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13/09/2013 às 00h00
O chef da revolução
Por Maria da Paz Trefaut | Para o Valor Econômico, de São Paulo
Assim que o sedã preto estaciona junto ao prédio da Oca, no
parque do Ibirapuera, em São Paulo, Gastón Acurio se aproxima
com o intuito de abrir a porta traseira. "Vai na frente", sugere
alguém, por achar natural que fique para ele a primazia de ir no
lugar mais confortável. No total, somos cinco pessoas. Ele não
vacila em aceitar a oferta. Senta-se ao lado do motorista e segue
quase calado, durante o percurso de mais de meia hora que leva
ao restaurante Dalva e Dito, nos Jardins. É uma tarde fria e chuvosa, com manifestações em vários
pontos da cidade, uma delas diante da Assembleia Legislativa, no nosso trajeto. Como pouca gente
aderiu a esta, o trânsito flui com a habitual lentidão das 6 da tarde. Naquele momento, ninguém sabe
que dali a algumas semanas o Astrid y Gastón, de Lima, sairia vencedor como o melhor restaurante da
América Latina na lista da revista inglesa "Restaurant", deixando em segundo lugar o D.O.M., de Alex
Atala, também sócio do Dalva e Dito.
No carro, Acurio conversa ao telefone. Atualmente tem 38 restaurantes, em 12 países. Nos próximos 15
meses vai abrir um a cada 15 dias, transitando da alta gastronomia ao "fast-food". Enquanto baixa e
responde e-mails, alguém lhe pergunta se tem Instagram. "Não. Não sei como instalá-lo", diz. "Hoje,
tive uma tarde intensiva de português", comenta. E diz que já esteve mais de uma dezena de vezes em
São Paulo, onde é sócio da "cevichería" La Mar, filial da cadeia criada por ele, em Lima. No ano que
vem, pretende abrir o Tanta, outra de suas casas dedicada à cozinha peruana, também na capital
paulista.
Quando chegamos ao Dalva e Dito, escolhido por ele para este "À Mesa com o Valor", o fotógrafo
Claudio Belli nos espera. Já escolheu uma mesa junto à parede onde há um mural de Athos Bulcão,
para que a geometria azul e branca do painel de azulejos sirva como pano de fundo do retrato. A
agenda de Acurio é cronometrada e, sabemos, nosso tempo é breve. Naquela noite, véspera de sua
partida, ele ainda tem um jantar no D.O.M. com executivos da Telefônica, empresa da qual é
embaixador e patrocina o projeto Juntos para Transformar, que promove o Peru e sua revolução
gastronômica.
"Viajo muito, mas são viagens curtas", conta. "Estou aqui por dois dias, na semana passada estive em
Chicago pelo mesmo tempo e, na anterior, passei dois dias em Santiago. Durante quatro meses viajo
intensamente. No resto do tempo, tento ficar no Peru para pesquisar e buscar coisas novas."
Acurio pede uma água com gás e o maître sugere a caipirinha especial da casa - feita com maracujá,
limão-cravo, xarope de priprioca e cachaça. É a primeira vez que vai ao Dalva e Dito. Mas não chega a
olhar o cardápio. Atala se aproxima e diz que escolherá os aperitivos. "Lindo seu restaurante, precioso",
retribui, gentil.
Acurio tem 45 anos, a pele bronzeada e uma fisionomia bem peruana. "Todos somos um pouco
mestiços no Peru: temos algo de andino, espanhol, italiano, africano. A família de meu pai é de Cuzco,
a capital dos incas." Sua aparência é informal, quase a do antiempresário. Os cabelos castanho-escuros,
cacheados e compridos, estão sempre meio despenteados. Veste-se de maneira casual: jeans, camisa
branca e um blazer escuro.
Vivemos cem anos de uma época em que se buscava tudo igual: de cadeias de hotéis a
redes de comida internacionais. Hoje, o mundo valoriza a diversidade
Em Lima, talvez seja a pessoa mais famosa depois de Mario Vargas Llosa, amigo da família. Até já foi
objeto de um perfil elogioso do escritor, publicado no "El País", que costuma ser citado e repetido. O
que Vargas Llosa escreveu é que se houvesse, no Peru, uma centena de empresários e criadores como
ele, o país já teria deixado o subdesenvolvimento para trás.
Acurio nasceu em San Isidro, o bairro mais nobre da cidade. Estudou em escola de elite e tinha como
colegas de classe os filhos dos homens mais ricos do Peru. Nada a ver com o Colégio Militar Leoncio
Prado, que deu substrato ao romance "A Cidade e os Cachorros", de Vargas Llosa. "Estudei no Santa
Maria Marianistas. Para o Colégio Militar, onde esteve Vargas Llosa, iam os meninos da burguesia que
se portavam mal", diz com uma gargalhada.
