O documento descreve a carreira da montadora de cinema Jordana Berg. Ela é a braço direito do documentarista Eduardo Coutinho há 15 anos, responsável pela montagem de seus principais documentários. Jordana é elogiada por seu trabalho meticuloso e por ajudar o diretor a encontrar a história certa em meio a horas de gravações. Ela atualmente finaliza o novo filme de Walter Carvalho e um documentário sobre obesidade infantil.
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● SEGUNDO CADERNO O GLOBO Sábado, 28 de janeiro de 2012
PERFIL
Fotos de Leonardo Aversa
“
Trabalho com ela
desde 1997
e acho que isso
já diz tudo sobre
sua competência.
Podemos
dispensar
“ Jordana
compreendeu o que
Coutinho estava
tentando fazer
(em ‘Santo forte’).
Acabou se tornando
coautora da
adjetivos? invenção
Eduardo Coutinho, João Moreira Salles,
documentarista documentarista
MURAL COM CARTÕES: guia para a montadora não se perder entre as duas tramas nas quais trabalha simultaneamente até março
‘A montagem é um trabalho de desapego’
Braço direito de Eduardo Coutinho, Jordana Berg finaliza novo longa de Walter Carvalho e documentário sobre obesidade infantil
Cristina Tardáguila tem, tinha espalhados pela casa
livros de Armando Freitas Filho
cris.tardaguila@oglobo.com.br
e sabia de cor a quantidade de
H
á quatro anos, a mon- açúcar num Toddynho — pro-
tadora de cinema Jor- duto que seus dois filhos já não
dana Berg ouviu o fi- podem beber.
lho mais velho — en- Mas apesar de dominar com
tão uma criança de 8 anos de ida- plenitude o assunto sobre o
de — contar, exaltado, que havia qual trabalha e de conviver
decidido concorrer à vice-presi- com estrelas do cinema, a ca-
dência do grêmio de seu colégio. rioca perde o sono diante de
Intrigada, ela voltou-se para o um convite para entrevista.
menino e disparou: “Ué, por que — Meu negócio é a câmara,
não à presidência?”. Mas, en- não a sinfonia. Tenho medo que
quanto ouvia a explicação de Ni- descubram que sou uma farsa!
no sobre a composição da cha- Quando ouve o comentário
pa, caiu em si: ela também havia acima, o cineasta Sérgio Blo-
nascido para ser “vice” e, há ch, com quem Jordana está ca-
anos, vive muito bem, obrigada. sada há 22 anos, retruca com
Desde 1999, quando montou um muxoxo:
“Santo forte”, de Eduardo Couti- — Vai trabalhando até que
nho, a ruiva de olhos azuis, ca- eles te descubram, então!
belos cacheados e idade não re-
velada na foto ao lado assina a O espectador é inteligente
montagem de todos os docu- Quando fala das qualidades
mentários dele — e lá se vão oi- da montadora, Coutinho é ab-
to. São de sua lavra todos os cor- solutamente objetivo:
tes e todas as colagens de ges- — Trabalho com ela desde
tos, falas e músicas que com- 1997 e acho que isso já diz tudo
põem as cenas de filmes como sobre a sua competência. Pode-
“As canções” (vencedora dos mos dispensar adjetivos?
prêmios de melhor documentá- Já Eduardo Escorel aponta
rio do último Festival do Rio tan- sua “franqueza brutal”:
to pelo júri quanto pelo público), — Jordana é a pessoa a quem
“Moscou” e “Jogo de cena”. mostro religiosamente todos os
São 15 anos de perfeito ali- meus trabalhos, e o maior es-
nhamento e notável cumplicida- porte dela é me espinafrar (ri-
de (não sem conflitos) com o sos). Mas ela faz provocações
documentarista mais premiado que me obrigam a pensar.
