O documento discute a importância da luz e da iluminação no design. A luz influencia nossos sentimentos e emoções de maneiras sutis. Um bom design de iluminação considera esses aspectos simbólicos e sensoriais para criar produtos capazes de despertar sensações positivas nas pessoas. O documento também reflete sobre como os designers podem aproveitar esses insights para criar outros produtos que despertem desejo e significado para os consumidores.
1. Design & Luz
Camilo Belchior
Boa parte da minha vida profissional foi dedicada ao estudo, exercício e ofício de trabalhar
com o universo da luz. Chamo de universo por que só depois de entrar profissionalmente na área é
que pude ter uma noção da extensão deste segmento e não exagero nada em chamá-lo de universo.
Durante este tempo, o exercício do “fazer e errar - fazer e acertar” contribuiu imensamente
para minha vida como profissional de design, não apenas no que diz respeito aos aspectos técnicos
da iluminação, mas de uma forma mais ampla, abriu minha visão e percepção, mostrando como me
relacionar com os objetos, como imaginá-los antes mesmo de sua concepção e, ainda, como sentir e
intuir a relação deles com a humanidade.
Foi através de minha vivência no universo da iluminação que pude desenvolver a percepção
e cognição como ferramentas geradoras de idéias para as empresas com as quais trabalho.
A iluminação tem sido uma das áreas mais desenvolvidas no último século na arquitetura
universal e, felizmente, no Brasil, na última década. Até o final do século XIX, a maioria das pessoas
viviam em torno dos efeitos do sol e da sua magnitude. Na passagem para o século XX, 95% das
pessoas no Brasil viviam em áreas rurais, recolhendo-se para seus aposentos e repousando muito
cedo, não apenas por terem tido um dia pesado de trabalho, mas principalmente em função da
iluminação artificial ausente, deficiente ou inexistente. Porém, a revolução industrial mudou este
cenário, criando as necessidades e os meios para a nova ordem da iluminação artificial.
Esta iluminação artificial tornou-se extremamente necessária em pouco tempo e, em
resposta a isto, surgiu uma grande e imaginativa indústria.
O designer, eterno parceiro da indústria, é o observador de todo este movimento e o faz de
várias maneiras, contribuindo para o tratamento da luz como um elo entre a tecnologia, a poesia e
mais especificamente nos dias de hoje, onde a iluminação tem uma importância fundamental nas
nossas vidas. Não podemos dizer ainda que todos os sistemas diretamente ligados à iluminação
sejam particularmente bem desenvolvidos para os requerimentos especiais a que se destinam, ou,
ainda, ao conforto e a saúde do ser humano. Mas o indivíduo, em sua constante busca pelo
progresso, está avançando cada vez mais e as pesquisas e processos desenvolvidos pela
2. engenharia de iluminação podem hoje proporcionar equipamentos com um grau de complexidade
muito elevado.
O design tem contribuido com a indústria da iluminação de um modo geral, usando as
inovações tecnológicas, diminuindo o uso de insumos materiais e energéticos, reduzindo
significativamente o número de partes e peças envolvidas em determinado produto, otimizando e
abreviando o tempo de fabricação e até mesmo idealizando o descarte do produto no final de sua
vida útil, com o processo de reciclagem.
Com relação aos aspectos sensoriais, é importante atentar que a percepção do ambiente
luminoso inclui um componente de juízo de valor, já sabemos que é a informação contida no
estímulo luminoso que permite a um indivíduo avaliar um ambiente em seus aspectos de valor, ou
seja, de “bom” ou de “ruim”. Isso acontece porque a luz norteia nosso cotidiano, nosso ritmo
fisiológico, nosso estado de vigília e de repouso.
Somos objetos de luz quando iluminados e nos atiramos nas trevas quando em queda moral.
