SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 133
Baixar para ler offline
Do escriba 3
Início 7
Força 11
Imortalidade 17
Bem e mal 25
Deuses, demônios e bruxas 35
Pactos sobrenaturais 43
Alma pactuada 51
Consciência de bruxa 59
Dupla natureza 67
Sobre o culto 75
Arte dos efeitos 83
Os quatro elementos 91
Quintessência 97
Sobre as proporções 101
Femealidade 107
Guerra das árvores 113
A Grande Bruxaria 117
2
Do escriba
Muito debati com meu editor sobre o modo de
apresentar-se esse livro. Caso fosse eu de fé espiritista
diria tratar-se de um livro psicografado, mas não será
esta minha postura. Sou escritor por profissão e este
livro, culpa ou mérito, cabe-me como responsabilidade
civil e moral. Disto quis furtar-me ocultando-me sob
pseudônimoou,no anonimato.Aceiteitodas as hipóteses
de camuflagem e, depois da apoplexia interior que me
desarvoroua alma,rendi-mecomo réuconfesso.
Dirce aproximou-se de mim junto com a tragédia
penosa e mortal que vivo. Surgiu como soberba bruxa
amada e senhora suprema de todas as musas. Veio
acompanhada da verdade, mas não estava nua como
esta.Antes, a cobria o véu sagrado da Papisa. Dei-lhe um
sobrenome por carinhosa homenagem a Luiza De Bellis,
gentil amiga italiana.Isto porque "De Bellis" significa,em
latim, "oriunda das guerras" ou, simplesmente, "das
guerras". Dirce, com efeito, pertence a uma estirpe de
guerreiras.
Nunca planejei nenhum dos textos que escrevi
neste testamento. Apenas fui obediente escriba de Dirce,
que sussurrou pacientemente a meus ouvidos, ora em
3
italiano ora em dialetos diversos. Às vezes, era-me difícil
entender e ela repetia com ternura. Sua voz soava-me à
alma como metáfora ou alegoria de uma realidade
misteriosa e fora de meu controle; uma metafísica
paradoxal do desespero e da esperança. Desde a
adolescência exploro enigmas da mente e vivo estados
alterados de consciência. Por isso, a Esfinge sempre me
devora aos pedaços. E a ignorância deglutida é
assimilada e arquivada no ser, como conhecimento,
atualizando uma dialética fabulosa, muito maior do que
eumesmo.
Dirce significa veneno e antídoto, em respeitada
etimologia citada por Junito Brandão. Acredito que a
entidade psíquica que meditou suas últimas vontades, de
algum modo, estivesse ligada a este arquétipo tão bem
percebido pelos gregos. No entanto, soube incorporar a
milenarexperiência da mulher,dos primórdios da espécie
até hoje. Apesar disto, sua mensagem não é saudade
nostálgica, mas mágica projeção realista em direção do
futuro.
Foi assim, nos termos e nas palavras que se
seguem, organizadas em 17 tópicos, que Dirce decidiu
dividir seu testamento, fazendo chegar-me aos ouvidos
estamensagemquemesinto obrigado a trazera público.
Imagino que para as leitoras será uma permanente
exortação à causa feminista. Para os homens, constitui a
possibilidade de ultrapassarem os limites de uma função
4
meramentefecundanteetornarem-se co-gestantes de um
novo projetodemundoreencantado ejusto.
O leitor deve sentir-se inteiramente livre para
considerar esta uma obra mediúnica, se tal for sua
crença. Pode, ainda, compreendê-la como simples
criação literária, que se dedica ao eterno e cósmico
princípio feminino.
De uma coisa esteja certo quem o ler: a autora
deste texto se chama Dirce De Bellis. Assim batizei o
personagemqueo escreveu -alma,deusa,anjo ou carne.
O escriba meramente o redigiu, como tabelião de antiga
sabedoria.
Segundo disse-me, um dia, se for invocada antes
de ser lida, sua vibração abrirá canais secretos com o
leitor e o texto assumirá novo significado, cifrado e
enigmático. Esta sorte reserva-se para quem sintonizar
com as esferas fixas do cosmo. Arcano e Umbral, Dirce
vara deste nosso mesquinho presente para os ângulos
pluridimensionais das semânticas encantatórias, onde o
brilho podeserhumildade.
5
6
Aqui e em todo lugar,
no Equinócio de Primavera,
hoje e eternamente,
meu t es tamento é multimilenar,
at ravessa séculos e mil vidas
percor re, regis t rando o lado reverso
de muitas his tórias cunhadas. A
bruxa sou eu, a mulher eterna em
cada uma das in fini tas f o rmas que
assumo, como te r ra e caverna, útero
f ecundo de esperanças e
permanências. Sou eternamente
destinada ao f ogo masculino que
sempre me consome, ora em gozos,
ora em dores. Mas que signi ficam
dores ou gozos para quem sempre
supera a e femeridade? Não sou por
acaso f ênix e de todas as cinzas não
7
renasço repe tidamente? Não sou
abrigo de todos os espermas e
cadinho de toda vida? Não sou mar e
te r ra, água e lei te de todo neonato?
Sim, sou bruxa, aquela que queima,
que arde e ilumina, na noite dos
desprazeres, as ilusões masculinas
f ragmentadas nas iras in fini tas das
guerras sangrentas. Sei aquilo que os
homens ignoram e por isso to rnam-me
chama viva, vela eterna e est rela, na
ânsia de apossarem-se do saber que é
só meu. Sou toda re fulgência e
brilho, lume e espasmo de in fini to
prazer que se desloca do macho,
como volúpia e momento, e se faz
fu turo em meu vent re. Os homens
nascem de mim e morrem em mim. E
eu, eterna, permaneço __ Na tura ou
Gaia __ dis farçada em mil faces
f emininas, em mil corpos e
identidades, em vidas múltiplas
dispersa, mas numa única entidade
materna, cujo corpo se desdobra
nout ros e de si se to rna alteridade.
Sou senhora dos orgasmos, das
cont rações e dos espelhos. Retalho
meu corpo em f ib ras e ent rego-me ao
macho como alimento e holocausto.
8
Enquanto ele goza a posse e usuf rui o
mistério de minhas ent ranhas suaves,
roubo dele a semente e as chaves da
eternidade. Como meus enigmas não
são deci f rados pelo homem, é preciso
que o devore. E como é doce o mel do
macho! Como é f raca sua f o rça!
Como é dúbio seu saber! Assim,
discre ta venho at ravessando os
milênios, sem colher os louros que
plantei e germinei, sem garantir meus
méri tos por in t rínseco recato e pudor
de uma in timidade tão pro funda com
o poder que nem requer que dele me
ufane. Mas ao ver os homens toda
glória reclamarem como grandes
magos poderosos devo, por amor às
f ilhas do fu turo, deixar escri to tudo
que f iz, fui, serei e f a rei como
te t rane ta de minhas esperanças. O
mago verdadeiro nunca se declara
como tal: seja pela humildade ou pela
sabedoria, jamais se ouviu que um que
f osse autên tico se jac tasse deste ou
de out ro prodígio. Por isso, f ilhas
dile tas, temei os despudorados que
alardeiam poderes e méri tos. O
verdadeiro sucesso no caminho da luz
exige o reca to de donzela. Não sigam
9
falsos guias que percor reram uma
única vez a t r ilha da devoção e já se
arvoram em magos, por causa da bela
capa ou da ridícula espada. Lembrem-
se que o único manto pro te to r e ficaz
cont ra qualquer in tempérie é o
est relado céu e que a única espada
afiada e f ecunda é o raio da luz solar.
Por tanto, minhas f i lhas, tomem estes
tolos machos ent re suas delicadas
mãos, façam-nos dei tar em seus
tálamos e conduzam-nos a seus
sonhos de poderio, que este prazer
lhes é permi tido, mas os façam
também ver as de fo rmações de suas
loucuras e o mundo que dest roem em
insana azá fama. Meu t empo nesta
cur ta mani fes tação se ex tingue e
logo já não estarei com minhas
meninas a ensinar, por isso, escrevo e
lego à posteridade as lembranças que
não devem ser esquecidas, f a tos e
procedimentos, recei tas e conselhos.
Serão meros escri tos. Não fa rei
t ra tado como é do gosto dos machos,
nem de fenderei argumentos.
Tampouco estarei preocupada em não
misturar metá fora e fa to, pois nós,
as bruxas, sabemos que a realidade é
10
mera alegoria da eternidade. Seguirei
o verbo conselheiro, de modo que a
verdade possa ser motivo e destino
de toda f o rmulação. Alguns tí tulos
dividirão os escri tos, mas caberá a
cada uma de minhas discípulas
descobri r a razão e o sentido, posto
que mais já está escri to no coração
de quem lê do que poderia eu aqui
deixar gravado.
11
Força
A fi rma-se, comumente, que a
palavra bruxa deriva do verbo brusiare,
usado no la tim ta rdio da idade média,
que signi ficava queimar, passando
pela f o rma i taliana bruciare la strega, que
signi fica queimar a f ei t iceira.
Contudo, nós, as bruxas, sabemos que
esta palavra deriva do te rmo grego
brouchos, que designa larva de
borbole ta. Somos pois seres
destinados à metamor fose, à
t rans formação radical e à liber tação
do vil ras te jar para o glorioso voejar.
Se nos queimam, nos t rans formam em
luz e cinzas que vol tamos a animar no
eterno ciclo persis ten te e resisten te
da vida que se duplica, renova e
repete a misteriosa ar te de ser igual
e di fe ren te ao mesmo tempo.
Destinadas ao vôo, antes ras te jamos
como vermes e, assim, aprendemos a
12
humildade das sacerdo tisas do sol
que se podem o fer tar em sacri fício
sem perda do prazer e da liberdade.
Nossa alegria f lu tuante sempre f oi
motivo de inveja, por is to os machos
f izeram carica tura de nosso poder
aéreo e liber tário, con fe rindo-nos
vassouras voadoras por t ranspor te.
Para não decepcioná-los, com e fei to,
nelas montamos e nelas voamos, se
quisermos, mas nosso f lu tuar é regido
por natureza mais pro funda, por
destino mais assinalado e
contundente do que as fan tasias
masculinas de que seus falos
susten tam nossos vôos. Filhas minhas,
não pensem, contudo, que desprezar
os homens seja sinal de grandeza e
liber tação para uma bruxa. Eles não
são inimigos, contudo arqui te taram
um mundo onde só o presente
impor ta. Dotou-lhes a natureza da
pleni tude do instante, mas a nós,
mulheres, con fe riu o domínio sobre o
dia seguinte, sobre o t empo
prolongado, os ciclos e as renovações.
Desejar os homens não é
mesquinharia nem f raqueza, não
exis timos sem eles, mas o mundo que
13
podemos pensar e criar é bem diverso
deste, de con f ron tos e choques, de
injustiças e egoísmos, que eles
const ruíram. No entanto, para
realizarmos a obra e concre tizar a
aurora do tempo maduro precisamos
entender que os machos são a
matéria prima do f u turo que haurimos
em nossos abraços. Quem estiver
destinada a entender saberá que a
f o rça da palavra bruxa está no xa
mais do que no bru, pois seu valor
to tal é 383 e cuja chave se guarda na
temperança, mas no xem é que se
encont ra a raiz de todas as coisas. A
maioria das bruxas nasce em corpo de
mulher, mas há também aquelas que
nascem em corpos masculinos. A
natureza da bruxa não está no sexo,
mas no dever do orgasmo, pois só o
prazer liber ta a energia que susten ta
o mundo e recria as in fini tas
dimensões. A alegria de um orgasmo
salva milhares de seres da t r is teza
das t revas e ascende lumes in fini tos
no grande céu do f u turo. As est relas
que hoje vemos são luzes do passado,
gozos celebrados nas origens pelos
grandes seres que nos precederam.
14
As luzes do amanhã dependem dos
abraços amorosos e do prazer que
f o rmos capazes de gerar no agora.
Para as bruxas, o sexo não é
diver t imento leviano, mas dever
sagrado pelo qual elas se associam às
divindades que susten tam a realidade
pela providência: é o dever de
produzir o fu turo como f ru to doce e
suave, como algo melhor do que o
presente. Na energia do orgasmo
voamos pelo éter criando o espaço e
f ecundando o tempo, numa gênese
meta física que o moralismo dos
machos e de suas f êmeas
escravizadas não consegue
compreender. As bruxas, nos gemidos
de nossos prazeres ou de nossas
dores, geramos o mundo numa
concre tude energé tica indiscutível.
Assim, pouco impor ta que nos
queimem ou nos amem, pois, é
morrendo ou renascendo que
produzimos realidade. No x da bruxa
está contido o universo. Por isso,
f ilhas dile tas, nunca se deixem
possuir pela presunção ou pelo
orgulho, porquanto estes são
de fei tos e de turpações próprias dos
15
machos e nós sabemos que nosso
destino é servir o universo e unidas
bailar nas órbi tas dos ast ros
celestes. Não repeti rei aqui os já
conhecidos saberes de todas vocês,
mas apenas exor tarei quanto ao
essencial de nossa dout rina. Não
somos sacerdo tisas de religiões
quaisquer. Tampouco somos xamãs de
primi tivas t r ibos. A bruxa é simples
realidade e consciência disto
habi tando na espécie humana em
f o rma corporal. Mas este corpo que a
hospeda não a contém nem re tém, ela
é mais que corpo e mais que alma e
mais que espíri to, é mistério e enigma
da concre tude imperial da energia
cósmica no ato de conhecer-se a si
mesma como tal.
16
17
Imortalidade
Nada mais enganoso do que supor
o plural de bruxa: todas elas são uma
única entidade e em cada uma habi ta
uma legião in fini ta de seres
multi face tados e plurais, mas
paradoxalmente uni ficados numa
mesma hiper-realidade fan tás tica. A
bruxa não é uma pessoa, mas um
evento energé tico de consciência
plena, capaz de si tuar-se em qualquer
época e lugar e em qualquer realidade
par ticularizada, porquanto ela é a
própria realidade eu femizada na
carne encantada pelo prazer. A bruxa
é imor tal e única. Ora está nesta ou
naquela jovem, ou sempre numa velha,
mas não se con funde com a mulher,
indivíduo ou pessoa. É mais que a
história vivida por um corpo, que a
personalidade const ruída nas
experiências. A bruxa é uma
18
ocor rência que f lo resce num alguém,
como expressão do f eminino to tal, do
grande útero sobrenatural de onde
provém a exis tência, mas não é um
nome nem um percurso exis tencial. É
eterna, por isso t rans-histórica e
contemporânea de todos os
momentos. É sobre tudo o grande
temor que in funde aos egóicos e
e fêmeros machos. Foi bruxa Sara, a
de Abraão que concebeu f ecunda em
tempo vetusto. Foi bruxa I sabel de
Zacarias cujo poder gerador calou o
macho acóli to de seu prodígio. Foi
bruxa Í sis que gerou Hórus do olhar
choroso de Osíris. Foi bruxa e
te r rível Maat-Ka-Ra, que t rucidando
o irmão se f ez decre tar macho e
reinou poderosa como Hapshe tsu t,
conquistadora das liberdades das
te r ras f ecundas de Quemi, hoje
Egi to. Bruxa e mulher são uma única
realidade e terna. Sucedem-se os
machos como por tadores de
sementes, aram e cavam sulcos, mas
elas, as perenes geradoras, colhem
seus tes tículos e deles fazem novos
seres. Grande bruxa f oi Cibele que a
Á tis amputou a serventia, mas
19
generosa o t rans formou em
divindade. T remenda bruxa f oi
Medéia, capaz de devorar as crias de
um amor indigno e deixar que a
jus tiça telúrica e f e roz da I ra
res taurasse de modo monst ruoso o
ult ra je da re jeição. A bruxa não é
exemplo, não é mito. É evento e
realidade, sopro de cor ren tes aéreas
tumul tuadas e destinadas à
contemplação do ult rapasse da
in f ração e do t ransbordar para muito
além das categorias usuais e
utili tárias da bondade ou da maldade.
Desgraçada a f êmea que se presumir
bruxa por meramente ousar romper
convencionais bar reiras e ati rar-se a
aventuras menores e cent radas em
propósi tos egoístas. O
compor tamento da bruxa, não é
compulsivo, nem inconsciente, é pelos
ast ros t raçado e inevi tavelmente
de terminado. A bruxa encarna a
liberdade plena condicionada e
circunscri ta à uma lei maior e
incompreensível: dever voluntário
sem escolha __ impera tivo
categórico, mas a entes arquetípicos
per tencente. Saibam pois, meninas de
20
meu coração, que jamais f ruirão do
repouso hebraico nos pés do Pai
Abraão, nem das delícias da nulidade
materialis ta e atéia. Somos
t rabalhadoras incessantes, nesta
carne mani fes ta ou em f o rmas
cris talinas de energia organizada. A
bruxa é única e sublime, porque não
par ticipa da quimera das fábulas
religiosas e míticas. Pela imediata
experiência do sublime e do real, não
lhes é permi tida aquela f é
consoladora dos néscios, bem
in tencionados e pusilânimes, que
sonham com um contábil acer to com
uma divindade agiota com seus dons
que se gastaria pela e ternidade a
mensurar méri tos e deméri tos,
pecados e vir tudes. Felizmente a
bruxa é um ser que não bebe o
colost ro da ilusão que salva o ego.
Não precisamos nut ri r ilusões
reencarnacionistas, em busca de
novos e elegantes corpos para out ra
vida mais at raente e con for tável.
Acredi tamos na singularidade
per fei ta das mani fes tações, na
ir repe tibilidade dos momentos e na
unicidade do ser. Nunca
21
reencarnaremos, simplesmente
porque jamais deixaremos de estar
encarnadas __ somos carne e mat riz
da carne __ energia múltipla e
he terogênea em permanente
expansão de sua di ferença. Somos
humildes f iandeiras da vida em
nossas rocas; e como Géia geramos
Cronos, o Tempo, o devorador de
toda a criação: como Réia, fugimos
grávidas para Cre ta e damos Zeus à
luz e a seu destino ressusci tador dos
deuses engol fados pelo Tempo. Com
in fini tos nomes reconhecida, a bruxa
é eterna porque assume radicalmente
a liber tação do ego contingente,
experimental e linear. É e terna
porque está sempre. Porque cumpre
seu papel de criar realidade. É deusa
branca e t ransmutante, locatária de
corpos mis e diversos. Nem só está
em f o rma humana, mas, às vezes, na
de águias, baleias, leoas, t ig resas,
serpentes, gatas e, sobre tudo, em
f o rma de aranhas, em seu eterno
afazer de tecer e t ecer, abrindo seu
caminho pelos ares. Bruxas, temos
orgulho de sermos também os vermes
que t rans formam o passado podre em
22
esperança de fu turo reciclado. Ao
descrever a mais essencial natureza
da bruxa e most rar assim sua
imor talidade, quis que não se
iludissem, f ilhas, quanto à alegoria da
eternidade circunscri ta ao e fêmero
complexo dos organismos vivos. O
vi tal t ranscende o celular e, se hoje,
se revela ao homem, nos recôndi tos
mistérios micro físicos, desde sempre
f oi-lhe evidente na insondável
grandiosidade celestial. Assim,
tampouco se iludam os não
predestinados com a vã presunção de
que tal condição de consciência seja
conquistável por es forços ou
exercícios. As bruxas, somos como os
números primos: ocor rem sempre,
quando e onde nunca se sabe.
Por tanto, não se es forcem numa
busca pelos poderes superiores. A
sabedoria da bruxa não está em
dominar f o rças majestosas __ como
anseiam os magos machos __ mas em
abdicar de todo louro que a alce
acima do comum da espécie em que se
mani fes ta. E is to não é por vir tude da
humildade como disciplina e árduo
es forço: é simples destinação e
23
graça. É sendo comum e igual que ela
susten ta a mat riz cósmica da espécie
na qual f lo resce. Contudo, pode
ocor rer que f o rmidáveis poderes se
mani fes tem, t ransgredindo a
discrição e evidenciando-se aos
demais; neste caso à bruxa caberá
at ribuir a out rem os prodígios. O
segredo da bruxa consiste em não
reivindicar autoria destes nem out ros
poderes, posto que seu exercício é
serviço reca tado e f iel. Fique claro,
às meninas de meus carinhos, que as
legiões que as habi tam são rebanhos
a serem pastoreados com amor e
dedicação. Cria-se um destino que
não é fa talis ta, mas sim
responsabilidade exercida. Ser bruxa
é identi f icar-se sempre com a vida
que vence a mor te e não com os
ocasionais corpos perecíveis em que
estamos. É não identi f icar-se com
uma his tória par ticular de si mesma
f ei ta de f rus t rações e carências. A
bruxa só se reconhece como tal
quando vive a experiência fus tigante
de parir sonhos para a realidade
fu tura. Somos todas mães das utopias
que iluminam o melhor. Parideiras das
24
histórias, somos senhoras do próprio
destino; superiores às Queres,
somos a liberdade de vontade da
Moira sublime. Somos, f ilhas
queridas, imor tais, porque eternas e
somos perenes, porque vencemos,
como Réia, a Cronos, liber tando nossa
idéia de nós mesmas da contingência
res t ri t iva do t empo. Contudo, nada
seríamos se nos der ro tasse a
pre tensão da onipotência. Somos
servas inúteis do inevi tável poder
cósmico que representamos, uma só
gota de orgulho é capaz de ati rar
nossas consciências na mais
desatinada loucura. Por tanto,
meninas, dediquem-se a conhecer as
ervas mais do que a contar est relas,
pois f olhas e f lo res são bei jos
solares cris talizados na te r ra. Nelas
há vida e remédios. Nosso poder é
sublime demais para abrigar o
orgulho!
25
26
Bem e mal
Se já expliquei bastante o porquê
da bruxa ser imor tal, cabe contudo
algumas palavras para distinguir, se
possível, o bom agir do mal agir. Os
satanistas que dominaram a I g re ja
Católica durante séculos quiseram
que as bruxas f ossem seres maus, a
quem toda sor te de male fício podia e
devia ser imputado. Em M alleus
M aleficarum, consolidaram a
sistemática monst ruosidade cont ra a
espécie humana, mas não perderei
tempo em cont ra-argumentar as
miríades de so fismas ali contidos.
Nem tecerei considerações sobre as
con fusões f ei tas ent re qualquer
vítima da I nquisição e a bruxa tal
como a de fino. É claro que
genericamente todas as vítimas dos
ri tos de sacri fício humano merecem
ent rar na categoria luminosa das
27
bruxas. Milhares de escri tos exis tem
sobre o bem e o mal. A discussão
parece insolúvel ao penet rar o
pantanoso campo do rela tivismo. Com
temor por te r renos tão movediços, há
os que pre ferem permanecer, míopes
e delirantes, em mesquinhas atalaias
maniqueístas, onde as sombras são
t idas como inimigas e o medo se
acir ra ao menor avizinhamento do
orgasmo. É mais simples convencionar
a distinção ent re o bem e o mal
segundo as conveniências dos poderes
dominantes. A vontade do mais
violento é um bem, para ele, e a
vítima não t em sequer o direi to a
reivindicar que seu quinhão seja o
mal. Seu sacri fício é também um bem
por decre to megalômano da f e ra
t i rânica. E a sacri f icada que se sinta
muito bem satis fei ta, posto que sua
dor a puri f ica e sua mor te a diviniza
ou mesmo canoniza. Paté tica, t rágica
e monst ruosa é a história do medo
exposto nas cruéis modalidades de
exorcismo desenvolvidas pelos
temores psicó ticos dos grupos
humanos. Caudais sangrentos
desceram os milhares de al tares de
28
todas as cul turas, ir rigando a te r ra
com o mar tí rio. Fornos e todos os
t ipos de f ogueiras elevaram aos ares
as dores e os suplícios de inocentes.
Milhares de corpos t rucidados f o ram
lançados às águas para aplacar
supostas iras e ir racionais imagens de
monst ros escondidos na própria alma
da humanidade cujo passado consti tui
asquerosa consta tação do império do
mal. E pasmem minhas dile tas, todos
estes crimes bárbaros não eram
crimes, mas atos sublimes de piedosa
devoção religiosa. Esta espécie
hominídea, na qual nós, bruxas, nos
encont ramos para cumprir uma missão
de abrandamento e de te rnura, é
sanguinária e assassina. O homem
mata, por compulsão psicó tica, aquilo
que está vivo a sua vol ta. Não matar é
um compor tamento raro. As únicas
variações consistem nas motivações
da violência. O di to mandamento
cont ra o matar conhece tan tas
cláusulas de exceção que na prá tica
só funciona quando o motivo é
individual, egoísta e fú t il. Basta uma
qualquer guerra e o matar se
t rans forma em atividade heróica,
29
digna e nobre. Basta uma qualquer
alegação de honra f e rida para que o
assassinato venha lavar com o sangue
da vítima a suposta desonra. É
su ficiente um bom discurso
ideológico em nome de liberdades
jus tas para que o t e r rorismo grasse,
sacri f icando inocentes. A civilização
humana sempre moveu-se a sangue.
Os cris tãos ocidentais modernos se
chocam ao saber da crueldade
sanguinolenta dos sacerdo tes astecas
a ex t rair corações, mas canonizam o
bíblico Elias, que matou 450
sacerdo tes de Baal e ainda subiu aos
céus num carro de f ogo, de tão gra to
lhe f icara I ahweh. Ma tar nem sempre
f oi um ato de maldade e nisto está a
monst ruosidade do homem. Moisés
persegue o f ilho para sacri f icá-lo,
antes de ir te r com o fa raó e f oi
preciso Sé fora a f ron tá-lo,
circuncidando o menino, para que o
prepúcio amputado aplacasse o
marido sanguinário. Grande bruxa f oi
Sé fora! A história escri ta pelos
machos escamoteia a crueldade e a
odienta dimensão assassina da
perversidade. Je f té mata a f ilha em
30
holocausto a I ahweh como paga pela
vi tória que lhe te ria concedido o
Senhor e assume soberano o cargo de
Juiz de I s rael. Quão jus to pode te r
sido? Era após Era, a his tória humana
é a própria maldade que coleia pelo