Sim, até que ele era um menino comportado. Seu único defeito era gostar de cozinhar. O que não
agradava ao ex-senador e ex-ministro Gastón Acurio Velarde, que participou do governo de Fernando
Belaúnde Terry, na década de 1980. Nessa época, além de agregar principalmente gente com pouca
formação, a cozinha não dava notoriedade a ninguém. "Meu pai foi um político muito importante e
respeitado. O que é raro. Desde pequeno me inculcou a curiosidade pela política. Trazia livros, me
levava ao Congresso e a debates. Gostava daquilo, claro. Mas, quando voltava para casa, eu ia
cozinhar", conta.
No início, o pai o via como uma criança estranha, diferente. É o único filho homem. As quatro irmãs
são mais velhas e todas são economistas, administradoras. "Quando lhe disse que queria ser
cozinheiro... As pessoas conheciam os restaurantes, mas não os cozinheiros. Era muito difícil para ele
entender esse meu desejo e muito fácil assegurar-me de que não era lógico."
O pai tinha a ilusão de que Acurio chegaria mais longe do que ele havia chegado na política. Para isso,
convenceu-o a estudar direito na Espanha e a manter a cozinha como hobby. "Foi ótimo. Como estava
sozinho, tive a sorte de escapar da faculdade sem que ele soubesse." Sua fala é interrompida pela
chegada do garçom com a caipirinha. Ele sorve o primeiro gole e faz cara de aprovação: "É suave,
bom". Depois, vem o caldinho de feijão, a carne-seca acebolada com manteiga de garrafa e uma porção
de bolinhos de arroz. Ele inspeciona tudo, pede explicações sobre cada prato antes de provar e
pergunta se a carne-seca é para ser comida com as torradinhas.
O que o pai não sabia é que o talento político de Acurio seria expresso na cozinha. Basta vê-lo atuar em
debates, programas de televisão e eventos públicos para ter certeza de que essa é sua verdadeira
natureza. O chef é do tipo carismático e populista, capaz de animar um auditório durante horas. Sabe
falar e tem o que dizer. Até hoje, porém, há quem imagine que esconde uma ambição política maior.
"Os políticos pensam que todos mentem como eles. Acham que também estou mentindo. Sempre que
alguém lhes pergunta: 'O senhor quer ser presidente?", faz a imitação com um tom de voz impostado e
teatral. Respondem: 'Não, eu não, eu não.'"
"A cozinha é uma coisa muito frontal, direta, e toca, praticamente, todas as atividades: antropologia, agricultura, economia, arte",
afirma Acurio no Dalva e Dito
"O presidente [do Peru] Alan García, em discursos, chegou a dizer que eu não deveria entrar para a
política porque contribuo muito para o país na cozinha." Faz uma pausa para rir. "Ele me disse isso
várias vezes, e em público. Dizia assim [interpretando]: 'Sei que queres ser candidato à Presidência'. O
Alan García tinha era medo de que eu concorresse, porque sabia que ganharia dele!", diz, divertindo-
se. E segue falando do mesmo assunto. "As pessoas pensam que porque alguém tem um desempenho
ativo na sociedade esconde alguma estratégia para o poder. Se eu escondesse, seria uma traição, uma
mentira. O que fiz foi trazer a política para este campo, onde se pode fazer muitíssimo. Acho que até
mais do que faz quem está na política. Porque a cozinha é uma coisa muito frontal, direta, e toca,
praticamente, todas as atividades: antropologia, agricultura, economia, arte."
No território onde exerce sua vocação política, Acurio diz acreditar que não há ideologia. "A ideologia é
fazer o bem." O que implica mover-se em um caminho no qual as oportunidades se apresentam,
ideologicamente, às vezes à direita, às vezes à esquerda ou no centro. "Você pode defender causas
ambientais e nem por isso ser de esquerda. Ou você pode defender a empresa privada e a importância
da iniciativa privada sem por isso ser de direita."
Em Lima, mais de 800 pessoas trabalham para ele. Quanto fatura? "Trato de não saber [consta que são
mais de US$ 100 milhões por ano]. Quando decidi ser cozinheiro, percebi que não sabia como cuidar
das finanças, procurei os melhores profissionais que havia no mundo da gestão e administração e
ofereci sociedade a Irzio Pinasco para que pudesse crescer mais rápido. É preciso você se desprender
daquilo que considera seu para crescer mais. Foi o que fiz."
