1) O documento discute o perfil educacional de Portugal e como ele foi moldado pelas forças do capitalismo e da hierarquia europeia.
2) O perfil educacional português é caracterizado por níveis baixos de educação secundária e superior em comparação com outros países europeus.
3) Isso reflete o papel periférico de Portugal na economia europeia e como o sistema educativo foi adaptado para atender às necessidades do empresariado português.
O modelo educativo português e a subalternidade econômica
1. A instrução e o modelo económico para o Sul da Europa (1)
O capitalismo colocou Portugal como periférico no
cenário europeu e determina-lhe um perfil educativo
adequado às atividades que se lhe digna atribuir
Há um desequilíbrio entre a realidade e a dinâmica do
capitalismo em Portugal por um lado; e, as subjetividades
da faixa populacional que tem hoje 25/40 anos, bem
como a da geração dos seus pais, décadas atrás.
Sumário
1 - Introdução
2 - O perfil educacional dos portugueses
3 - A evolução do enquadramento externo
4 - O modelo económico europeu
5 – O modelo educativo é um efeito da subalternidade lusitana
1 - Introdução
O maior nível educacional de uma população dota-a de instrumentos que a
podem fazer compreender a realidade e as causas das suas insuficiências
coletivas, bem como de empreender formas de garantia dos seus direitos ou, de
protesto e organização da contestação. Nada há de determinismo ou
linearidade nisto, tendo em conta as capacidades que a manipulação de massas
tem vindo a desenvolver sob o impulso de regimes ditatoriais, fascistas ou,
meramente corruptos, no seio de uma pseudo-democracia - a democracia de
mercado - arquitectada pelo modelo social neoliberal.
Uma coisa é ter os instrumentos, outra a sua utilização; e a boa utilização não
resulta sempre como corolário de um elevado nível educacional. Marx,
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 1
2. percebendo que um capitalismo desenvolvido exigia trabalhadores com mais
instrução intuiu que daí surgiria a maturidade política necessária para a
superação do capitalismo. Essa concepção linear foi desmentida em duas
situações, historicamente contemporâneas. Cerca de vinte anos após a sua
morte, trabalhadores instruídos matavam-se mutuamente numa guerra, em
nome da sua pátria e para gáudio dos seus capitalistas; e, na atrasada Rússia
um povo semi-analfabeto estoirava um poder imperial e lançava-se numa
experiência social e política nova. Esta última, apropriada por um partido de
ungidos educados, logo tratou de banir os sovietes, matar os artífices da
revolução em Kronstadt e massacrar os camponeses ucranianos, pouco dados à
aceitação de qualquer poder.
Em Portugal, apesar da população hoje, ser muito mais instruida que nos
tempos do PREC, não parece que esteja imune a ilusões, nacionalistas ou
eleitoralistas, de que o pagamento da dívida é exequível dever de gente
honrada e, de que o sistema político-económico contém todas as virtualidades
para um retorno a uma modesta prosperidade. Esta última só é efetivamente
sentida dado o nível baixo de partida, num país que, há cinquenta anos, não
tinha estradas decentes, água canalizada e saneamento básico em largas áreas
e, em que carro próprio era jóia apenas para uns quantos.
Inversamente, também não há qualquer determinismo na ideia de que uma
população miserável e iletrada tem na pobreza e na ignorância a alavanca
necessária e suficiente para a contestação e a revolta. A “teoria” do quanto pior,
melhor, não passa de uma demagogia para sublimar a impotência política ou o
acomodamento dos seus defensores.
O perfil educacional da população portuguesa é muito distinto do apresentado
pela grande maioria dos outros países europeus. Para além da sua caraterização
estrutural coloca-se-nos uma questão crucial:
As insuficiências desse perfil têm sido um travão ao desenvolvimento ou
é a hierarquização das nações europeias que produz esse perfil e não
outro mais qualificado?
Uma certa linearidade mecanicista, economicista, conduz a que se considere
que o factor super-estrutural (educação) trava o desenvolvimento económico,
desincentiva ao investimento externo. Uma visão geopolítica baseada na
avaliação das hierarquias geradas pelo capitalismo conduz a que sejam as
desigualdades daí resultantes a definir os padrões educacionais numa formação
social.