tempo. Quando o mal, por algum
motivo, se ausenta, só então temos o
bem. Esta dout rina que lhes explico é
o inverso daquela pregada pelos
machos meta físicos que pre tende
de finir o mal como ausência de bem.
Cont ra a rela tividade destes
concei tos pode-se afi rmar que o mal
é o sangue voluntariamente
der ramado em todas suas f o rmas; o
bem, a cicat rização da f e rida. O
macho f e re e sangra a vítima na
volúpia de conquistar uma menarca
simbólica, já que seu corpo é incapaz
de sangrar livre e regularmente a
própria f ecundidade. O mênst ruo é a
própria vida que a mulher compar tilha
com o mundo em doação generosa de
si mesma. Sem violência cont ra o
out ro, celebra seu ri to de sangue de
modo natural e t ranqüilo. Ah, mas
quanto is to não f oi invejado pelos
homens! Os machos, de tan ta inveja
31
deste sangue, o consideraram
impureza e convenceram as mulheres
de que is to era um mal. Contudo, o
mênst ruo é o único sangrar sadio e
alvissareiro que proclama a
f e r t ilidade f eminina e a to rna
par tícipe dos grandes ciclos da vida.
Assim, f ilhas e irmãs, não se deixem
enganar pelo universo concei tual
masculino, para o qual, a prepotência
da arma e do inst rumento a serviço
da vontade megalômana consti tui um
bem. Ele considera qualquer meio,
como digno e honrado f im, para
alcançar suas vi tórias cont ra o
adversário mais f raco. Nada mais tolo
e machista do que esta pre tensa
univocidade dos concei tos de bem e
de mal; quando está óbvio que os f ins
alienam à condição de meros meios
sua de terminação obstinada de
dominar sobre todas as coisas e tudo
oprimir. Nós, bruxas, devemos
recusar a clareza destes concei tos a
favor da dignidade do f raco que
precisa ser tão respei tada quanto a
dos mais f o r tes. A moral e a decência
se most ra quando os mais f o r tes
de fendem os f racos: is to é honra e
32
nobreza! Que eles os der ro tem é
mera regra animalesca de selvageria.
A civilização como proje to e
esperança programada implica radical
respei to pela qualidade dos meios
empregados para os f ins. Nenhuma
vi tória pode ser honrosa se mediada
pelo assassinato f e roz. Poderá até
ser conveniente dent ro do te r rível
ciclo de t ragédias que é a história,
mas é algo a ser re jei tado e
abominado como princípio. Nem
mesmo a autode fesa, quando violenta,
honra a dignidade do homem. As
bruxas hão de negar a univocidade do
bem e do mal, hão de reconhecer sua
parcial rela tividade e de, ao
denunciar a hegemonia da maldade,
reinventar a possibilidade do bem
como meio e como f im. Como sonho e
como serviço. Nossa responsabilidade
consti tui um débi to com as milhares
de vítimas, não só as mulheres
queimadas como f ei t iceiras, mas com
todas as vítimas humanas dos
sacri fícios religiosos ou não. A atual
civilização substi tuiu a motivação do
matar e camuflou os atos
sanguinários por f o rmas sutis e
33
aparentemente ingênuas. Os
at ropelamentos nas ruas e nas
est radas, os acidentes de t rabalho e
sobremaneira a f ome __ o mais
maldi to dos car rascos __ consti tuem
hoje f o rmas leigas e dessacralizadas
da mesma necessidade sangrenta dos
homens em produzir vítimas e de
fazer jo r rar sangue inocente para
aplacar as psicoses doentias dos
machos, de uma cul tura
predominantemente f álica e
maniacamente falóla t ra. Acautelem-
se, pois, amadas meninas, diante das
seduções e dos pactos que os machos
o ferecem, abrindo postos de emprego
às mulheres, cedendo-lhes o poder de
mando, desde que elas desempenhem,
do mesmo modo que eles, a
reprodução dos desmantelos de um
delírio civiliza tório que tudo mata,
dos semelhantes a espécies in teiras e
até o próprio planeta. Cuidado com a
etiqueta gentil dos homens que lhes
abrem as por tas, puxam cadeiras e
pagam contas. Aler tas este jam
quando cedem espaço, pois f azem is to
para não mudar condutas cul turais,
nem f inalidades civilizadoras. Dianas
34
de meu coração, armem-se e lu tem a
guerra santa da paz, pois é Gaia quem
as convoca para salvá-la! Vive-se
hoje uma época t r is te e soturna, na
qual se percebe eriçarem-se as
mesmas velhas sombras da
in tolerância dout rinária em questões
de f é, sob di fe ren tes denominações
religiosas. Não tolerar a di fe rença e
a livre opção do out ro sempre
consti tui a matéria prima de qualquer
t i rania; além, é claro, de exprimir o
mais ridículo dos orgulhos: a
presunção de propriedade privada e
exclusiva das cer tezas. A radical
negação da igualdade de direi tos
ent re opiniões divergentes
exis tencializa de modo incon fundível
o pecado t ípico do macho __ o
despotismo. No horizonte do
presente, o único bem possível é a
radical re fo rmulação de métodos e
obje tivos globais para a espécie. Não
basta reivindicarmos direi tos
inventados pela própria cul tura
machista. É preciso primeiro
reinventar uma utopia que direcione
nossos f ei tiços no rumo de uma
cidadania da lu ta t rans formadora.
35
Basta de repe ti r o passado: o f u turo
é f êmea e a His tória é bruxa! Das
cinzas de nossos sonhos e ideais
façamos renascer as f o rças e as
esperanças! I s to é o bem e o mal é
não f azê-lo.
36
37
Deuses, demônios e bruxas
Observem e ouçam, dile tas
sucessoras, seus vent res onde
Vulcano f o r ja todas as realidades
meta físicas. Nos santos úteros das
bruxas são fab ricados os deuses e os
demônios, lá mesmo onde se aloja a
verdade eterna de sua identidade
cósmica. Aquilo que pode, ao mesmo
tempo ensimesmar-se e
autodi fe renciar-se só pode ser, em
essência, a mesmíssima realidade.
Assim, f ilhas, somos rainhas do
paradoxo e nascemos no Grande
Abraço ent re f o rças opostas por
espelhamento. É por isso que nosso
dever é o orgasmo e nosso t rabalho é
o amplexo envolvente e te rno que
assimila toda cont radição numa
síntese rica e não homogênea. As
cont rações in ternas e espasmódicas
consti tuem a ir re fu tável experiência
38
de que, do nada, surge uma
concre tude que, vinda da Eternidade,
penet ra e invade a His tória. As
convulsões da Magna Serpente que se
agi ta são o milagre perene da vida.
Nada mais injusto do que nos
acusarem de adoradoras do diabo.
Adorar a própria obra é a mais pueril
das blas fêmias. Deusa-mãe de todo
ser exis ten te, somos as águas
pro fundas dos céus, onde se
organizam as enormes f o rças
cósmicas. Desordem e ordem,
geramos as fagulhas do f ogo criador.
Os deuses e os demônios são irmãos
em nosso in fini to ovário celestial.
São iguais em tudo, menos no uso que
deles fazem os homens. São seres
energé ticos t ranscendentes, f ei tos
de pura potencialidade, que nosso
gozo cria, to rnando-os nesta ou
naquela vir tude, em tal e qual
potes tade, num ou nout ro anjo. Deste
modo, em nosso orgasmo geramos as
possibilidades inde terminadas de
entes, enquanto, na ação humana
concre ta é que estes se de terminam
e fe tivamente como realidades
presentes, atuais e não simples
39
potência. Na eternidade do prazer
inventamos a matéria prima de que
todas as coisas são f ei tas, enquanto
é na temporalidade da His tória que
elas recebem suas f o rmas
di fe renciadoras. Penso
especi ficamente, aqui, como ação
humana, naquele ato cole tivo e
individual pelo qual se criam os ídolos
de todas as naturezas e não
meramente as está tuas ou as
imagens. Devemos entender como
ídolo toda e qualquer const rução
simbolizadora. Os ídolos mais sutis e
re f inados que o homem cria são
cer tamente os concei tos in telec tuais,
que não espelham f o rmas, mas
camuflam, pela linguagem, desejos e
anseios, medos e ideais. Por este
processo mental, tu rbilhões de
emoções múltiplas e complexas são
condensadas em racionais concei tos,
do tados de f o rmidável capacidade
semântica. São de tal modo tão
gigantescas as cadeias de realidades
psíquicas, implicadas nos concei tos,
que se to rna di fícil percebermos e
compreendermos suas origens
emocionais. Bem ao cont rário do que
40
se pensa, aquilo que se considera
racional e abst ra to é, e fe tivamente,
uma enorme quantidade de emoção __
congelada para que possa o homem
supor tar-lhe o con f ron to __ que se
t rans forma de in formação subje tiva
em denotação obje tiva. É assim que
nós bruxas fab ricamos a matéria
prima com que os homens moldam
deuses e demônios; ví timas
sacri f iciais e bodes expia tórios;
longas de fesas de sua crueldade
insaciável; os cálculos matemáticos e
as bombas dest ruidoras; as máquinas
e os argumentos. Refli tam, jovens
aprendizes da Sublime Ar te, sobre o
que lhes digo, pois, já não t enho
tempo para de ter-me em de talhes e
de fender minhas razões. Os deuses
são antepassados das máquinas,
porque sempre f o ram aquilo que o
homem podia inst rumentalizar a favor
de sua vontade hegemônica, de seu
sonho megalômano. Os demônios,
como t e rmo, serviam para agremiar e
ro tular aquelas energias que se
apossavam do homem, a despei to de
seu domínio, e invadiam-lhes a alma e
o corpo. Aquilo que signi ficava
41
insubmissão ao homem t i rânico e
despótico, is to era o diabólico. Por
causa de nossa e terna rebeldia aos
machos e pelo modo como nos
apossávamos de suas almas pela
paixão é que nos acusaram de sermos
adoradoras do demônio. O concei to
de Deus serve a recolher os méri tos
de todos os bens que a f o rça
conquista. Deste modo, o cruel se
livra do julgamento e se a fi rma como
bom. Por válidos motivos, qualquer
mal se to rna bem: esta é a te r rível
magia dos machos cont ra a qual
invocamos Diana e suas hostes, a f im
de podermos most rar ao mundo que o
bem é viável, desde que instaurado o
reinado livre e prazeroso da verdade.
Cont ra as teologias masculinas da
afi rmação, exal taremos, por prá ticas
e teorias, o grande e respei toso
silêncio das teologias apo fá ticas:
nada dizer de Deus, mas amar __
esta é a melhor de todas as
pregações, o mais convincente
argumento. É preciso denunciar como
falaciosa toda moral absolutis ta que
engendra um concei to de bem a par ti r
da f o rça e do poder de coação. É
42
preciso demolir os grandes edi fícios
concei tuais das inúmeras religiões
que servem como alicerce ideológico
da dominação masculina. Devemos
desconst ruir as teologias
esclerosadas e não nos res t ringirmos
a discuti r a questão inútil da
exis tência ou não de Deus.
Precisamos entender melhor o modo
pelo qual os homens se servem deste
concei to como legi timador de sua
vontade. "Em nome de Deus!" __ Eis a
f ó rmula mágica que inibe qualquer
reação e pela qual as ações se
livram do juízo de valor, porquanto
Deus é hyperkalós e sua vontade visa,
assim e necessariamente, ao bem.
Apropriando-se da divindade como
concei to, os homens e fe tivamente a
cruci f icam no madeiro, imobilizando
sua grandeza e a escravizando a
mesquinhos in teresses. Falar em
nome de Deus é sempre uma absurda
pre tensão e o mais ex t remado
orgulho. Ainda se t ra tasse realmente
de uma ordem divina obje tiva, o seu
descumprimento, por motivos de
humildade, consti tuiria uma
desobediência que a divindade
43
saberia perdoar. A té mesmo
jus ti f icar uma e fe tiva caridade pelos
ensinamentos de Deus, ou em nome
dele, consti tui compor tamento
hipócri ta. O bem deve ser f ei to pelo
prazer que se tem neste ato e não
por causa de nenhuma out ra
motivação, sobre tudo por aquela que
vise a amealhar méri tos para
descontar, num céu pos-mortem,
tesouros in fini tos. Não hão de
pensar, minhas meninas, que estou
afi rmando a inexis tência de um ser
supremo. I s to repeti ria a mesma
est ra tégia de dominação do concei to,
apenas, recor rendo aos caminhos da
negação. O que nós, as bruxas, temos
de afi rmar é o Mistério que exis te
nas f ron teiras de nosso
conhecimento. Cultuemos, deste
modo, pois, o Mistério enquanto tal,
sem ten tar substi tuí-lo por invenções
mesquinhas das mentes humanas. Ele
é a insondável realidade que nos
consti tui enquanto seres e
consciências, assim, desprezamos a
in ferioridade de deuses e de
demônios, embora guardemos a
veneração contemplativa pelo
44
inominável enigma que essencialmente
somos. Por tais razões, seremos
sempre perseguidas e, possivelmente,
vol taremos a ser queimadas, quer
pelas labaredas do f ogo, quer pelas
línguas cáusticas dos crí ticos. Mas
persisti remos e não arredaremos pé
de nossa natureza radical, posto que
essa é nossa identidade. Exor to-as,
pois, bruxas de meu mundo, a não
esmorecerem e a não substi tuírem o
Mis té rio, absoluto e t ransparente,
onipresente e eterno, por ridículos
ant ropomor f ismos, tampouco por
concei tuações meta físicas. Não
adoramos demônios, nem deuses e, de
maneira alguma, criamos ídolos,
ideologias ou mitos. Nossa f é é um
agir: t ranscender sempre e ir pelos
ares do cosmo at raídas pelo
fascinante enigma que se faz orgasmo
no abraço criador.
45
46
Pactos sobrenaturais
Discuti rei aqui alguns
fundamentos de pactos
sobrenaturais, ressal tando aquele que
uma bruxa deve celebrar e o que não
deve nunca fazer. No entanto, o
primeiro problema que se levanta é
com relação ao fa to de ser a palavra
sobrenatural adequada ou não. Diante
desse vocábulo, imediatamente
entende-se algo que este ja acima ou
além da natureza. No entanto, is to
em nada ajuda, pois que é preciso
de finir o que se compreende pela
palavra natureza. Com f reqüência,
esse te rmo evoca uma realidade que
não depende da exis tência humana,
entendendo-se como natural aquilo
que é próprio da exis tência
puramente biológica ou animal e que
não se con funde com as const ruções
insti tucionalizadas da cul tura. No
47
entan to, é preciso considerar como
questão básica o fa to de não ser o
homem apenas mais um animal na face
te r res t re. Pode até já te r sido um
animal, mas tal como ho je se
apresenta __ circundado pela cul tura
e pela civilização, que de cer ta
maneira o to rna contemporâneo de
todos os seus antepassados __ o
homem já não o é. O animal só é
contemporâneo dos seus coe tâneos,
ao passo que o homem convive na
His tória com aqueles que o
precederam e, ao continuar
produzindo cul tura, proje ta-se no
fu turo e se relaciona com aqueles que
o sucederão. Não se deve, pois, te r
uma visão que oponha natureza à
cul tura e à civilização delas
decor ren te. A natureza humana
implica produção cul tural. No
entan to, tal entendimento, embora
carac terize melhor o âmbi to do
concei to de natureza com relação ao
homem, ainda não a de fine de modo
adequado. A f im de apro fundar a
questão, é necessária uma discussão
sobre o próprio concei to de natureza
e sobre o lugar que lhe é con ferido
48
pelo pensamento. Exaustiva
veri f icação histórica de toda a
produção f ilosó fica em to rno dessa
questão nos levaria a um labirín tico
espaço de erudição especulativa, mais
ao sabor dos machos, e que nos seria
de pouca serventia. Por tan to,
const ruamos uma de finição de modo a
iluminarmos com ela nossa
compreensão do sobrenatural. Como é
possível compreender a natureza de
modo independente de uma concepção
meta física? Nout ras palavras, como
posso f alar de natureza sem t razer à
baila o concei to de Deus e sem
re fe renciá-la ao que denominamos de
sobrenatural. A complexidade é
evidente. Ent re tanto, nós, as bruxas,
ten tamos pensar sem recor re r à
afi rmação desse ser in teligente e
supremo, buscando compreender a
natureza como a to talidade das
normas de permanência dos seres no
conjunto das coisas exis ten tes.
Destar te, a natureza não se most ra
uma vontade anterior aos animais ou
ast ros, planetas ou est relas ou
galáxias, que componham o universo,
mas sim modo pelo qual estes
49
elementos __ que são, cada um deles,
conjuntos e organizações de
conjuntos de out ras entidades, até às
mínimas par tículas subatômicas __
lu tam para permanecer naquele
estado de identidade ideal, capaz de
con feri r- lhes unidade e necessidade
em con f ron to com o universo
circunstante. Assim, a natureza é
resposta existencial às necessidades
recíprocas ent re nós e o mundo a
vol ta nossa. Não é o resul tado de leis
estabelecidas antes da criação de
realidades, mas sim o modo, a
condição de possibilidade de
exis tência destas mesmas realidades.
A natureza não é um pro je to que
antecede, ao que se chama de
criação, mas é a própria ação
criadora em sua mul ti face tada
dinâmica. Vejamos, a par ti r dis to, a
idéia de sobrenatural. Dent ro da
dimensão dos seres biológicos, a
natureza, assim de finida,
cor responde a um processo de
afi rmação permanente da exis tência,
ou seja de sobrevivência.
Sobrevivendo, damos cumprimento à
natureza, posto que o natural é
50
sobreviver. Desta f o rma, há de
compreender-se que a mor te se
most ra um f enômeno cont rário à
natureza. Por esta oposição é que se
incor reu no engano de considerar a
es fera da mor te como sendo o
te r reno do sobrenatural. Contudo,
con forme já disse, o humano
t ransborda o meramente biológico,
por não ser mero animal. Assim,
quando se estende o concei to de
natureza de maneira a envolver as
noções de cul tura e de civilização, a
história fu tura da humanidade
consegue deixar de ser uma
sobrenatural his tória da mor te para
to rnar-se esboço da esperança de
vida prolongada nas gerações. Quando
es fera da mor te individual deixa de
exprimir a sobrenaturalidade, a vida
reina sobre o e fêmero como
eternidade e assume a paradoxal
condição de sobrenaturalidade
natural. Entendam, assim, minhas
f ilhas, que o sobrenatural pacto que
as bruxas precisam celebrar não pode
ser com suas f an tasias imaginárias,
individuais nem cole tivas, nem com
entidades mirabolantes e ir reais, nem
51
pode visar a poderes megalômanos __
tal pacto é proibido e cruelmente
punido pela loucura. Para nós, bruxas,
o sobrenatural é, como já afi rmei,
natural e, f o rçosamente, cul tural.
Assim, nosso compromisso perene a
ser assumido e sempre renovado é
com a concre tude da ação e ficien te
da mulher dent ro da His tória, a f im
de gerar o f u turo no vent re da
esperança. Neste pacto não se vende
a alma a nenhum demônio, mas, ao
cont rário, se a resgata de toda
alienação aos mesquinhos pro je tos
t i rânicos. Do ponto de vista do saber
das bruxas, a questão f ilosó fica da
natureza tem de considerar a
eternidade da espécie. Assim, esta
eternidade signi fica o tempo de
duração do mundo enquanto
percebido por algum espécime
humano. Duas noções ir rompem neste
contex to. A primeira delas t ra ta
dessa entidade abst ra ta e real que é
o homem como espécie; abst ra ta para
nossa experiência enquanto
espécimes e absolu tamente real para
nossa permanência no universo.
Por tanto, o homem como espécie pode
52
ser per fei tamente pensado pelo
homem enquanto espécime. Assim,
muitas das f o rmulações, das cer tezas
emitidas e produzidas pelos homens
ao longo dos tempos são f o rmulações
que par tem da presunção de falar, de
ver e de compreender como a
to talidade dos seres humanos,
por tanto como espécie. Ora, para que
a par te possa falar autorizadamente
pelo todo, é preciso haver
in teriorizado as duas polaridades que
compõem a espécie: o masculino e o
f eminino. Há inúmeros t ipos de
pactos sobrenaturais que podemos
realizar e somos in teiramente
responsáveis pelo discernimento de
sua conveniência. Há contudo um
deles ao qual estamos obrigadas a
celebrar para honrarmos nossa
condição de bruxas e que não se
res t ringe ao abraço carnal ent re
nossos corpos côncavos de mulher e
as másculas pro tuberâncias. O
Grande Amplexo necessário para a
t rans formação a que estamos
destinadas se consti tui nessa
conjunção in terior dos esposos reais
das bodas alquímicas. É jus tamente
53
no orgasmo desse coi to sobrenatural
que nascemos como bruxas e podemos
então falar, pensar e agir como a
espécie humana em seu todo e não
apenas a t í tulo parcial e individual.
Este abraço nos une com a
to talidade, em seu sentido mais
pro fundo e sobrenatural; por meio
dele t ranscendemos o par ticular e o
cul tural, adent rando o genérico e a
essência das miríades de cul turas,
to rnando-nos contemporâneas de
todas as Eras e, desta maneira
eternas e imor tais __ plenamente
redimidas pela Luz salvadora da
consciência desabrochada e
comprometida com todas as crias do
fu turo, já hoje presentes em nossos
úteros de carne.
54
55
Alma pactuada
As adeptas da Ar te Sagrada não
devem esquecer que é segundo a
qualidade e a in tenção do pacto
sobrenatural celebrado pela bruxa
que se de fine seu t ipo de alma.
Quando o pacto é mesquinho e visa
aos propósi tos egoístas de riqueza e
à fama, a alma se vincula com o
animalesco e com as energias
in feriores do magma f e r roso do
cent ro do planeta e tais magos e
bruxas perver tidos podem ser
reconhecidos por alguns sensi tivos
pela sua pata caprina. Quando, ao
cont rário, o pacto é sublime e f ru to
do orgasmo cósmico que as energias
criadoras e generosas da vida
realizam no in terior dos corpos que
se abrem para receber visi tas
luminosas, as almas dessas bruxas
são marcadas por uma alegria
56
contagiante e por re fulgente aura.
Nada abate as almas pactuadas com o
abundante bem das cornucópias
celestiais. Já aquelas que se
venderam às ânsias de sucesso, por
mais que se camuflem em
celebridades, sustentadas por
perniciosas e astu tas técnicas de
propaganda, jamais serão capazes de
comunicar verdadeira liberdade e o
sincero contentamento. Exis te um
modo pelo qual podemos examinar o
recôndi to de nossa consciência e
sabermos se estamos t r ilhando o
caminho da luz verdadeira;
celebrando o pacto permi tido ou
in f ringindo a ética das energias
cósmicas e nos acasalando
incestuosamente com os f ilhos de
nossas vaidades. Há dois t ipos de
ouro: o dos tolos e o dos sábios. O
ouro dos tolos compra coisas e
consciências débeis. O ouro dos
sábios compra paz e sabedoria. O
discernimento ent re estas duas
naturezas consti tui o mais di fícil
desa fio. Durante o processo da
Grande Obra, começamos sendo
incapazes de distinguir se nossas
57
almas buscam um ou out ro t ipo de
ouro. Só à medida que lançamos f o ra
o ouro dos tolos é que vamos
entendendo o verdadeiro signi ficado
do ouro sapiencial. A mais diabólica
das f o rmas de escravidão aos
demônios de nossa ânsia voraz se
t raduz no chamado toque de Midas.
Este é o sucesso material e mundano
que t raz fama e riquezas
incalculáveis. Não são poucas as
bruxas e os magos que se perdem
neste labirin to de ilusões que
consti tui o poder quanti f icado em
ci f ras monetárias. Estão por toda
par te, exibindo seus ros tos
simpáticos, seus sorrisos cativantes,
enchendo os meios de comunicação
com suas medíocres recei tas de
aprendizes de f ei t iceiros. Recheados
de maldi to orgulho, disseminam
er rôneas compreensões de f ó rmulas
que são essencialmente sagradas, mas
que, em suas bocas ensangüentadas
de vampiros, to rnam-se abomináveis
blas fêmias. Não pregam nenhuma
dout rina coerente, mas um amontoado
de f ragmentos incapazes de adquirir
unidade e de t ransmiti r paz
58
verdadeira. Vasculhem-se os
passados de muitos desses pre tensos
gurus esotéricos e lá, em idos
tempos, encont rar-se-ão os ri tos
macabros pelos quais venderam a
alma ao demônio. Há mesmo um dos
mais bem sucedidos dos magos do
presente que na juventude pro fanava
cemitérios com sua amante, sobre
tumbas celebrando coi tos,
f ecundando-a para depois fazê-la
abor tar em honra a Satanás e
acabando por ent regar a vida da
jovem em t rágico e misterioso
acidente. Ho je, hipocri tamente, fala
de Deus e se afi rma mago branco,
como se tal nódoa se pudesse da alma
apagar. Rico e poderoso, hoje usuf rui
os dividendos in fe rnais e conduz
t ropas de mulas em direção ao
Aqueronte. Não quero, bruxas
queridas e herdeiras minhas, que
sigam o t r is te destino desses seres
t rapaceados pela incúria e pela
ignorância, por isso, f r iso que a alma
pactuada é serena de ambições, é
doce e suave em seus sentimentos e
generosa em suas carícias. O pacto
redentor da verdadeira bruxa não se
59
most ra como vaidade e orgulho, como
necessidade de reconhecimento
mundano, antes procura o reca to e o
recolhimento de suas modestas
moradas, de onde sai para caridade
anônima e serviços humildes.
De temos o segredo da fab ricação do
