A indústria fonográfica na América Latina ainda está fragmentada, com pouca oferta de downloads e streaming entre os países da região. Apesar do crescimento do consumo de música digital, especialmente no Brasil e México, modelos locais de distribuição precisam ser desenvolvidos para promover a música dentro da América Latina.
Laboratorio de misses, América Economía Internacional septiembre 2013
Aumentem o som, América Economía Brasil janeiro 2013
1. NEGÓCIOS
INDÚSTRIA FONOGRÁFICA
Aumentem o som
Apesar do grande consumo de música na América Latina, a oferta de downloads
e de streamings ainda é pouco relevante, o que dificulta o intercâmbio regional
D
David Cornejo, de Santiago
uas décadas depois do início na hora de fazer investimentos”, afirma xico, 20. No Peru há apenas a iTunes, e
da MTV Latina e da ampla o diretor regional da IFPI para América desde dezembro passado. Consideran-
difusão de sua música no con- Latina e Caribe, Javier Asensio. do os recentes números de crescimento
tinente, a banda Café Tacu- Contudo, além da pirataria, a ofer- dos downloads legais na América Lati-
ba, do México, tocou no Chile junto com ta comercial de música digital foi mui- na, este é o momento de se criar um pa-
o vocalista do grupo chileno Los Tres. to baixa na América Latina na última cote completo.
Era o lançamento, em setembro passado, década, em comparação com um ro-
do álbum El Objeto Antes Llamado Dis- busto intercâmbio por meios não regu- NEM TUDO É TANGO
co, dos mexicanos. O título e o dueto em lados. De fato, a iTunes Store, com cer- A atual oferta da iTunes Store para a
Santiago são pura nostalgia “kitsch” por ca de 20 milhões de canções a US$ 0,99 América Latina enfatiza o catálogo dos
uma época em que os compactos de mú- cada, embora funcione no México desde selos transnacionais, sem destaque para
sica local ditavam o mercado. 2009, foi lançada em outros 16 países da as músicas da região. Por isso, o cenário
Conforme evidenciado pela histeria América Latina (incluindo o Brasil) so- para modelos locais é positivo.
das gravadoras diante dos formatos di- mente em 2011 – oito anos depois de sua Um deles é o chileno Portaldisc, cria-
gitais durante a última década, as ven- criação pela Apple. do em 2009 por Sebastián Milos como
das físicas de música caíram sem retor- Segundo a organização global do se- uma alternativa para ter as canções de
no. Mas o apocalipse do disco – resultado tor Pro Music, no Brasil existem 18 ca- sua banda, Difuntos Correa, em down-
do auge da internet – foi um problema fo- nais de venda de música online e, no Mé- load legal. Outros músicos interessaram-
calizado nas gravadoras tradicionais, as
mesmas que dominavam 80% do merca-
do na segunda metade do século XX, co-
mo EMI, Warner, Sony e Universal. Já se
falamos da oferta de música via internet,
as vendas aumentam todos os anos – e o
futuro parece promissor.
Segundo números da IFPI (sigla em in-
glês da Federação Internacional da Indús-
tria Fonográfica) para a América Latina,
os brasileiros gastaram em música digi-
tal um total de US$ 45,2 milhões em 2011
– ou seja, 17% das vendas totais de músi-
ca. No México, com a cifra de US$ 39,6
milhões no mesmo período, o MP3 e ou-
tros formatos digitais representaram 28%
do mercado total.
De fato, o Brasil é o oitavo maior con-
sumidor de música no mundo, com ven-
das anuais de US$ 262,6 milhões e um
crescimento médio de 8% ao ano.
