silva. Casa Tomada de Júlio Cortázar. [s. d.]. Disponível em
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/c/casa_tomada –
Acesso em 10/09/13.
SANTANA, Ana Lucia. Casa Tomada. [s. d.]. Disponível em
http://www.infoescola.com/literatura/casa-tomada/ Acesso em 10/09/13.
6 CONCLUSÃO
Através deste estudo, concluímos que o conto “Casa tomada”, de Júlio Cortázar, pode
oferecer inúmeras interpretações. Algumas alinham-se, no entanto, sobre a questão de que a
casa é tomada remetendo a um movimento sinistro, que surge a partir dos próprios
personagens. Consideramos, então, que os irmãos provocavam os ruídos e, por meio da
propagação do som, já que a casa era espaçosa, imaginavam ser de alguém que havia entrado
na moradia.
A presença do fantástico é importantíssima para o entendimento, porque parte de uma
sensação de sinistro interior para o exterior, provocando o abandono da casa. Os personagens
já não se sentiam familiarizados com a casa, apesar de toda a veneração por ela no início do
conto, tanto que aos poucos foram deixando tudo, como se sequer fosse um dia aquela a casa,
os objetos, deles.
Com certeza, teríamos ainda muitos apontamentos a fazer e discussões para participar
acerca deste conto de Cortázar, tamanha genialidade ao autor neste e em outros tantos livros
de sua autoria.
REFERÊNCIAS
CORTÁZAR, Julio. Bestiario. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1971.
IMPRESSÔES LITERÁRIAS. A casa tomada, de Júlio Cortázar. [s. d.]. Disponível em
http://impressoesliterarias.wordpress.com/2008/03/19/casa-tomada-de-julio-cortazar/
Acesso em 11/09/2013.
TAVARES, Bráulio. Freud explica o „unheimlich‟ / „uncanny‟. [s. d.]. Disponível em
http://universofantastico.wordpress.com/2009/05/09/freud-explica-o-unheimlich-uncanny/
Acesso em 11/09/2013.
VIDAL, Paloma. Cortázar e o sentido da viagem. Buenos Aires: Revista Confraria do
vento. 2008. Disponível em http://www.confrariadovento.com/revista/numero19/work01.htm
Acesso em 10/09/2013.

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Negrinha 3ª B - 2011
 

Análise (1)

  • 1. ANÁLISE DO CONTO “CASA TOMADA”, DE JULIO CORTÁZAR¹ Daiane Rodrigues² Francieli Corbellini Resumo: Uma das formas literárias mais encantadoras é o conto. Muitos aspectos são apresentados nesses textos concisos, mas também são apresentados aspectos além texto que podem remeter à própria vida do autor. Julio Cortázar foi um desses escritores que nos mostram um pouco sobre suas experiências através de seus contos. O conto “Casa tomada”, por exemplo, reflete o período da ditadura na Argentina e a necessidade de Cortázar – entre outros, contrários ao governo – sair do país para continuar escrevendo. Neste trabalho, “Casa tomada” é analisada, extrínseca e intrinsecamente, de modo a detectar a vivência do autor e também identificar outros aspectos, como o fantástico nesta obra de Cortázar. 1. INTRODUÇÃO A maioria das obras literárias tem seu fundamento, ou aspectos alicerçados na vida do autor. Considerando essa assertiva, desvendar quais são estes aspectos nem sempre é uma tarefa fácil, mas esses estudos acabam fornecendo melhor compreensão do livro em questão. Este trabalho tem por finalidade fazer uma análise intrínseca e extrínseca do conto “Casa tomada”, de Julio Cortázar. Analisaremos os diversos aspectos, tentando desvendar o aspecto intrigante do conto, com a apresentação de uma paráfrase, a análise propriamente dita, interpretações – sociológica, psicológica e fantástica – e, por fim, um breve comentário com sugestões de leituras e novas interpretações. 