1. convidado
Colunista
Divulgação
Arrigo Barnabé*
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Alice Cooper no Paradise
No primeiro semestre de 1972, enquanto estava gava gente, muita gente. O lugar lotado, cheio
na faculdade de Arquitetura, ouvi pela primeira de policiais, aquela atmosfera de repressão.
vez falar de Alice Cooper. Um colega que havia Todo mundo tentando um lugar mais próximo
morado nos Estados Unidos e estava voltando ao palco. Enfim, começou o show. Eu, Gisele e
para o Brasil, ao falar da cena musical americana,
descreveu entusiasticamente o som, me expli-
mais alguns amigos ficamos para trás. Eduardo
e Jane avançaram.
Em 1974 foi
cando que ele teatralizava tudo — e eu me
identifiquei completamente, ainda sem conhecer
Conforme o ambiente esquentava, mais as
pessoas queriam se aproximar do artista. E era anunciado que
a música. Fiquei curioso com o nome: Alice tudo incrível, igual ao disco. O som estava
Cooper. Um nome feminino e um masculino. tecnicamente ótimo, e a performance era ex- Alice Cooper se
(Talvez o nome Clara Crocodilo tenha sua origem traordinária, com citações de Andy Warhol e
em Alice Cooper). E nessa época eu havia co- Leonard Bernstein. E o público avançando, apresentaria em
nhecido o dadaísmo e aquilo se encaixava de avançando. De repente, o espetáculo foi in-
alguma forma nas coisas que estava lendo sobre a
arte no século XX. Depois conheci o disco “Scho-
terrompido. As pessoas estavam sendo pi-
soteadas, algumas acabaram lançadas sobre o
São Paulo, onde
ol’s out”, gostei muito das músicas e imaginava
como seria ver tudo isso ao vivo!
palco. Alguém da produção anunciou que o
show só continuaria se todos permanecessem morávamos em
Em 1974 foi anunciado que Alice Cooper se sentados, o que acabou acontecendo. Bom,
apresentaria em São Paulo, onde morávamos depois soubemos que Eduardo e Jane se ma- repúblicas. Uma,
em repúblicas na região de Pinheiros. Uma, chucaram e foram jogados sobre o palco.
particularmente, merece destaque, a Paradise,
na Teodoro Sampaio quase esquina com a
Oscar Freire. Era realmente transgressora: ar-
rancaram a porta do banheiro, e o quarto de
dormir era coletivo, repleto de colchões. Ali
havia oito moradores fixos e alguns flutuantes.
Um dos flutuantes foi o Itamar Assumpção,
outra foi a Jane, uma hippie na época, que teve
participação marcante nesse episódio.
Bom, voltando à história, soubemos do show de
Alice Cooper e demos um jeito de conseguir os
ingressos. Vieram alguns amigos de Londrina, e o
Eduardo e a Gisele eram os mais jovens. Ficamos
apreensivos porque eram quase crianças.
Saímos do Paradise rumo ao salão de ex-
posições do Anhembi. Logo na entrada, um
Mais tarde, o Eduardo contou como foi ar-
rastado pela multidão, pisoteado, e viu a Jane,
que teve a roupa arrancada, sendo levada em
direção ao palco. Nesse momento, olhando para
o palco, suspenso entre o público, viu bem de
perto Alice Cooper, que parecia não se importar
com o que estava acontecendo e continuava a
cantar. Eduardo vivia dizendo que se lembrava
bem do rosto retorcido dele, com aquela ma-
quiagem verde, envolto por luzes, usando collant
e botas: parecia se divertir com o que acontecia.
“Ele parecia um Lúcifer, um anjo caído, torto, meu
Deus, saí do Paradise e acabei no inferno.”
Aliás, Eduardo sempre acrescentava que havia
acordado na enfermaria, no meio de muita gente,
entre elas a Jane, que estava enrolada num pedaço
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particularmente,
merece
destaque, a
Paradise, na
Teodoro Sampaio
quase esquina
com Oscar Freire
35• REVISTA O GLOBO • 18 DE MARÇO DE 2012
policial deu um soco a esmo, acertando a da cortina de veludo usada no palco. Não pude
Gisele. Ela se virou para reclamar, e quando ele deixar de me lembrar de Vivien Leigh inter-
viu que tinha batido naquela menininha, ficou pretando Scarlet O’Hara em “E o vento levou...”.
sem graça, percebeu o despropósito... E che- Ela também usou um cortina para se cobrir.
O
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