O procurador da República Daniel de Jesus Sousa Santos deu seu parecer pelo arquivamento, incorporando a tese defendida pela Polícia Federal da ausência de indícios de crime, mas não se referiu ao Parecer Técnico apresentado pelos advogados que são assistentes de acusação.
MPF promove arquivamento de inquérito sobre morte na alfândega
1. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA __ª VARA
FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE FOZ DO IGUAÇU –
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ.
Autos no
5000476-51.2017.4.04.7002
Inquérito Policial n.º 0042/2017 – DPF/FIG/PR
PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem à presença
de Vossa Excelência manifestar-se nos termos a seguir.
1. RELATÓRIO
Trata-se de inquérito policial instaurado mediante portaria
para apurar as circunstâncias da abordagem e do óbito de Ademir Gonçalves
Costa em 28/01/2017, na aduana da Ponte Internacional da Amizade.
Encartaram-se nos autos os termos de depoimento das
testemunhas e dos servidores públicos envolvidos na abordagem, bem como o
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Auto de Prisão em Flagrante; Boletim de Ocorrência1
; Laudo de Necropsia nº
35/2017; Laudos de Local de Crime 285 e 292/20172
; Laudo de Genética
Forense nº 334/20173
, que analisa pedaço de papel/plástico e sangue da vítima;
Laudo nº 525/2017, que analisa a embalagem do spray de pimenta; Laudo nº
537/2017, que analisa o material plástico vermelho4
(Evento 18); resposta ao
pedido complementar do Exame de Necropsia da Vítima5
; vídeos da
abordagem; registros fotográficos dos primeiros socorros prestados à vítima6
;
Laudo nº 542/2017 de perícia efetuada no telefone celular da vítima7
; áudio
com diálogos do atendimento do telefonema ao SAMU8
; e o Relatório Final
(Evento 44 – REL_FINAL_IPL1).
É o sucinto relatório. Passam-se às razões do arquivamento.
RESUMO DOS FATOS
No dia 28 de janeiro de 2017, por volta das 18h20min, na
Aduna Brasileira da Ponte Internacional da Amizade – PIA, em Foz do
1 Eventos 1, 2, 3, 5, 8, 9 e 1.
2 Evento 13
3 Evento 15 – LAUDO2
4 Evento 18
5 Evento 19.
6 Evento 22.
7 Evento 41 – LAUDO3
8 Evento 42
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iguaçu/PR, em fiscalização de rotina, servidores públicos federais abordaram
Ademir Gonçalves Costa, o qual resistiu à abordagem, tentando evadir-se, razão
pela qual foi contido com moderação e momentos após a abordagem, ainda nas
dependências da Aduana, veio a óbito.
Segundo consta dos autos, na data dos fatos, Ademir foi
abordado no corredor de motos da PIA quando, enquanto vinha de Cidade do
Leste/PY, era passageiro de um mototaxista. Ao receber a ordem de parada do
funcionário da Receita Federal, ele tomou uma atitude inesperada e
estranhíssima: desceu da moto e tentou pular o alambrado que fica rente à pista
de motos. Na ocasião, em pleno desenrolar de uma tentativa de fuga, ele foi
agarrado pelo fiscal na região da cintura.
Cabe destacar que, enquanto era segurado, ele continuava a
resistir ao agarramento e à tentativa de imobilização, mesmo quando haviam
outros dois servidores que também tentavam segurá-lo na área do alambrado.
Como ele resistia fortemente à abordagem e estava descontrolado, um dos
fiscais usou spray de pimenta para controlá-lo. A muito custo e energia os
fiscais conseguiram levá-lo ao chão para tentarem iniciar um diálogo.
Ate então, durante a imobilização, os fiscais cogitaram se,
porventura, o suspeito estava com alguma droga dissimulada no corpo. Não se
sabia, de fato, o motivo para ele ter tomado aquela reação repentina e
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desesperada. O que torna a situação mais anormal ainda é o fato de que Ademir
Gonçalves Costa, mesmo depois de puxado ao chão pelos fiscais, continuava a
fazer intensa força nos braços para não ser algemado.
Depois de algemado, e enquanto o agente fazia perguntas
básicas sobre a sua identidade, Ademir Gonçalves Costa ainda fazia
movimentos bruscos com o rosto, esquivando-o para as laterais e resvalando-o
no chão da aduana, como se vê no vídeo juntado no IPL. Percebe-se que ele
também “canelava” o meio-fio com movimentos de subida e decida das pernas
enquanto estava de bruços, situação essa que fez com que um servidor, como se
vê na mídia, passasse a segurar as pernas dele. Ele não parava de se
movimentar, mesmo estando contra o solo. Todos os servidores ficaram
preocupadíssimos.