2. PARÁFRASE O conto “Casa tomada”, de Julio Cortázar, escrito em 1946, descreve uma casa espaçosa, antiga, que guardava muitas recordações de várias gerações da família. Irene e o irmão tinham uma rotina que começava cedo, deixavam tudo limpo antes do almoço, ficando apenas alguns pratos sujos. Muitas vezes pensaram que não haviam casados por culpa da casa, já que adoravam o silencioso dela, tanto que Irene dispensou dois pretendentes e o irmão viu uma morrer. No entanto, lamentavam acabar com a árvore genealógica da família naquela casa e não gostavam sequer de pensar que, quando viessem a morrer, seus primos a herdariam e a destruiriam para aproveitar o terreno e vender os tijolos. O irmão, que é o narrador, descreve Irene mostrando que ela fazia muito tricô, mas que só fazia coisas úteis a eles e não fazia mal a ninguém. Ele fala que não entende as ¹Estudo realizado para a disciplina de Crítica Literária I, sob orientação da Prof. Sueli A. T. Barros Cassal, curso de Letras da Faculdade Porto-Alegrense, no ano de 2013. ²fracorbellini@gmail.com/ddaaiiaannee@yahoo.com.br. Graduandas do curso de Letras, da Faculdade Porto- Alegrense.
  • 2. exceção de sua irmã. Aos sábados ele ia ao centro comprar lã para Irene e aproveitava para ir à livraria e perguntar se havia alguma novidade de literatura francesa, mas há muito tempo não chegava nada de bom à Argentina. Irene divertia seu irmão fazendo o tricô. Ele apreciava o movimento das agulhas, a linha se agitando na cestinha e, às vezes, toda encrespada porque Irene havia desmanchado algo de que não havia gostado. A casa é descrita com muitos detalhes, inclusive alguns materiais como a porta- persiana. A divisão das peças é mostrada de modo a enfatizar que existiam duas partes, separadas pela porta de carvalho, que quase sempre estava fechada. Em momentos que se encontrava aberta, percebia-se como a casa era grande e, quando fechada, a casa parecia ser dividida em vários aposentos. Os irmãos só passavam dessa porta para fazer a limpeza, porque mesmo não vivendo lá, juntava muita poeira. Em certo momento do conto, Irene estava tricotando quando o irmão lembrou-se de colocar a chaleira do mate no fogo. Estava indo em direção à cozinha e ouviu um barulho, que vinha das peças do fundo. Correu, fechou e trancou a porta de carvalho para a segurança dos dois. Aqueceu a água e voltou para onde Irene estava, disse a ela que haviam tomado a parte dos fundos. Os irmãos decidiram viver somente na parte da casa, mais próxima à porta de entrada. No inicio foi difícil, pois sentiam falta de coisas que haviam ficado na parte dos fundos, como os livros de literatura francesa. Porém, apesar de tudo, morar em apenas uma parte da casa teve suas vantagens. O tempo de limpeza diminuiu, agora Irene tinha mais tempo para tricotar e começou a ajudar o irmão na cozinha. Ele sentia falta das leituras; começou a examinar a coleção de selos do pai e assim passavam quase todo o tempo no quarto de Irene. Nos cômodos que ficavam perto da parte tomada eles iam e ficavam falando mais alto ou cantando canções de ninar para que não ouvissem o som do outro lado. Mais à frente na narrativa, repete-se a situação; o irmão sente sede e, ao se direcionar a cozinha, escuta um barulho e para. Irene percebe e vai para o lado dele, ficam escutando e concluem ser do lado deles na casa. O irmão pega Irene pelo braço e eles correm até a porta- persiana, sem olhar para trás. Ficam no saguão após fechar a porta. Assim, percebem que não pegaram nada e que até a lã do tricô havia caído. Eles se abraçam e saem à rua. Fecham a porta da entrada e jogam a chave no bueiro para que ninguém possa abrir a casa já que ela estava tomada. 3. ANÁLISE O conto relata duas histórias paralelas: a convivência dos irmãos, que pertencem a uma família da elite, e a relação deles com a casa. É composto por três personagens: Irene, o “eu” não nomeado e a casa. Irene e o “eu” eram irmãos. O “eu” é o narrador, um narrador