2 - O perfil educacional dos portugueses
A parcela da população com formação superior era, em Portugal, a mais baixa
da Europa em 2000 mas, em 2010 ultrapassava as proporções registadas na
Turquia, na Roménia e na Itália. Porém situava-se a menos de metade dos
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 2
3. indicadores dos países escandinavos e das Ilhas Britânicas, com particular
atenção para um dos acompanhantes no grupo dos PIIGS, a Irlanda.
População (25-64) com nivel superior de
educação (%)
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Noruega
Espanha
França
UE 27
Alemanha
Dinamarca
Grécia
Hungria
Irlanda
Roménia
Turquia
Portugal
Polónia
Reino Unido
Eslováquia
Finlândia
Itália
2000 2010
Fonte: Estado da Educação, 2011
Em Portugal, o incremento registado nessa parcela entre os dois momentos,
embora elevado em termos relativos, somente revela um crescimento paralelo
ao registado para a maioria dos outros países europeus. Note-se que a parcela
de licenciados (ou com habilitações superiores) em Espanha é dupla da
portuguesa.
Em que medida esse incremento, não terá sido algo deturpado pela existência
de cursos com programas ridículos, outros com licenciaturas facilitadas ou, sem
um conteúdo digno? As polémicas sobre as habilitações de Sócrates, Relvas,
Passos e outros, adicionadas ao fim de várias ditas universidades envolvidas em
escândalos financeiros - com imponentes vigaristas ungidos em magníficos
reitores - são elementos que retiram algum do significado real daquele
incremento. E retiram certamente muito do brilho com que se pretenderá untar
a lógica de mercado estendida ao ensino em geral e ao superior, neste caso.
Sublinhe-se que na Finlândia, o país referenciado no gráfico como tendo o
indicador mais elevado, a universidade é exclusivamente pública, não sendo
admitidos desvios mercantilistas protagonizados por cobradores de propinas
ou de reminiscências medievais quando as ciências necessitavam de aprovação
papal.
A tradição lusitana de uma universidade rotineira e pouco estimulante da
criação, da experimentação tem uma história baseada em gangs e rivalidades
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 3
4. de emproados catedráticos, donos dos saberes e especializados no fomento das
referências às obras dos próprios e dos seus amigos, da intolerância para com
os diferentes e a exploração e humilhação de mestrandos e doutorandos.
Muitos não passam de campeões do biscate, ocupando lugares em empresas e
defendem terem as universidades de se orientarem para as necessidades das …
empresas.
Por seu turno, a representatividade da população com estudos pelo menos
secundários é muito baixa, bastante afastada da apresentada pelos outros
países, com excepção da Turquia. A evolução registada em dez anos é positiva
também mas, o incremento verificado não se afasta muito da progressão
registada nos outros países, pelo que as distâncias relativas pouco se alteram,
como se observou também, para as pessoas com cursos superiores.
População (25-64) com nivel secundário de
educação (%)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Noruega
Espanha
França
UE 27
Alemanha
Dinamarca
Grécia
Hungria
Irlanda
Roménia
Turquia
Portugal
Polónia
Reino Unido
Eslováquia
Finlândia
Itália
2000 2010
Fonte: Estado da Educação, 2011
Mesmo sem se entrar em linha de conta com uma comparação sobre a
qualidade do ensino e o desempenho escolar, mostra-se escassa a parcela da
população vocacionada para as funções intermédias da produção. E essa
escassez não é, certamente indutora da fixação de atividades de elevado valor
acrescentado, mormente de atração de investimento estrangeiro qualificado –
como o mandarinato tanto acena - a despeito de, há várias décadas, os
governos afirmarem não defenderem um modelo de baixos salários e fracas
habilitações. Na realidade, a pequena parcela de gente com estas habilitações
intermédias, reflete as necessidades dos “empresários” lusos, cujas caraterísticas
são pouco abonatórias1, como no desenvolvimento deste trabalho
abordaremos.
1
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
http://www.scribd.com/doc/22311099/Empresarios-portugueses-incapazes-inuteis-nocivos-e-batoteiros
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 4
5. A população com instrução aquém do secundário constitui em Portugal, em
2010, pouco menos de 70% do total, embora superasse 80% uma década antes,
ombreando com a Turquia na situação mais recente. Em ambos os momentos,
muito acima dos indicadores registados para os outros países da orla
mediterrânica, atualmente objeto de especiais atenções de “troikas”,
“mercados” e agências de notação.