Recentemente, teve um aporte financeiro do fundo de investimento britânico Aureos Latin America
Found (Alaf) e do Abraaj Group, sediado em Dubai, que vai ajudá-lo a montar restaurantes em Londres
e a entrar na Ásia e na Oceania. Em 2015 quer chegar a Sydney e Melbourne, na Austrália, a Cingapura
e Tóquio. Nem sempre com a bandeira Astrid y Gastón. "A tendência atual é criar restaurantes para
cada lugar. Faremos um especialmente desenhado para Londres, por exemplo. É o que as pessoas
querem. Para Dubai, sim, vamos levar o La Mar."
Acurio estende o braço e pega um bolinho de arroz. "Delicioso. Isso é subversivo, dá vontade de comer
vários. É como os croquetes, é preciso deixá-los a distância, bem longe. Senão, sem se dar conta, você
come o prato todo." Com muito esforço, faz 40 minutos diários de esteira. "Corro", diz, com um tom de
quem quase desfalece. "Tenho que fazer, senão estaria com 200 quilos. Passo o dia todo provando. E
luto contra o peso desde sempre."
Quando abriu seu primeiro restaurante, o Astrid y Gastón, em 1994, a revolução culinária que viria a
liderar estava longe de seu horizonte. "Queria abrir, com minha mulher, Astrid, um lindo restaurante
na minha cidade." Os dois haviam se conhecido na Europa, estudado gastronomia na Le Cordon Bleu,
em Paris, e valorizavam todos os francesismos típicos da época. No cardápio havia "coq au vin", "boeuf
bourguignon", "terrine de foie gras". "No caminho é que você vai descobrindo. Primeiro sua cultura,
seus produtos e temperos. Depois, por que cozinha, o que o levou a isso, e começa a pensar o que existe
mais adiante daquilo que está fazendo. Até que, finalmente, encontra um caminho. E por isso há que
agradecer todos os dias. Muito pouca gente encontra seu caminho na vida. Sou um afortunado."
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Chefs: Acurio (segundo à esq., frente) e Atala (primeiro à esq., atrás)
Créditos: Reuters
Quatro anos depois de abrir o restaurante, Acurio começou a tirar os pratos franceses do menu. Em
pouco tempo não havia mais nenhum. Sua cozinha, agora, respondia a questionamento lógico: quem
somos? Onde estamos? Aonde queremos ir? A busca dessas respostas o levou a se envolver com
agricultores, a descobrir ingredientes e a criar uma cadeia de oportunidades com a valorização da
cozinha peruana.
Essa é a mensagem que leva ao mundo. A de quanto tudo isso fez o Peru mudar. "Aprendemos que
nossa comida não tinha valor, que só o que vinha de fora era bom. Recuperar nossa liberdade
emocional trouxe um sentimento genuíno de integração entre os peruanos. Conseguimos nos livrar de
nossa colonização mental e recuperar a autoestima. Fomos ensinados a ter medo, a não experimentar.
Vivemos cem anos de uma época em que se buscava tudo igual: de cadeias de hotéis a redes de comida
internacionais. Hoje, o mundo valoriza a diversidade."
O grande temor, no início da globalização, é de que ela acabasse com as diferenças. Acurio acha que
aconteceu exatamente ao contrário: que, ao se conectar, o mundo passou a valorizar as diferenças.
Surgiu aí a oportunidade para o movimento da "cocina novoandina". "O mundo aprendeu a amar as
diferenças. Outro dia estava em Chicago, no meu restaurante, e uma senhora me disse: 'Obrigada por
trazer sua cultura para minha cidade. Porque me permite desfrutar uma coisa nova'", conta.
O intercâmbio cultural foi a razão pela qual a humanidade avançou desde sempre, com produtos, com
o comércio, acredita. "O que há hoje é uma nova maneira de conectar-se."
O Chile foi o primeiro país para onde levou seu desejo de expansão. Ao chegar lá, ele e Astrid
descobriram que a gastronomia peruana começava a se valorizar muito. "Percebemos que havia
oportunidade para fazer algo mais, para transcender. Que, além da ideia de ter um restaurante, era
possível influir muito. Aí fomos para Colômbia, Equador, Venezuela, México, Argentina, Espanha,
Brasil, Estados Unidos."
No Peru, a novidade é a hamburgueria Papachos. Lá há hambúrgueres de quinua e beterraba, e
ketchups feitos com frutas da Amazônia. O portfólio da Holding Acurio soma todas as cozinhas: umas
mais culturais, outras conceituais. Os conceitos servem para imprimir um estilo peruano. Entre eles há
um restaurante de sotaque italiano, uma churrascaria, um lugar de influência asiática, uma
chocolateria, uma casa de cozinha peruana tradicional e outros negócios. Com esse tamanho, ainda
pensa criar novas bandeiras? "O tempo todo."