ouro dos sábios, mas só o produzimos
a f im de saciar dores e nunca de
comprar coisas. Seu nome é Verbo e é
o Deus de nossos vent res que o
f ecunda na virgindade de nossa
solidão. A alma pactuada com o divino
orgasmo de nossas alegrias mais
pro fundas e uterinas não se compara
com a alma leiloada às vis
gra ti f icações do poder insaciável de
domínio. Somos bruxas e não magos.
Queremos a baruch, a bênção, não
vorazmente magis et magis, mais e mais,
como os magos vermelhos, negros ou
cinzas do mundo perverso e
perver tido. É preciso que minhas
dile tas sucessoras consigam
exorcizar todo perigo dos pactos
sobrenaturais mefis to félicos. Embora
este seja mais próprio dos machos, a
mulher também está exposta a seus
perigos. Assim, se por acaso, um dia,
60
aparecer-lhes o diabo em sedutora e
fascinante mani fes tação, não o
temam, pois, agora, vou ensinar-lhes
um ri to in falível capaz de
en f raquecê-lo e dominá-lo. Como
íncubo ou como donoso mancebo, ele
pode surgir-lhes diante dos olhos de
carne ou dos olhos da alma, durante o
dia ou durante o sono e agitar todas
as energias que percor rem um corpo
de mulher. Se o brilho de seu olhar
luci fe rino não f o r bastante para
seduzir minhas meninas, ele ten tará
ardil mais f o r te, most rando-lhes o
pênis ere to e inexplicável. É um órgão
que nós mulheres não temos e que
naturalmente admiramos em jus ta
medida. De flagra-se um combate
mágico ent re par tes pudendas
poderosas. Se a candidata à bruxa
sucumbe imediatamente, deixando-se
penet rar e inundar pelo esperma, ela
já f racassou em sua prova iniciática.
A grande lu ta eró tica consiste em
exibir sua cavidade geni tal e obrigá-
lo a contemplá-la por longo tempo,
enquanto a cont rai no mesmo ri tmo
do coração. Perca-se a bruxa neste
prazer de exibição, sem culpa e sem
61
pressa. Com calma e to tal domínio
sobre os momentos, não permi ta que
ele, íncubo, macho __ homem ou
demônio __ desvie o olhar da sublime
caverna. Mantenha-o de joelhos
diante do sacrário da vida e pulse
sempre a vagina até que ele
enlouqueça ou se ent regue ao fascínio
poderoso da mulher cósmica. Se a
loucura dele mani fes tar-se como
ir ri tação e violência, não o perdoe, se
você realmente f o r bruxa, pois t ra ta-
se de um demônio mau e inútil, ou de
macho indigno de colaborar na
sublime missa sobre o mundo. Mas se
ele humilhar-se, bei jar-lhe os pés e
chamá-la de rainha, prometer
delicados serviços e most rar-se digno
de abrigar-se no celestial vent re da
eterna mãe, então o receba e o
abrace, assimilando toda a
masculinidade de seu corpo. Por maior
que seja a sinceridade, a te rnura e o
carinho que t iver uma bruxa pelo
macho, jamais poderá ela perder a
consciência de que seu ato é criador
e cósmico. Dele, par ticipa e goza,
mas não pode julgar-se proprie tária
do abraço. Este per tence ao céu e à
62
Eternidade. Nós, bruxas, somos
meros inst rumentos do orgasmo
cósmico e nisto consiste nosso
mistério e nosso t rabalho universal. A
alma de quem celebrou o pacto
sobrenatural com o bem e com a vida
jamais será possuída por invasores de
qualquer t ipo. Torna-se in teira,
comple ta e per tencente a si mesma.
Embora não seja posse da mulher
individual, é propriedade e dom da
celestial bruxa que tudo gera no
vent re universal.
63
64
Consciência de bruxa
Se por um lado a bruxa, como
consciência, é um cósmico evento
energé tico, independente da natureza
do corpo onde se mani fes ta; por
out ro, uma vez inserida no tempo, por
meio desse próprio corpo, consti tui
uma consciência especí fica de um
de terminado ser. Como já lhes
expliquei, o corpo da bruxa,
teoricamente, pode ser f eminino ou
masculino, humano ou per tencente a
qualquer espécie, animal, vegetal ou
mineral. Embora, se considere quase
sempre sua f o rma de mulher, que é a
mais comum a nossa experiência,
lembro a minhas legatárias que, ent re
os minerais, em cer tas cris talizações,
está presente a consciência da bruxa,
como t e t raedro f undamental da
mani fes tação. De semelhante
maneira, também no reino vegetal, há
65
inúmeras espécies capazes de dar
claro tes temunho dessa consciência.
São as chamadas plantas de poder,
que se imiscuem nos próprios padrões
in terpre ta tivos do real e produzem
percepções novas. I gualmente no
reino animal, há mani fes tações da
unidade do cris tal caótico. Ao
cont rário das insurgências de
exis tência na matéria do cosmo,
ordenada por ent ropias bem de finidas
em sua predominância, o cris tal
caótico é pura matéria psíquica,
equilíbrio das ent ropias opostas e
condição de possibilidade do t empo e
do espaço. Àquelas f ilhas que
considerarem estas coisas que lhes
digo di fíceis de entender, exor to à
persistência e ao estudo metódico
das meta físicas e das f ísicas. Serão
tolas as que julgarem estes t emas
inúteis. Não basta senti r-se bruxa ou
desejar ser bruxa. Só a identi f icação
in telec tual e emocional com estes
concei tos pro fundos é capaz de
exprimir a iniciação energé tica da
bruxa. A té hoje, predominou uma
de finição do universo que o
pressupunha um exemplo de
66
equilíbrio, ordem e harmonia. Mas
esta é mera obra do cris tal caótico
__ ente paradoxal e assimét rico __
onde a dissimet ria gera a cont radição
vir tual da matéria micro física e que
produz a dimensão das realidades
densas como resul tado de sua própria
f isiologia, como seu excremento.
Assim, deve-se entender que o
universo f ísico não pode ser
con fundido com a realidade viva do
ser que o produz. E somos nós, as
bruxas __ pela consciência de
estarmos fundidas no cris tal caótico,
por tanto de o representarmos como
seu sangue menst rual celeste
misturado ao celestial esterco __
que, por par ticipação, geramos o f ilho
e o logos cosmi ficador. Quem quiser
seguir o caminho de identi f icação
com este f ilho e logos, que é a
matéria f ísica universal, deve aderir
ao cris tianismo ou ao islamismo que,
de todas as t radições, são as que
melhor explici tam a mística do logos,
do cosmo, da obediência e do macho.
O caminho dessa mística levará à
mor te, ao sacri fício, à negação do
Mis té rio e do Sublime, que apenas
67
persisti rão como promessa e
esperança, mas jamais se atualizarão
nas almas como experiência marcante
da alegria. O desenvolvimento dis to
será sempre o materialismo ateu ou o
fanatismo insano pela voracidade de
poder at ravés da manipulação das
crendices mais ridículas e das culpas
mais to rpes. Nós bruxas, não
queremos t r ilhar este caminho de
identi f icação com o f ilho, mas
queremos nos f undir, at ravés dos
f e tos que somos nós, com a mãe
eterna que é o cris tal caótico. A
bruxa é sempre "pagã e anarquista,
como não poderia deixar de ser uma
pantera que se preza", bem
de finindo-se gloriosa bruxa
por tuguesa. Somos piedosas devotas
de uma antidivindade, que não segue
os padrões das metá foras masculinas
do hiperser. Algumas de nós
con fundem-se com f ei t iceiras e
chegam a pensar que o ob je to de
nossa religiosidade, se é que
religiosas somos, seja uma branca
deusa cel ta e que na erudição de
pre tensas ciências encont ra-se o
fundamento de nossos ri tos. Perigosa
68
est rada a seguir! Desgraçada a
bruxa que ten tar res taurar seus
cul tos em f o rmas derivadas de um
simbolismo que meramente decor re,
exprimindo, daquilo que é essencial e
primeiro. O orgasmo, redigo, amadas
aprendizes, é a realidade única além
do tempo e do espaço. O coi to, é o
ri to necessário e elementar, do qual
todos os demais ri tuais derivam como
metá foras e como representações
analógicas. O verdadeiro ressurgir da
bruxaria, como f ra te rnidade de
mulheres-bruxas, depende dessa
nossa f idelidade ao momento
primordial da brancura absoluta do
cris tal que antecede à f o rmação das
cores múltiplas e diversi f icadas. Só o
puro brilho da alma silenciosa poderá
indicar caminhos e sugerir
procedimentos para adequar os
desejos de liberdade à t r ilha de seus
lei tos pedregosos, oprimidos pela
contingência e, principalmente, pela
ordem masculina, que lhe vem opor
diques a serem t ransbordados pelo
lei te e pelo sangue que de nossos
corpos jo r ram. A consciência da
bruxa nasce no ovário e busca o
69
mundo como sangue áureo. Se não o
alcança desta f o rma, é porque
encont rou a máscula semente no
fundo do caldeirão. Então, obedientes
ao mistério da conjunção dos opostos,
amalgamam-se no soma e põem-se a
criar out ro universo in fini to que é um
novo corpo humano. Mas quase
sempre, busca o mundo coleando
corpo abaixo em corrida para a te r ra
à qual se o fer ta como sangue
sacri f icial. E, assim, mês a mês, f iéis
à lunação, nos doamos at ravés do
mênst ruo sagrado à grande mãe
Ter ra e lá f ecundamos os gnomos
fan tásticos que nascem do encont ro
do sangue dourado e r ico das
mulheres com os cogumelos mágicos
das raízes sub ter râneas. Assim,
meninas-bruxas, entendam que o
poder que temos sobre a Ter ra vem
deste casamento eterno ent re nosso
corpo f eminino e o planeta. Os deuses
machos vieram à Ter ra e geraram
gigantes. Nós, em nossa boda
telúrica, geramos os homúnculos da
sabedoria e da alegria que vivem no
microcosmo da realidade limít ro fe
ent re o vegetal e o mineral.
70
Respei tem o sagrado mênst ruo que
jamais deve ser t ra tado como
excremento, mas cuidadosamente
sepul to em te r ra ou dissolvido em
água cor ren te. Sim, porque casando o
sangue f eminino com as águas geram-
se as ondinas. Já os sil fos dos ares e
as salamandras do f ogo são geradas
pelas bruxas mani fes tadas em corpos
masculinos e não lhes ensino como,
para que não sejam t en tadas a buscar
tal poder e te rminarem presas no
espelho das re f lexões inúteis. A
consciência da bruxa capaz de de finir
uma pessoa como tal é a postura que
esta assume diante da vida, do
universo e da sociedade. A cul tura
dominante do macho reina em
inúmeras mentalidades e também há
mulheres que aderem a tal modo de
pensar, reproduzindo os valores
pat riarcais. Estas jamais merecerão o
nome de bruxas, posto que são meros
apêndices reprodutores dos homens,
subservientes peças que para tudo
dependem deles. Assim, a bruxa é
anarquista por exigência de sua
natureza dual, que brilha caótica
ent re uivos de orgasmo, e pagã pelo
71
impulso mágico que exerce sobre ela
a pluralidade in fini ta das f o rmas
vivas.
72
Dupla natureza
Fidelíssimas f ilhas, depois de
explicar-lhes a consciência que nos
carac teriza, não posso omiti r-me
sobre a impor tan te questão sobre a
maneira pela qual somos. Este tema
decor re do fa to de sermos,
concomi tan temente, uma realidade
res t ri ta a um corpo biológico, bem
como uma realidade ilimi tada e
in fini ta, a qual, dent ro da exis tência,
sempre t ranscende a si própria e se
afi rma como identidade a tudo que
nos envolve. Assim, somos par tes e
somos o Todos, o absoluto pessoal,
numa paradoxal coincidência de
mínimo e máximo. O duro preço dessa
dualidade __ pela qual sabemos que
somos tudo, sem deixarmos de
reconhecer a quase nulidade que
representa a ocor rência
par ticularizada na pequena his tória
73
de nosso ego __ é não sermos
in teiramente nem uma coisa nem
out ra. Nossa incomple tude é, no
entan to, o grande abrigo que nos
pro tege dos congelantes ventos do
pre tensioso orgulho. Caso nos
afi rmássemos comple tas, estaríamos
implici tamente negando que t emos a
natureza da par te. Negando esta
natureza parcial, negaríamos também
a global, que, para ser o que é, requer
necessariamente a inclusão da
condição de par te. Por tan to, só a
humildade de con fessar nossa
incomple tude permi te vislumbrarmos
nossa identidade essencial.
Ent re tan to, a ousadia de afi rmarmo-
nos comple tas exclui esta humildade
necessária, nega a própria per feição
das vir tudes e só revela nossa
identidade parcial. Talvez deva
resumir-lhes em palavras mais claras:
a bruxa é a globalidade, mas está na
condição de par te. Enquanto é,
most ra-se comple ta, imor tal, cósmica
e in fini ta; enquanto está, apresenta-
se incomple ta, perecível, caótica e
f ini ta. Como já se pode concluir, a
bruxa t em duas naturezas, que se
74
mantêm unidas mas que não se
con fundem. An tes mesmo que os
primeiros cris tãos, nos concílios,
conquistassem a dupla natureza para
Jesus Cristo, as bruxas já t inham
consciência de t e rem tal
responsabilidade. Falo de
responsabilidade, porque os seres
exis ten tes são todos potencialmente
vocacionados à to talidade. Nossa
consciência, que é nossa identidade, é
juízo humilde e não leviana asser tiva
egolát rica. Deste modo, nosso dever
de ação nos conduz a compreender o
exercício da vida como serviço
prestado e não como ordem dada.
Quando a par te só pensa a si mesma e
não se pensa como o Todos, desviadas
f o rças de vontade emanam da
natureza global, assim, o perigo de
tan ta luz é o fuscar a própria razão e
to rnar-nos t i ranas. O to tali tarismo,
embora dependente e gerado do
concei to de to talidade, não afi rma a
globalidade, mas apenas a
parcialidade do ego. Este é o motivo
pelo qual vivemos: para atender
necessidades e não para obedecer
vontades! Por isso, acusam-nos de
75
rebeldes e, com e fei to, nossa
rebelião é a responsabilidade
histórica que cumprimos ao gerarmos
a di fe rença e a melhoria. Nossa
identidade, paradoxalmente una e
múltipla, é que nos to rna legião e que
se nos most ra como provação
inicia tória em mistérios da
exis tência. Aler to minhas caras
discípulas quanto a is to, para que não
lhes atormente a vivência sensória,
afe tiva e psicológica do inevi tável
sal to quali ta tivo e t rans formador que
consti tui a prova iniciática. Em
síntese, tal prova consiste em
conviver com o t e r rível segredo
desta dupla natureza, não ent re
homem e Deus, mas ent re ex t remos
ainda mais a fastados __ o universo
global e uma mínima par te que o
compõe. Quanto mais esta percepção
se aninha nas almas e mentes da
fu tura bruxa, tan to menos ela se
expõe à inquie tação, ao par to so f rido
e à menst ruação dolorosa e ir regular.
Tal processo é uma vivência penosa,
doída, cheia de armadilhas, que, até
mesmo, pode exigir um
apro fundamento psicológico da
76
experiência da multiplicidade. Assim,
sob essas condições, a fu tura bruxa
experimentará t ranses, durante os
quais será possuída por out ras
personalidades di fe rentes da sua
co tidiana. Duas in terpre tações
er rôneas serão dadas, sobre is to,
pelos machos, que pensam do ponto
de vista da par te e a foi tos querem
capturar o Mis tério, em ro tuladas
garra fas concei tuais: que seja ela
uma esquizo f rênica ou que este ja
possuída por espíri tos de mor tos,
demônios, anjos ou divindades. A
bruxa, velha e sábia, re jei ta essas
respostas banais, f ru to de pueris
fan tasias de dominação e de juízo
parcial. Na realidade, o que ocorre é
que a fu tura bruxa se experimenta
como possuída por out ras par tes de
seu ser, enquanto ser to tal. Sua
identidade, cotidiana e histórica,
cede passagem a sua natureza global
que __ não conseguindo revelar-se
una, como o absoluto, posto que o
corpo é uma realidade parcial em
face do cosmo __ most ra-se como
quantidade conglomerada de out ras
par tes, as quais, por existi rem na
77
dimensão psicológica, est ru turam-se,
na f o rma de personalidades.
Acautelem-se, por tanto f ilhinhas, na
vida, do único e te r rível perigo para
nós, bruxas: a parcialidade de
julgamento. Explicado o porquê de tal
desvio ocor rer, nem se precisa
lembrar os tempos da I nquisição
como exemplo do império do Grande
Carrasco __ o juízo parcial. Assim,
somos primas e irmãs de Têmis e
per tencemos ao mesmo compromisso
com a verdade e com a liberdade que
assumimos diante de Palas A tenas.
Não é, pois, a bruxa, uma simples
conjunção de cont rários, mas a
cont ração espasmódica dos opostos
ex t remos __ par te e todo __
enquanto o orgasmo se revela como
símbolo emocional da consciência da
unidade. Algumas bruxas, pouco
cul tas, é claro, de fendem que a
mulher seja emoção e o homem razão.
Tal dout rina é simplória e imper fei ta.
Ambos os sexos são consti tuídos de
emoção e razão. Se di fe rença existe
é que o masculino simboliza,
predominantemente, as emoções pelo
discurso abst ra to e concei tual. O
78
f eminino, majori tariamente, simboliza
as realidades concei tuais e
meta físicas na experiência emocional.
A razão e a emoção consti tuem dois
espelhos paralelos, mas um é côncavo
e o out ro convexo. Assim, quando
percebemos as realidades re f le tidas,
num ou nout ro, dizemos que sentimos
tal emoção ou que t ivemos tal idéia.
Para uma bruxa iniciada, estas duas
dimensões consti tuem uma única
realidade, re f lexo meta fórico de sua
própria natureza dual. A bruxa, como
amplexo, t ransborda o corpo f eminino
e engloba o corpo do macho. Já se
havendo apoderado do mínimo do
corpo masculino, do esperma, pode
ela replicar o ser como máxima
globalidade biológica: como f ilho.
Considerando o homem, como f ilho,
logos, razão ou verbo, entendemos
como pôde Maria: Sublime e Gloriosa
Bruxa, que sua misericórdia este ja
sobre nós!: dar carne ao Verbo,
apesar de sua virginal condição. Aqui
se concent ra um arcano de sabedoria
e poucas entenderão toda sua
densidade, mas nada devo
acrescentar para não incor rer em
79
amesquinhamento. Tudo que posso
afi rmar é que a carne const rói a
emoção capaz de dar sentido e
signi ficado ao Verbo. A virgindade é
o absurdo e a carência de sentido,
dos quais se liber ta a mulher que se
auto fecunda, para um agir novo e
salvador. Parindo a His tória in teira, a
bruxa Maria pare o homem-Deus,
f ei to de sentimentos puros e não
conspurcados. Esta é, dile tas
seguidoras, a base pela qual a bruxa
em sua duplicidade é necessariamente
virginal e mãe. A carnalidade
voluptuosa __ como podemos e
devemos viver nossa natureza __ não
macula a virgindade essencial. Os
machos com quem copulamos são
sempre par tes que nos compõem como
to talidade. Assim, descendemos das
Vestais Sagradas, das Virgens
He tairas. Casta e mere t riz, a bruxa
compor ta em si o próprio concei to
teológico de Templo: duas colunas e
duas pernas. O t ronco e as pernas
exprimem o t ríplice aspecto e revela
o sacrário onde habi ta a Trindade
Santa __ para os machos, os dois
iguais e aquele que se lança; para nós,
80
a t rípode de toda pro fe tiza, a
consciência de bruxa e sua dupla
natureza unidas no umbigo do mundo,
no ubíquo Del fos, con figurando a
t ríade lá t rica.
81
Sobre o culto
Passo agora a dirigir, a minhas
pupilas predestinadas, algumas
palavras a respei to do cul to das
bruxas. Sua regra essencial consiste
em ser simples, espontâneo e sincero.
A característica, que o distingue de
out ras expressões cúl ticas, encont ra-
se no f a to de que nosso cul to não
estabelece uma relação dividida; ou
seja, não visa a unir nenhum sujei to a
nenhuma alteridade. O que é mais
f reqüente e ocor re na maioria dos
padrões religiosos é a união de um
sujei to com uma di fe rença de si e não
com seu predicado. Tal é o padrão
que serve de mat riz à relação cúl tica
vulgar que deseja unir o eu-humano
com um out ro-di fe ren te-de-mim-que-
é-divino. Ora, seguidoras minhas,
depois de tudo que já lhes expliquei
sobre a duplicidade de nossa
82
natureza, não podemos const ruir
nosso padrão cúl tico segundo tal
modelo f ragmentador. Em nosso cul to
à t ranscendência, não cor remos
nenhum r isco de idolat ria, posto que
não adoramos nenhuma imagem.
Contudo, precisamos no cul to da vida
de um único ícone admissível para o
exercício de nossa bruxidade: o
Espelho Mágico. Só aquilo que nos
re f le te em pro fundidade pode
consti tuir inst rumento dos ri tos
simbólicos. Ent re tan to, amadas,
tenham cautela, pois este espelho
não poderá ser nunca con fundido com
aqueles que só servem para re tocar-
se le maquillage. Este Espelho Mágico e
Sagrado, onde vocês podem e até
devem mirar-se, não acei ta máscaras.
Nele, o que se re f le te é a alma em
toda sua complexa vastidão de
imagens e is to é condição necessária
para executar-se o t rabalho da
bruxa, sendo a bruxaria mais
impor tante aquela que decanta a alma
de toda menti ra e a concent ra na
fab ricação do bem. Há pessoas
inexperientes, senão mesmo
inescrupulosas, que têm aconselhado
83
exercícios mentais diante de
espelhos, que se par tem, para com
is to verem-se coisas fan tásticas e
fazerem-se invocações, quase sempre
de sombras perversas. Porém, Dirce
lhes assegura: é ridículo e inútil olhar
o Sagrado Espelho e ousar ver o que
quer que seja além de si mesma! O
Espelho só most ra a verdade
inequívoca e só exprime a realidade
global. T ra ta-se de um obje to
sagrado que não pode ser
t rans formado em inst rumento de
poder. Tal desavisada ten ta tiva seria,
para uma bruxa, uma perigosa
in f ração, uma blas fêmia imperdoável.
É por is to que há muita verdade sob a
le t ra da supers tição que promete
sete anos de azares para quem par ti r
um espelho. Meninas minhas, tenham
muito cuidado com todas as
armadilhas que há nas provas
iniciá ticas: estão espalhadas pelo
dia-a-dia e carecem de calendário
cer to. Assim, sinto pena daquelas
irmãs que f icam insaciáveis diante da
consta tação do Mis tério, pedem magis
et magis diante do Todos que o Espelho
Santo revela. É a ansiedade diante do
84
insondável que f omenta as falsárias,
que tudo querem explicar e a fi rmar e
te rminam pro je tando a limi tada
dimensão humana sobre
t ranscendentes realidades. E assim,
prometendo imor talidade para o
egoísmo dos homens, essas
burladoras exploram o medo e a
crendice de incautos, enriquecendo
suas bolsas e entulhando o coração
de culpas. Estas são loucas
insensatas e não bruxas sábias. Só
podemos olhar o Espelho, sem
perigos, se t ivermos a humildade de
acei tar que a imagem que se
apresenta a nossa visão é a
verdadeira realidade daquilo que
somos. Apenas desta maneira
deixamos de con fundir-nos com a
visão que temos de nossa imagem e
podemos nos identi f icar realmente
com aquilo que somos. Cer tamente é
nossa obrigação de bruxas,
buscarmos a beleza, mas desgraçada
daquela que se iludir quanto à
verdadeira essência desse at ribu to e
julgar que o belo este ja no ex te rior
dos corpos! A in feliz só conseguirá
ver a f eiúra no implacável Espelho
85
Santo. Já aquela que pra ticar a Ar te
com o re f inamento da humildade,
esta sempre encont ra a beleza no
brilho da consciência que se percebe
a si mesma. A imagem real da qual
somos re f lexo não é um ente
meta físico qualquer e vago, tampouco
uma divindade voluntaris ta e
ant ropomór f ica. É, antes de tudo
mais, o próprio planeta __ é Gaia, a
deusa! __ é a Na tureza, tal qual
in termedeia e equilibra, de um lado, a
grandiosidade da consciência que se
mani fes ta pelos corpos humanos e, de
out ro, a insigni ficância cósmica
destes mesmos corpos. Ent re o Todos
absoluto e universal e o nada mínimo
e mesquinho, a bruxa const rói a
atalaia do ego, de onde pode optar
pelo prazer da liberdade e pela
liberdade de prazer. É pela por ta
in ferior que se ent ra nos castelos
das alturas! Saibam, pois, carinhosas
amigas, que o Grande Espelho Mágico,
no qual a bruxa se deve contemplar e,
assim, render seu cul to de admiração
e obséquio, é único para toda e
qualquer adepta da Ar te. Espelho
cósmico, ele vaga, azul e branco,
86
pelos céus e seu nome é Ter ra! Em
grupo de amigas ou em solidão, quem
deseja aprender a ser bruxa deve
olhar em pro fundidade os mares, da
linha do horizonte até às ondas que
roçam voluptuosas as areias. Da
mesma f o rma deve olhar para as
montanhas altas e rebuscar dent ro
de si o céu de vapores que o te r reno
anseia. Precisa observar cavalos em
galope, pássaros voejando em bandos,
a chuva, o vento, o calor e até os
apavorantes te r remotos,
reconhecendo que todas as coisas
estão contidas em nossos corações e
são as realidades das quais nossas
emoções consti tuem metá foras. O
Espelho que nos lega nossa Mãe
primeira é muito di fe ren te do lago
plácido onde Narciso se perde.
Nossas águas são tu rbulentas e o
mênst ruo te r reno ir rompe do vent re
do planeta como cáustica lava de
vulcão. Contudo, podemos ser