População (25-64) com nivel educacional
inferior ao secundário (%)
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Noruega
Espanha
França
UE 27
Alemanha
Dinamarca
Grécia
Hungria
Irlanda
Turquia
Roménia
Portugal
Polónia
Reino Unido
Eslováquia
Finlândia
Itália
2000 2010
Fonte: Estado da Educação, 2011
É notória a diferença entre a estrutura educacional em Portugal e Espanha, uma
situação que certamente contribui para que a costa ocidental da Ibéria seja
tomada, nos meios políticos e dos negócios, como um apêndice, uma periferia,
uma subalternidade do estado espanhol, um género de 18ª autonomia ibérica.
No contexto de um capitalismo em dificuldades, agressivo e invasivo, este perfil
educacional é claramente uma desvantagem2 embora seja acima de tudo uma
consequência do lugar que Portugal ocupa na divisão do trabalho, no quadro
comunitário.
3 - A evolução do enquadramento externo
As elites económicas e os seus executores políticos no poder em Portugal
depois da “normalização” de 25 de novembro de 1975, nunca tiveram uma
lógica de desenvolvimento centrada nas necessidades e no bem estar da
2
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/11/reflexao-sobre-o-falhanco-do-capitalismo.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 5
6. população. Depois da queda do fascismo, a deliberada aposta na integração
europeia privilegiou o desenvolvimento da exportação adequada ao padrão de
capitalização e tecnologia das empresas portuguesas; e estas, dadas as suas
debilidades, somente tinham a seu favor os muito baixos salários praticados em
Portugal, comparativamente aos outros países europeus, para compensar as
maciças importações de energia, matérias-primas, equipamentos e bens
alimentares.
Tal como no tempo de Salazar, as necessidades de formação foram-se
adequando às solicitações de um empresariato ignorante mas, cúpido e
habituado ao apoio do Estado, à sua benevolência para com a fraude e a evasão
fiscal.3
Durante o fascismo, esse empresariato também defendia o baixo salário mas,
como instrumento para outra estratégia. O chamado Estado Novo foi montado
nos anos 30, em época de protecionismo feroz e, portanto, com barreiras
alfandegárias, condicionamento industrial e muita repressão para que os
trabalhadores ficassem mansos. Então, a preocupação não era tanto a
exportação mas, a garantia da ausência de concorrência no espaço nacional.
Nesse contexto, a instrução era considerada algo próprio para elites e daí, os
elevados graus de analfabetismo, sobretudo entre as mulheres; no ensino
superior, o importante era a reprodução das reacionárias aristocracias médica e
de direito. Mesmo os cantados estudantes das lutas académicas dos anos 60
rapidamente mostraram que o seu progressismo era só verniz, vindo a
engrossar as hostes do PS, na menos má das opções.
Nos anos 80 do século passado o acesso aos fundos comunitários tornou-se um
maná para esse empresariato, uma “janela de oportunidade” que veio a
contribuir para o hiperdesenvolvimento do sector da construção e obras
públicas – autoestradas, estradas, rotundas, betão e alcatrão, saneamento. O
industrial têxtil virou-se para a construção e o imobiliário, com eventual
transferência do têxtil para a Roménia e um lastro de dívidas para com a
Segurança Social, à espera da incobrabilidade ou da prescrição. Por seu turno, e
perante tanta procura de construção, qualquer trolha passou a industrial de
construção, recrutando imigrantes baratos, africanos e do Leste europeu. Para
além da verdadeira vigarice que ocorreu em grande parte da utilização das
verbas para formação profissional, com algum protagonismo das associações
empresariais.
Em meados da década de 90, a AutoEuropa quase monopolizava os fundos (e
os benefícios fiscais) afetos à Operação Integrada de Desenvolvimento de
Setúbal, área em forte crise resultante do afundamento da metalurgia pesada. E
os capitais estrangeiros, mormente espanhóis pagavam bem pelas empresas
industriais que lhes interessavam, deixando assim que os magníficos
empresários lusos se dedicassem à construção e ao imobiliário, ao sector
financeiro ou ainda a titulares de ações das empresas ex-nacionalizadas
incluidas no PSI-20; um treino para rentismos mais vultuosos futuros, sob a
3
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 6
7. forma de PPP. Os mais conhecidos viraram-se para esse misto de comércio a
retalho e especulação financeira que são os supermercados; tornaram-se os
grão-merceeiros, sem o sangue azul dos grão-duques.