Agora, por exemplo, está montando um restaurante de "parrilla" (grelhados na brasa). Mas não só de
carne. Com peixes, frutos do mar, vegetais, e também carne, mas certificada, com abate humanitário.
"Vamos tentar dar um enfoque diferente à 'parrilla', mais de acordo com o mundo onde vivemos. Isso
tem a ver com a ideia de usar o fogo como um elemento brutal, mas capaz de produzir coisas muito
suaves. Incluindo carne."
Nas poucas vezes em que tem tempo para cozinhar em casa,
Acurio aproveita para fazer pratos só com vegetais. Experimenta
coisas novas, produtos exóticos. Imagina que, no futuro, a
cozinha vegetariana terá cada vez mais relevância. No menu
degustação do Astrid y Gastón (que além de 1º da América Latina
está em 14º no mundo, na lista da prestigiadíssima revista
"Restaurant") quase metade dos pratos é de vegetarianos. A
entrada tem tomate, feijão e uma inesquecível arca com raízes
andinas. "Vejo muita estética e possibilidade de criatividade num prato que tenha somente três ou
quatro vegetais. Não é necessário carne, frango, peixe. No passado, a gente precisava usar produtos
caros e, especialmente, proteína animal. Hoje, qualquer produto pode virar uma iguaria. Há muito
mais liberdade."
Para alimentar seus restaurantes e de outros, Acurio fundou o Instituto de Cocina Pachacutec, na
periferia de Lima, que já formou 80 mil jovens. Quando o badaladíssimo espanhol Ferran Adrià esteve
no Peru, levou-o lá para mostrar-lhe como os garotos, que antes queriam ser jogadores de futebol,
decidiram ser chefs. Cenas dessa visita e outras passagens sobre a revolução social que a gastronomia
produziu estão no documentário "Peru Sabe - A Cozinha, Arma Social", lançado no ano passado na
sede da ONU, em Nova York.
No Peru, o movimento da gastronomia ainda convive com a fome. Por essa razão, Acurio acha que é
necessário trabalhar em dobro. Para criar riqueza, fazer mais restaurantes, abrir postos de trabalho e
cadeias produtivas de valor. "É preciso levar uma vida pessoal austera e investir quando ninguém quer
investir."
De sua parte, diz não colecionar vinhos, relógios ou quadros. "Tenho uma casa bonita, muito ecológica,
com um imenso jardim. Por mim, viveria num hotel, mas é legítimo que minha mulher e minhas filhas
- de 18 e 19 anos - tenham o sonho da casa." Apesar de todos os laços que criou, teima em se definir
como um cigano. "Uma casa para toda a vida me causa um pouquinho de estresse. Gosto de pensar: 'E
agora, onde vou viver?' Entende?"
Ele toma água, come mais um bolinho de arroz e a caipirinha permanece quase intacta. Por quê?
"Quando trabalho, me preservo. Não gosto de tomar meia caipirinha, acho muito pouco, gosto de
tomar logo três." Há uma comida que se pode comer todos os dias sem cansar? "Sim, esta." E aponta
para os bolinhos de arroz. "Bolinhos fritos, croquetes, isso nunca enjoa."
- O que é preciso para exportar a cozinha peruana?
-Um país necessita, no máximo, de cinco ingredientes para poder representar seu sabor original. Na
cozinha peruana é preciso de "ají", de "ají" e de mais "ají" (a pimenta local, exportada em pasta), de
pisco e "huacatay" (erva dos Andes, levada congelada para o exterior). Não precisamos da "huacatay"
fresca, precisamos apenas do aroma. Em algum momento, quando a gastronomia peruana tiver mais
presença, aparecerá um importador que queira trazê-la fresca, por avião. Isso fará que pequenos
produtores se convertam em exportadores. E sua ervinha, pela qual lhe pagavam US$ 0,10, passe a
custar US$ 1,00. As mudanças sociais que se processam nos bastidores da cozinha são fascinantes.
Seus assessores já fazem sinais para alertá-lo de que é hora de ir. Ele ainda pretende passar no Hotel
Fasano, onde se hospeda, e tomar um banho. Mais cinco minutos? "Claro", diz. E continua a falar da
"revolução pacífica e sem armas" que a gastronomia desencadeou em seu país. É seu tema preferido,
sua obsessão. O trabalho não é trabalho para ele. "O fato de ser cozinheiro me causa um problema
social. Como meu mundo é apenas esse, não sei o que é trabalhar e o que é descansar. Nasci para ser
cozinheiro, mas entendo que isso aborrece as pessoas que estão à minha volta. Minhas filhas e meus
amigos mais próximos, volta e meia dizem [imitando, com voz de enfado]: 'Outra vez com a comida,
com a cozinha?'"