igualmente serenas, quando, nas
madrugadas, ao pôr-se da lua
coroada, bailamos como orvalho nas
copas f rondosas e, na f o rma de brisa,
exci tamos, ainda mais, os cipres tes
87
ere tos das sebes pro te toras. Eis
porque, herdeiras de meu saber,
nosso cul to deve resumir-se a esta
singeleza primordial: a contemplar e
a ser! Pela contemplação é que
conseguimos perceber como somos em
de talhes e is to nos to rna vigilantes e
aten tas para não f icarmos omissas
diante das opor tunidades de servir à
Ter ra, às irmãs de consciência e a
quem mais quisermos, pois somos
livres para fazer o bem. Dizem alguns
que, nós, bruxas, f e rimos à vontade, a
nosso bel-prazer. Estes, se não
mentem, são injustos, porquanto
der ramamos sobre os homens nossos
favores e o lei te de nossos seios:
somos nós quem lhes dá prosperidade
material e lhes ensina o uso da língua.
As tochas que t razemos nas mãos
servem para iluminar e não para
atiçar o f ogo dest ruidor e,
jus tamente, por t razermos a luz nos
chamam de lucí feras. A graça de ser
bruxa t em caro preço, mas esta é a
herança de Hécate.
88
89
Arte dos efeitos
Aquilo que as bruxas f izeram,
fazem e f a rão tem recebido nomes
vários ao longo dos tempos. Já se
chamou de f ei t içaria, de magia, de
xamanismo e de out ros nomes mais.
Pre fi ro, ent re tan to, recomendar a
minhas aplicadas discípulas que
assumam o te rmo bruxaria, a f im de
exorcizar para sempre todas as
conotações pejora tivas e
preconcei tuosas com que car regaram
este te rmo os inimigos da luz e da
verdade. Três são os t ipos possíveis
de bruxaria, segundo as qualidades
do real onde se mani fes tam: a
bruxaria cósmica, f ei ta pela bruxa
enquanto to talidade; a bruxaria
histórica, que a bruxa, enquanto
to talidade mani fes tada na par te,
empreende ao const ruir o fu tu ro e ao
gerar novos seres, principalmente
90
estabelecendo novos compor tamentos
e novas utopias; por f im, a bruxaria
psicológica, subje tiva, f ei ta pela
bruxa enquanto par te que t rans forma
realidades a bem de out ras par tes
pessoalizadas. É sobre esta te rceira
modalidade que f alarei agora,
esclarecendo o signi ficado da Obra e
os caminhos pelos quais a vontade se
dirige para a e ficácia, erigindo o que
denomino como a ar te dos e fei tos.
Aquela que aspira o grau de Bruxa
deve compreender que seu obje tivo é
o pleno comando da causalidade
simbólica que opera por meio da
dimensão da eternidade, na qual
todos os momentos coincidem e que,
por este motivo, também é chamada
de sincronicidade. As coisas
exis ten tes são, para nós, bruxas,
car regadas de signi ficado e, por isso,
devem ser consideradas símbolos,
podendo cada qual te r mais de um
signi ficado. Na verdade, quanto mais
tem capacidade de denotar e de
conotar, mais precioso é o símbolo.
Deste modo, há dois pólos celestes
que comandam a lógica de todo
simbolismo: o sol e a lua. O sol divide
91
com a lua o reinado sobre toda
signi ficação e ambos são regentes de
duas grandes linhas geradoras de
símbolos. Hélio dá origem à
ver ticalidade e à linha do horizonte;
à orien tação espacial; à velocidade;
às armas; ao primado da f o rça, da
visão e, sobre tudo, à lógica do ataque
e da est ra tégia de caça. A lua
engendra a experiência do
recolhimento e a sociabilidade. O sol,
a da ex te rioridade e a civilização.
Selene estimula a horizontalidade e a
percepção da abóbada est relar; a
pulsão sexual; a imaginação; as
emoções; o primado da astúcia, do
ta to e, sobre tudo, a lógica da de fesa
e da est ra tégia da resis tência. Hélio
regula o chamado regime diurno do
simbolismo e Selene comanda o
regime noturno. Ao diastólico dia
segue-se a sistólica noite. O sol
separa e a lua une. O ast ro-rei
instaura no psiquismo todo o processo
de di fe renciação, mas a rainha da
noi te inaugura duas possibilidades
psíquicas: a de identi f icação in tegral
e a parcial. A in tegral f ecunda a
mística e a parcial, o modo de pensar
92
analógico. Quando dia e noite se
casam nasce o ser humano que,
sonhando noite e raciocinando dia,
const rói sua pleni tude. Além desse
casal celeste, gerador de tudo que
exis te em nosso mundo, há out ros
símbolos impor tan tes, como os quat ro
elementos __ o f ogo, a água, a t e r ra
e o ar __ que consti tuem auxiliares
mágicos de suma impor tância.
Também devemos estar atentas para
algumas pedras, para cer tas plantas e
para vários animais. A operação
e ficaz dos símbolos exige que as
bruxas saibam penet rar no âmago da
semântica psicológica em seus
signi ficados dinâmicos e sejam
capazes de modi ficar a posição de
cer tos complexos do psiquismo. A
Grande Ar te exige que se recrie o
universo simbólico segundo a
rela tividade dos regimes. Assim, os
elementos t ipicamente solares
deverão ser compreendidos segundo
uma re fe rência lunar e vice-versa. Só
desta maneira é que a razão penet ra
como lume no inconsciente e a emoção
f ecunda espermaticamente a f r ia
lógica, to rnando-a útil para o bem da
93
vida. As bruxas conhecem todos
esses mecanismos e são capazes de
mover obje tos simbólicos diante da
pessoa necessi tada, de modo que a
penumbra da alma seja clareada e a
t i rania obje tiva da vontade caçadora
ceda lugar ao acolhimento receptivo
do abrigo noturno, quente e seguro.
Ou se necessário f o r, que a inércia da
depressão seja substi tuída pela
ousadia diurna do guer reiro. Tais
aptidões não se encont ram em
manuais para serem aprendidas, são
in tuições e sussurros que os ast ros
passam à bruxa para que ela
compreenda, no instante dado, qual é
a necessidade psíquica do consulente.
A ar te dos e fei tos consiste em atuar
por meio de uma metacausalidade,
que t ranscende ao vulgar concei to de
anterioridade necessária. As
bruxarias são fazeres e ficazes,
porém seus resul tados nem sempre
são posteriores a nossa ação. Há
muitas bruxarias que, sendo f ei tas
amanhã, poderão provocar e fei tos no
ontem, em to tal desobediência à
cronologia dos atos e dos resul tados.
Àquelas meninas que se espantarem
94
com este ensinamento, direi que esta
é a mesma lógica dos ri tos que
rompem a cronologia e que,
celebrados posteriormente,
produzem misteriosos e fei tos
anteriores. O agir da bruxa não tem
e ficácia segundo uma anterioridade e
uma posterioridade r igidamente
re fe renciadas a um presente
par ticularizado. A bruxaria,
ocor rendo na eternidade ou na
sincronicidade, pode per fei tamente
realizar no fu tu ro um ato cujo e fei to
seja a criação do próprio universo.
Cer tamente, is to dizendo, não quero
apenas a fi rmar que o mundo f oi
criado por uma bruxa do fu turo, mas
que qualquer adepta da A r te, em
qualquer tempo, precisa saber
realizar o mesmo f ei to simbólico que
representa e atualiza a criação do
universo. Mais uma vez f r iso que este
f ei to é primordialmente o orgasmo,
dever e prazer de toda pra ticante.
Como f iandeiras, não esperem que nos
res t rin jamos a meros tape tes e
tecidos. Aquilo que tecemos e f iamos,
como aranhas cósmicas que somos, é
mais do que um obje to: é a própria
95
subje tividade do universo como
unidade plena do tada de pessoalidade
especial e geral. De nossas energias
orgásmicas, realmente nascem
conglomerados galaxiais, posto que o
corpo de carne é a metá fora f ísico-
biológica que resume o universo
envolvente. Somos corpos, carnes e
gri tos, mas, com livre senhoria,
de finimos o signi ficado de nossa
própria experiência, const ruindo os
re fe renciais do passado e assinalando
as setas da est rada do fu turo. A
essência fundamental dos e fei tos não
pode ser out ra diversa daquela que se
exprime no sentido e signi ficado de
qualquer evento. Desta maneira, ao
at ribuir sentido à criação do
universo, e fe tivamente recriamos
este instante primeiro na pleni tude
de sua singularidade como realidade
metacorporal t ranscendente, como
hipermomento que at ravessa toda
cronologia como eterno presente,
como instante misterioso e
consolador. O prazer que sentimos em
nossos coi tos r i tuais são a
providência mágica e o primordial
caos que permanentemente susten tam
96
o cosmo universal. Toda e qualquer
bruxaria está ligada a esse
fundamento micro físico tão
enigmático, que óbvio: num vaso de
bar ro, sobre quat ro dentes de alho
roxo, pousamos um ovo f ecundado de
pata e tudo cobrimos com te r ra
pre ta, em noi te de lua cheia. Nesta
te r ra plantamos um pé de arruda e
temos a cer teza de que nossa
vontade ganhará coragem e nossas
f o rças conquistarão e ficácia para
caminhar no mundo subter râneo com
a mesma facilidade com que o pato
voa nos ares, nada e mergulha nas
águas e cor re na super fície do solo.
Da arruda, carinhosamente t ra tada e
vicejante, todos os dias consagrados
a Vênus, ao pôr do sol, comeremos
uma pequenina f olha. E o poder da
bruxaria crescerá com nossas
cer tezas e com nossas dúvidas,
porque, nem cremos nem descremos,
simplesmente fazemos __ somos
bruxas!
97
98
Os quatro elementos
Minhas queridas f ilhas devem
sempre medi tar sobre a natureza,
sobre o signi ficado e sobre a
utilidade dos quat ro elementos e dos
auxiliares mágicos para as di fe ren tes
bruxarias. A mó de auxiliá-las nesta
ta re fa dar-lhes-ei algumas
inst ruções. O f ogo e o ar, a t e r ra e a
água consti tuem os dois casais
criadores de toda realidade abaixo
da lua. Estão presentes em todo ri to
bruxesco, con ferindo f o rça e e ficácia
à vontade que se expressa por meio
deles. Estão também presentes no
próprio corpo humano dispersos pelas
di fe ren tes par tes e órgãos. Assim, os
quat ro membros que saem do t ronco
são dominados por cada elemento: o
f ogo cor responde ao braço esquerdo,
que está do lado do coração; o braço
direi to, regido pelo ar, é aquele que
99
arremessa dardos e captura
rapidamente os obje tos que caem; a
perna esquerda representa a te r ra e
a direi ta, a água. I s to é fundamental
para explorarmos o poder dos gestos,
como a imposição das mãos e o
posicionamento dos passos. Esta
ordem não muda mesmo que a pessoa
não seja dest ra, pois o simbolismo
corporal par te do coração que é o sol
do corpo. Este jam, meninas, atentas,
pois, há cer tos f ei t iços que devem
ser f ei tos com a mão do f ogo, como o
lançar de pólvora no braseiro
incandescente. Com o braço direi to
se agitam os ares para provocar
ventanias e tumul tuar as mentes
alheias. Com a perna esquerda se
acelera o fuso da roca para f azer os
f ios, ou se esmagam os inimigos. Com
a direi ta se puri f ica simbolicamente
aqueles ambientes onde ent ramos,
lavando invisivelmente o chão.
Calcando com o pé direi to a te r ra
f o fa, f azemos uma pegada na qual
urinamos para t razer chuvas. Os
quat ro elementos sempre con ferem
muito poder aos que os manipulam. Os
machos e magos t revosos, cujos
100
conhecimentos estão a serviço da
dominação, da conquista e da caça,
usam estes elementos de modo
imediato, sem a in termediação
psicológica, empregando-os de modo
concre to. A manipulação masculina do
f ogo gerou as armas mor tí fe ras e
dest ruidoras; o domínio da t e r ra
acarre tou a propriedade privada,
exclusiva e excludente das t e r ras
produtivas; o poderio sobre as águas
produziu navios e compactou o
planeta; a conquista do ar tan to
resul tou em máquinas voadoras
quanto em gases venenosos e
cataclismáticos. Nós, mulheres e
bruxas, apro fundamos o manuseio
simbólico desses elementos de modo
que se quisermos, hoje, resgatar o
mundo de t rágico f im, precisamos
uni ficar o sentido simbólico com o
sentido e fe tivo. O macho sempre
machucou a natureza com sua
violência nor teada por egocênt ricos
f ins. Cabe a nós, bruxas, desde já,
empreendermos a recuperação do
signi ficado pro fundo dos elementos,
liber tando o f ogo, a te r ra, o ar e a
água daquelas mesquinhas amarras
101
que lhes f o ram lançadas pelos
homens. A liberdade que damos ao
f ogo inicia-se pela acei tação sem
culpa de sua ardência no in terior de
nossos corpos, na f o rma de desejos
libidinosos. A redenção dos demais
elementos exige um longo percurso
que implica: a liber tação das t e r ras
do domínio de poucos para que sejam
amadas e lavradas por muitos; a
puri f icação das águas dos mares e
dos rios; f inalmente, livraremos os
ares de venenosos miasmas,
res taurando-se a natureza primeira
desses elementos. É por este simples
motivo que as bruxas não podem e não
devem limi tar-se a pequenas
bruxarias, a operações simbólicas
individualizadas. Precisamos agir na
His tória e na Cultura, mudando os
rumos de uma civilização delirante
que cor rói as perspec tivas de fu tu ro.
Uma vez liber tos os elementos,
res taura-se a e ficácia das
cor relações mágicas e poderemos
então vol tar a voar pelos ares em
direção a nossos sabats e nossos
caldeirões vol tarão a produzir as
poções miraculosas que con ferem
102
eterna alegria. Tudo que exis te
estabelece um vínculo ent re os
quat ro elementos e é por eles
engendrado. Assim, o sal é água e é
te r ra. As fumigações são te r ra, f ogo
e ar. O ouro é te r ra e f ogo e a prata,
te r ra e água. A água pode assumir a
f o rma rígida da te r ra pelo f r io, que é
sua dis tância do f ogo, mas no
entan to, pelo poder deste, pode
passar ao reino aéreo. A te r ra pode
ser lique fei ta pelo poder ígneo, mas o
ar e o f ogo não se modi ficam e se
nut rem respectivamente. O f ogo, que
é o elemento da t rans formação
radical, em sua essência, é pura
concent ração de t empo, assim como o
ar é expansão inde finida do espaço. O
f ogo é presença da Eternidade,
enquanto o ar, para nossa dout rina, é
o elemento ubíquo por excelência.
Deste modo, discípulas queridas,
aconselho um estudo apro fundado de
todos os mistérios que envolvem os
quat ro elementos, para que possam
aquilatar toda a impor tância de bater
pedras para atear f ogo, bem como de
invocar-lhes a f o rça simbólica para
operar as bruxarias desejadas.
103
Aler tas este jam para o arcano que
rege esta dimensão do saber: o
movimento, que coleia eterno no
in fini to criando o macrocosmo, é o
mesmo que serpenteia livremente
pelas duas colunas do t emplo-mãe da
vida como cer teza e esperança da
f ecundidade procriadora!
104
105
Quintessência
Dadas algumas chaves a minhas
amadas crianças sobre os casais
cósmicos, devo f r isar a bem de uma
verdade mais cris talina e avançada
que a quaternidade é mero apoio e
susten táculo para o quinto aspecto
que t em sido chamado de
Quin tessência. Não se pode esquecer
que os elementos são essências de
segundo grau, meras mani fes tações
quali ta tivas da di fe renciação
quanti ta tiva. Por sua vez, a
Quin tessência, signi fica a
imani fes tada ação, essencial e
necessária, de uma unidade
quanti ta tiva e de uma indi fe renciação
quali ta tiva primordial. Em tempo
recente na iconogra fia humana, o
símbolo dessa realidade sublime vem
representada, ent re os cris tãos pelos
dois Sagrados Corações. Out rora, o
106
f oi pela imagem do pelicano amoroso
que rasga o próprio pei to para doar
seu sangue como alimento aos
f ilho tes. E ainda em passado mais
t revoso, o f oi pelos sangrentos r i tos
de ex t ração do coração e de sua
o fer ta à divina loucura dos humanos.
A Quin tessência é te rnura e amor, do
mesmo modo que pode ser gélida
f r ieza. É nosso dever de bruxas
acolher na Ter ra esta entidade
psíquica que é a Quin tessência. Dela
é que haurimos qualquer saber e
principalmente a maest ria de
tempestades in teriores, de nossos
f luxos hormonais e da mais recôndi ta
natureza enzimática de nossos
desejos. Sem a compreensão da
Quin tessência, que é a mãe dos
quat ro elementos, todo conhecimento
é super f icial, ilusório e rela tivo. É
por este motivo que Maria de
Alexandria, mest ra da Alquimia, a
chamava de pedra f iloso fal. É pedra
porque consti tui o fundamento
necessário! E é f iloso fal porque, ao
mesmo t empo, se faz amor e
sabedoria. Perdoem-me os mais
verdes rebentos de meu ja rdim de
107
seguidoras, se estou apressadamente
lançando sobre suas almas os mais
di tosos enigmas em que me inst ruiu a
Esfinge. Porém, é preciso, o tempo
te r res t re urge, a nova humanidade
em breve gemerá depois do par to e
então se poderá ler, como fu turo
realizado, a sentença do passado. E
caberá a este meu rebanho, que estou
preparando, o t rabalho de nut rizes,
cuidando para que o lei te puro de Í sis
seja generosamente concedido a
Hórus, nossa esperança. No recato do
alei tamento, a bruxa adormece e
compreende em seu sonho revelador
que ela é mero canal pelo qual o
universo in teiro se faz nut rição e
amor, mas que garante
generosamente a permanência da
natureza. Pobres cria turas que não
entendem esta unidade exclusiva e
absoluta de nossa realidade como
entes! Bruxas __ somos a
Humanidade! Bruxas __ somos a
Quin tessência cósmica! Bruxas __
somos cidade, aldeia e comunidade!
Bruxas - somos semelhança e
alteridade! Somos o al fa e o ômega
de todo e qualquer processo.
108
Ouroboros, devoramos e parimos o
in fini to in teiro mil vezes a cada vida,
posto que é nosso r iso que chancela
o nascimento das est relas.
109
110
Sobre as proporções
De nada adiantará, a minhas
estimadas aprendizes, a in timidade
in telec tual e a fe tiva com a
Quin tessência, se is to não se aplicar
também à realidade como relação. Na
verdade, esta é a dinâmica da
essência, aquilo para o qual a
natureza própria do ser o destina. É
também a essência de toda e qualquer
dinâmica. É movimento cósmico. Dou à
palavra proporção um signi ficado
sinônimo ao te rmo vínculo, out rora
empregado por Giordano Bruno, que
f oi um digníssimo exemplo de
mani fes tação da bruxa num corpo
masculino. Só a Quintessência vincula
todas as coisas de modo in teligível.
Ela é a energia de So fia engendrando
o Logos. Esta é a mat riz do
pensamento que ensino: assumir como
identidade nossa função orgásmica e
111
geradora e ver o universo a par ti r
deste ponto de vista. O sentido que a
bruxa dá ao vínculo, por f o rça dessa
sua visão, expressa a proporção ent re
as inúmeras par tes in teiras do
caleidoscópico mundo. Entender,
sentir, pressenti r, assumir e até
t rans formar as relações ent re as
in fini tas entidades do universo, nisto
consiste a ta re fa permanente de uma
bruxa, já que ela é aquela que tem
ânsias de parir o f u turo, um f u turo
obje tivo e real, reiniciando a His tória
sob um novo padrão hermenêutico.
A f inal, nosso orgasmo, como dever,
não é mesquinho, mas pura
generosidade. O estudo das
proporções permi te um
f o r talecimento do signi ficado das
inúmeras experiências afe tivas que
compuseram a aber tura do ser para a
condição de bruxa; cujas duas
naturezas t razem a compreensão de
que, aprisionada pelo quotidiano, a
bruxa é vínculo ent re o agora e o
amanhã. Assim, o estudo que se deve
empreender das proporções implica
um apro fundamento psicológico e
espiri tual de cada uma das iniciantes.
112
É preciso, contudo, deixar de par te
qualquer ilusão de que se receberá,
no f inal da emprei tada, qualquer
diploma de competência. Tra ta-se de
um processo de cozimento no banho
de Maria de Alexandria, favorecendo
lenta e branda t rans formação. A
principal proporção é, por tanto,
aquela que exis te ent re qualquer
par te e o Todos. O primeiro axioma
que se nos apresenta, então, é que a
singularidade plural da globalidade
mantém equânime relação com cada
par te, a despei to de qualquer
hierarquia ou privilégio. Para o
pensamento da bruxa exis te uma
igualdade meta física própria dos
seres que f az com que tudo seja
igualmente necessário para o Todos.
As mais astu tas já devem te r
compreendido que se t ra ta de uma
inversão do axioma fundamental do
saber masculino, para o qual a
di fe rença, a desigualdade, a
hierarquia e o privilégio consti tuem
os t i jolos primordiais. Já nosso
ensinamento a fi rma que qualquer
par te é igualmente digna do Todos e
necessária a ele. O universo não é
113
uma contingência acidental. Os
machos ten tam explicar uma cisão
ent re as realidades, enquanto par tes,
e demonst rar que, por isso, aquilo que
é apenas parcial e limi tado seria
contingente e acidental, ao passo que
o Todos, este sim é que seria
necessário. Ora, somos nós enquanto
par tes que podemos organizar-nos
como globalidade una, não é da
to talidade que haurimos nossa
realidade parcial, mas sim de nossa
própria natureza, de nosso próprio
de terminismo para nos auto-
organizar. Somos, assim par tículas,
moléculas, células, tecidos, órgãos,
planeta, sistema solar, galáxias e
aglomerados. Do mínimo ao máximo,
somos a insigni ficância denota tiva
daquilo que se to rna desprezível e
substi tuível para prestigiar o
conjunto associado. E f oi jus tamente
por isso que o antigo hino cris tológico
paulino cantava a queda do Filho que,
de divino, se f ez pecado, para
habi tar a His tória. Se não f osse pelo
risco de desnecessário escândalo,
recomendaria a minhas discípulas que
se considerassem verdadeiras
114
mani fes tações messiânicas ou
crís ticas, sobre tudo e primeiramente,
no que concerne à responsabilidade
para com toda a espécie, para com
todo o planeta e para com todo o
universo. Tal afi rmação estaria bem
próxima da realidade pro funda de
uma bruxa: concomitantemente a
to talidade que envolve o vazio e o
vazio envol to pelo Todos. Nosso ser
quotidiano nos de fine tan to quanto a
qualquer out ro ser. Por instin to,
conhecemos nossa ampli tude de modo
ir revogável e nos t rans formamos
numa vasta teia in terligada de seres,
somos a própria escala hierárquica e
todas as gradações, somos padrão de
medida da realidade e não apenas um
pedaço aferido. Em síntese, somos
nós que permi timos que os machos
meçam: somos a Régua! É por tal
motivo que a vinculação cósmica
depende de nós e que a proporção é
nosso desempenho. Se somos
Quin tessência cósmica, como disse
anteriormente, nossa f ace potencial
se atualiza como proporção, como
relação de uma coisa com out ra, como
vinculação universal. A sabedoria das
115
proporções em seus píncaros permi te
o assenhorear-se de toda
contingência f ísica, um tamanho
comando sobre a pressão in terna dos
corpos que se consegue até a al for ria
de todo pesadume. Quando nos
identi f icamos com a gravidade,
conquistamos a liberdade que nos
permi te voar para nossos sabats.
116
117
Femealidade
Dile tas amigas de nosso destino,
ainda que este ja ar fan te e to r tu re-
me a pressa com que se avizinha a
hora der radeira, dila ta-se o t empo
para que me res tem f inalíssimas
palavras de te rnura e para, en fim,
aliviar-me de tan ta responsabilidade,
con fiando-lhes tudo is to. Devo
esclarecer delicada questão que nos
concerne exclusivamente como
presença biológica ou simbólica da
f emealidade. Emprego tal palavra
para distingui-la da mera
f eminilidade, cul turalmente escrava
do imaginário masculino. Femealidade
signi fica autêntica e plena liberdade
da f êmea e não coqueterias ridículas.
No reino dos mamí feros a f êmea
como mat riz da espécie é senhora da
reprodução. Mas ent re os humanos,
ela perde sua majestade sublime de
118
deusa-mãe mani fes tada para reduzir-
se a um estorvante apêndice submisso
ao macho. Contudo, fulgura o
momento opor tuno em que se dará a
liber tação desta conjuntura serviçal
ao domínio masculino. Esta liberdade-
mulher consti tui o mágico enigma
es fíngico e implica o que já lhes
recordei. O ponto nevrálgico dessa
escravidão a ser rompida re fe re-se à
livre disposição do corpo f eminino
como reprodutor ou não. Nós, como
he tairas cósmicas, e apenas nós,
podemos decidir como e quando,
devemos experimentar a vivência de
ser mãe. É preciso também que nossa
alma este ja f ecunda de nova
espiri tualidade. Não basta o esperma
f ecundar nossos óvulos. É preciso que
uma in fini ta paixão, con fe rindo
tamanha pleni tude, se apodere de nós
e que nosso espíri to este ja em
lac tação cria tiva a f im de que esta
in teireza possa t ransmi ti r-se ao novo
ser. Quando a bruxa engravida, fá-lo
como expressão natural e necessária
de sua vocação to tal. I s to se
comunica à criança, proporcionando-
lhe alma in teira e sadia. A
119
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa
A Força da Bruxa