Um segundo fôlego de betonização fez-se em torno da Expo 98 e dos estádios
de futebol e o terceiro que estava programado (Ota/Alcochete, plataformas
logísticas, TGV) ficou comprometido com o endividamento insustentável dos
bancos e do seu Estado, selado pelo fecho da torneira do BCE, com o
despedimento de Sócrates como brinde gerador do rotativismo no âmbito do
partido-estado.
É evidente a alta responsabilidade da UE nesta situação que, certamente, nunca
desconheceu as caraterísticas do empresariato luso e da sua venal classe
política. Pouco isso lhes importava dado que estavam gerando mercado interno
para as suas exportações, cujas receitas teriam um efeito mais prolongado do
que os temporários fundos comunitários, saídos dos bolsos dos contribuintes
europeus. A UE criava assim uma dependência à qual se veio a acrescentar a
dívida financeira dos pequenos bancos portugueses, para com os gigantes
alemães, franceses e espanhóis, reproduzida internamente junto de empresas e
famílias.
Entretanto, a moeda única, facilitando o acesso e embaratecendo o preço do
crédito fechava o círculo da dependência, da inclusão dos países do Sul
europeu na esfera de domínio do capital financeiro concentrado nas margens
do Reno, do Meno e do Spree. Essa esfera continua em construção, contempla
um Drang nach Osten e um Drang nach Suden4 para a constituição de áreas de
dependência económica e financeira, com salários baixos e qualificações várias
que, dentro de alguns anos, serão comparáveis às dos chineses, evitando a
excessiva dependência dos senhores da Europa de uma potência como a China.
4 - O modelo económico europeu
Na realidade, os capitalistas do norte da Europa, há muito tomaram a
integração dos países do Sul europeu na UE como uma forma de integrarem na
sua órbita a produção de bens de consumo e produtos intermédios, com
menores investimentos em capital e menos exigentes de trabalho qualificado
mas, com muitos consumidores. Os bens de equipamento ou de mais elevada
tecnologia produzidos na UE, com maior incorporação de capital e trabalho
especializado seriam produzidos no Norte da Europa – Alemanha, Holanda,
França e Suécia – para exportação à escala mundial, incluindo para os parentes
do Sul. É conhecida a coincidência (?) entre o redimensionamento em baixa da
indústria têxtil e do vestuário em Portugal e a venda de teares alemães para as
4
“Avanço para Leste” é uma referência ao sonho nacionalista alemão criado no século XIX e adoptado
por Hitler, de colonização de territórios eslavos, a Leste; nos tempos atuais e dado o domínio da
Alemanha dentro da UE e da zona euro, em particular, pode falar-se de um Drang nach Suden , avanço
para Sul.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 7
8. fábricas chinesas que, com o fim do acordo Multifibras em 2005, começaram a
vender livremente na Europa a sua produção.
Os principais parceiros comerciais e o tipo de exportações e importações dos
abaixo referidos quatro países incluidos nos PIIGS (para simplificar não
tomámos Chipre e Irlanda) são indicativos e revelam a importância da área
comunitária para todos os países da UE. A contiguidade e a proximidade
geográfica são elementos de grande importância para essas relações e
evidenciam a forte presença da Alemanha e da Holanda, para além da China
como a principal referência extra-europeia.