Quando pedimos a conta, todos os garçons já foram instruídos para que nada seja cobrado. Não
adianta insistir, Alex Atala deixou a ordem expressa antes de sair.

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O chef da revolução

  • 1. 13/09/2013 às 00h00 O chef da revolução Por Maria da Paz Trefaut | Para o Valor Econômico, de São Paulo Assim que o sedã preto estaciona junto ao prédio da Oca, no parque do Ibirapuera, em São Paulo, Gastón Acurio se aproxima com o intuito de abrir a porta traseira. "Vai na frente", sugere alguém, por achar natural que fique para ele a primazia de ir no lugar mais confortável. No total, somos cinco pessoas. Ele não vacila em aceitar a oferta. Senta-se ao lado do motorista e segue quase calado, durante o percurso de mais de meia hora que leva ao restaurante Dalva e Dito, nos Jardins. É uma tarde fria e chuvosa, com manifestações em vários pontos da cidade, uma delas diante da Assembleia Legislativa, no nosso trajeto. Como pouca gente aderiu a esta, o trânsito flui com a habitual lentidão das 6 da tarde. Naquele momento, ninguém sabe que dali a algumas semanas o Astrid y Gastón, de Lima, sairia vencedor como o melhor restaurante da América Latina na lista da revista inglesa "Restaurant", deixando em segundo lugar o D.O.M., de Alex Atala, também sócio do Dalva e Dito. No carro, Acurio conversa ao telefone. Atualmente tem 38 restaurantes, em 12 países. Nos próximos 15 meses vai abrir um a cada 15 dias, transitando da alta gastronomia ao "fast-food". Enquanto baixa e responde e-mails, alguém lhe pergunta se tem Instagram. "Não. Não sei como instalá-lo", diz. "Hoje, tive uma tarde intensiva de português", comenta. E diz que já esteve mais de uma dezena de vezes em São Paulo, onde é sócio da "cevichería" La Mar, filial da cadeia criada por ele, em Lima. No ano que vem, pretende abrir o Tanta, outra de suas casas dedicada à cozinha peruana, também na capital paulista. Quando chegamos ao Dalva e Dito, escolhido por ele para este "À Mesa com o Valor", o fotógrafo Claudio Belli nos espera. Já escolheu uma mesa junto à parede onde há um mural de Athos Bulcão, para que a geometria azul e branca do painel de azulejos sirva como pano de fundo do retrato. A agenda de Acurio é cronometrada e, sabemos, nosso tempo é breve. Naquela noite, véspera de sua partida, ele ainda tem um jantar no D.O.M. com executivos da Telefônica, empresa da qual é embaixador e patrocina o projeto Juntos para Transformar, que promove o Peru e sua revolução gastronômica. "Viajo muito, mas são viagens curtas", conta. "Estou aqui por dois dias, na semana passada estive em Chicago pelo mesmo tempo e, na anterior, passei dois dias em Santiago. Durante quatro meses viajo intensamente. No resto do tempo, tento ficar no Peru para pesquisar e buscar coisas novas." Acurio pede uma água com gás e o maître sugere a caipirinha especial da casa - feita com maracujá, limão-cravo, xarope de priprioca e cachaça. É a primeira vez que vai ao Dalva e Dito. Mas não chega a olhar o cardápio. Atala se aproxima e diz que escolherá os aperitivos. "Lindo seu restaurante, precioso", retribui, gentil. Acurio tem 45 anos, a pele bronzeada e uma fisionomia bem peruana. "Todos somos um pouco mestiços no Peru: temos algo de andino, espanhol, italiano, africano. A família de meu pai é de Cuzco, a capital dos incas." Sua aparência é informal, quase a do antiempresário. Os cabelos castanho-escuros, cacheados e compridos, estão sempre meio despenteados. Veste-se de maneira casual: jeans, camisa branca e um blazer escuro. Vivemos cem anos de uma época em que se buscava tudo igual: de cadeias de hotéis a redes de comida internacionais. Hoje, o mundo valoriza a diversidade Em Lima, talvez seja a pessoa mais famosa depois de Mario Vargas Llosa, amigo da família. Até já foi objeto de um perfil elogioso do escritor, publicado no "El País", que costuma ser citado e repetido. O