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a A Força da Bruxa

A Obsessão Que Queremos
A Obsessão Que QueremosA Obsessão Que Queremos
A Obsessão Que QueremosEditora EME
 
A Obsessão Que Queremos
A Obsessão Que QueremosA Obsessão Que Queremos
A Obsessão Que QueremosEditora EME
 
Ah! a lâmina
Ah! a lâminaAh! a lâmina
Ah! a lâminaBlogPP
 
Seminário Memórias de Um Suicida - Capítulo I - O Vale dos Suicidas - 22-02-2016
Seminário Memórias de Um Suicida - Capítulo I - O Vale dos Suicidas - 22-02-2016Seminário Memórias de Um Suicida - Capítulo I - O Vale dos Suicidas - 22-02-2016
Seminário Memórias de Um Suicida - Capítulo I - O Vale dos Suicidas - 22-02-2016Cynthia Castro
 
Camille flammarion a morte e o seu misterio vol 1
Camille flammarion a morte e o seu misterio   vol 1Camille flammarion a morte e o seu misterio   vol 1
Camille flammarion a morte e o seu misterio vol 1Milton De Souza Oliveira
 
Nosso lar 02clarêncio
Nosso lar 02clarêncioNosso lar 02clarêncio
Nosso lar 02clarêncioDuda Neto
 
023 a contra capa a 044 aka om lind mundo
023 a contra capa a 044  aka om lind mundo023 a contra capa a 044  aka om lind mundo
023 a contra capa a 044 aka om lind mundoNuno Quaresma
 
6 aos que ainda se acham...
6   aos que ainda se acham...6   aos que ainda se acham...
6 aos que ainda se acham...Fatoze
 
9 desapontamento de um suicida
9   desapontamento de um suicida9   desapontamento de um suicida
9 desapontamento de um suicidaFatoze
 
Livro oração aos moços Rui Barbosa
Livro   oração aos moços Rui BarbosaLivro   oração aos moços Rui Barbosa
Livro oração aos moços Rui BarbosaPaulo Henrique
 
O que se deve entender por pobre de espírito
O que se deve entender por pobre de espíritoO que se deve entender por pobre de espírito
O que se deve entender por pobre de espíritoHelio Cruz
 
Não espere a próxima primavera para sentir o perfume de todas as flores..
Não espere a próxima primavera para sentir o perfume de todas as flores..Não espere a próxima primavera para sentir o perfume de todas as flores..
Não espere a próxima primavera para sentir o perfume de todas as flores..Edson Marques
 

Semelhante a A Força da Bruxa (20)

A Obsessão Que Queremos
A Obsessão Que QueremosA Obsessão Que Queremos
A Obsessão Que Queremos
 
A Obsessão Que Queremos
A Obsessão Que QueremosA Obsessão Que Queremos
A Obsessão Que Queremos
 
A pequena flor do campo
A pequena flor do campoA pequena flor do campo
A pequena flor do campo
 
Alçando voos
Alçando voosAlçando voos
Alçando voos
 
Ah! a lâmina
Ah! a lâminaAh! a lâmina
Ah! a lâmina
 
Seminário Memórias de Um Suicida - Capítulo I - O Vale dos Suicidas - 22-02-2016
Seminário Memórias de Um Suicida - Capítulo I - O Vale dos Suicidas - 22-02-2016Seminário Memórias de Um Suicida - Capítulo I - O Vale dos Suicidas - 22-02-2016
Seminário Memórias de Um Suicida - Capítulo I - O Vale dos Suicidas - 22-02-2016
 
Camille flammarion a morte e o seu misterio vol 1
Camille flammarion a morte e o seu misterio   vol 1Camille flammarion a morte e o seu misterio   vol 1
Camille flammarion a morte e o seu misterio vol 1
 
Vampiro: a Máscara
Vampiro: a MáscaraVampiro: a Máscara
Vampiro: a Máscara
 
Nosso lar 02clarêncio
Nosso lar 02clarêncioNosso lar 02clarêncio
Nosso lar 02clarêncio
 
023 a contra capa a 044 aka om lind mundo
023 a contra capa a 044  aka om lind mundo023 a contra capa a 044  aka om lind mundo
023 a contra capa a 044 aka om lind mundo
 
Biblioteca Rosacruz
Biblioteca RosacruzBiblioteca Rosacruz
Biblioteca Rosacruz
 
Mensagem de francisco de assis chico xavier
Mensagem de francisco de assis chico xavierMensagem de francisco de assis chico xavier
Mensagem de francisco de assis chico xavier
 
Romance
RomanceRomance
Romance
 
am
amam
am
 
6 aos que ainda se acham...
6   aos que ainda se acham...6   aos que ainda se acham...
6 aos que ainda se acham...
 
9 desapontamento de um suicida
9   desapontamento de um suicida9   desapontamento de um suicida
9 desapontamento de um suicida
 
Livro oração aos moços Rui Barbosa
Livro   oração aos moços Rui BarbosaLivro   oração aos moços Rui Barbosa
Livro oração aos moços Rui Barbosa
 
O que se deve entender por pobre de espírito
O que se deve entender por pobre de espíritoO que se deve entender por pobre de espírito
O que se deve entender por pobre de espírito
 
Não espere a próxima primavera para sentir o perfume de todas as flores..
Não espere a próxima primavera para sentir o perfume de todas as flores..Não espere a próxima primavera para sentir o perfume de todas as flores..
Não espere a próxima primavera para sentir o perfume de todas as flores..
 