Espanha
Exportações Destinos
máquinas, automóveis, alimentos, França – 18.7%, Alemanha 10.7%, Portugal –
fármacos, turismo 9.1%, Itália 9%, Inglaterra – 6.3% (2011)
Importações Origens
Máquinas e equipamentos, Alemanha – 12.6%, França – 11.5%, Itália –
combustíveis, químicos, semi- 7.3%, China 6.8%, Holanda – 5.6%, Inglaterra –
acabados, alimentos, bens de consumo 4.9% (2010)
Grécia
Exportações Destinos
turismo, têxtil, produtos alimentares e Itália – 9.5% Alemanha - 7.9%, Turquia-7.9%,
metálicos Chipre - 6.1%, Bulgária – 5.5%, (2011) Suiça -
5.4% Inglaterra - 5.3%, Bélgica - 5.1%, (2010),
EUA - 5.2% (2011), China – 4.8% (2010)
Importações Origens
máquinas, equipamentos de Alemanha (10.6%), Itália (9.2%) Rússia (9.4%)
transporte e produtos químicos e China (5.7%) Holanda (5.5%) França (5%) e Irão
combustíveis (4.5%) (2011)
Portugal
Exportações Destinos
máquinas, automóveis, alimentos, Espanha – 26.6%, Alemanha 13%, França –
madeira e cortiça, têxtil e calçado, 11.8%, Inglaterra – 5.5%, Angola – 5.2%,
turismo Holanda – 3.8% Itália 3.8% (2010)
Importações Origens
Máquinas e equipamentos, Espanha – 31.2%, Alemanha – 13.9%, França –
combustíveis, alimentos, bens de 7.3%, Itália – 5.7%, Holanda – 5.1%, Inglaterra –
consumo 3.8% (2010)
Itália
Exportações Destinos
máquinas, automóveis, turismo Alemanha 13.3%, França – 11.8%, EUA – 5.9%
alimentos, eletrodomésticos têxtil e Espanha – 5.4%, Suiça – 5.4%, Inglaterra – 4.7%,
calçado (2011)
Importações Origens
máquinas e equipamentos, Alemanha – 16.5%, França – 8.8%, China – 7.7%
combustíveis, alimentos, químicos Holanda – 5.5%, Espanha – 4.7%, (2011)
https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos e Wikipedia
A distribuição do comércio externo dos países comunitários (interno na UE e
com o espaço extra-comunitário), permite que se observe ser a Alemanha o
principal país nos dois tipos de trocas e para os dois fluxos, de exportação e
importação. Por seu turno, aquele país, juntamente com a Holanda e a Bélgica
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 8
9. têm uma responsabilidade no comércio comunitário muito para além da sua
representatividade na população da UE, o mesmo sucedendo com a Irlanda,
numa escala mais modesta. Todos os restantes países identificados no quadro
seguinte apresentam uma situação inversa, com uma participação no comércio
inferior ao seu peso populacional.
Distribuição do comércio comunitário (orlas sul e ocidental)
Comércio Intra-europeu Comércio extra-europeu
População (2011) (2012)
(%)
Import. (%) Export. (%) Import. (%) Export. (%)
UE 100 € 2737482 M € 2804798 M €1790770 M € 1686213 M
Alemanha 16,3 20,9 22,4 18,5 27,8
Bélgica 2,2 8,3 8,8 6,1 6,2
Espanha 9,2 5,6 5,2 6,6 4,9
França 13,0 12,7 9,3 9,6 10,8
Grécia 2,3 0,8 0,4 1,4 0,9
Holanda 3,3 7,3 13,2 14,0 7,3
Inglaterra 12,4 8,6 6,5 15,6 10,9
Irlanda 0,9 1,2 1,9 0,9 2,2
Itália 12,1 7,9 7,5 10,0 10,7
Portugal 2,1 1,6 1,1 0,9 0,8
soma 73,6 74,9 76,3 83,6 82,5
Fonte: Eurostat
Como é sabido, o comércio externo sempre foi um instrumento privilegiado
pelo capitalismo para proceder à acumulação; e, quando há conflitos
comerciais, de luta por mercados a guerra é sempre um recurso disponível para
mudar a correlação dos protagonistas em jogo. A guerra tem sido praticada
quase sem interrupções mas, de modo localizado, uma vez que guerras
generalizadas serão forçosamente nucleares; e estas, para além de colocarem
em causa a própria vida no planeta, dificilmente terão um vencedor, em termos
estritamente militares.