  • 3. homodiegético, ou seja, é um narrador/personagem que participa dos fatos que está narrando. Ele não fala de si, somente de Irene e da casa. Só temos a visão do irmão sobre Irene, sendo, às vezes, contraditória como quando ela entretinha-se tricotando o que, para outras mulheres, era um pretexto de não fazer nada. Ela era uma moça que se conformava em fazer as tarefas domésticas, não demonstrando sequer interesse em sair de casa. A casa, por sua vez, é um personagem porque é por influência dela que as atitudes são tomadas, inclusive o narrador culpa-a de não ter deixado Irene ou ele casarem-se com os respectivos pretendentes. A casa também é o espaço principal e este é muito bem descrito. Podemos imaginar os seus doze cômodos. A descrição da organização das partes contribui para o entendimento do conto, ou seja, para seu desfecho, já que os sons propagam-se por ela fazendo ecos. É uma moradia antiga, porque ali moraram também os bisavós, os avós, os pais dos atuais moradores. Por ser a casa muito espaçosa, após a primeira tomada desta, Irene e o irmão resolvem viver em uma parte mais próxima da entrada, com cozinha, banheiro e os quartos, com ligação para o restante da casa por um corredor estreito e, separando os ambientes, uma porta de carvalho. Esse recanto dos irmãos é tido como o segundo espaço. O foco narrativo é em primeira pessoa; portanto, temos somente um ponto de vista e podemos desconfiar do que nos é contado. Quase não há descrição de cenas, mostrando que o narrador está despreocupado com isso. Ele relata tudo de forma tranquila, disfarçando uma vida egocêntrica. O tempo é relatado com pouca expressividade, dando a ideia de um tempo perdido, quase desperdiçado. Esses dois aspectos contribuem e firmam a ideia de uma história alienada. Há menção de que acordavam cedo, por volta das sete horas, para limpar a casa e às onze horas Irene passava à cozinha, mas não é possível estabelecer um tempo certo de cada ação durante o dia. As ações restringem-se ao que acontece dentro da casa. O exterior, no caso a cidade onde vivem, Buenos Aires, aparece somente quando o narrador sai para comprar lã – sendo esta uma ação importante já que o tricotar é o único passatempo da irmã – e passa por livrarias à procura de literatura francesa. Outra ação importante é a limpeza da casa; ambos zelavam muito para a manutenção daquele espaço, já que ele comportara gerações de sua família, de sua história. Até a casa ser tomada, o narrador lia muito, depois ele apenas revia a coleção de selos de seu pai. A principal ação é a da tomada da casa. Não sabemos por quem, mas, aparentemente, há uma movimentação que remete à ocupação, talvez até por forças estranhas ao mundo real. Os irmãos, pelo zelo que têm pela moradia, ficam abalados com a situação, demoram para
  • 4. retomarem normalmente seus afazeres, até a segunda tomada, quando saem definitivamente do lar. Para finalizar, Paloma Vidal diz, na revista Confraria do Tempo, que: Em “Casa tomada”, que Cortázar chamou de “escrita exata de um sonho”, o unheimlich³ invade a casa e rompe não apenas com a ordem que pautava os afazeres diários de seus dois habitantes (a limpeza dos cômodos, as leituras, o tricô etc.), mas com uma tradição que remontava aos bisavós dos protagonistas, segundo a genealogia estabelecida pelo conto. A invasão paulatina do espaço aparece em contigüidade com a invasão do pensamento: assim como os personagens são privados da circulação pela casa, eles deixam também de pensar, o que para Irene e seu irmão logo se torna uma evidência absolutamente natural. 