  • 2. que Vargas Llosa escreveu é que se houvesse, no Peru, uma centena de empresários e criadores como ele, o país já teria deixado o subdesenvolvimento para trás. Acurio nasceu em San Isidro, o bairro mais nobre da cidade. Estudou em escola de elite e tinha como colegas de classe os filhos dos homens mais ricos do Peru. Nada a ver com o Colégio Militar Leoncio Prado, que deu substrato ao romance "A Cidade e os Cachorros", de Vargas Llosa. "Estudei no Santa Maria Marianistas. Para o Colégio Militar, onde esteve Vargas Llosa, iam os meninos da burguesia que se portavam mal", diz com uma gargalhada. Sim, até que ele era um menino comportado. Seu único defeito era gostar de cozinhar. O que não agradava ao ex-senador e ex-ministro Gastón Acurio Velarde, que participou do governo de Fernando Belaúnde Terry, na década de 1980. Nessa época, além de agregar principalmente gente com pouca formação, a cozinha não dava notoriedade a ninguém. "Meu pai foi um político muito importante e respeitado. O que é raro. Desde pequeno me inculcou a curiosidade pela política. Trazia livros, me levava ao Congresso e a debates. Gostava daquilo, claro. Mas, quando voltava para casa, eu ia cozinhar", conta. No início, o pai o via como uma criança estranha, diferente. É o único filho homem. As quatro irmãs são mais velhas e todas são economistas, administradoras. "Quando lhe disse que queria ser cozinheiro... As pessoas conheciam os restaurantes, mas não os cozinheiros. Era muito difícil para ele entender esse meu desejo e muito fácil assegurar-me de que não era lógico." O pai tinha a ilusão de que Acurio chegaria mais longe do que ele havia chegado na política. Para isso, convenceu-o a estudar direito na Espanha e a manter a cozinha como hobby. "Foi ótimo. Como estava sozinho, tive a sorte de escapar da faculdade sem que ele soubesse." Sua fala é interrompida pela chegada do garçom com a caipirinha. Ele sorve o primeiro gole e faz cara de aprovação: "É suave, bom". Depois, vem o caldinho de feijão, a carne-seca acebolada com manteiga de garrafa e uma porção de bolinhos de arroz. Ele inspeciona tudo, pede explicações sobre cada prato antes de provar e pergunta se a carne-seca é para ser comida com as torradinhas. O que o pai não sabia é que o talento político de Acurio seria expresso na cozinha. Basta vê-lo atuar em debates, programas de televisão e eventos públicos para ter certeza de que essa é sua verdadeira natureza. O chef é do tipo carismático e populista, capaz de animar um auditório durante horas. Sabe falar e tem o que dizer. Até hoje, porém, há quem imagine que esconde uma ambição política maior. "Os políticos pensam que todos mentem como eles. Acham que também estou mentindo. Sempre que alguém lhes pergunta: 'O senhor quer ser presidente?", faz a imitação com um tom de voz impostado e teatral. Respondem: 'Não, eu não, eu não.'" "A cozinha é uma coisa muito frontal, direta, e toca, praticamente, todas as atividades: antropologia, agricultura, economia, arte", afirma Acurio no Dalva e Dito "O presidente [do Peru] Alan García, em discursos, chegou a dizer que eu não deveria entrar para a política porque contribuo muito para o país na cozinha." Faz uma pausa para rir. "Ele me disse isso várias vezes, e em público. Dizia assim [interpretando]: 'Sei que queres ser candidato à Presidência'. O Alan García tinha era medo de que eu concorresse, porque sabia que ganharia dele!", diz, divertindo- se. E segue falando do mesmo assunto. "As pessoas pensam que porque alguém tem um desempenho ativo na sociedade esconde alguma estratégia para o poder. Se eu escondesse, seria uma traição, uma mentira. O que fiz foi trazer a política para este campo, onde se pode fazer muitíssimo. Acho que até
  • 3. mais do que faz quem está na política. Porque a cozinha é uma coisa muito frontal, direta, e toca, praticamente, todas as atividades: antropologia, agricultura, economia, arte." No território onde exerce sua vocação política, Acurio diz acreditar que não há ideologia. "A ideologia é fazer o bem." O que implica mover-se em um caminho no qual as oportunidades se apresentam, ideologicamente, às vezes à direita, às vezes à esquerda ou no centro. "Você pode defender causas ambientais e nem por isso ser de esquerda. Ou você pode defender a empresa privada e a importância da iniciativa privada sem por isso ser de direita." Em Lima, mais de 800 pessoas trabalham para ele. Quanto fatura? "Trato de não saber [consta que são mais de US$ 100 milhões por ano]. Quando decidi ser cozinheiro, percebi que não sabia como cuidar das finanças, procurei os melhores profissionais que havia no mundo da gestão e administração e ofereci sociedade a Irzio Pinasco para que pudesse crescer mais rápido. É preciso você se desprender daquilo que considera seu para crescer mais. Foi o que fiz." Recentemente, teve um aporte financeiro do fundo de investimento britânico Aureos Latin America Found (Alaf) e do Abraaj