Dada a grande densidade das interligações económicas e políticas entre os
vários estados; a omnipresença unificadora do sistema financeiro, a existência
estruturante/desestruturante das multinacionais e do capital mafioso; a
presença decisiva de órgãos plurinacionais que reproduzem a hierarquia das
nações; e a constituição de oligarquias políticas de caráter global - a
internacional socialista, o partido socialista europeu (PSE) ou o partido popular
europeu (PPE) - a submissão da maioria das nações e dos povos consegue-se,
hoje, sem intervenções militares, sem a política da canhoneira. As guerras são
essencialmente contra os povos - como sempre - e, pelas razões apontadas,
podem ser conduzidas por outros meios que não os militares, como diria
Clausewitz.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 9
10. Na bem urdida hierarquia comunitária - e melhor executada - não é certamente
coincidência que os países mais pobres ou com mais dificuldades de
“ajustamento estrutural” à constante re-hierarquização sejam aqueles em que a
parcela da população comunitária é claramente superior ao seu peso no
comércio global. E, como sabemos, não se pode pensar que exista neles um
elevado grau de auto-suficiência de base nacional, que os faça reduzir o peso
das relações exteriores e manter elevados coeficientes de felicidade.
Observe-se que os quatro principais países, especificamente da orla sul –
Espanha, Grécia, Itália e Portugal – representam mais de um quarto da
população da UE (25.7%) e respondem apenas por 17.3% da exportação
comunitária para o espaço exterior. A Alemanha apresenta proporções próximas
mas, invertidas – 16.3% da população e 27.8% das exportações para o exterior.
Se se considerarem os países ibéricos e a Grécia, essa subalternidade é ainda
mais pronunciada e mostra a sua periferização – 13.6% da população somente
contribui com 6.6% para a exportação com destinos extra-comunitários. Os três
últimos países, em conjunto, com o dobro da população da Holanda, têm uma
participação na exportação comunitária para o exterior inferior à neerlandesa.
Há pois, uma subalternização do sul da Europa na participação do comércio
exterior da UE, na participação nos lucros da globalização neoliberal – por isso,
habitualmente, dita de excludente – um processo de empobrecimento
generalizado, de redução de direitos humanos e laborais, que torne atraentes
os resultados da fria análise custo-benefício praticada pelos governos, com
programas (ou folhas de excel…) oferecidos pelo sistema financeiro.
Estas desigualdades melhor se observam através do sentido e do volume dos
saldos das balanças correntes (entre exportações e importações de bens,
serviços e entradas ou saídas de rendimentos e transferências). A formação de
excedentes comerciais num país é um indicador de capacidades de
investimento, mormente no exterior, de acumulação consolidada de capitais no
sistema financeiro e de equilíbrio financeiro do conjunto das empresas
instaladas nesse país.
A avaliação dos saldos acumulados desde 2002 (ano da adopção do euro)
revela uma clara partição entre os principais países do euro e, portanto, que
todas as políticas de criação de coesão entre os países nunca passaram de
ilusão e propaganda. E demonstra que os fundos de coesão e outras políticas
comunitárias mais não foram que o pagamento efetuado aos mandarins locais
(do Sul) para executarem o mandato que lhes é conferido. Outra parte desse
pagamento é efetuado, no caso português, em “géneros” como a tolerância
face ao não funcionamento do sistema judiciário que facilita e encobre a
corrupção; embora todos digam que o sistema de justiça é um entrave ao
investimento, à concorrência…
Balança corrente (M euros) Soma 2002-2012 (set)
Saldos positivos Saldos negativos
Alemanha 1.336.079 Espanha -611.758
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 10
11. Holanda 403.504 Itália -266.534
Áustria 73.947 Grécia -210.543
Finlândia 53.097 França -169.495
Bélgica 38.901 Portugal -156.035
Irlanda -29.408
Total 1.905.528 Total -1.443.773
Fonte: Eurostat
O mesmo indicador - saldo acumulado da balança corrente - calculado para
alguns países e para o periodo 1991-2001, lapso de tempo imediatamente
anterior à adopção do euro, revela dados interessantes (M euros):
Alemanha (-) 197446
Holanda (+) 144602
Espanha (-) 121128
Grécia (-) 42886
Itália (+) 94073
Portugal (1993/2001) (-) 56148
Fonte: Eurostat
A Alemanha que vinha acarretando com um deficit, passou a ter saldo positivo
no século XXI, para o qual terá contribuido a política de perda de poder de
compra pelos trabalhadores alemães. A Holanda triplica os seus proventos
enquanto a Itália troca um saldo positivo por outro, muito superior mas, de
sinal contrário. Por seu turno, a Espanha e a Grécia quintuplicam os seus deficits
da balança corrente.