4. INTERPRETAÇÃO 4.1 SOCIOLÓGICA Filho de diplomata, Julio Florencio Cortázar nasceu em uma embaixada da Argentina, na Bélgica, em 1914. Seus pais separaram-se quando ele ainda era criança e foi criado pela mãe, por uma tia e pela avó, na Argentina. Formou-se professor de Letras e seu primeiro livro foi “Presencia”, livro de poemas, com o pseudônimo Júlio Denis. Vidal, (2008), nos diz ainda que [...] Julio Cortázar, depois de formado em 1932 na Escola Normal de Professores Mariano Acosta, em Buenos Aires, vai ensinar no interior, primeiro na província de Buenos Aires, em Bolívar e Chivilcoy, depois em Mendoza, na Universidad de Cuyo. Não há nesses deslocamentos o desejo de descoberta de uma “Argentina profunda”, de apropriação pela escrita de regiões remotas que guardariam a essência de uma cultura própria. Pelo contrário, o emprego de professor permite a Cortázar, além de ajudar financeiramente sua mãe, continuar suas leituras e sua formação. Assim, ele se interna num universo estético cujo horizonte é principalmente a literatura européia, que ele lê com avidez, em especial os poetas simbolistas franceses e os escritores românticos ingleses. Em 1951, foi para Paris em função de discordar da ditadura na Argentina e também por ter recebido uma bolsa de estudos do governo francês. Antes de viajar, porém, Cortázar fará seu ritual de iniciação, entregando a Borges o conto “Casa Tomada”, incluído no número de dezembro de 1946 de Los anales de Buenos Aires, revista então dirigida pelo autor de Ficções. O conto abrirá o livro Bestiario, primeiro que Cortázar publica com seu nome, em 1951, meses antes de se mudar para Paris. Nesses contos, encontraremos a emergência de um outro plano que deixa em evidência uma cisão do sujeito, algo que foge ao seu controle e o aliena em seu próprio discurso. (VIDAL, 2008). Em 1953, casou-se com uma tradutora argentina. Cortázar traduziu a obra completa de Edgar Allan Poe para a Universidade de Puerto Rico. A partir de 1963, envolveu-se com a política e comprometeu-se com a libertação da América Latina dos regimes ditatoriais. Fez viagens a Cuba, Costa Rica e Nicarágua. Só retorna à Argentina em 1983, quando ali já se ______________________________________________________________________________________ ³unheimlich – expressão de Freud para significar o “estranho inquietante”, a “inquietante estranheza”.
  • 5. estabelecia a democracia. Sua última esposa faleceu em 1982, Cortázar entra em profunda depressão e morre em 1984 com leucemia. Fatos importantes, que ocorreram na Argentina, marcaram a vida de Cortázar. Por exemplo, Juan Domingo Péron assume o governo em 1946, após uma campanha violenta e repressiva. Fez um mandato de “nação em armas”, aumentando 50% os investimentos em material bélico. No entanto, a Argentina sofreu avanços benéficos para a população, como a criação de leis trabalhistas favoráveis ao operariado. O aumento do salário, por exemplo, ofereceu estabilidade aos trabalhadores, mas não aos empresários que se revoltaram contra o governo, alegando-se que este mesmo aumento causou uma grande inflação, pois a produção era baixa, discordando do poder aquisitivo. Em 1951, Perón é reeleito para um mandato que durou praticamente um ano, já que em 1952 ele é deposto por um golpe militar. É em 1951 que Cortázar precisa fugir da Argentina, justamente por não concordar com o governo repressivo de Péron. [...] depois de deixar seu emprego em Mendoza por não querer compactuar com o Peronismo, cuja ingerência na educação julgava intolerável, exacerba-se a sensação negativa de inadequação, de isolamento, de não caber nesse contexto. O nacionalismo, o populismo e a hostilidade em relação à cultura letrada do novo governo são sinais de uma decomposição social que só faz oprimir o escritor. “Buenos Aires era uma espécie de castigo. Viver ali era estar encarcerado”, diria mais tarde. Freqüentemente mencionada como motivo fundamental da viagem, a discordância política parece, contudo, apenas mais uma dobra do sentimento que abarca toda a nação argentina, esse “país infecto”, cujos limites espaciais, culturais e sociais é preciso ultrapassar para que a subjetividade artística possa se realizar em sua plenitude. (VIDAL, 2008). 