Boletim 220613
Boletim   220613Boletim   220613
Boletim 220613
 

A Força da Bruxa

  • 1. Do escriba 3 Início 7 Força 11 Imortalidade 17 Bem e mal 25 Deuses, demônios e bruxas 35 Pactos sobrenaturais 43 Alma pactuada 51 Consciência de bruxa 59 Dupla natureza 67 Sobre o culto 75 Arte dos efeitos 83 Os quatro elementos 91 Quintessência 97 Sobre as proporções 101 Femealidade 107 Guerra das árvores 113 A Grande Bruxaria 117
  • 2. 2
  • 3. Do escriba Muito debati com meu editor sobre o modo de apresentar-se esse livro. Caso fosse eu de fé espiritista diria tratar-se de um livro psicografado, mas não será esta minha postura. Sou escritor por profissão e este livro, culpa ou mérito, cabe-me como responsabilidade civil e moral. Disto quis furtar-me ocultando-me sob pseudônimoou,no anonimato.Aceiteitodas as hipóteses de camuflagem e, depois da apoplexia interior que me desarvoroua alma,rendi-mecomo réuconfesso. Dirce aproximou-se de mim junto com a tragédia penosa e mortal que vivo. Surgiu como soberba bruxa amada e senhora suprema de todas as musas. Veio acompanhada da verdade, mas não estava nua como esta.Antes, a cobria o véu sagrado da Papisa. Dei-lhe um sobrenome por carinhosa homenagem a Luiza De Bellis, gentil amiga italiana.Isto porque "De Bellis" significa,em latim, "oriunda das guerras" ou, simplesmente, "das guerras". Dirce, com efeito, pertence a uma estirpe de guerreiras. Nunca planejei nenhum dos textos que escrevi neste testamento. Apenas fui obediente escriba de Dirce, que sussurrou pacientemente a meus ouvidos, ora em 3
  • 4. italiano ora em dialetos diversos. Às vezes, era-me difícil entender e ela repetia com ternura. Sua voz soava-me à alma como metáfora ou alegoria de uma realidade misteriosa e fora de meu controle; uma metafísica paradoxal do desespero e da esperança. Desde a adolescência exploro enigmas da mente e vivo estados alterados de consciência. Por isso, a Esfinge sempre me devora aos pedaços. E a ignorância deglutida é assimilada e arquivada no ser, como conhecimento, atualizando uma dialética fabulosa, muito maior do que eumesmo. Dirce significa veneno e antídoto, em respeitada etimologia citada por Junito Brandão. Acredito que a entidade psíquica que meditou suas últimas vontades, de algum modo, estivesse ligada a este arquétipo tão bem percebido pelos gregos. No entanto, soube incorporar a milenarexperiência da mulher,dos primórdios da espécie até hoje. Apesar disto, sua mensagem não é saudade nostálgica, mas mágica projeção realista em direção do futuro. Foi assim, nos termos e nas palavras que se seguem, organizadas em 17 tópicos, que Dirce decidiu dividir seu testamento, fazendo chegar-me aos ouvidos estamensagemquemesinto obrigado a trazera público. Imagino que para as leitoras será uma permanente exortação à causa feminista. Para os homens, constitui a possibilidade de ultrapassarem os limites de uma função 4
  • 5. meramentefecundanteetornarem-se co-gestantes de um novo projetodemundoreencantado ejusto. O leitor deve sentir-se inteiramente livre para considerar esta uma obra mediúnica, se tal for sua crença. Pode, ainda, compreendê-la como simples criação literária, que se dedica ao eterno e cósmico princípio feminino. De uma coisa esteja certo quem o ler: a autora deste texto se chama Dirce De Bellis. Assim batizei o personagemqueo escreveu -alma,deusa,anjo ou carne. O escriba meramente o redigiu, como tabelião de antiga sabedoria. Segundo disse-me, um dia, se for invocada antes de ser lida, sua vibração abrirá canais secretos com o leitor e o texto assumirá novo significado, cifrado e enigmático. Esta sorte reserva-se para quem sintonizar com as esferas fixas do cosmo. Arcano e Umbral, Dirce vara deste nosso mesquinho presente para os ângulos pluridimensionais das semânticas encantatórias, onde o brilho podeserhumildade. 5
  • 6. 6
  • 7. Aqui e em todo lugar, no Equinócio de Primavera, hoje e eternamente, meu t es tamento é multimilenar, at ravessa séculos e mil vidas percor re, regis t rando o lado reverso de muitas his tórias cunhadas. A bruxa sou eu, a mulher eterna em cada uma das in fini tas f o rmas que assumo, como te r ra e caverna, útero f ecundo de esperanças e permanências. Sou eternamente destinada ao f ogo masculino que sempre me consome, ora em gozos, ora em dores. Mas que signi ficam dores ou gozos para quem sempre supera a e femeridade? Não sou por acaso f ênix e de todas as cinzas não 7
  • 8. renasço repe tidamente? Não sou abrigo de todos os espermas e cadinho de toda vida? Não sou mar e te r ra, água e lei te de todo neonato? Sim, sou bruxa, aquela que queima, que arde e ilumina, na noite dos desprazeres, as ilusões masculinas f ragmentadas nas iras in fini tas das guerras sangrentas. Sei aquilo que os homens ignoram e por isso to rnam-me chama viva, vela eterna e est rela, na ânsia de apossarem-se do saber que é só meu. Sou toda re fulgência e brilho, lume e espasmo de in fini to prazer que se desloca do macho, como volúpia e momento, e se faz fu turo em meu vent re. Os homens nascem de mim e morrem em mim. E eu, eterna, permaneço __ Na tura ou Gaia __ dis farçada em mil faces f emininas, em mil corpos e identidades, em vidas múltiplas dispersa, mas numa única entidade materna, cujo corpo se desdobra nout ros e de si se to rna alteridade. Sou senhora dos orgasmos, das cont rações e dos espelhos. Retalho meu corpo em f ib ras e ent rego-me ao macho como alimento e holocausto. 8
  • 9. Enquanto ele goza a posse e usuf rui o mistério de minhas ent ranhas suaves, roubo dele a semente e as chaves da eternidade. Como meus enigmas não são deci f rados pelo homem, é preciso que o devore. E como é doce o mel do macho! Como é f raca sua f o rça! Como é dúbio seu saber! Assim, discre ta venho at ravessando os milênios, sem colher os louros que plantei e germinei, sem garantir meus méri tos por in t rínseco recato e pudor de uma in timidade tão pro funda com o poder que nem requer que dele me ufane. Mas ao ver os homens toda glória reclamarem como grandes magos poderosos devo, por amor às f ilhas do fu turo, deixar escri to tudo que f iz, fui, serei e f a rei como te t rane ta de minhas esperanças. O mago verdadeiro nunca se declara como tal: seja pela humildade ou pela sabedoria, jamais se ouviu que um que f osse autên tico se jac tasse deste ou de out ro prodígio. Por isso, f ilhas dile tas, temei os despudorados que alardeiam poderes e méri tos. O verdadeiro sucesso no caminho da luz exige o reca to de donzela. Não sigam 9
  • 10. falsos guias que percor reram uma única vez a t r ilha da devoção e já se arvoram em magos, por causa da bela capa ou da ridícula espada. Lembrem- se que o único manto pro te to r e ficaz cont ra qualquer in tempérie é o est relado céu e que a única espada afiada e f ecunda é o raio da luz solar. Por tanto, minhas f i lhas, tomem estes tolos machos ent re suas delicadas mãos, façam-nos dei tar em seus tálamos e conduzam-nos a seus sonhos de poderio, que este prazer lhes é permi tido, mas os façam também ver as de fo rmações de suas loucuras e o mundo que dest roem em insana azá fama. Meu t empo nesta cur ta mani fes tação se ex tingue e logo já não estarei com minhas meninas a ensinar, por isso, escrevo e lego à posteridade as lembranças que não devem ser esquecidas, f a tos e procedimentos, recei tas e conselhos. Serão meros escri tos. Não fa rei t ra tado como é do gosto dos machos, nem de fenderei argumentos. Tampouco estarei preocupada em não misturar metá fora e fa to, pois nós, as bruxas, sabemos que a realidade é 10
  • 11. mera alegoria da eternidade. Seguirei o verbo conselheiro, de modo que a verdade possa ser motivo e destino de toda f o rmulação. Alguns tí tulos dividirão os escri tos, mas caberá a cada uma de minhas discípulas descobri r a razão e o sentido, posto que mais já está escri to no coração de quem lê do que poderia eu aqui deixar gravado. 11
  • 12. Força A fi rma-se, comumente, que a palavra bruxa deriva do verbo brusiare, usado no la tim ta rdio da idade média, que signi ficava queimar, passando pela f o rma i taliana bruciare la strega, que signi fica queimar a f ei t iceira. Contudo, nós, as bruxas, sabemos que esta palavra deriva do te rmo grego brouchos, que designa larva de borbole ta. Somos pois seres destinados à metamor fose, à t rans formação radical e à liber tação do vil ras te jar para o glorioso voejar. Se nos queimam, nos t rans formam em luz e cinzas que vol tamos a animar no eterno ciclo persis ten te e resisten te da vida que se duplica, renova e repete a misteriosa ar te de ser igual e di fe ren te ao mesmo tempo. Destinadas ao vôo, antes ras te jamos como vermes e, assim, aprendemos a 12
  • 13. humildade das sacerdo tisas do sol que se podem o fer tar em sacri fício sem perda do prazer e da liberdade. Nossa alegria f lu tuante sempre f oi motivo de inveja, por is to os machos f izeram carica tura de nosso poder aéreo e liber tário, con fe rindo-nos vassouras voadoras por t ranspor te. Para não decepcioná-los, com e fei to, nelas montamos e nelas voamos, se quisermos, mas nosso f lu tuar é regido por natureza mais pro funda, por destino mais assinalado e contundente do que as fan tasias masculinas de que seus falos susten tam nossos vôos. Filhas minhas, não pensem, contudo, que desprezar os homens seja sinal de grandeza e liber tação para uma bruxa. Eles não são inimigos, contudo arqui te taram um mundo onde só o presente impor ta. Dotou-lhes a natureza da pleni tude do instante, mas a nós, mulheres, con fe riu o domínio sobre o dia seguinte, sobre o t empo prolongado, os ciclos e as renovações. Desejar os homens não é mesquinharia nem f raqueza, não exis timos sem eles, mas o mundo que 13
  • 14. podemos pensar e criar é bem diverso deste, de con f ron tos e choques, de injustiças e egoísmos, que eles const ruíram. No entanto, para realizarmos a obra e concre tizar a aurora do tempo maduro precisamos entender que os machos são a matéria prima do f u turo que haurimos em nossos abraços. Quem estiver destinada a entender saberá que a f o rça da palavra bruxa está no xa mais do que no bru, pois seu valor to tal é 383 e cuja chave se guarda na temperança, mas no xem é que se encont ra a raiz de todas as coisas. A maioria das bruxas nasce em corpo de mulher, mas há também aquelas que nascem em corpos masculinos. A natureza da bruxa não está no sexo, mas no dever do orgasmo, pois só o prazer liber ta a energia que susten ta o mundo e recria as in fini tas dimensões. A alegria de um orgasmo salva milhares de seres da t r is teza das t revas e ascende lumes in fini tos no grande céu do f u turo. As est relas que hoje vemos são luzes do passado, gozos celebrados nas origens pelos grandes seres que nos precederam. 14
  • 15. As luzes do amanhã dependem dos abraços amorosos e do prazer que f o rmos capazes de gerar no agora. Para as bruxas, o sexo não é diver t imento leviano, mas dever sagrado pelo qual elas se associam às divindades que susten tam a realidade pela providência: é o dever de produzir o fu turo como f ru to doce e suave, como algo melhor do que o presente. Na energia do orgasmo voamos pelo éter criando o espaço e f ecundando o tempo, numa gênese meta física que o moralismo dos machos e de suas f êmeas escravizadas não consegue compreender. As bruxas, nos gemidos de nossos prazeres ou de nossas dores, geramos o mundo numa concre tude energé tica indiscutível. Assim, pouco impor ta que nos queimem ou nos amem, pois, é morrendo ou renascendo que produzimos realidade. No x da bruxa está contido o universo. Por isso, f ilhas dile tas, nunca se deixem possuir pela presunção ou pelo orgulho, porquanto estes são de fei tos e de turpações próprias dos 15
  • 16. machos e nós sabemos que nosso destino é servir o universo e unidas bailar nas órbi tas dos ast ros celestes. Não repeti rei aqui os já conhecidos saberes de todas vocês, mas apenas exor tarei quanto ao essencial de nossa dout rina. Não somos sacerdo tisas de religiões quaisquer. Tampouco somos xamãs de primi tivas t r ibos. A bruxa é simples realidade e consciência disto habi tando na espécie humana em f o rma corporal. Mas este corpo que a hospeda não a contém nem re tém, ela é mais que corpo e mais que alma e mais que espíri to, é mistério e enigma da concre tude imperial da energia cósmica no ato de conhecer-se a si mesma como tal. 16
  • 17. 17
  • 18. Imortalidade Nada mais enganoso do que supor o plural de bruxa: todas elas são uma única entidade e em cada uma habi ta uma legião in fini ta de seres multi face tados e plurais, mas paradoxalmente uni ficados numa mesma hiper-realidade fan tás tica. A bruxa não é uma pessoa, mas um evento energé tico de consciência plena, capaz de si tuar-se em qualquer época e lugar e em qualquer realidade par ticularizada, porquanto ela é a própria realidade eu femizada na carne encantada pelo prazer. A bruxa é imor tal e única. Ora está nesta ou naquela jovem, ou sempre numa velha, mas não se con funde com a mulher, indivíduo ou pessoa. É mais que a história vivida por um corpo, que a personalidade const ruída nas experiências. A bruxa é uma 18
  • 19. ocor rência que f lo resce num alguém, como expressão do f eminino to tal, do grande útero sobrenatural de onde provém a exis tência, mas não é um nome nem um percurso exis tencial. É eterna, por isso t rans-histórica e contemporânea de todos os momentos. É sobre tudo o grande temor que in funde aos egóicos e e fêmeros machos. Foi bruxa Sara, a de Abraão que concebeu f ecunda em tempo vetusto. Foi bruxa I sabel de Zacarias cujo poder gerador calou o macho acóli to de seu prodígio. Foi bruxa Í sis que gerou Hórus do olhar choroso de Osíris. Foi bruxa e te r rível Maat-Ka-Ra, que t rucidando o irmão se f ez decre tar macho e reinou poderosa como Hapshe tsu t, conquistadora das liberdades das te r ras f ecundas de Quemi, hoje Egi to. Bruxa e mulher são uma única realidade e terna. Sucedem-se os machos como por tadores de sementes, aram e cavam sulcos, mas elas, as perenes geradoras, colhem seus tes tículos e deles fazem novos seres. Grande bruxa f oi Cibele que a Á tis amputou a serventia, mas 19
  • 20. generosa o t rans formou em divindade. T remenda bruxa f oi Medéia, capaz de devorar as crias de um amor indigno e deixar que a jus tiça telúrica e f e roz da I ra res taurasse de modo monst ruoso o ult ra je da re jeição. A bruxa não é exemplo, não é mito. É evento e realidade, sopro de cor ren tes aéreas tumul tuadas e destinadas à contemplação do ult rapasse da in f ração e do t ransbordar para muito além das categorias usuais e utili tárias da bondade ou da maldade. Desgraçada a f êmea que se presumir bruxa por meramente ousar romper convencionais bar reiras e ati rar-se a aventuras menores e cent radas em propósi tos egoístas. O compor tamento da bruxa, não é compulsivo, nem inconsciente, é pelos ast ros t raçado e inevi tavelmente de terminado. A bruxa encarna a liberdade plena condicionada e circunscri ta à uma lei maior e incompreensível: dever voluntário sem escolha __ impera tivo categórico, mas a entes arquetípicos per tencente. Saibam pois, meninas de 20
  • 21. meu coração, que jamais f ruirão do repouso hebraico nos pés do Pai Abraão, nem das delícias da nulidade materialis ta e atéia. Somos t rabalhadoras incessantes, nesta carne mani fes ta ou em f o rmas cris talinas de energia organizada. A bruxa é única e sublime, porque não par ticipa da quimera das fábulas religiosas e míticas. Pela imediata experiência do sublime e do real, não lhes é permi tida aquela f é consoladora dos néscios, bem in tencionados e pusilânimes, que sonham com um contábil acer to com uma divindade agiota com seus dons que se gastaria pela e ternidade a mensurar méri tos e deméri tos, pecados e vir tudes. Felizmente a bruxa é um ser que não bebe o colost ro da ilusão que salva o ego. Não precisamos nut ri r ilusões reencarnacionistas, em busca de novos e elegantes corpos para out ra vida mais at raente e con for tável. Acredi tamos na singularidade per fei ta das mani fes tações, na ir repe tibilidade dos momentos e na unicidade do ser. Nunca 21
  • 22. reencarnaremos, simplesmente porque jamais deixaremos de estar encarnadas __ somos carne e mat riz da carne __ energia múltipla e he terogênea em permanente expansão de sua di ferença. Somos humildes f iandeiras da vida em nossas rocas; e como Géia geramos Cronos, o Tempo, o devorador de toda a criação: como Réia, fugimos grávidas para Cre ta e damos Zeus à luz e a seu destino ressusci tador dos deuses engol fados pelo Tempo. Com in fini tos nomes reconhecida, a bruxa é eterna porque assume radicalmente a liber tação do ego contingente, experimental e linear. É e terna porque está sempre. Porque cumpre seu papel de criar realidade. É deusa branca e t ransmutante, locatária de corpos mis e diversos. Nem só está em f o rma humana, mas, às vezes, na de águias, baleias, leoas, t ig resas, serpentes, gatas e, sobre tudo, em f o rma de aranhas, em seu eterno afazer de tecer e t ecer, abrindo seu caminho pelos ares. Bruxas, temos orgulho de sermos também os vermes que t rans formam o passado podre em 22
  • 23. esperança de fu turo reciclado. Ao descrever a mais essencial natureza da bruxa e most rar assim sua imor talidade, quis que não se iludissem, f ilhas, quanto à alegoria da eternidade circunscri ta ao e fêmero complexo dos organismos vivos. O vi tal t ranscende o celular e, se hoje, se revela ao homem, nos recôndi tos mistérios micro físicos, desde sempre f oi-lhe evidente na insondável grandiosidade celestial. Assim, tampouco se iludam os não predestinados com a vã presunção de que tal condição de consciência seja conquistável por es forços ou exercícios. As bruxas, somos como os números primos: ocor rem sempre, quando e onde nunca se sabe. Por tanto, não se es forcem numa busca pelos poderes superiores. A sabedoria da bruxa não está em dominar f o rças majestosas __ como anseiam os magos machos __ mas em abdicar de todo louro que a alce acima do comum da espécie em que se mani fes ta. E is to não é por vir tude da humildade como disciplina e árduo es forço: é simples destinação e 23
  • 24. graça. É sendo comum e igual que ela susten ta a mat riz cósmica da espécie na qual f lo resce. Contudo, pode ocor rer que f o rmidáveis poderes se mani fes tem, t ransgredindo a discrição e evidenciando-se aos demais; neste caso à bruxa caberá at ribuir a out rem os prodígios. O segredo da bruxa consiste em não reivindicar autoria destes nem out ros poderes, posto que seu exercício é serviço reca tado e f iel. Fique claro, às meninas de meus carinhos, que as legiões que as habi tam são rebanhos a serem pastoreados com amor e dedicação. Cria-se um destino que não é fa talis ta, mas sim responsabilidade exercida. Ser bruxa é identi f icar-se sempre com a vida que vence a mor te e não com os ocasionais corpos perecíveis em que estamos. É não identi f icar-se com uma his tória par ticular de si mesma f ei ta de f rus t rações e carências. A bruxa só se reconhece como tal quando vive a experiência fus tigante de parir sonhos para a realidade fu tura. Somos todas mães das utopias que iluminam o melhor. Parideiras das 24
  • 25. histórias, somos senhoras do próprio destino; superiores às Queres, somos a liberdade de vontade da Moira sublime. Somos, f ilhas queridas, imor tais, porque eternas e somos perenes, porque vencemos, como Réia, a Cronos, liber tando nossa idéia de nós mesmas da contingência res t ri t iva do t empo. Contudo, nada seríamos se nos der ro tasse a pre tensão da onipotência. Somos servas inúteis do inevi tável poder cósmico que representamos, uma só gota de orgulho é capaz de ati rar nossas consciências na mais desatinada loucura. Por tanto, meninas, dediquem-se a conhecer as ervas mais do que a contar est relas, pois f olhas e f lo res são bei jos solares cris talizados na te r ra. Nelas há vida e remédios. Nosso poder é sublime demais para abrigar o orgulho! 25
  • 26. 26
  • 27. Bem e mal Se já expliquei bastante o porquê da bruxa ser imor tal, cabe contudo algumas palavras para distinguir, se possível, o bom agir do mal agir. Os satanistas que dominaram a I g re ja Católica durante séculos quiseram que as bruxas f ossem seres maus, a quem toda sor te de male fício podia e devia ser imputado. Em M alleus M aleficarum, consolidaram a sistemática monst ruosidade cont ra a espécie humana, mas não perderei tempo em cont ra-argumentar as miríades de so fismas ali contidos. Nem tecerei considerações sobre as con fusões f ei tas ent re qualquer vítima da I nquisição e a bruxa tal como a de fino. É claro que genericamente todas as vítimas dos ri tos de sacri fício humano merecem ent rar na categoria luminosa das 27
  • 28. bruxas. Milhares de escri tos exis tem sobre o bem e o mal. A discussão parece insolúvel ao penet rar o pantanoso campo do rela tivismo. Com temor por te r renos tão movediços, há os que pre ferem permanecer, míopes e delirantes, em mesquinhas atalaias maniqueístas, onde as sombras são t idas como inimigas e o medo se acir ra ao menor avizinhamento do orgasmo. É mais simples convencionar a distinção ent re o bem e o mal segundo as conveniências dos poderes dominantes. A vontade do mais violento é um bem, para ele, e a vítima não t em sequer o direi to a reivindicar que seu quinhão seja o mal. Seu sacri fício é também um bem por decre to megalômano da f e ra t i rânica. E a sacri f icada que se sinta muito bem satis fei ta, posto que sua dor a puri f ica e sua mor te a diviniza ou mesmo canoniza. Paté tica, t rágica e monst ruosa é a história do medo exposto nas cruéis modalidades de exorcismo desenvolvidas pelos temores psicó ticos dos grupos humanos. Caudais sangrentos desceram os milhares de al tares de 28
  • 29. todas as cul turas, ir rigando a te r ra com o mar tí rio. Fornos e todos os t ipos de f ogueiras elevaram aos ares as dores e os suplícios de inocentes. Milhares de corpos t rucidados f o ram lançados às águas para aplacar supostas iras e ir racionais imagens de monst ros escondidos na própria alma da humanidade cujo passado consti tui asquerosa consta tação do império do mal. E pasmem minhas dile tas, todos estes crimes bárbaros não eram crimes, mas atos sublimes de piedosa devoção religiosa. Esta espécie hominídea, na qual nós, bruxas, nos encont ramos para cumprir uma missão de abrandamento e de te rnura, é sanguinária e assassina. O homem mata, por compulsão psicó tica, aquilo que está vivo a sua vol ta. Não matar é um compor tamento raro. As únicas variações consistem nas motivações da violência. O di to mandamento cont ra o matar conhece tan tas cláusulas de exceção que na prá tica só funciona quando o motivo é individual, egoísta e fú t il. Basta uma qualquer guerra e o matar se t rans forma em atividade heróica, 29
  • 30. digna e nobre. Basta uma qualquer alegação de honra f e rida para que o assassinato venha lavar com o sangue da vítima a suposta desonra. É su ficiente um bom discurso ideológico em nome de liberdades jus tas para que o t e r rorismo grasse, sacri f icando inocentes. A civilização humana sempre moveu-se a sangue. Os cris tãos ocidentais modernos se chocam ao saber da crueldade sanguinolenta dos sacerdo tes astecas a ex t rair corações, mas canonizam o bíblico Elias, que matou 450 sacerdo tes de Baal e ainda subiu aos céus num carro de f ogo, de tão gra to lhe f icara I ahweh. Ma tar nem sempre f oi um ato de maldade e nisto está a monst ruosidade do homem. Moisés persegue o f ilho para sacri f icá-lo, antes de ir te r com o fa raó e f oi preciso Sé fora a f ron tá-lo, circuncidando o menino, para que o prepúcio amputado aplacasse o marido sanguinário. Grande bruxa f oi Sé fora! A história escri ta pelos machos escamoteia a crueldade e a odienta dimensão assassina da perversidade. Je f té mata a f ilha em 30
  • 31. holocausto a I ahweh como paga pela vi tória que lhe te ria concedido o Senhor e assume soberano o cargo de Juiz de I s rael. Quão jus to pode te r sido? Era após Era, a his tória humana é a própria maldade que coleia pelo tempo. Quando o mal, por algum motivo, se ausenta, só então temos o bem. Esta dout rina que lhes explico é o inverso daquela pregada pelos machos meta físicos que pre tende de finir o mal como ausência de bem. Cont ra a rela tividade destes concei tos pode-se afi rmar que o mal é o sangue voluntariamente der ramado em todas suas f o rmas; o bem, a cicat rização da f e rida. O macho f e re e sangra a vítima na volúpia de conquistar uma menarca simbólica, já que seu corpo é incapaz de sangrar livre e regularmente a própria f ecundidade. O mênst ruo é a própria vida que a mulher compar tilha com o mundo em doação generosa de si mesma. Sem violência cont ra o out ro, celebra seu ri to de sangue de modo natural e t ranqüilo. Ah, mas quanto is to não f oi invejado pelos homens! Os machos, de tan ta inveja 31
  • 32. deste sangue, o consideraram impureza e convenceram as mulheres de que is to era um mal. Contudo, o mênst ruo é o único sangrar sadio e alvissareiro que proclama a f e r t ilidade f eminina e a to rna par tícipe dos grandes ciclos da vida. Assim, f ilhas e irmãs, não se deixem enganar pelo universo concei tual masculino, para o qual, a prepotência da arma e do inst rumento a serviço da vontade megalômana consti tui um bem. Ele considera qualquer meio, como digno e honrado f im, para alcançar suas vi tórias cont ra o adversário mais f raco. Nada mais tolo e machista do que esta pre tensa univocidade dos concei tos de bem e de mal; quando está óbvio que os f ins alienam à condição de meros meios sua de terminação obstinada de dominar sobre todas as coisas e tudo oprimir. Nós, bruxas, devemos recusar a clareza destes concei tos a favor da dignidade do f raco que precisa ser tão respei tada quanto a dos mais f o r tes. A moral e a decência se most ra quando os mais f o r tes de fendem os f racos: is to é honra e 32
  • 33. nobreza! Que eles os der ro tem é mera regra animalesca de selvageria. A civilização como proje to e esperança programada implica radical respei to pela qualidade dos meios empregados para os f ins. Nenhuma vi tória pode ser honrosa se mediada pelo assassinato f e roz. Poderá até ser conveniente dent ro do te r rível ciclo de t ragédias que é a história, mas é algo a ser re jei tado e abominado como princípio. Nem mesmo a autode fesa, quando violenta, honra a dignidade do homem. As bruxas hão de negar a univocidade do bem e do mal, hão de reconhecer sua parcial rela tividade e de, ao denunciar a hegemonia da maldade, reinventar a possibilidade do bem como meio e como f im. Como sonho e como serviço. Nossa responsabilidade consti tui um débi to com as milhares de vítimas, não só as mulheres queimadas como f ei t iceiras, mas com todas as vítimas humanas dos sacri fícios religiosos ou não. A atual civilização substi tuiu a motivação do matar e camuflou os atos sanguinários por f o rmas sutis e 33
  • 34. aparentemente ingênuas. Os at ropelamentos nas ruas e nas est radas, os acidentes de t rabalho e sobremaneira a f ome __ o mais maldi to dos car rascos __ consti tuem hoje f o rmas leigas e dessacralizadas da mesma necessidade sangrenta dos homens em produzir vítimas e de fazer jo r rar sangue inocente para aplacar as psicoses doentias dos machos, de uma cul tura predominantemente f álica e maniacamente falóla t ra. Acautelem- se, pois, amadas meninas, diante das seduções e dos pactos que os machos o ferecem, abrindo postos de emprego às mulheres, cedendo-lhes o poder de mando, desde que elas desempenhem, do mesmo modo que eles, a reprodução dos desmantelos de um delírio civiliza tório que tudo mata, dos semelhantes a espécies in teiras e até o próprio planeta. Cuidado com a etiqueta gentil dos homens que lhes abrem as por tas, puxam cadeiras e pagam contas. Aler tas este jam quando cedem espaço, pois f azem is to para não mudar condutas cul turais, nem f inalidades civilizadoras. Dianas 34
  • 35. de meu coração, armem-se e lu tem a guerra santa da paz, pois é Gaia quem as convoca para salvá-la! Vive-se hoje uma época t r is te e soturna, na qual se percebe eriçarem-se as mesmas velhas sombras da in tolerância dout rinária em questões de f é, sob di fe ren tes denominações religiosas. Não tolerar a di fe rença e a livre opção do out ro sempre consti tui a matéria prima de qualquer t i rania; além, é claro, de exprimir o mais ridículo dos orgulhos: a presunção de propriedade privada e exclusiva das cer tezas. A radical negação da igualdade de direi tos ent re opiniões divergentes exis tencializa de modo incon fundível o pecado t ípico do macho __ o despotismo. No horizonte do presente, o único bem possível é a radical re fo rmulação de métodos e obje tivos globais para a espécie. Não basta reivindicarmos direi tos inventados pela própria cul tura machista. É preciso primeiro reinventar uma utopia que direcione nossos f ei tiços no rumo de uma cidadania da lu ta t rans formadora. 35
  • 36. Basta de repe ti r o passado: o f u turo é f êmea e a His tória é bruxa! Das cinzas de nossos sonhos e ideais façamos renascer as f o rças e as esperanças! I s to é o bem e o mal é não f azê-lo. 36
  • 37. 37
  • 38. Deuses, demônios e bruxas Observem e ouçam, dile tas sucessoras, seus vent res onde Vulcano f o r ja todas as realidades meta físicas. Nos santos úteros das bruxas são fab ricados os deuses e os demônios, lá mesmo onde se aloja a verdade eterna de sua identidade cósmica. Aquilo que pode, ao mesmo tempo ensimesmar-se e autodi fe renciar-se só pode ser, em essência, a mesmíssima realidade. Assim, f ilhas, somos rainhas do paradoxo e nascemos no Grande Abraço ent re f o rças opostas por espelhamento. É por isso que nosso dever é o orgasmo e nosso t rabalho é o amplexo envolvente e te rno que assimila toda cont radição numa síntese rica e não homogênea. As cont rações in ternas e espasmódicas consti tuem a ir re fu tável experiência 38
  • 39. de que, do nada, surge uma concre tude que, vinda da Eternidade, penet ra e invade a His tória. As convulsões da Magna Serpente que se agi ta são o milagre perene da vida. Nada mais injusto do que nos acusarem de adoradoras do diabo. Adorar a própria obra é a mais pueril das blas fêmias. Deusa-mãe de todo ser exis ten te, somos as águas pro fundas dos céus, onde se organizam as enormes f o rças cósmicas. Desordem e ordem, geramos as fagulhas do f ogo criador. Os deuses e os demônios são irmãos em nosso in fini to ovário celestial. São iguais em tudo, menos no uso que deles fazem os homens. São seres energé ticos t ranscendentes, f ei tos de pura potencialidade, que nosso gozo cria, to rnando-os nesta ou naquela vir tude, em tal e qual potes tade, num ou nout ro anjo. Deste modo, em nosso orgasmo geramos as possibilidades inde terminadas de entes, enquanto, na ação humana concre ta é que estes se de terminam e fe tivamente como realidades presentes, atuais e não simples 39
  • 40. potência. Na eternidade do prazer inventamos a matéria prima de que todas as coisas são f ei tas, enquanto é na temporalidade da His tória que elas recebem suas f o rmas di fe renciadoras. Penso especi ficamente, aqui, como ação humana, naquele ato cole tivo e individual pelo qual se criam os ídolos de todas as naturezas e não meramente as está tuas ou as imagens. Devemos entender como ídolo toda e qualquer const rução simbolizadora. Os ídolos mais sutis e re f inados que o homem cria são cer tamente os concei tos in telec tuais, que não espelham f o rmas, mas camuflam, pela linguagem, desejos e anseios, medos e ideais. Por este processo mental, tu rbilhões de emoções múltiplas e complexas são condensadas em racionais concei tos, do tados de f o rmidável capacidade semântica. São de tal modo tão gigantescas as cadeias de realidades psíquicas, implicadas nos concei tos, que se to rna di fícil percebermos e compreendermos suas origens emocionais. Bem ao cont rário do que 40