Após a imobilização do Ademir Gonçalves Costa e para
preservar a intimidade dele, que não parava de se debater e se encontrava com
as calças arriadas, ele foi colocado numa sala da Receita Federal ali na Aduana.
Em alguns minutos depois, ele começou a ter crises convulsivas, o que levou os
servidores a acionarem o Serviço de Atendimento Médico de Urgência –
SAMU para socorrê-lo; mas, antes da chegada do socorro, ele faleceu.
Nada de ilícito foi encontrado na posse de Ademir Gonçalves
Costa.
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2. DAS RAZÕES DO ARQUIVAMENTO
Segundo consta nos autos, Ademir Gonçalves Costa, na
Aduana da Ponte Internacional da Amizade, faleceu pouco depois de uma
abordagem realizada nele no corredor de entrada de motos.
As testemunhas ouvidas perante a autoridade policial foram
unânimes em descrever que o falecido tentou se evadir da abordagem e que, em
momento algum, os fiscais agrediram ele fisicamente. Os agentes, no curso da
abordagem, somente empregaram a força física necessária para imobilizar um
suspeito que não parava lutar a todo momento para desvencilhar-se das mãos
dos agentes. É muito estranho que alguém, logo após estar sendo seguro por
agentes de fiscalização, continue a fazer força para libertar-se. O que motivava
ele a se comportar dessa maneira?
Destaque-se que, ao ar livre, no chão da aduana, Ademir
Gonçalves Costa, de bruços, continuava a se movimentar bruscamente diante de
qualquer toque dos servidores. Até mesmo levantar as calças dele, que estavam
arriadas, não era possível. Não faria o menor sentido deixá-lo ali, naquelas
condições constrangedoras, enquanto a movimentação de veículos na aduana
naturalmente não cessava e os curiosos passavam a vista para ver o que
acontecia.
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Então, os servidores carregaram Ademir Gonçalves até uma
sala da Aduana, para, quem sabe, conseguirem iniciar um diálogo com ele e
poderem fazer uma revista corporal reservada. Haveria alguma motivo para
aquele indivíduo se comportar daquela maneira inopinada. Quem sabe, na
ocasião, ele tivesse alguma quantidade de entorpecente dissimulada nas vestes?
No entanto, não foram encontradas drogas, armas ou outros tipos de
mercadorias com ele.
Na referida sala, a situação física de Ademir começou a
degradar-se em pouco tempo, sendo que as crises convulsivas dele foram os
primeiros sinais do mal que estava por vir. Os fiscais ligaram para o SAMU.
Destaque-se que há áudios com diálogos de conversas entre o servidor da
Receita Federal, João Ernesto Roso Pedebos, e funcionários do SAMU. Tratam-
se de duas conversas, nas quais, já na segunda se pode perceber que o quadro de
saúde de Ademir estava piorando consideravelmente (evento 42).
No curso dos acontecimentos, o SAMU informou ao
servidor João Ernesto Roso que um profissional médico estava atendendo a
uma outra ocorrência e que eles, na aduana, deveriam aguardar. Quando o
SAMU, enfim, pôde ir e chegou na Ponte Internacional da Amizade, Ademir já
tinha falecido (Evento 1 – TELA 8)
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Segundo consta em um Termo de Depoimento, o servidor
Allan James realizou técnicas básicas de primeiros socorros em Ademir.
Seguem alguns trechos do depoimento da testemunha:
“(...) que havia a suspeita de que o indivíduo estaria levando
algo proibido na cueca; que abaixou a cueca do sujeito para
revista, porém, não encontrou nada; que colocou de volta a
cueca no indivíduo; que tentou levantar as calças do
indivíduo, contudo, ele resistiu e não deixou; que não havia
nada de ilícito com o indivíduo abordado, nenhum
entorpecente; que devido ao estado de ânimo do sujeito
abordado, pediu para alguém ligar para o SAMU; que ficou
sabendo que o servidor JOÃO ERNESTO que ligou para o
SAMU; que o indivíduo abordado foi identificado como
ADEMIR GONÇALVES COSTA; QUE JOÃO ERNESTO
disse para o depoente que o SAMU estava em outro
atendimento, por isso, iria demorar para vir; que então, saiu
da guarita e foi descansar um pouco, ou “tomar um ar”;
que foi ao banheiro, lavou-se, e algum tempo depois, alguém
gritou que o individuo algemado estaria tendo convulsões;
que foi correndo para a sala ao lado da pista de motos; que
nessa hora, viu ADEMIR GONÇALVES em outro estado,
contorcendo-se, fora de si; que com seu próprio telefone,
ligou para o SAMU, exatamente às 18:53, relatando o
estado de ADEMIR, conforme registrado em seu telefone;
que foi orientado pela atendente do SAMU que mantivesse o
corpo de ADEMIR deitado e lateralizado, conforme a foto
em anexo; que segurou a cabeça de ADEMIR, de forma que
ela estivesse alinhada ao tronco; que tirou a pulsação de
ADEMIR, e concluiu que ela estava bastante acelerada; que
como ficou cansado, o EGIDIO ficou na sala com ADEMIR,
auxiliando-o; que deu uma volta para respirar, quando
ouviu EGIDIO dizer que ADEMIR viria a óbito; que voltou
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à sala, e percebeu que ADEMIR continuava tendo
convulsões; que havia um pedaço de plástico sujo de
sangue, ao lado do rosto; que viu também sangue no chão
da sala; que ADEMIR teve mais uma convulsão e parou de
respirar; que ADEMIR perdeu a pulsação, sem reação
ocular; que imediatamente iniciou uma massagem cardíaca
em ADEMIR, por uns dois minutos; que o médico do SAMU
chegou enquanto o depoente fazia a massagem cardíaca em
ADEMIR (...)”