No caso português, - não há compatibilidade total de séries estatísticas - para o
periodo 1993/2001, o tradicional deficit é bastante inferior ao da década
seguinte, revelando o aumento do desequilíbrio externo, resultante de um
modelo económico assente na construção/imobiliário, atividade direta e
indiretamente (famílias) financiada pelo crédito bancário externo que alimentou
os bancos portugueses.
Esse modelo foi temporariamente beneficiário de uma moeda forte e juros
baixos; e, não tendo o país grandes atrativos para a fixação de capitais
estrangeiros na produção de bens transacionáveis no exterior; não tendo um
empresariato autóctone minimamente capaz5; suportando uma classe política
corrupta e culturalmente6 indigente e nem sequer um movimento sindical
agressivo, o desastre era previsível.
O gráfico seguinte demonstra, em Portugal, um gradual agravamento da
situação até 2001, um recuo nos dois anos seguintes (já com o euro) e depois
um forte crescimento até 2008 a que se segue, nos dois últimos anos, uma
grande quebra, como consequência da estratégia de empobrecimento
extensivo e acelerado da população, dimanado da troika e do capital financeiro.
5
http://www.scribd.com/doc/22311099/Empresarios-portugueses-incapazes-inuteis-nocivos-e-batoteiros
6
http://pt.scribd.com/doc/15634632/O-sistema-partidario-portugues
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25-2-2013 11
12. A adopção da moeda única não evidencia uma relação direta com a degradação
das contas externas; estas, nos últimos anos, na sequência da estagnação
económica e do empobrecimento refletem sobretudo, a queda das
importações.
Portugal - Saldo da balança corrente (€ M)
1.000
0
-1.000
(set)
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
-2.000
-3.000
-4.000
2012
-5.000
-6.000
-7.000
-8.000
-9.000
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Fonte: Eurostat
5 – O modelo educativo é um efeito da subalternidade lusitana
O maior poder económico dos países do norte da Europa, a sua estrutura
produtiva mais capitalizada e tecnológica, apostada em bens e serviços de
maior valor acrescentado tem exigido, há mais de um século, trabalhadores
mais qualificados e susceptíveis e maior produtividade. No mesmo sentido
Bismarck criou um primórdio de segurança social, ainda nos finais do século
XIX.
Adequadamente, o perfil educacional dos povos do sul da Europa, mostra-se
menos rico, refletindo, em geral, as menores exigências da sua especialização
económica, as necessidades dos seus capitalistas, os seus respetivos lugares na
hierarquia europeia. Por isso, os fundos comunitários tiveram uma particular
incidência no betão, em estradas e auto-estradas, na rede capilar da circulação
das mercadorias e menos com verdadeiras reformas estruturais, como por
exemplo, o sistema judicial ou o sistema educativo. A integração europeia
sempre contemplou, essencialmente, um processo de especialização económica
e de geração de suseranias e subalternidades.
Tenhamos presente que a compra das principais empresas com sede em
Portugal por capitais estrangeiros, gera dois mundos, que confluem para uma
mesma realidade. Esses capitais externos inserem a produção feita em Portugal,
em lógicas mais globais – ibéricas, europeias ou mundiais – onde o preço do
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13. trabalho é determinante. Por seu turno, a vasta paleta de pequenas, médias e
nano empresas - que carateriza o tecido empresarial português de raiz - pouco
providas de tecnologias, capacidade de gestão, vocacionadas para um
minguante mercado interno estarão em condições técnicas e subjetivas de
requerer trabalhadores mais qualificados? A sua falência é sem duvida um
elemento que contribui para o elevado desemprego.
O sector imobiliário não é um indutor de emprego, nem exige um vasto
número de altas qualificações. O turismo também não. O “tecnológico” negócio
do trabalho temporário, bem como o das limpezas e da segurança privada
baseia-se em altas qualificações ou, pelo contrário, desvalorizam essas
qualificações através de um nivelamento por baixo de precárias remunerações?