do país, uma relação que fez Renato Terra, codiretor de
com que Jordana Berg se trans- “Uma noite em 67”, o documen-
formasse numa grife de monta- tário de maior bilheteria dos
gem e ganhasse o status de que- últimos anos, concorda:
ridinha entre diretores como — Jordana não faz cortes ób-
Eduardo Escorel, Dorrit Harazim vios. A cena em que (o cantor)
e Flávia Castro. Sérgio Ricardo é vaiado tinha si-
— Mas, quando digo que do pensada para ser intercalada
sou montadora de cinema, as com comentário sobre o episó-
pessoas acham que construo dio. Jordana mostrou que era
salas — conta ela, rindo. — O melhor deixá-la durar todos os
povo não sabe muito bem o seis minutos para que o especta-
que um montador faz. dor tivesse no cinema uma expe-
Pois bem: montador é o braço riência, sentisse o incômodo.
direito do diretor. É aquele que o — Acho que é por isso que
auxilia a achar uma história na não suporto novela — reflete a
imensidão do material bruto montadora. — É um excesso de
gravado. E, segundo Jordana, reiteração. O público brasileiro
nos últimos anos tem-se filmado não precisa de uma porta baten-
cada vez mais. Um documentá- do e um off que diz que fulano foi
rio brasileiro com 90 minutos de embora para entender isso.
duração nunca nasce de menos O cineasta João Moreira Sal-
de cem horas de vídeo, um tra- les destaca sua coragem, lem-
balho minucioso e cansativo de brando o processo de constru-
desapego emocional. ção de “Santo forte”:
— É o tal posto de vice-presi- — O interesse formal nesse
dente! — explica Jordana, lem- filme era saber até que ponto o
brando o filho. — Eu vejo abso- cinema sobrevive à subtração
lutamente tudo o que o diretor de componentes clássicos co-
fez antes de começar a cortar e mo trilha, enredo, roteiro e mo-
obedeço a ele. A montagem é vimento de câmera. Era como
um trabalho de desapego. dizer a um boxeador que, pelas
novas regras, ele deve ficar pa-
500 horas de vídeo por ano JORDANA BERG: “O público brasileiro não precisa de uma porta batendo e um ‘off’ que diz que fulano foi embora para entender isso” rado podendo usar apenas o
No ano passado, Jordana ga- braço esquerdo. Jordana acei-
nhou do Festival do Rio o prê- tou trabalhar com tão pouco e
mio de melhor montagem, com árvore! Então se trata de um garantido uma agenda profissio- jornada dupla na mesa de edi- um quadro de cortiça repleto de compreendeu o que Coutinho
“Marcelo Yuka no caminho das prêmio justo, muito justo. nal para lá de assoberbada. ção. Finaliza o próximo longa- cartões-guia (veja foto no alto da estava tentando fazer. Acabou
setas”, de Daniela Broitman. O êxito colhido por Jordana, — Vejo uma média de 500 ho- metragem do diretor Walter Car- página). Quando decide (sem- se tornando coautora da inven-
— Na ficção brasileira, há que começou a vida profissional ras de gravação por ano. É muita valho — uma obra sobre o poeta pre com a autorização do dire- ção. Quando subtraímos os ele-
premiação para um milhão de como operadora de caracteres informação. O reflexo disso, por Armando Freitas Filho — e um tor) cortar uma cena, armazena mentos constitutivos do cine-
categorias, mas, no documen- da TV Manchete (“Meu ponto al- exemplo, é que dispenso roupas documentário sobre obesidade o papelzinho no canto inferior ma, o que sobra são o ritmo, a
tário, são pouquíssimas — es- to foi inserir o placar de um jogo estampadas e quadros nas pare- infantil, de Estela Renner. Para do quadro. É meticulosa. oscilação e temperaturas. Isso
braveja Coutinho. — É como de sinuca entre Rui Chapéu e des. Também não ouço música. não se perder nas tramas, man- Jordana sempre envolve a fa- é montagem. Jordana é crucial
se documentário nascesse em Carne Frita!”, brinca ela) tem lhe Até março, Jordana mantém tém perto de seu computador mília em seus projetos. Anteon- nesse processo. ■