“O sucesso em determinados sistemas
digitais faz com que haja certo otimismo,
embora a pirataria esteja sempre patente
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2. -se pela ideia e assim nasceu um site es- No
pecializado em música chilena, que hoje ONDE ESTÁ A MÚSICA?
tem por volta de 3,5 mil discos, tanto de Há uma década, o crescimento da música latino-americana visto nos Estados
no
selos independentes quanto de multina- Unidos colocou nomes como Shakira, Ricky Martin e Carlos Santana no predomí-
cionais, como Sony Music. E ele já conta nio artístico mundial. Contudo, hoje apenas a colombiana continua em evidência
com uma crescente oferta de países como no âmbito global. Se, em meados do século XX, a imagem da música da região era
Brasil, Colômbia e Argentina. a de Carmen Miranda com o seu característico enfeite de frutas equilibrado na ca-
“O objetivo também é posicionar a am- beça, hoje o reggaeton e o “Ai se eu te pego”, do brasileiro Michel Teló, represen-
plitude de música que existe aqui, rom- tam a identidade da região para o mundo.
pendo o paradigma e mostrando algo As referências de ontem estão em baixa e não há mudança à vista, como ocorre
que para um estrangeiro não é tão ób- com a Argentina – que teve três décadas de ouro de rock e caiu em um precipício.
vio”, afirma Milos. “Nem todo o Chile é “A Argentina se mantém, mas não conseguiu recuperar esse lugar de prestígio. Tal-
cueca [estilo musical chileno], e nem tu- vez a nova forma não tenha mais a ver com talentos da magnitude de um [Luis Al-
do na Argentina é tango.” berto] Spinetta [fundador do rock argentino]”, reconhece o jornalista Sergio Marchi.
Esses modelos de negócios demons- Em uma época digital como a que vivemos, os músicos que ultrapassam
tram a viabilidade de canais especializa- fronteiras são fenômenos virais. Neste nicho de curiosidades estão o equatoriano
dos para difundir o catálogo local e criar Delfín Quishpe e a peruana Wendy Sulca que, embora sejam capazes de colocar
redes que interconectem os países. Al- seu nome no recente festival Youtube na Espanha, não deixam de fazer parte do
go urgente em mercados como o brasi- grande circo de curiosidades da internet.
leiro, onde, embora músicos como Cae-
tano Veloso tenham seu próprio website
para download, falta um canal por onde nha, mas é desconhecido no restante do Neste modelo de streaming, a apro-
navegar a partir do exterior e nele encon- continente americano. Certamente, pre- priação da música deixa de ter sentido, já
trar uma ampla oferta local. Na verdade, cisamos nos ouvir mais. que não se paga para possuí-la. Mediante
o site de Caetano tem músicas para ouvir um desembolso mensal, sites como Un-
Montagem sobre imagens Shutterstock
online, mas apenas para o Brasil. CANÇÃO FANTASMA limited Music ou Spotify oferecem can-
“A América Latina está fragmenta- Enquanto os modelos de venda online ções para ouvir em múltiplos dispositivos
da, não sabemos o que está acontecendo engatinham na América Latina, a ten- e evitam o problema do acúmulo de ar-
na Colômbia ou na Venezuela, mas sim dência atual na Europa e nos Estados quivos que nunca escutaremos. “O con-
o que ocorre na Espanha. Estamos todos Unidos é outra: a escuta paga online. sumidor passa de uma cultura de possuir
isolados, porque não há circuitos”, afir- “Observamos um movimento em dire- a música a uma na qual pode acessar a
ma o cantor e compositor chileno Gepe, ção ao streaming [distribuição de con-
[ canção que quiser, quando quiser e onde
que ocupa lugar de destaque em sites es- teúdo multimídia em tempo real, sem quiser”, acrescenta Asensio.
pecializados dos Estados Unidos e Espa- gravação de arquivos na máquina do Nem o Unlimited Music nem o Spoti-
usuário] ou escuta ‘à la carte’. Na Amé- fy estão disponíveis na América Latina,
rica Latina, esses movimentos sempre embora a América Móvil tenha imple-
chegaram tarde”, diz Asensio, da IFPI. mentado em 2012 a Ideas Music, uma lo-
ja online que, além de vender canções, in-
clui o modelo de escuta por streaming por
75 pesos mexicanos mensais (US$ 5,80).
“O tradicional vai conviver com as
novidades: a venda direta de artista pa-
ra consumidor, livrarias como Spotify
com o download ilegal”, afirma o argen-
tino Sergio Marchi, autor de livros sobre
Charly García e Beatles.
Tudo indica que, em uma região mes-
tiça, continuaremos com uma mistura de
formatos, desde as edições de luxo em
vinil à escuta nas nuvens, até as fitas cas-
sete que ainda são vendidas em algumas
regiões da América Latina.
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