Group, sediado em Dubai, que vai ajudá-lo a montar restaurantes em Londres e a entrar na Ásia e na Oceania. Em 2015 quer chegar a Sydney e Melbourne, na Austrália, a Cingapura e Tóquio. Nem sempre com a bandeira Astrid y Gastón. "A tendência atual é criar restaurantes para cada lugar. Faremos um especialmente desenhado para Londres, por exemplo. É o que as pessoas querem. Para Dubai, sim, vamos levar o La Mar." Acurio estende o braço e pega um bolinho de arroz. "Delicioso. Isso é subversivo, dá vontade de comer vários. É como os croquetes, é preciso deixá-los a distância, bem longe. Senão, sem se dar conta, você come o prato todo." Com muito esforço, faz 40 minutos diários de esteira. "Corro", diz, com um tom de quem quase desfalece. "Tenho que fazer, senão estaria com 200 quilos. Passo o dia todo provando. E luto contra o peso desde sempre." Quando abriu seu primeiro restaurante, o Astrid y Gastón, em 1994, a revolução culinária que viria a liderar estava longe de seu horizonte. "Queria abrir, com minha mulher, Astrid, um lindo restaurante na minha cidade." Os dois haviam se conhecido na Europa, estudado gastronomia na Le Cordon Bleu, em Paris, e valorizavam todos os francesismos típicos da época. No cardápio havia "coq au vin", "boeuf bourguignon", "terrine de foie gras". "No caminho é que você vai descobrindo. Primeiro sua cultura, seus produtos e temperos. Depois, por que cozinha, o que o levou a isso, e começa a pensar o que existe mais adiante daquilo que está fazendo. Até que, finalmente, encontra um caminho. E por isso há que agradecer todos os dias. Muito pouca gente encontra seu caminho na vida. Sou um afortunado."
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  • 5. 1 de 4 Iniciar slideshow slideshow Imagem anteriorPróxima Imagem Chefs: Acurio (segundo à esq., frente) e Atala (primeiro à esq., atrás) Créditos: Reuters Quatro anos depois de abrir o restaurante, Acurio começou a tirar os pratos franceses do menu. Em pouco tempo não havia mais nenhum. Sua cozinha, agora, respondia a questionamento lógico: quem somos? Onde estamos? Aonde queremos ir? A busca dessas respostas o levou a se envolver com agricultores, a descobrir ingredientes e a criar uma cadeia de oportunidades com a valorização da cozinha peruana. Essa é a mensagem que leva ao mundo. A de quanto tudo isso fez o Peru mudar. "Aprendemos que nossa comida não tinha valor, que só o que vinha de fora era bom. Recuperar nossa liberdade emocional trouxe um sentimento genuíno de integração entre os peruanos. Conseguimos nos livrar de nossa colonização mental e recuperar a autoestima. Fomos ensinados a ter medo, a não experimentar.
  • 6. Vivemos cem anos de uma época em que se buscava tudo igual: de cadeias de hotéis a redes de comida internacionais. Hoje, o mundo valoriza a diversidade." O grande temor, no início da globalização, é de que ela acabasse com as diferenças. Acurio acha que aconteceu exatamente ao contrário: que, ao se conectar, o mundo passou a valorizar as diferenças. Surgiu aí a oportunidade para o movimento da "cocina novoandina". "O mundo aprendeu a amar as diferenças. Outro dia estava em Chicago, no meu restaurante, e uma senhora me disse: 'Obrigada por trazer sua cultura para minha cidade. Porque me permite desfrutar uma coisa nova'", conta. O intercâmbio cultural foi a razão pela qual a humanidade avançou desde sempre, com produtos, com o comércio, acredita. "O que há hoje é uma nova maneira de conectar-se." O Chile foi o primeiro país para onde levou seu desejo de expansão. Ao chegar lá, ele e Astrid descobriram que a gastronomia peruana começava a se valorizar muito. "Percebemos que havia oportunidade para fazer algo mais, para transcender. Que, além da ideia de ter um restaurante, era possível influir muito. Aí fomos para Colômbia, Equador, Venezuela, México, Argentina, Espanha, Brasil, Estados Unidos." No Peru, a novidade é a hamburgueria Papachos. Lá há hambúrgueres de quinua e beterraba, e ketchups feitos com frutas da Amazônia. O portfólio da Holding Acurio soma todas as cozinhas: umas mais culturais, outras conceituais. Os conceitos servem para imprimir um estilo peruano. Entre eles há um restaurante de sotaque italiano, uma churrascaria, um lugar de influência asiática, uma chocolateria, uma casa de cozinha peruana tradicional e outros negócios. Com esse tamanho, ainda pensa criar novas bandeiras? "O tempo todo." Agora, por exemplo, está montando