4.2 PSICOLÓGICA Pelo que podemos perceber, os barulhos ouvidos por Irene e o irmão eram produzidos por eles mesmos. O que comprova isso é a colocação dos pronomes em algumas frases como “ficamos escutando os ruídos, notando claramente, que eram deste lado da porta de carvalho”. Como a casa era grande, o que provavelmente acontecia, era a propagação do som dos irmãos em ecos, dando a impressão de que havia mais alguém na casa. Viviam isoladamente, tanto que o narrador acreditava não ser preciso sequer pensar para viver. Culpam a casa de que ela não os deixava casar, mas são eles que já não se relacionam com as pessoas. Aparentemente entende-se que a casa os expulsou, com os ruídos das forças desconhecidas que a tomou, mas foram os irmãos que a abandonaram, jogando, inclusive a chave no bueiro, para que ninguém se deparasse com o que imaginavam estar na casa. Tinham por crença que, com eles, terminaria toda a árvore genealógica da família que vivera na casa desde os bisavós. Entende-se que já eram parte da casa e lamentavam deixá-la,
  • 6. para os primos que a demoliriam para vender os tijolos. Os objetos descritos são importantes porque refletem os gostos dos irmãos, retratando por eles como eram monótonas suas vidas. Tanto que, aos poucos, vão deixando tudo o que têm e abandonam a casa apenas com a roupa do corpo. As portas também têm função importante no conto, além de delimitar os espaços. Com a porta de carvalho aberta viam a casa ampla a ponto de poderem viver ali oito pessoas sem se estorvar, dando a entender que a casa poderia ser ocupada por pessoas além deles sem se incomodar, reforçando a tese de que ela foi tomada. Já com a porta de carvalho fechada, existe a divisão em pequenos apartamentos e, habitado, somente o dos irmãos, dando a ilusão, ou realidade, de que estão sozinhos. Analisando psicologicamente a vida do autor em relação ao conto, essa expulsão dos irmãos reflete ao momento em que Cortázar sofre com a ditadura de Péron. Provavelmente ele teve que deixar tudo para trás. A casa seria, então, a representação da Argentina para Cortázar, com todos seus antepassados e sua história. Vale lembrar que o conto é de 1946 e Cortázar sai do país em 1951; logo, o autor poderia já estar prevendo o que seria obrigado a fazer, no momento da escrita de “Casa tomada”. Outra relação entre autor e obra é o fato de Cortázar gostar muito da literatura francesa. 4.3 O FANTÁSTICO O fantástico, nesse conto, pode ser encontrado nas forças estranhas que invadem a casa e expulsam os irmãos, caracterizando uma situação inusitada, inesperada e incomum. Vidal coloca esse fator estranho na fala acrescentada à análise acima, nomeando-o como “unheimlich”. Esta denominação foi usada por Freud, sendo este um conceito fundamental para a literatura fantástica, para eventos de natureza estranha, incomum, excepcional, sinistra e misteriosa. Bráulio Tavares, no site Universo Fantástico, acrescenta, sobre Freud, o seguinte: em seu artigo clássico sobre o tema ele diz que o “Unheimlich/Uncanny” não deriva seu terror de alguma coisa externa, estranha ou desconhecida, mas, pelo contrário, de algo estranhamente familiar, que tentamos afastar de nós, mas que resiste aos nossos esforços. Corroboramos a ideia acima porque não é relatado nenhum tipo de resistência dos irmãos à ocupação. Quando imaginam ter alguma coisa dentro da casa, simplesmente a abandonam e o conto termina sem uma explicação ao leitor desta atitude e sobre o que tomou a casa. Essa sensação de estranhamento frente ao inexplicável é também uma característica do realismo fantástico.