O Sol, a vela, o candelabro, a lua e a estrelas são símbolos de luz presentes nas mais remotas
civilizações e ainda conservam seus significados latentes na cultura contemporânea. Iluminar é
estar mais próximo à verdade, ao princípio de harmonia e de criação universal.
Vistas por esse ângulo, luminárias são objetos de poder!
A incidência de luz, ou a sua falta, pode nos fazer experimentar sentimentos, gostos e desejos
de situações que, na prática, podem ser completamente opostas ao que se passa. Por exemplo, o
excesso de iluminação num ambiente causa o desconforto visual e isto leva ao incômodo a ponto de
fazer as pessoas se retirarem daquele local.
Estas análises nos permitem nortear a produção de luminárias capazes de despertar as mais
variadas sensações no ser humano e, sendo este recurso bem empregado, torna-se forte
oportunidade estratégica para empresas.
As características simbólicas da luz devem ser levadas em consideração antes de
concebermos uma luminária e a sensibilidade do designer deve estar sempre atenta para codificar e
decodificar esta simbologia, traduzindo-a para uma realidade produtível e consumível. Entretanto, o
trabalho do designer não se resume apenas na criação de produtos. A constante pesquisa de novas
tecnologias e materiais converte-se em diferencial no processo de desenvolvimento de produtos. A
importância do material adequado é tanta que a sua empregabilidade correta pode ser responsável
por quase 50% das chances de sucesso de um produto.
Podemos utilizar o prisma da iluminação para analisar a relação entre os objetos e os
sentimentos que os mesmos provocam nas pessoas. Para enveredarmos no âmago da conversão
de sensações em sentimentos, é necessário que se conheça um pouco sobre desenvolvimento
infantil. Inicialmente, o bebê sente sensações agradáveis e desagradáveis. Estas sensações
aparecem por estímulo externo (calor, frio) ou interno (falta de alimento). As sensações passam a ser
percebidas conscientemente ao redor de dois anos de idade, quando o nenê ingressa no simbólico
3. pela fala. Pode então nomear sensações ligadas as suas percepções internas e externas, oriundas
de percepções pela visão, olfato, tato e paladar. A repetição de sensações agradáveis origina os
sentimentos prazerosos, e a repetição de sensações desagradáveis originam os sentimentos
desprazeirosos. Por exemplo, as crianças normalmente têm pesadelos a noite e acabam por
acordar assustadas dizendo que estavam num ambiente escuro ou de penumbra. Esta correlação
com a luz será sempre a de “medo”. Emoções têm um impacto mais forte que sentimentos, por
envolver alterações orgânicas. O medo, por exemplo, está ligado ao princípio de sobrevivência,
desencadeando alterações orgânicas como a descarga de adrenalina no organismo. Sem
percebermos, muitos de nossos sentimentos e emoções têm origem numa determinada relação que
tivemos com a luz em algum momento de nossas vidas, mas que por ser algo tão sutil, passa
despercebido.
Ter consciência deste processo me fez perceber e entender melhor como é a relação entre
pessoas e objetos e, a partir desta percepção, comecei a buscar recursos que pudesse aproveitar
em qualquer outro produto, não apenas luminárias. Na verdade, se entendermos a concepção de
uma ideia, acredito que seja possível transformá-la ou multiplicá-la para ser usada com uma
variedade grande de outros produtos.
Na sociedade contemporânea os objetos são valorizados pelo sentimento ou desejo que
despertam ou atraem as pessoas. Ou seja, na sociedade de consumo atual o objeto não cumpre
apenas uma função de uso, que muitas vezes acaba só servindo de pretexto para a compra de um
signo, ou da compra pela compra. Portanto, estas considerações devem estar presentes no
momento da criação de uma luminária ou de qualquer outro produto, quando, o “desejo” ou o
“sentimento” do consumidor deverão estar implantados de forma signica no objeto em questão.
Este pensamento me leva a acreditar que de certa forma o designer é um alquimista, quando
consegue transformar um símbolo em matéria sólida e matéria sólida num símbolo.