um restaurante de "parrilla" (grelhados na brasa). Mas não só de carne. Com peixes, frutos do mar, vegetais, e também carne, mas certificada, com abate humanitário. "Vamos tentar dar um enfoque diferente à 'parrilla', mais de acordo com o mundo onde vivemos. Isso tem a ver com a ideia de usar o fogo como um elemento brutal, mas capaz de produzir coisas muito suaves. Incluindo carne." Nas poucas vezes em que tem tempo para cozinhar em casa, Acurio aproveita para fazer pratos só com vegetais. Experimenta coisas novas, produtos exóticos. Imagina que, no futuro, a cozinha vegetariana terá cada vez mais relevância. No menu degustação do Astrid y Gastón (que além de 1º da América Latina está em 14º no mundo, na lista da prestigiadíssima revista "Restaurant") quase metade dos pratos é de vegetarianos. A entrada tem tomate, feijão e uma inesquecível arca com raízes andinas. "Vejo muita estética e possibilidade de criatividade num prato que tenha somente três ou quatro vegetais. Não é necessário carne, frango, peixe. No passado, a gente precisava usar produtos caros e, especialmente, proteína animal. Hoje, qualquer produto pode virar uma iguaria. Há muito mais liberdade." Para alimentar seus restaurantes e de outros, Acurio fundou o Instituto de Cocina Pachacutec, na periferia de Lima, que já formou 80 mil jovens. Quando o badaladíssimo espanhol Ferran Adrià esteve no Peru, levou-o lá para mostrar-lhe como os garotos, que antes queriam ser jogadores de futebol, decidiram ser chefs. Cenas dessa visita e outras passagens sobre a revolução social que a gastronomia produziu estão no documentário "Peru Sabe - A Cozinha, Arma Social", lançado no ano passado na sede da ONU, em Nova York. No Peru, o movimento da gastronomia ainda convive com a fome. Por essa razão, Acurio acha que é necessário trabalhar em dobro. Para criar riqueza, fazer mais restaurantes, abrir postos de trabalho e cadeias produtivas de valor. "É preciso levar uma vida pessoal austera e investir quando ninguém quer investir."
  • 7. De sua parte, diz não colecionar vinhos, relógios ou quadros. "Tenho uma casa bonita, muito ecológica, com um imenso jardim. Por mim, viveria num hotel, mas é legítimo que minha mulher e minhas filhas - de 18 e 19 anos - tenham o sonho da casa." Apesar de todos os laços que criou, teima em se definir como um cigano. "Uma casa para toda a vida me causa um pouquinho de estresse. Gosto de pensar: 'E agora, onde vou viver?' Entende?" Ele toma água, come mais um bolinho de arroz e a caipirinha permanece quase intacta. Por quê? "Quando trabalho, me preservo. Não gosto de tomar meia caipirinha, acho muito pouco, gosto de tomar logo três." Há uma comida que se pode comer todos os dias sem cansar? "Sim, esta." E aponta para os bolinhos de arroz. "Bolinhos fritos, croquetes, isso nunca enjoa." - O que é preciso para exportar a cozinha peruana? -Um país necessita, no máximo, de cinco ingredientes para poder representar seu sabor original. Na cozinha peruana é preciso de "ají", de "ají" e de mais "ají" (a pimenta local, exportada em pasta), de pisco e "huacatay" (erva dos Andes, levada congelada para o exterior). Não precisamos da "huacatay" fresca, precisamos apenas do aroma. Em algum momento, quando a gastronomia peruana tiver mais presença, aparecerá um importador que queira trazê-la fresca, por avião. Isso fará que pequenos produtores se convertam em exportadores. E sua ervinha, pela qual lhe pagavam US$ 0,10, passe a custar US$ 1,00. As mudanças sociais que se processam nos bastidores da cozinha são fascinantes. Seus assessores já fazem sinais para alertá-lo de que é hora de ir. Ele ainda pretende passar no Hotel Fasano, onde se hospeda, e tomar um banho. Mais cinco minutos? "Claro", diz. E continua a falar da "revolução pacífica e sem armas" que a gastronomia desencadeou em seu país. É seu tema preferido, sua obsessão. O trabalho não é trabalho para ele. "O fato de ser cozinheiro me causa um problema social. Como meu mundo é apenas esse, não sei o que é trabalhar e o que é descansar. Nasci para ser cozinheiro, mas entendo que isso aborrece as pessoas que estão à minha volta. Minhas filhas e meus amigos mais próximos, volta e meia dizem [imitando, com voz de enfado]: 'Outra vez com a comida, com a cozinha?'" Quando pedimos a conta, todos os garçons já foram instruídos para que nada seja cobrado. Não adianta insistir, Alex Atala deixou a ordem expressa antes de sair.