  • 41. se pensa, aquilo que se considera racional e abst ra to é, e fe tivamente, uma enorme quantidade de emoção __ congelada para que possa o homem supor tar-lhe o con f ron to __ que se t rans forma de in formação subje tiva em denotação obje tiva. É assim que nós bruxas fab ricamos a matéria prima com que os homens moldam deuses e demônios; ví timas sacri f iciais e bodes expia tórios; longas de fesas de sua crueldade insaciável; os cálculos matemáticos e as bombas dest ruidoras; as máquinas e os argumentos. Refli tam, jovens aprendizes da Sublime Ar te, sobre o que lhes digo, pois, já não t enho tempo para de ter-me em de talhes e de fender minhas razões. Os deuses são antepassados das máquinas, porque sempre f o ram aquilo que o homem podia inst rumentalizar a favor de sua vontade hegemônica, de seu sonho megalômano. Os demônios, como t e rmo, serviam para agremiar e ro tular aquelas energias que se apossavam do homem, a despei to de seu domínio, e invadiam-lhes a alma e o corpo. Aquilo que signi ficava 41
  • 42. insubmissão ao homem t i rânico e despótico, is to era o diabólico. Por causa de nossa e terna rebeldia aos machos e pelo modo como nos apossávamos de suas almas pela paixão é que nos acusaram de sermos adoradoras do demônio. O concei to de Deus serve a recolher os méri tos de todos os bens que a f o rça conquista. Deste modo, o cruel se livra do julgamento e se a fi rma como bom. Por válidos motivos, qualquer mal se to rna bem: esta é a te r rível magia dos machos cont ra a qual invocamos Diana e suas hostes, a f im de podermos most rar ao mundo que o bem é viável, desde que instaurado o reinado livre e prazeroso da verdade. Cont ra as teologias masculinas da afi rmação, exal taremos, por prá ticas e teorias, o grande e respei toso silêncio das teologias apo fá ticas: nada dizer de Deus, mas amar __ esta é a melhor de todas as pregações, o mais convincente argumento. É preciso denunciar como falaciosa toda moral absolutis ta que engendra um concei to de bem a par ti r da f o rça e do poder de coação. É 42
  • 43. preciso demolir os grandes edi fícios concei tuais das inúmeras religiões que servem como alicerce ideológico da dominação masculina. Devemos desconst ruir as teologias esclerosadas e não nos res t ringirmos a discuti r a questão inútil da exis tência ou não de Deus. Precisamos entender melhor o modo pelo qual os homens se servem deste concei to como legi timador de sua vontade. "Em nome de Deus!" __ Eis a f ó rmula mágica que inibe qualquer reação e pela qual as ações se livram do juízo de valor, porquanto Deus é hyperkalós e sua vontade visa, assim e necessariamente, ao bem. Apropriando-se da divindade como concei to, os homens e fe tivamente a cruci f icam no madeiro, imobilizando sua grandeza e a escravizando a mesquinhos in teresses. Falar em nome de Deus é sempre uma absurda pre tensão e o mais ex t remado orgulho. Ainda se t ra tasse realmente de uma ordem divina obje tiva, o seu descumprimento, por motivos de humildade, consti tuiria uma desobediência que a divindade 43
  • 44. saberia perdoar. A té mesmo jus ti f icar uma e fe tiva caridade pelos ensinamentos de Deus, ou em nome dele, consti tui compor tamento hipócri ta. O bem deve ser f ei to pelo prazer que se tem neste ato e não por causa de nenhuma out ra motivação, sobre tudo por aquela que vise a amealhar méri tos para descontar, num céu pos-mortem, tesouros in fini tos. Não hão de pensar, minhas meninas, que estou afi rmando a inexis tência de um ser supremo. I s to repeti ria a mesma est ra tégia de dominação do concei to, apenas, recor rendo aos caminhos da negação. O que nós, as bruxas, temos de afi rmar é o Mistério que exis te nas f ron teiras de nosso conhecimento. Cultuemos, deste modo, pois, o Mistério enquanto tal, sem ten tar substi tuí-lo por invenções mesquinhas das mentes humanas. Ele é a insondável realidade que nos consti tui enquanto seres e consciências, assim, desprezamos a in ferioridade de deuses e de demônios, embora guardemos a veneração contemplativa pelo 44
  • 45. inominável enigma que essencialmente somos. Por tais razões, seremos sempre perseguidas e, possivelmente, vol taremos a ser queimadas, quer pelas labaredas do f ogo, quer pelas línguas cáusticas dos crí ticos. Mas persisti remos e não arredaremos pé de nossa natureza radical, posto que essa é nossa identidade. Exor to-as, pois, bruxas de meu mundo, a não esmorecerem e a não substi tuírem o Mis té rio, absoluto e t ransparente, onipresente e eterno, por ridículos ant ropomor f ismos, tampouco por concei tuações meta físicas. Não adoramos demônios, nem deuses e, de maneira alguma, criamos ídolos, ideologias ou mitos. Nossa f é é um agir: t ranscender sempre e ir pelos ares do cosmo at raídas pelo fascinante enigma que se faz orgasmo no abraço criador. 45
  • 46. 46
  • 47. Pactos sobrenaturais Discuti rei aqui alguns fundamentos de pactos sobrenaturais, ressal tando aquele que uma bruxa deve celebrar e o que não deve nunca fazer. No entanto, o primeiro problema que se levanta é com relação ao fa to de ser a palavra sobrenatural adequada ou não. Diante desse vocábulo, imediatamente entende-se algo que este ja acima ou além da natureza. No entanto, is to em nada ajuda, pois que é preciso de finir o que se compreende pela palavra natureza. Com f reqüência, esse te rmo evoca uma realidade que não depende da exis tência humana, entendendo-se como natural aquilo que é próprio da exis tência puramente biológica ou animal e que não se con funde com as const ruções insti tucionalizadas da cul tura. No 47
  • 48. entan to, é preciso considerar como questão básica o fa to de não ser o homem apenas mais um animal na face te r res t re. Pode até já te r sido um animal, mas tal como ho je se apresenta __ circundado pela cul tura e pela civilização, que de cer ta maneira o to rna contemporâneo de todos os seus antepassados __ o homem já não o é. O animal só é contemporâneo dos seus coe tâneos, ao passo que o homem convive na His tória com aqueles que o precederam e, ao continuar produzindo cul tura, proje ta-se no fu turo e se relaciona com aqueles que o sucederão. Não se deve, pois, te r uma visão que oponha natureza à cul tura e à civilização delas decor ren te. A natureza humana implica produção cul tural. No entan to, tal entendimento, embora carac terize melhor o âmbi to do concei to de natureza com relação ao homem, ainda não a de fine de modo adequado. A f im de apro fundar a questão, é necessária uma discussão sobre o próprio concei to de natureza e sobre o lugar que lhe é con ferido 48
  • 49. pelo pensamento. Exaustiva veri f icação histórica de toda a produção f ilosó fica em to rno dessa questão nos levaria a um labirín tico espaço de erudição especulativa, mais ao sabor dos machos, e que nos seria de pouca serventia. Por tan to, const ruamos uma de finição de modo a iluminarmos com ela nossa compreensão do sobrenatural. Como é possível compreender a natureza de modo independente de uma concepção meta física? Nout ras palavras, como posso f alar de natureza sem t razer à baila o concei to de Deus e sem re fe renciá-la ao que denominamos de sobrenatural. A complexidade é evidente. Ent re tanto, nós, as bruxas, ten tamos pensar sem recor re r à afi rmação desse ser in teligente e supremo, buscando compreender a natureza como a to talidade das normas de permanência dos seres no conjunto das coisas exis ten tes. Destar te, a natureza não se most ra uma vontade anterior aos animais ou ast ros, planetas ou est relas ou galáxias, que componham o universo, mas sim modo pelo qual estes 49
  • 50. elementos __ que são, cada um deles, conjuntos e organizações de conjuntos de out ras entidades, até às mínimas par tículas subatômicas __ lu tam para permanecer naquele estado de identidade ideal, capaz de con feri r- lhes unidade e necessidade em con f ron to com o universo circunstante. Assim, a natureza é resposta existencial às necessidades recíprocas ent re nós e o mundo a vol ta nossa. Não é o resul tado de leis estabelecidas antes da criação de realidades, mas sim o modo, a condição de possibilidade de exis tência destas mesmas realidades. A natureza não é um pro je to que antecede, ao que se chama de criação, mas é a própria ação criadora em sua mul ti face tada dinâmica. Vejamos, a par ti r dis to, a idéia de sobrenatural. Dent ro da dimensão dos seres biológicos, a natureza, assim de finida, cor responde a um processo de afi rmação permanente da exis tência, ou seja de sobrevivência. Sobrevivendo, damos cumprimento à natureza, posto que o natural é 50
  • 51. sobreviver. Desta f o rma, há de compreender-se que a mor te se most ra um f enômeno cont rário à natureza. Por esta oposição é que se incor reu no engano de considerar a es fera da mor te como sendo o te r reno do sobrenatural. Contudo, con forme já disse, o humano t ransborda o meramente biológico, por não ser mero animal. Assim, quando se estende o concei to de natureza de maneira a envolver as noções de cul tura e de civilização, a história fu tura da humanidade consegue deixar de ser uma sobrenatural his tória da mor te para to rnar-se esboço da esperança de vida prolongada nas gerações. Quando es fera da mor te individual deixa de exprimir a sobrenaturalidade, a vida reina sobre o e fêmero como eternidade e assume a paradoxal condição de sobrenaturalidade natural. Entendam, assim, minhas f ilhas, que o sobrenatural pacto que as bruxas precisam celebrar não pode ser com suas f an tasias imaginárias, individuais nem cole tivas, nem com entidades mirabolantes e ir reais, nem 51
  • 52. pode visar a poderes megalômanos __ tal pacto é proibido e cruelmente punido pela loucura. Para nós, bruxas, o sobrenatural é, como já afi rmei, natural e, f o rçosamente, cul tural. Assim, nosso compromisso perene a ser assumido e sempre renovado é com a concre tude da ação e ficien te da mulher dent ro da His tória, a f im de gerar o f u turo no vent re da esperança. Neste pacto não se vende a alma a nenhum demônio, mas, ao cont rário, se a resgata de toda alienação aos mesquinhos pro je tos t i rânicos. Do ponto de vista do saber das bruxas, a questão f ilosó fica da natureza tem de considerar a eternidade da espécie. Assim, esta eternidade signi fica o tempo de duração do mundo enquanto percebido por algum espécime humano. Duas noções ir rompem neste contex to. A primeira delas t ra ta dessa entidade abst ra ta e real que é o homem como espécie; abst ra ta para nossa experiência enquanto espécimes e absolu tamente real para nossa permanência no universo. Por tanto, o homem como espécie pode 52
  • 53. ser per fei tamente pensado pelo homem enquanto espécime. Assim, muitas das f o rmulações, das cer tezas emitidas e produzidas pelos homens ao longo dos tempos são f o rmulações que par tem da presunção de falar, de ver e de compreender como a to talidade dos seres humanos, por tanto como espécie. Ora, para que a par te possa falar autorizadamente pelo todo, é preciso haver in teriorizado as duas polaridades que compõem a espécie: o masculino e o f eminino. Há inúmeros t ipos de pactos sobrenaturais que podemos realizar e somos in teiramente responsáveis pelo discernimento de sua conveniência. Há contudo um deles ao qual estamos obrigadas a celebrar para honrarmos nossa condição de bruxas e que não se res t ringe ao abraço carnal ent re nossos corpos côncavos de mulher e as másculas pro tuberâncias. O Grande Amplexo necessário para a t rans formação a que estamos destinadas se consti tui nessa conjunção in terior dos esposos reais das bodas alquímicas. É jus tamente 53
  • 54. no orgasmo desse coi to sobrenatural que nascemos como bruxas e podemos então falar, pensar e agir como a espécie humana em seu todo e não apenas a t í tulo parcial e individual. Este abraço nos une com a to talidade, em seu sentido mais pro fundo e sobrenatural; por meio dele t ranscendemos o par ticular e o cul tural, adent rando o genérico e a essência das miríades de cul turas, to rnando-nos contemporâneas de todas as Eras e, desta maneira eternas e imor tais __ plenamente redimidas pela Luz salvadora da consciência desabrochada e comprometida com todas as crias do fu turo, já hoje presentes em nossos úteros de carne. 54
  • 55. 55
  • 56. Alma pactuada As adeptas da Ar te Sagrada não devem esquecer que é segundo a qualidade e a in tenção do pacto sobrenatural celebrado pela bruxa que se de fine seu t ipo de alma. Quando o pacto é mesquinho e visa aos propósi tos egoístas de riqueza e à fama, a alma se vincula com o animalesco e com as energias in feriores do magma f e r roso do cent ro do planeta e tais magos e bruxas perver tidos podem ser reconhecidos por alguns sensi tivos pela sua pata caprina. Quando, ao cont rário, o pacto é sublime e f ru to do orgasmo cósmico que as energias criadoras e generosas da vida realizam no in terior dos corpos que se abrem para receber visi tas luminosas, as almas dessas bruxas são marcadas por uma alegria 56
  • 57. contagiante e por re fulgente aura. Nada abate as almas pactuadas com o abundante bem das cornucópias celestiais. Já aquelas que se venderam às ânsias de sucesso, por mais que se camuflem em celebridades, sustentadas por perniciosas e astu tas técnicas de propaganda, jamais serão capazes de comunicar verdadeira liberdade e o sincero contentamento. Exis te um modo pelo qual podemos examinar o recôndi to de nossa consciência e sabermos se estamos t r ilhando o caminho da luz verdadeira; celebrando o pacto permi tido ou in f ringindo a ética das energias cósmicas e nos acasalando incestuosamente com os f ilhos de nossas vaidades. Há dois t ipos de ouro: o dos tolos e o dos sábios. O ouro dos tolos compra coisas e consciências débeis. O ouro dos sábios compra paz e sabedoria. O discernimento ent re estas duas naturezas consti tui o mais di fícil desa fio. Durante o processo da Grande Obra, começamos sendo incapazes de distinguir se nossas 57
  • 58. almas buscam um ou out ro t ipo de ouro. Só à medida que lançamos f o ra o ouro dos tolos é que vamos entendendo o verdadeiro signi ficado do ouro sapiencial. A mais diabólica das f o rmas de escravidão aos demônios de nossa ânsia voraz se t raduz no chamado toque de Midas. Este é o sucesso material e mundano que t raz fama e riquezas incalculáveis. Não são poucas as bruxas e os magos que se perdem neste labirin to de ilusões que consti tui o poder quanti f icado em ci f ras monetárias. Estão por toda par te, exibindo seus ros tos simpáticos, seus sorrisos cativantes, enchendo os meios de comunicação com suas medíocres recei tas de aprendizes de f ei t iceiros. Recheados de maldi to orgulho, disseminam er rôneas compreensões de f ó rmulas que são essencialmente sagradas, mas que, em suas bocas ensangüentadas de vampiros, to rnam-se abomináveis blas fêmias. Não pregam nenhuma dout rina coerente, mas um amontoado de f ragmentos incapazes de adquirir unidade e de t ransmiti r paz 58
  • 59. verdadeira. Vasculhem-se os passados de muitos desses pre tensos gurus esotéricos e lá, em idos tempos, encont rar-se-ão os ri tos macabros pelos quais venderam a alma ao demônio. Há mesmo um dos mais bem sucedidos dos magos do presente que na juventude pro fanava cemitérios com sua amante, sobre tumbas celebrando coi tos, f ecundando-a para depois fazê-la abor tar em honra a Satanás e acabando por ent regar a vida da jovem em t rágico e misterioso acidente. Ho je, hipocri tamente, fala de Deus e se afi rma mago branco, como se tal nódoa se pudesse da alma apagar. Rico e poderoso, hoje usuf rui os dividendos in fe rnais e conduz t ropas de mulas em direção ao Aqueronte. Não quero, bruxas queridas e herdeiras minhas, que sigam o t r is te destino desses seres t rapaceados pela incúria e pela ignorância, por isso, f r iso que a alma pactuada é serena de ambições, é doce e suave em seus sentimentos e generosa em suas carícias. O pacto redentor da verdadeira bruxa não se 59
  • 60. most ra como vaidade e orgulho, como necessidade de reconhecimento mundano, antes procura o reca to e o recolhimento de suas modestas moradas, de onde sai para caridade anônima e serviços humildes. De temos o segredo da fab ricação do ouro dos sábios, mas só o produzimos a f im de saciar dores e nunca de comprar coisas. Seu nome é Verbo e é o Deus de nossos vent res que o f ecunda na virgindade de nossa solidão. A alma pactuada com o divino orgasmo de nossas alegrias mais pro fundas e uterinas não se compara com a alma leiloada às vis gra ti f icações do poder insaciável de domínio. Somos bruxas e não magos. Queremos a baruch, a bênção, não vorazmente magis et magis, mais e mais, como os magos vermelhos, negros ou cinzas do mundo perverso e perver tido. É preciso que minhas dile tas sucessoras consigam exorcizar todo perigo dos pactos sobrenaturais mefis to félicos. Embora este seja mais próprio dos machos, a mulher também está exposta a seus perigos. Assim, se por acaso, um dia, 60
  • 61. aparecer-lhes o diabo em sedutora e fascinante mani fes tação, não o temam, pois, agora, vou ensinar-lhes um ri to in falível capaz de en f raquecê-lo e dominá-lo. Como íncubo ou como donoso mancebo, ele pode surgir-lhes diante dos olhos de carne ou dos olhos da alma, durante o dia ou durante o sono e agitar todas as energias que percor rem um corpo de mulher. Se o brilho de seu olhar luci fe rino não f o r bastante para seduzir minhas meninas, ele ten tará ardil mais f o r te, most rando-lhes o pênis ere to e inexplicável. É um órgão que nós mulheres não temos e que naturalmente admiramos em jus ta medida. De flagra-se um combate mágico ent re par tes pudendas poderosas. Se a candidata à bruxa sucumbe imediatamente, deixando-se penet rar e inundar pelo esperma, ela já f racassou em sua prova iniciática. A grande lu ta eró tica consiste em exibir sua cavidade geni tal e obrigá- lo a contemplá-la por longo tempo, enquanto a cont rai no mesmo ri tmo do coração. Perca-se a bruxa neste prazer de exibição, sem culpa e sem 61
  • 62. pressa. Com calma e to tal domínio sobre os momentos, não permi ta que ele, íncubo, macho __ homem ou demônio __ desvie o olhar da sublime caverna. Mantenha-o de joelhos diante do sacrário da vida e pulse sempre a vagina até que ele enlouqueça ou se ent regue ao fascínio poderoso da mulher cósmica. Se a loucura dele mani fes tar-se como ir ri tação e violência, não o perdoe, se você realmente f o r bruxa, pois t ra ta- se de um demônio mau e inútil, ou de macho indigno de colaborar na sublime missa sobre o mundo. Mas se ele humilhar-se, bei jar-lhe os pés e chamá-la de rainha, prometer delicados serviços e most rar-se digno de abrigar-se no celestial vent re da eterna mãe, então o receba e o abrace, assimilando toda a masculinidade de seu corpo. Por maior que seja a sinceridade, a te rnura e o carinho que t iver uma bruxa pelo macho, jamais poderá ela perder a consciência de que seu ato é criador e cósmico. Dele, par ticipa e goza, mas não pode julgar-se proprie tária do abraço. Este per tence ao céu e à 62
  • 63. Eternidade. Nós, bruxas, somos meros inst rumentos do orgasmo cósmico e nisto consiste nosso mistério e nosso t rabalho universal. A alma de quem celebrou o pacto sobrenatural com o bem e com a vida jamais será possuída por invasores de qualquer t ipo. Torna-se in teira, comple ta e per tencente a si mesma. Embora não seja posse da mulher individual, é propriedade e dom da celestial bruxa que tudo gera no vent re universal. 63
  • 64. 64
  • 65. Consciência de bruxa Se por um lado a bruxa, como consciência, é um cósmico evento energé tico, independente da natureza do corpo onde se mani fes ta; por out ro, uma vez inserida no tempo, por meio desse próprio corpo, consti tui uma consciência especí fica de um de terminado ser. Como já lhes expliquei, o corpo da bruxa, teoricamente, pode ser f eminino ou masculino, humano ou per tencente a qualquer espécie, animal, vegetal ou mineral. Embora, se considere quase sempre sua f o rma de mulher, que é a mais comum a nossa experiência, lembro a minhas legatárias que, ent re os minerais, em cer tas cris talizações, está presente a consciência da bruxa, como t e t raedro f undamental da mani fes tação. De semelhante maneira, também no reino vegetal, há 65
  • 66. inúmeras espécies capazes de dar claro tes temunho dessa consciência. São as chamadas plantas de poder, que se imiscuem nos próprios padrões in terpre ta tivos do real e produzem percepções novas. I gualmente no reino animal, há mani fes tações da unidade do cris tal caótico. Ao cont rário das insurgências de exis tência na matéria do cosmo, ordenada por ent ropias bem de finidas em sua predominância, o cris tal caótico é pura matéria psíquica, equilíbrio das ent ropias opostas e condição de possibilidade do t empo e do espaço. Àquelas f ilhas que considerarem estas coisas que lhes digo di fíceis de entender, exor to à persistência e ao estudo metódico das meta físicas e das f ísicas. Serão tolas as que julgarem estes t emas inúteis. Não basta senti r-se bruxa ou desejar ser bruxa. Só a identi f icação in telec tual e emocional com estes concei tos pro fundos é capaz de exprimir a iniciação energé tica da bruxa. A té hoje, predominou uma de finição do universo que o pressupunha um exemplo de 66
  • 67. equilíbrio, ordem e harmonia. Mas esta é mera obra do cris tal caótico __ ente paradoxal e assimét rico __ onde a dissimet ria gera a cont radição vir tual da matéria micro física e que produz a dimensão das realidades densas como resul tado de sua própria f isiologia, como seu excremento. Assim, deve-se entender que o universo f ísico não pode ser con fundido com a realidade viva do ser que o produz. E somos nós, as bruxas __ pela consciência de estarmos fundidas no cris tal caótico, por tanto de o representarmos como seu sangue menst rual celeste misturado ao celestial esterco __ que, por par ticipação, geramos o f ilho e o logos cosmi ficador. Quem quiser seguir o caminho de identi f icação com este f ilho e logos, que é a matéria f ísica universal, deve aderir ao cris tianismo ou ao islamismo que, de todas as t radições, são as que melhor explici tam a mística do logos, do cosmo, da obediência e do macho. O caminho dessa mística levará à mor te, ao sacri fício, à negação do Mis té rio e do Sublime, que apenas 67
  • 68. persisti rão como promessa e esperança, mas jamais se atualizarão nas almas como experiência marcante da alegria. O desenvolvimento dis to será sempre o materialismo ateu ou o fanatismo insano pela voracidade de poder at ravés da manipulação das crendices mais ridículas e das culpas mais to rpes. Nós bruxas, não queremos t r ilhar este caminho de identi f icação com o f ilho, mas queremos nos f undir, at ravés dos f e tos que somos nós, com a mãe eterna que é o cris tal caótico. A bruxa é sempre "pagã e anarquista, como não poderia deixar de ser uma pantera que se preza", bem de finindo-se gloriosa bruxa por tuguesa. Somos piedosas devotas de uma antidivindade, que não segue os padrões das metá foras masculinas do hiperser. Algumas de nós con fundem-se com f ei t iceiras e chegam a pensar que o ob je to de nossa religiosidade, se é que religiosas somos, seja uma branca deusa cel ta e que na erudição de pre tensas ciências encont ra-se o fundamento de nossos ri tos. Perigosa 68
  • 69. est rada a seguir! Desgraçada a bruxa que ten tar res taurar seus cul tos em f o rmas derivadas de um simbolismo que meramente decor re, exprimindo, daquilo que é essencial e primeiro. O orgasmo, redigo, amadas aprendizes, é a realidade única além do tempo e do espaço. O coi to, é o ri to necessário e elementar, do qual todos os demais ri tuais derivam como metá foras e como representações analógicas. O verdadeiro ressurgir da bruxaria, como f ra te rnidade de mulheres-bruxas, depende dessa nossa f idelidade ao momento primordial da brancura absoluta do cris tal que antecede à f o rmação das cores múltiplas e diversi f icadas. Só o puro brilho da alma silenciosa poderá indicar caminhos e sugerir procedimentos para adequar os desejos de liberdade à t r ilha de seus lei tos pedregosos, oprimidos pela contingência e, principalmente, pela ordem masculina, que lhe vem opor diques a serem t ransbordados pelo lei te e pelo sangue que de nossos corpos jo r ram. A consciência da bruxa nasce no ovário e busca o 69
  • 70. mundo como sangue áureo. Se não o alcança desta f o rma, é porque encont rou a máscula semente no fundo do caldeirão. Então, obedientes ao mistério da conjunção dos opostos, amalgamam-se no soma e põem-se a criar out ro universo in fini to que é um novo corpo humano. Mas quase sempre, busca o mundo coleando corpo abaixo em corrida para a te r ra à qual se o fer ta como sangue sacri f icial. E, assim, mês a mês, f iéis à lunação, nos doamos at ravés do mênst ruo sagrado à grande mãe Ter ra e lá f ecundamos os gnomos fan tásticos que nascem do encont ro do sangue dourado e r ico das mulheres com os cogumelos mágicos das raízes sub ter râneas. Assim, meninas-bruxas, entendam que o poder que temos sobre a Ter ra vem deste casamento eterno ent re nosso corpo f eminino e o planeta. Os deuses machos vieram à Ter ra e geraram gigantes. Nós, em nossa boda telúrica, geramos os homúnculos da sabedoria e da alegria que vivem no microcosmo da realidade limít ro fe ent re o vegetal e o mineral. 70
  • 71. Respei tem o sagrado mênst ruo que jamais deve ser t ra tado como excremento, mas cuidadosamente sepul to em te r ra ou dissolvido em água cor ren te. Sim, porque casando o sangue f eminino com as águas geram- se as ondinas. Já os sil fos dos ares e as salamandras do f ogo são geradas pelas bruxas mani fes tadas em corpos masculinos e não lhes ensino como, para que não sejam t en tadas a buscar tal poder e te rminarem presas no espelho das re f lexões inúteis. A consciência da bruxa capaz de de finir uma pessoa como tal é a postura que esta assume diante da vida, do universo e da sociedade. A cul tura dominante do macho reina em inúmeras mentalidades e também há mulheres que aderem a tal modo de pensar, reproduzindo os valores pat riarcais. Estas jamais merecerão o nome de bruxas, posto que são meros apêndices reprodutores dos homens, subservientes peças que para tudo dependem deles. Assim, a bruxa é anarquista por exigência de sua natureza dual, que brilha caótica ent re uivos de orgasmo, e pagã pelo 71
  • 72. impulso mágico que exerce sobre ela a pluralidade in fini ta das f o rmas vivas. 72
  • 73. Dupla natureza Fidelíssimas f ilhas, depois de explicar-lhes a consciência que nos carac teriza, não posso omiti r-me sobre a impor tan te questão sobre a maneira pela qual somos. Este tema decor re do fa to de sermos, concomi tan temente, uma realidade res t ri ta a um corpo biológico, bem como uma realidade ilimi tada e in fini ta, a qual, dent ro da exis tência, sempre t ranscende a si própria e se afi rma como identidade a tudo que nos envolve. Assim, somos par tes e somos o Todos, o absoluto pessoal, numa paradoxal coincidência de mínimo e máximo. O duro preço dessa dualidade __ pela qual sabemos que somos tudo, sem deixarmos de reconhecer a quase nulidade que representa a ocor rência par ticularizada na pequena his tória 73
  • 74. de nosso ego __ é não sermos in teiramente nem uma coisa nem out ra. Nossa incomple tude é, no entan to, o grande abrigo que nos pro tege dos congelantes ventos do pre tensioso orgulho. Caso nos afi rmássemos comple tas, estaríamos implici tamente negando que t emos a natureza da par te. Negando esta natureza parcial, negaríamos também a global, que, para ser o que é, requer necessariamente a inclusão da condição de par te. Por tan to, só a humildade de con fessar nossa incomple tude permi te vislumbrarmos nossa identidade essencial. Ent re tan to, a ousadia de afi rmarmo- nos comple tas exclui esta humildade necessária, nega a própria per feição das vir tudes e só revela nossa identidade parcial. Talvez deva resumir-lhes em palavras mais claras: a bruxa é a globalidade, mas está na condição de par te. Enquanto é, most ra-se comple ta, imor tal, cósmica e in fini ta; enquanto está, apresenta- se incomple ta, perecível, caótica e f ini ta. Como já se pode concluir, a bruxa t em duas naturezas, que se 74
  • 75. mantêm unidas mas que não se con fundem. An tes mesmo que os primeiros cris tãos, nos concílios, conquistassem a dupla natureza para Jesus Cristo, as bruxas já t inham consciência de t e rem tal responsabilidade. Falo de responsabilidade, porque os seres exis ten tes são todos potencialmente vocacionados à to talidade. Nossa consciência, que é nossa identidade, é juízo humilde e não leviana asser tiva egolát rica. Deste modo, nosso dever de ação nos conduz a compreender o exercício da vida como serviço prestado e não como ordem dada. Quando a par te só pensa a si mesma e não se pensa como o Todos, desviadas f o rças de vontade emanam da natureza global, assim, o perigo de tan ta luz é o fuscar a própria razão e to rnar-nos t i ranas. O to tali tarismo, embora dependente e gerado do concei to de to talidade, não afi rma a globalidade, mas apenas a parcialidade do ego. Este é o motivo pelo qual vivemos: para atender necessidades e não para obedecer vontades! Por isso, acusam-nos de 75
  • 76. rebeldes e, com e fei to, nossa rebelião é a responsabilidade histórica que cumprimos ao gerarmos a di fe rença e a melhoria. Nossa identidade, paradoxalmente una e múltipla, é que nos to rna legião e que se nos most ra como provação inicia tória em mistérios da exis tência. Aler to minhas caras discípulas quanto a is to, para que não lhes atormente a vivência sensória, afe tiva e psicológica do inevi tável sal to quali ta tivo e t rans formador que consti tui a prova iniciática. Em síntese, tal prova consiste em conviver com o t e r rível segredo desta dupla natureza, não ent re homem e Deus, mas ent re ex t remos ainda mais a fastados __ o universo global e uma mínima par te que o compõe. Quanto mais esta percepção se aninha nas almas e mentes da fu tura bruxa, tan to menos ela se expõe à inquie tação, ao par to so f rido e à menst ruação dolorosa e ir regular. Tal processo é uma vivência penosa, doída, cheia de armadilhas, que, até mesmo, pode exigir um apro fundamento psicológico da 76
  • 77. experiência da multiplicidade. Assim, sob essas condições, a fu tura bruxa experimentará t ranses, durante os quais será possuída por out ras personalidades di fe rentes da sua co tidiana. Duas in terpre tações er rôneas serão dadas, sobre is to, pelos machos, que pensam do ponto de vista da par te e a foi tos querem capturar o Mis tério, em ro tuladas garra fas concei tuais: que seja ela uma esquizo f rênica ou que este ja possuída por espíri tos de mor tos, demônios, anjos ou divindades. A bruxa, velha e sábia, re jei ta essas respostas banais, f ru to de pueris fan tasias de dominação e de juízo parcial. Na realidade, o que ocorre é que a fu tura bruxa se experimenta como possuída por out ras par tes de seu ser, enquanto ser to tal. Sua identidade, cotidiana e histórica, cede passagem a sua natureza global que __ não conseguindo revelar-se una, como o absoluto, posto que o corpo é uma realidade parcial em face do cosmo __ most ra-se como quantidade conglomerada de out ras par tes, as quais, por existi rem na 77
  • 78. dimensão psicológica, est ru turam-se, na f o rma de personalidades. Acautelem-se, por tanto f ilhinhas, na vida, do único e te r rível perigo para nós, bruxas: a parcialidade de julgamento. Explicado o porquê de tal desvio ocor rer, nem se precisa lembrar os tempos da I nquisição como exemplo do império do Grande Carrasco __ o juízo parcial. Assim, somos primas e irmãs de Têmis e per tencemos ao mesmo compromisso com a verdade e com a liberdade que assumimos diante de Palas A tenas. Não é, pois, a bruxa, uma simples conjunção de cont rários, mas a cont ração espasmódica dos opostos ex t remos __ par te e todo __ enquanto o orgasmo se revela como símbolo emocional da consciência da unidade. Algumas bruxas, pouco cul tas, é claro, de fendem que a mulher seja emoção e o homem razão. Tal dout rina é simplória e imper fei ta. Ambos os sexos são consti tuídos de emoção e razão. Se di fe rença existe é que o masculino simboliza, predominantemente, as emoções pelo discurso abst ra to e concei tual. O 78