Os peritos, no laudo de necrópsia do IML, concluíram que a
morte de Ademir Gonçalves Costa foi causada por intoxicação exógena.
Destaque-se que nesse laudo consta que foi detectado no corpo do falecido as
substâncias lidocaína, fenacetina, sildenafil e clobenzorex (Evento 13 –
LAUDO1 – p. 3/9).
No Laudo nº 292/2017, elaborado pelo NUTEC da Polícia
Federal no local da ocorrência, consta que os peritos encontraram vestígios
nele, tais como um pedaço de plástico, de aproximadamente 10 cm, embebido
em sangue no parapeito da janela da cabine, acima do cadáver (Evento 13 –
LAUDO1 – p. 10/22). Testemunhas afirmaram perante a autoridade policial que
o falecido, após crises convulsivas, vomitou esse pedaço de plástico (Evento 1 –
telas 3 e 4; Evento 2 – DESP1 – tela 2).
No Laudo nº 334/2017, do Instituto Nacional de
Criminalística, os peritos constataram que o sangue presente no pedaço de
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plástico encontrado no local é compatível com o sangue do falecido (Evento
15). Os exames químicos realizados no mesmo pedaço de plástico, no Laudo nº
537/2017, constataram a presença das substâncias fenacetina, lidocaína,
clobenzorex e sildenafil (Evento 18 – DESP1 – p. 9/12), as mesmas encontradas
no corpo de Ademir Gonçalves Costa no exame cadavérico (Evento 13 –
LAUDO1 – p. 3/9).
A autoridade policial fez quesitos complementares ao IML
de Foz do Iguaçu acerca da potencialidade do spray de pimenta, sendo que
aquele Órgão respondeu que o aparato não foi a causa do óbito, esclarecendo
que “apesar dos efeitos serem intensos, eles duram alguns minutos e não
trazem risco para a saúde. Essa substância não tem um efeito sistêmico ou
toxicológico no corpo porque não são absorvidos facilmente.” Ademais, o IML
foi categórico em afirmar que as drogas encontradas no sangue de Ademir são
compatíveis com a causa mortis (evento 19).
De todo o investigado, sobressai que os servidores fizeram
uso necessário e proporcional da força apenas para conter o abordado, que
resistiu fortemente a abordagem. Destaque-se o depoimento do mototaxista
Edivalço Brum da Silva. Ele disse, de forma coincidente com as demais
testemunhas, que o passageiro resistiu à abordagem e não permitiu que fizessem
nele uma revista pessoal; por fim, disse que não presenciou nenhuma violência
por parte dos servidores (Evento 11 – DESP1 – p. 9).
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Os exames periciais serviram para jogar um forte feixe de
luz sobre a causa real do comportamento afoito, anormal, repentino e
descontrolado de Ademir Gonçalves diante da abordagem dos fiscais de Receita
Federal, bem como esclareceram o motivo da sua degradação física em curto
espaço de tempo.
Do que restou apurado, não há nos autos indicativo de
conduta criminosa por parte dos servidores investigados; mas, ao contrário, há
prova robusta, pelos laudos periciais, que o óbito de Ademir Gonçalves Costa
foi causado por intoxicação pelos fármacos, fenacetina, lidocaína, clobenzorex
e sildenafil, encontrados no sangue do falecido.
3. CONCLUSÃO
ANTE O EXPOSTO, o MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL promove o ARQUIVAMENTO do Inquérito Policial em epígrafe
com fulcro no art. 386, III, do Código de processo Penal, sem prejuízo do
disposto no art. 18 do mesmo diploma e súmula 524 do STF, e requer a
comunicação à Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu/PR, para fins de
registro em seus sistemas informatizados.
Foz do Iguaçu/PR, 4 de Julho de 2017.
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DANIEL DE JESUS SOUSA SANTOS,
Procurador da República.
lcf
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