  • 7. 5 COMENTÁRIOS Existem muitas interpretações possíveis para o conto “Casa tomada”. No texto “Casa tomada, de Julio Cortázar”, publicado no site Impressões Literárias, inclui-se a interpretação de que a casa foi tomada, com a alusão de que a memória dos irmãos ia se perdendo. Nós somos o que nós lembramos que somos e, em conjunto com a destruição da memória e da história, perde-se a identidade; por consequência, a saúde mental e a realidade necessária para viver. O narrador deixa claro que já não se faz necessário pensar, comprovando que, aos poucos, tudo na casa vai se perdendo – objetos, história, identidade. Nos dois momentos do conto - um com a descrição das personagens e da casa e outro com a situação da casa sendo tomada – as situações se entrelaçam ao longo da história, fazendo com que tudo se torne único. Não se sabe pelo que a casa está sendo tomada, apenas que há algo estranho que faz com que os irmãos a abandonem e ainda joguem a chave fora para evitar que outras pessoas possam passar pela mesma situação. Sugestões de livro de Julio Cortázar: Bestiario, 1951; As Armas Secretas, 1959; Os Prêmios, 1961; Histórias de Cronópios e de Famas, 1962; O Jogo da Amarelinha, 1963 e Todos os Fogos o Fogo, 1966. Sugestões de leituras sobre o conto “A casa tomada”: MACHADO, Eduardo Pereira. MAGALHÃES, Epaminondas de Matos. Quem tomou a casa? Uma leitura possível da casa Tomada de Júlio Cortázar. Revista Ave Palavra. 2012. Disponível em http://www2.unemat.br/avepalavra/EDICOES/13/artigos/machadomatos.pdf Acesso em 10/09/2013 PRADO, José Henrique da Silva. Casa Tomada de Júlio Cortázar. [s. d.]. Disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/c/casa_tomada – Acesso em 10/09/13. SANTANA, Ana Lucia. Casa Tomada. [s. d.]. Disponível em http://www.infoescola.com/literatura/casa-tomada/ Acesso em 10/09/13. 6 CONCLUSÃO Através deste estudo, concluímos que o conto “Casa tomada”, de Júlio Cortázar, pode oferecer inúmeras interpretações. Algumas alinham-se, no entanto, sobre a questão de que a casa é tomada remetendo a um movimento sinistro, que surge a partir dos próprios personagens. Consideramos, então, que os irmãos provocavam os ruídos e, por meio da propagação do som, já que a casa era espaçosa, imaginavam ser de alguém que havia entrado na moradia. A presença do fantástico é importantíssima para o entendimento, porque parte de uma sensação de sinistro interior para o exterior, provocando o abandono da casa. Os personagens
  • 8. já não se sentiam familiarizados com a casa, apesar de toda a veneração por ela no início do conto, tanto que aos poucos foram deixando tudo, como se sequer fosse um dia aquela a casa, os objetos, deles. Com certeza, teríamos ainda muitos apontamentos a fazer e discussões para participar acerca deste conto de Cortázar, tamanha genialidade ao autor neste e em outros tantos livros de sua autoria. REFERÊNCIAS CORTÁZAR, Julio. Bestiario. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1971. IMPRESSÔES LITERÁRIAS. A casa tomada, de Júlio Cortázar. [s. d.]. Disponível em http://impressoesliterarias.wordpress.com/2008/03/19/casa-tomada-de-julio-cortazar/ Acesso em 11/09/2013. TAVARES, Bráulio. Freud explica o „unheimlich‟ / „uncanny‟. [s. d.]. Disponível em http://universofantastico.wordpress.com/2009/05/09/freud-explica-o-unheimlich-uncanny/ Acesso em 11/09/2013. VIDAL, Paloma. Cortázar e o sentido da viagem. Buenos Aires: Revista Confraria do vento. 2008. Disponível em http://www.confrariadovento.com/revista/numero19/work01.htm Acesso em 10/09/2013.