O comércio, sobretudo de retalho é muito exigente de gente qualificada? Os
ignóbeis “call-centers” exigem gente qualificada mas, a paga é inferior à de um
servente na construção civil, em trabalho informal, para igual precariedade.
Há um desequilíbrio entre a realidade e a dinâmica do capitalismo em
Portugal por um lado; e, as subjetividades da faixa populacional que tem
hoje 25/40 anos, bem como a da geração dos seus pais, décadas atrás.
Na tradição portuguesa de forte iliteracia, a posse de uma licenciatura
constituiu, durante décadas, não somente uma garantia de emprego
(tendencialmente para toda a vida) como ainda de acesso a um rendimento que
incluiria o licenciado numa classe média, pelo menos inferior. O acesso à função
pública (ensino, saúde, ao restante aparelho de estado ou, o ingresso numa
grande empresa, constituia um quadro tranquilizador de vida.
O início da chegada dos fundos comunitários, teve impactos diretos e indiretos
na subjetividade da geração de quantos eram adultos jovens quando o fascismo
se finou. E, decididamente, transportaram aquele modelo cultural para os seus
filhos, para a atual geração da precariedade, todos os que têm agora entre 25 e
40 anos. A melhoria dos rendimentos, o acesso a casa própria, a automóvel e
toda a panóplia de aparelhos de uso doméstico ou pessoal, era mais do que
suficiente para a colocação dos filhos na universidade; e o surgimento do
“mercado das propinas”, da mercantilização do ensino superior, mormente
privado, parecia abrir portas a toda a gente. E a propaganda do partido-estado
anunciava o nascimento de mais um milagre económico, o tigre lusitano em
esforçada perseguição do seu irmão celta.
Não era, em meados dos anos 70 previsível que o neoliberalismo - mal se falava
de Milton Friedman, apesar da primeira experiência neoliberal no Chile de
Pinochet - originasse 30 anos depois, desemprego em massa, despedimentos
vulgarizados, cortes e mais cortes em salários, pensões, direitos e um regime
político tão alérgico ao bemestar da grande maioria da população.
Também não era imaginável que voltasse uma emigração aos níveis dos últimos
anos do fascismo, com uma agravante – engloba muitos dos qualificados filhos
dos adultos jovens que viveram o 25 de Abril, muitos dos quais estão, eles
próprios, condenados a um definitivo desemprego. Ninguém pensaria que os
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14. filhos, quando crescessem tivessem de regressar, com cônjuges e rebentos, a
casa dos pais e repartir com eles as suas reformas, pouco nutridas, sequelas de
um Estado social que pouco ultrapassou o nível da miragem, em Portugal.
Todos se terão esquecido, pelas razões apontadas, entre outras, que as
hierarquias do capitalismo são móveis. Essa mobilidade destruiu toda a
histórica e deficiente estrutura produtiva portuguesa, não criou riqueza mas,
alguns ricos e obriga portugueses hoje, a fazerem as malas para Angola, quase
quarenta anos depois de lá terem saído, também cabisbaixos, à procura de um
lugar que já não havia em África.
O novo patamar de Portugal no seio da Europa - claramente dirigida de Berlim
- não subscreveu o sonho dos jovens adultos que viveram o 25 de Abril e recusa
um futuro para os seus filhos, mesmo com títulos universitários; friamente, o
neoliberalismo escolhe alguns, que tenderá uns, a integrar nas metrópoles do
capital e outros, a quem relegará para a arrumação de quartos na hotelaria
suiça, ou entregará aos cuidados de engajadores de mão de obra semi-escrava.
Convém esclarecer que não subscrevemos qualquer ideia de que o estudo, o
conhecimento sejam ferramentas despiciendas; jamais, em qualquer
circunstância se deve deixar de pensar, interpretar, avaliar, debater, agir.
Decididamente, houve uma geração que foi enganada pelas promessas de “uma
Europa conosco” e uma outra, que nem teve a oportunidade de ser enganada,
pois abriu os olhos já com o engano consumado.
Urge a construção, pelos portugueses, de uma nova subjetividade, mais
adequada a um empobrecimento e envelhecimento acelerados que só poderá
ser evitado no âmbito de um processo de ruptura com o paradigma económico,
com um sistema político putrefacto e um modelo de representação excludente
e infantilizante.
(continua)
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Este e outros textos em:
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http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
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