  • 79. f eminino, majori tariamente, simboliza as realidades concei tuais e meta físicas na experiência emocional. A razão e a emoção consti tuem dois espelhos paralelos, mas um é côncavo e o out ro convexo. Assim, quando percebemos as realidades re f le tidas, num ou nout ro, dizemos que sentimos tal emoção ou que t ivemos tal idéia. Para uma bruxa iniciada, estas duas dimensões consti tuem uma única realidade, re f lexo meta fórico de sua própria natureza dual. A bruxa, como amplexo, t ransborda o corpo f eminino e engloba o corpo do macho. Já se havendo apoderado do mínimo do corpo masculino, do esperma, pode ela replicar o ser como máxima globalidade biológica: como f ilho. Considerando o homem, como f ilho, logos, razão ou verbo, entendemos como pôde Maria: Sublime e Gloriosa Bruxa, que sua misericórdia este ja sobre nós!: dar carne ao Verbo, apesar de sua virginal condição. Aqui se concent ra um arcano de sabedoria e poucas entenderão toda sua densidade, mas nada devo acrescentar para não incor rer em 79
  • 80. amesquinhamento. Tudo que posso afi rmar é que a carne const rói a emoção capaz de dar sentido e signi ficado ao Verbo. A virgindade é o absurdo e a carência de sentido, dos quais se liber ta a mulher que se auto fecunda, para um agir novo e salvador. Parindo a His tória in teira, a bruxa Maria pare o homem-Deus, f ei to de sentimentos puros e não conspurcados. Esta é, dile tas seguidoras, a base pela qual a bruxa em sua duplicidade é necessariamente virginal e mãe. A carnalidade voluptuosa __ como podemos e devemos viver nossa natureza __ não macula a virgindade essencial. Os machos com quem copulamos são sempre par tes que nos compõem como to talidade. Assim, descendemos das Vestais Sagradas, das Virgens He tairas. Casta e mere t riz, a bruxa compor ta em si o próprio concei to teológico de Templo: duas colunas e duas pernas. O t ronco e as pernas exprimem o t ríplice aspecto e revela o sacrário onde habi ta a Trindade Santa __ para os machos, os dois iguais e aquele que se lança; para nós, 80
  • 81. a t rípode de toda pro fe tiza, a consciência de bruxa e sua dupla natureza unidas no umbigo do mundo, no ubíquo Del fos, con figurando a t ríade lá t rica. 81
  • 82. Sobre o culto Passo agora a dirigir, a minhas pupilas predestinadas, algumas palavras a respei to do cul to das bruxas. Sua regra essencial consiste em ser simples, espontâneo e sincero. A característica, que o distingue de out ras expressões cúl ticas, encont ra- se no f a to de que nosso cul to não estabelece uma relação dividida; ou seja, não visa a unir nenhum sujei to a nenhuma alteridade. O que é mais f reqüente e ocor re na maioria dos padrões religiosos é a união de um sujei to com uma di fe rença de si e não com seu predicado. Tal é o padrão que serve de mat riz à relação cúl tica vulgar que deseja unir o eu-humano com um out ro-di fe ren te-de-mim-que- é-divino. Ora, seguidoras minhas, depois de tudo que já lhes expliquei sobre a duplicidade de nossa 82
  • 83. natureza, não podemos const ruir nosso padrão cúl tico segundo tal modelo f ragmentador. Em nosso cul to à t ranscendência, não cor remos nenhum r isco de idolat ria, posto que não adoramos nenhuma imagem. Contudo, precisamos no cul to da vida de um único ícone admissível para o exercício de nossa bruxidade: o Espelho Mágico. Só aquilo que nos re f le te em pro fundidade pode consti tuir inst rumento dos ri tos simbólicos. Ent re tan to, amadas, tenham cautela, pois este espelho não poderá ser nunca con fundido com aqueles que só servem para re tocar- se le maquillage. Este Espelho Mágico e Sagrado, onde vocês podem e até devem mirar-se, não acei ta máscaras. Nele, o que se re f le te é a alma em toda sua complexa vastidão de imagens e is to é condição necessária para executar-se o t rabalho da bruxa, sendo a bruxaria mais impor tante aquela que decanta a alma de toda menti ra e a concent ra na fab ricação do bem. Há pessoas inexperientes, senão mesmo inescrupulosas, que têm aconselhado 83
  • 84. exercícios mentais diante de espelhos, que se par tem, para com is to verem-se coisas fan tásticas e fazerem-se invocações, quase sempre de sombras perversas. Porém, Dirce lhes assegura: é ridículo e inútil olhar o Sagrado Espelho e ousar ver o que quer que seja além de si mesma! O Espelho só most ra a verdade inequívoca e só exprime a realidade global. T ra ta-se de um obje to sagrado que não pode ser t rans formado em inst rumento de poder. Tal desavisada ten ta tiva seria, para uma bruxa, uma perigosa in f ração, uma blas fêmia imperdoável. É por is to que há muita verdade sob a le t ra da supers tição que promete sete anos de azares para quem par ti r um espelho. Meninas minhas, tenham muito cuidado com todas as armadilhas que há nas provas iniciá ticas: estão espalhadas pelo dia-a-dia e carecem de calendário cer to. Assim, sinto pena daquelas irmãs que f icam insaciáveis diante da consta tação do Mis tério, pedem magis et magis diante do Todos que o Espelho Santo revela. É a ansiedade diante do 84
  • 85. insondável que f omenta as falsárias, que tudo querem explicar e a fi rmar e te rminam pro je tando a limi tada dimensão humana sobre t ranscendentes realidades. E assim, prometendo imor talidade para o egoísmo dos homens, essas burladoras exploram o medo e a crendice de incautos, enriquecendo suas bolsas e entulhando o coração de culpas. Estas são loucas insensatas e não bruxas sábias. Só podemos olhar o Espelho, sem perigos, se t ivermos a humildade de acei tar que a imagem que se apresenta a nossa visão é a verdadeira realidade daquilo que somos. Apenas desta maneira deixamos de con fundir-nos com a visão que temos de nossa imagem e podemos nos identi f icar realmente com aquilo que somos. Cer tamente é nossa obrigação de bruxas, buscarmos a beleza, mas desgraçada daquela que se iludir quanto à verdadeira essência desse at ribu to e julgar que o belo este ja no ex te rior dos corpos! A in feliz só conseguirá ver a f eiúra no implacável Espelho 85
  • 86. Santo. Já aquela que pra ticar a Ar te com o re f inamento da humildade, esta sempre encont ra a beleza no brilho da consciência que se percebe a si mesma. A imagem real da qual somos re f lexo não é um ente meta físico qualquer e vago, tampouco uma divindade voluntaris ta e ant ropomór f ica. É, antes de tudo mais, o próprio planeta __ é Gaia, a deusa! __ é a Na tureza, tal qual in termedeia e equilibra, de um lado, a grandiosidade da consciência que se mani fes ta pelos corpos humanos e, de out ro, a insigni ficância cósmica destes mesmos corpos. Ent re o Todos absoluto e universal e o nada mínimo e mesquinho, a bruxa const rói a atalaia do ego, de onde pode optar pelo prazer da liberdade e pela liberdade de prazer. É pela por ta in ferior que se ent ra nos castelos das alturas! Saibam, pois, carinhosas amigas, que o Grande Espelho Mágico, no qual a bruxa se deve contemplar e, assim, render seu cul to de admiração e obséquio, é único para toda e qualquer adepta da Ar te. Espelho cósmico, ele vaga, azul e branco, 86
  • 87. pelos céus e seu nome é Ter ra! Em grupo de amigas ou em solidão, quem deseja aprender a ser bruxa deve olhar em pro fundidade os mares, da linha do horizonte até às ondas que roçam voluptuosas as areias. Da mesma f o rma deve olhar para as montanhas altas e rebuscar dent ro de si o céu de vapores que o te r reno anseia. Precisa observar cavalos em galope, pássaros voejando em bandos, a chuva, o vento, o calor e até os apavorantes te r remotos, reconhecendo que todas as coisas estão contidas em nossos corações e são as realidades das quais nossas emoções consti tuem metá foras. O Espelho que nos lega nossa Mãe primeira é muito di fe ren te do lago plácido onde Narciso se perde. Nossas águas são tu rbulentas e o mênst ruo te r reno ir rompe do vent re do planeta como cáustica lava de vulcão. Contudo, podemos ser igualmente serenas, quando, nas madrugadas, ao pôr-se da lua coroada, bailamos como orvalho nas copas f rondosas e, na f o rma de brisa, exci tamos, ainda mais, os cipres tes 87
  • 88. ere tos das sebes pro te toras. Eis porque, herdeiras de meu saber, nosso cul to deve resumir-se a esta singeleza primordial: a contemplar e a ser! Pela contemplação é que conseguimos perceber como somos em de talhes e is to nos to rna vigilantes e aten tas para não f icarmos omissas diante das opor tunidades de servir à Ter ra, às irmãs de consciência e a quem mais quisermos, pois somos livres para fazer o bem. Dizem alguns que, nós, bruxas, f e rimos à vontade, a nosso bel-prazer. Estes, se não mentem, são injustos, porquanto der ramamos sobre os homens nossos favores e o lei te de nossos seios: somos nós quem lhes dá prosperidade material e lhes ensina o uso da língua. As tochas que t razemos nas mãos servem para iluminar e não para atiçar o f ogo dest ruidor e, jus tamente, por t razermos a luz nos chamam de lucí feras. A graça de ser bruxa t em caro preço, mas esta é a herança de Hécate. 88
  • 89. 89
  • 90. Arte dos efeitos Aquilo que as bruxas f izeram, fazem e f a rão tem recebido nomes vários ao longo dos tempos. Já se chamou de f ei t içaria, de magia, de xamanismo e de out ros nomes mais. Pre fi ro, ent re tan to, recomendar a minhas aplicadas discípulas que assumam o te rmo bruxaria, a f im de exorcizar para sempre todas as conotações pejora tivas e preconcei tuosas com que car regaram este te rmo os inimigos da luz e da verdade. Três são os t ipos possíveis de bruxaria, segundo as qualidades do real onde se mani fes tam: a bruxaria cósmica, f ei ta pela bruxa enquanto to talidade; a bruxaria histórica, que a bruxa, enquanto to talidade mani fes tada na par te, empreende ao const ruir o fu tu ro e ao gerar novos seres, principalmente 90
  • 91. estabelecendo novos compor tamentos e novas utopias; por f im, a bruxaria psicológica, subje tiva, f ei ta pela bruxa enquanto par te que t rans forma realidades a bem de out ras par tes pessoalizadas. É sobre esta te rceira modalidade que f alarei agora, esclarecendo o signi ficado da Obra e os caminhos pelos quais a vontade se dirige para a e ficácia, erigindo o que denomino como a ar te dos e fei tos. Aquela que aspira o grau de Bruxa deve compreender que seu obje tivo é o pleno comando da causalidade simbólica que opera por meio da dimensão da eternidade, na qual todos os momentos coincidem e que, por este motivo, também é chamada de sincronicidade. As coisas exis ten tes são, para nós, bruxas, car regadas de signi ficado e, por isso, devem ser consideradas símbolos, podendo cada qual te r mais de um signi ficado. Na verdade, quanto mais tem capacidade de denotar e de conotar, mais precioso é o símbolo. Deste modo, há dois pólos celestes que comandam a lógica de todo simbolismo: o sol e a lua. O sol divide 91
  • 92. com a lua o reinado sobre toda signi ficação e ambos são regentes de duas grandes linhas geradoras de símbolos. Hélio dá origem à ver ticalidade e à linha do horizonte; à orien tação espacial; à velocidade; às armas; ao primado da f o rça, da visão e, sobre tudo, à lógica do ataque e da est ra tégia de caça. A lua engendra a experiência do recolhimento e a sociabilidade. O sol, a da ex te rioridade e a civilização. Selene estimula a horizontalidade e a percepção da abóbada est relar; a pulsão sexual; a imaginação; as emoções; o primado da astúcia, do ta to e, sobre tudo, a lógica da de fesa e da est ra tégia da resis tência. Hélio regula o chamado regime diurno do simbolismo e Selene comanda o regime noturno. Ao diastólico dia segue-se a sistólica noite. O sol separa e a lua une. O ast ro-rei instaura no psiquismo todo o processo de di fe renciação, mas a rainha da noi te inaugura duas possibilidades psíquicas: a de identi f icação in tegral e a parcial. A in tegral f ecunda a mística e a parcial, o modo de pensar 92
  • 93. analógico. Quando dia e noite se casam nasce o ser humano que, sonhando noite e raciocinando dia, const rói sua pleni tude. Além desse casal celeste, gerador de tudo que exis te em nosso mundo, há out ros símbolos impor tan tes, como os quat ro elementos __ o f ogo, a água, a t e r ra e o ar __ que consti tuem auxiliares mágicos de suma impor tância. Também devemos estar atentas para algumas pedras, para cer tas plantas e para vários animais. A operação e ficaz dos símbolos exige que as bruxas saibam penet rar no âmago da semântica psicológica em seus signi ficados dinâmicos e sejam capazes de modi ficar a posição de cer tos complexos do psiquismo. A Grande Ar te exige que se recrie o universo simbólico segundo a rela tividade dos regimes. Assim, os elementos t ipicamente solares deverão ser compreendidos segundo uma re fe rência lunar e vice-versa. Só desta maneira é que a razão penet ra como lume no inconsciente e a emoção f ecunda espermaticamente a f r ia lógica, to rnando-a útil para o bem da 93
  • 94. vida. As bruxas conhecem todos esses mecanismos e são capazes de mover obje tos simbólicos diante da pessoa necessi tada, de modo que a penumbra da alma seja clareada e a t i rania obje tiva da vontade caçadora ceda lugar ao acolhimento receptivo do abrigo noturno, quente e seguro. Ou se necessário f o r, que a inércia da depressão seja substi tuída pela ousadia diurna do guer reiro. Tais aptidões não se encont ram em manuais para serem aprendidas, são in tuições e sussurros que os ast ros passam à bruxa para que ela compreenda, no instante dado, qual é a necessidade psíquica do consulente. A ar te dos e fei tos consiste em atuar por meio de uma metacausalidade, que t ranscende ao vulgar concei to de anterioridade necessária. As bruxarias são fazeres e ficazes, porém seus resul tados nem sempre são posteriores a nossa ação. Há muitas bruxarias que, sendo f ei tas amanhã, poderão provocar e fei tos no ontem, em to tal desobediência à cronologia dos atos e dos resul tados. Àquelas meninas que se espantarem 94
  • 95. com este ensinamento, direi que esta é a mesma lógica dos ri tos que rompem a cronologia e que, celebrados posteriormente, produzem misteriosos e fei tos anteriores. O agir da bruxa não tem e ficácia segundo uma anterioridade e uma posterioridade r igidamente re fe renciadas a um presente par ticularizado. A bruxaria, ocor rendo na eternidade ou na sincronicidade, pode per fei tamente realizar no fu tu ro um ato cujo e fei to seja a criação do próprio universo. Cer tamente, is to dizendo, não quero apenas a fi rmar que o mundo f oi criado por uma bruxa do fu turo, mas que qualquer adepta da A r te, em qualquer tempo, precisa saber realizar o mesmo f ei to simbólico que representa e atualiza a criação do universo. Mais uma vez f r iso que este f ei to é primordialmente o orgasmo, dever e prazer de toda pra ticante. Como f iandeiras, não esperem que nos res t rin jamos a meros tape tes e tecidos. Aquilo que tecemos e f iamos, como aranhas cósmicas que somos, é mais do que um obje to: é a própria 95
  • 96. subje tividade do universo como unidade plena do tada de pessoalidade especial e geral. De nossas energias orgásmicas, realmente nascem conglomerados galaxiais, posto que o corpo de carne é a metá fora f ísico- biológica que resume o universo envolvente. Somos corpos, carnes e gri tos, mas, com livre senhoria, de finimos o signi ficado de nossa própria experiência, const ruindo os re fe renciais do passado e assinalando as setas da est rada do fu turo. A essência fundamental dos e fei tos não pode ser out ra diversa daquela que se exprime no sentido e signi ficado de qualquer evento. Desta maneira, ao at ribuir sentido à criação do universo, e fe tivamente recriamos este instante primeiro na pleni tude de sua singularidade como realidade metacorporal t ranscendente, como hipermomento que at ravessa toda cronologia como eterno presente, como instante misterioso e consolador. O prazer que sentimos em nossos coi tos r i tuais são a providência mágica e o primordial caos que permanentemente susten tam 96
  • 97. o cosmo universal. Toda e qualquer bruxaria está ligada a esse fundamento micro físico tão enigmático, que óbvio: num vaso de bar ro, sobre quat ro dentes de alho roxo, pousamos um ovo f ecundado de pata e tudo cobrimos com te r ra pre ta, em noi te de lua cheia. Nesta te r ra plantamos um pé de arruda e temos a cer teza de que nossa vontade ganhará coragem e nossas f o rças conquistarão e ficácia para caminhar no mundo subter râneo com a mesma facilidade com que o pato voa nos ares, nada e mergulha nas águas e cor re na super fície do solo. Da arruda, carinhosamente t ra tada e vicejante, todos os dias consagrados a Vênus, ao pôr do sol, comeremos uma pequenina f olha. E o poder da bruxaria crescerá com nossas cer tezas e com nossas dúvidas, porque, nem cremos nem descremos, simplesmente fazemos __ somos bruxas! 97
  • 98. 98
  • 99. Os quatro elementos Minhas queridas f ilhas devem sempre medi tar sobre a natureza, sobre o signi ficado e sobre a utilidade dos quat ro elementos e dos auxiliares mágicos para as di fe ren tes bruxarias. A mó de auxiliá-las nesta ta re fa dar-lhes-ei algumas inst ruções. O f ogo e o ar, a t e r ra e a água consti tuem os dois casais criadores de toda realidade abaixo da lua. Estão presentes em todo ri to bruxesco, con ferindo f o rça e e ficácia à vontade que se expressa por meio deles. Estão também presentes no próprio corpo humano dispersos pelas di fe ren tes par tes e órgãos. Assim, os quat ro membros que saem do t ronco são dominados por cada elemento: o f ogo cor responde ao braço esquerdo, que está do lado do coração; o braço direi to, regido pelo ar, é aquele que 99
  • 100. arremessa dardos e captura rapidamente os obje tos que caem; a perna esquerda representa a te r ra e a direi ta, a água. I s to é fundamental para explorarmos o poder dos gestos, como a imposição das mãos e o posicionamento dos passos. Esta ordem não muda mesmo que a pessoa não seja dest ra, pois o simbolismo corporal par te do coração que é o sol do corpo. Este jam, meninas, atentas, pois, há cer tos f ei t iços que devem ser f ei tos com a mão do f ogo, como o lançar de pólvora no braseiro incandescente. Com o braço direi to se agitam os ares para provocar ventanias e tumul tuar as mentes alheias. Com a perna esquerda se acelera o fuso da roca para f azer os f ios, ou se esmagam os inimigos. Com a direi ta se puri f ica simbolicamente aqueles ambientes onde ent ramos, lavando invisivelmente o chão. Calcando com o pé direi to a te r ra f o fa, f azemos uma pegada na qual urinamos para t razer chuvas. Os quat ro elementos sempre con ferem muito poder aos que os manipulam. Os machos e magos t revosos, cujos 100
  • 101. conhecimentos estão a serviço da dominação, da conquista e da caça, usam estes elementos de modo imediato, sem a in termediação psicológica, empregando-os de modo concre to. A manipulação masculina do f ogo gerou as armas mor tí fe ras e dest ruidoras; o domínio da t e r ra acarre tou a propriedade privada, exclusiva e excludente das t e r ras produtivas; o poderio sobre as águas produziu navios e compactou o planeta; a conquista do ar tan to resul tou em máquinas voadoras quanto em gases venenosos e cataclismáticos. Nós, mulheres e bruxas, apro fundamos o manuseio simbólico desses elementos de modo que se quisermos, hoje, resgatar o mundo de t rágico f im, precisamos uni ficar o sentido simbólico com o sentido e fe tivo. O macho sempre machucou a natureza com sua violência nor teada por egocênt ricos f ins. Cabe a nós, bruxas, desde já, empreendermos a recuperação do signi ficado pro fundo dos elementos, liber tando o f ogo, a te r ra, o ar e a água daquelas mesquinhas amarras 101
  • 102. que lhes f o ram lançadas pelos homens. A liberdade que damos ao f ogo inicia-se pela acei tação sem culpa de sua ardência no in terior de nossos corpos, na f o rma de desejos libidinosos. A redenção dos demais elementos exige um longo percurso que implica: a liber tação das t e r ras do domínio de poucos para que sejam amadas e lavradas por muitos; a puri f icação das águas dos mares e dos rios; f inalmente, livraremos os ares de venenosos miasmas, res taurando-se a natureza primeira desses elementos. É por este simples motivo que as bruxas não podem e não devem limi tar-se a pequenas bruxarias, a operações simbólicas individualizadas. Precisamos agir na His tória e na Cultura, mudando os rumos de uma civilização delirante que cor rói as perspec tivas de fu tu ro. Uma vez liber tos os elementos, res taura-se a e ficácia das cor relações mágicas e poderemos então vol tar a voar pelos ares em direção a nossos sabats e nossos caldeirões vol tarão a produzir as poções miraculosas que con ferem 102
  • 103. eterna alegria. Tudo que exis te estabelece um vínculo ent re os quat ro elementos e é por eles engendrado. Assim, o sal é água e é te r ra. As fumigações são te r ra, f ogo e ar. O ouro é te r ra e f ogo e a prata, te r ra e água. A água pode assumir a f o rma rígida da te r ra pelo f r io, que é sua dis tância do f ogo, mas no entan to, pelo poder deste, pode passar ao reino aéreo. A te r ra pode ser lique fei ta pelo poder ígneo, mas o ar e o f ogo não se modi ficam e se nut rem respectivamente. O f ogo, que é o elemento da t rans formação radical, em sua essência, é pura concent ração de t empo, assim como o ar é expansão inde finida do espaço. O f ogo é presença da Eternidade, enquanto o ar, para nossa dout rina, é o elemento ubíquo por excelência. Deste modo, discípulas queridas, aconselho um estudo apro fundado de todos os mistérios que envolvem os quat ro elementos, para que possam aquilatar toda a impor tância de bater pedras para atear f ogo, bem como de invocar-lhes a f o rça simbólica para operar as bruxarias desejadas. 103
  • 104. Aler tas este jam para o arcano que rege esta dimensão do saber: o movimento, que coleia eterno no in fini to criando o macrocosmo, é o mesmo que serpenteia livremente pelas duas colunas do t emplo-mãe da vida como cer teza e esperança da f ecundidade procriadora! 104
  • 105. 105
  • 106. Quintessência Dadas algumas chaves a minhas amadas crianças sobre os casais cósmicos, devo f r isar a bem de uma verdade mais cris talina e avançada que a quaternidade é mero apoio e susten táculo para o quinto aspecto que t em sido chamado de Quin tessência. Não se pode esquecer que os elementos são essências de segundo grau, meras mani fes tações quali ta tivas da di fe renciação quanti ta tiva. Por sua vez, a Quin tessência, signi fica a imani fes tada ação, essencial e necessária, de uma unidade quanti ta tiva e de uma indi fe renciação quali ta tiva primordial. Em tempo recente na iconogra fia humana, o símbolo dessa realidade sublime vem representada, ent re os cris tãos pelos dois Sagrados Corações. Out rora, o 106
  • 107. f oi pela imagem do pelicano amoroso que rasga o próprio pei to para doar seu sangue como alimento aos f ilho tes. E ainda em passado mais t revoso, o f oi pelos sangrentos r i tos de ex t ração do coração e de sua o fer ta à divina loucura dos humanos. A Quin tessência é te rnura e amor, do mesmo modo que pode ser gélida f r ieza. É nosso dever de bruxas acolher na Ter ra esta entidade psíquica que é a Quin tessência. Dela é que haurimos qualquer saber e principalmente a maest ria de tempestades in teriores, de nossos f luxos hormonais e da mais recôndi ta natureza enzimática de nossos desejos. Sem a compreensão da Quin tessência, que é a mãe dos quat ro elementos, todo conhecimento é super f icial, ilusório e rela tivo. É por este motivo que Maria de Alexandria, mest ra da Alquimia, a chamava de pedra f iloso fal. É pedra porque consti tui o fundamento necessário! E é f iloso fal porque, ao mesmo t empo, se faz amor e sabedoria. Perdoem-me os mais verdes rebentos de meu ja rdim de 107
  • 108. seguidoras, se estou apressadamente lançando sobre suas almas os mais di tosos enigmas em que me inst ruiu a Esfinge. Porém, é preciso, o tempo te r res t re urge, a nova humanidade em breve gemerá depois do par to e então se poderá ler, como fu turo realizado, a sentença do passado. E caberá a este meu rebanho, que estou preparando, o t rabalho de nut rizes, cuidando para que o lei te puro de Í sis seja generosamente concedido a Hórus, nossa esperança. No recato do alei tamento, a bruxa adormece e compreende em seu sonho revelador que ela é mero canal pelo qual o universo in teiro se faz nut rição e amor, mas que garante generosamente a permanência da natureza. Pobres cria turas que não entendem esta unidade exclusiva e absoluta de nossa realidade como entes! Bruxas __ somos a Humanidade! Bruxas __ somos a Quin tessência cósmica! Bruxas __ somos cidade, aldeia e comunidade! Bruxas - somos semelhança e alteridade! Somos o al fa e o ômega de todo e qualquer processo. 108
  • 109. Ouroboros, devoramos e parimos o in fini to in teiro mil vezes a cada vida, posto que é nosso r iso que chancela o nascimento das est relas. 109
  • 110. 110
  • 111. Sobre as proporções De nada adiantará, a minhas estimadas aprendizes, a in timidade in telec tual e a fe tiva com a Quin tessência, se is to não se aplicar também à realidade como relação. Na verdade, esta é a dinâmica da essência, aquilo para o qual a natureza própria do ser o destina. É também a essência de toda e qualquer dinâmica. É movimento cósmico. Dou à palavra proporção um signi ficado sinônimo ao te rmo vínculo, out rora empregado por Giordano Bruno, que f oi um digníssimo exemplo de mani fes tação da bruxa num corpo masculino. Só a Quintessência vincula todas as coisas de modo in teligível. Ela é a energia de So fia engendrando o Logos. Esta é a mat riz do pensamento que ensino: assumir como identidade nossa função orgásmica e 111
  • 112. geradora e ver o universo a par ti r deste ponto de vista. O sentido que a bruxa dá ao vínculo, por f o rça dessa sua visão, expressa a proporção ent re as inúmeras par tes in teiras do caleidoscópico mundo. Entender, sentir, pressenti r, assumir e até t rans formar as relações ent re as in fini tas entidades do universo, nisto consiste a ta re fa permanente de uma bruxa, já que ela é aquela que tem ânsias de parir o f u turo, um f u turo obje tivo e real, reiniciando a His tória sob um novo padrão hermenêutico. A f inal, nosso orgasmo, como dever, não é mesquinho, mas pura generosidade. O estudo das proporções permi te um f o r talecimento do signi ficado das inúmeras experiências afe tivas que compuseram a aber tura do ser para a condição de bruxa; cujas duas naturezas t razem a compreensão de que, aprisionada pelo quotidiano, a bruxa é vínculo ent re o agora e o amanhã. Assim, o estudo que se deve empreender das proporções implica um apro fundamento psicológico e espiri tual de cada uma das iniciantes. 112
  • 113. É preciso, contudo, deixar de par te qualquer ilusão de que se receberá, no f inal da emprei tada, qualquer diploma de competência. Tra ta-se de um processo de cozimento no banho de Maria de Alexandria, favorecendo lenta e branda t rans formação. A principal proporção é, por tanto, aquela que exis te ent re qualquer par te e o Todos. O primeiro axioma que se nos apresenta, então, é que a singularidade plural da globalidade mantém equânime relação com cada par te, a despei to de qualquer hierarquia ou privilégio. Para o pensamento da bruxa exis te uma igualdade meta física própria dos seres que f az com que tudo seja igualmente necessário para o Todos. As mais astu tas já devem te r compreendido que se t ra ta de uma inversão do axioma fundamental do saber masculino, para o qual a di fe rença, a desigualdade, a hierarquia e o privilégio consti tuem os t i jolos primordiais. Já nosso ensinamento a fi rma que qualquer par te é igualmente digna do Todos e necessária a ele. O universo não é 113
  • 114. uma contingência acidental. Os machos ten tam explicar uma cisão ent re as realidades, enquanto par tes, e demonst rar que, por isso, aquilo que é apenas parcial e limi tado seria contingente e acidental, ao passo que o Todos, este sim é que seria necessário. Ora, somos nós enquanto par tes que podemos organizar-nos como globalidade una, não é da to talidade que haurimos nossa realidade parcial, mas sim de nossa própria natureza, de nosso próprio de terminismo para nos auto- organizar. Somos, assim par tículas, moléculas, células, tecidos, órgãos, planeta, sistema solar, galáxias e aglomerados. Do mínimo ao máximo, somos a insigni ficância denota tiva daquilo que se to rna desprezível e substi tuível para prestigiar o conjunto associado. E f oi jus tamente por isso que o antigo hino cris tológico paulino cantava a queda do Filho que, de divino, se f ez pecado, para habi tar a His tória. Se não f osse pelo risco de desnecessário escândalo, recomendaria a minhas discípulas que se considerassem verdadeiras 114
  • 115. mani fes tações messiânicas ou crís ticas, sobre tudo e primeiramente, no que concerne à responsabilidade para com toda a espécie, para com todo o planeta e para com todo o universo. Tal afi rmação estaria bem próxima da realidade pro funda de uma bruxa: concomitantemente a to talidade que envolve o vazio e o vazio envol to pelo Todos. Nosso ser quotidiano nos de fine tan to quanto a qualquer out ro ser. Por instin to, conhecemos nossa ampli tude de modo ir revogável e nos t rans formamos numa vasta teia in terligada de seres, somos a própria escala hierárquica e todas as gradações, somos padrão de medida da realidade e não apenas um pedaço aferido. Em síntese, somos nós que permi timos que os machos meçam: somos a Régua! É por tal motivo que a vinculação cósmica depende de nós e que a proporção é nosso desempenho. Se somos Quin tessência cósmica, como disse anteriormente, nossa f ace potencial se atualiza como proporção, como relação de uma coisa com out ra, como vinculação universal. A sabedoria das 115
  • 116. proporções em seus píncaros permi te o assenhorear-se de toda contingência f ísica, um tamanho comando sobre a pressão in terna dos corpos que se consegue até a al for ria de todo pesadume. Quando nos identi f icamos com a gravidade, conquistamos a liberdade que nos permi te voar para nossos sabats. 116
  • 117. 117
  • 118. Femealidade Dile tas amigas de nosso destino, ainda que este ja ar fan te e to r tu re- me a pressa com que se avizinha a hora der radeira, dila ta-se o t empo para que me res tem f inalíssimas palavras de te rnura e para, en fim, aliviar-me de tan ta responsabilidade, con fiando-lhes tudo is to. Devo esclarecer delicada questão que nos concerne exclusivamente como presença biológica ou simbólica da f emealidade. Emprego tal palavra para distingui-la da mera f eminilidade, cul turalmente escrava do imaginário masculino. Femealidade signi fica autêntica e plena liberdade da f êmea e não coqueterias ridículas. No reino dos mamí feros a f êmea como mat riz da espécie é senhora da reprodução. Mas ent re os humanos, ela perde sua majestade sublime de 118
  • 119. deusa-mãe mani fes tada para reduzir- se a um estorvante apêndice submisso ao macho. Contudo, fulgura o momento opor tuno em que se dará a liber tação desta conjuntura serviçal ao domínio masculino. Esta liberdade- mulher consti tui o mágico enigma es fíngico e implica o que já lhes recordei. O ponto nevrálgico dessa escravidão a ser rompida re fe re-se à livre disposição do corpo f eminino como reprodutor ou não. Nós, como he tairas cósmicas, e apenas nós, podemos decidir como e quando, devemos experimentar a vivência de ser mãe. É preciso também que nossa alma este ja f ecunda de nova espiri tualidade. Não basta o esperma f ecundar nossos óvulos. É preciso que uma in fini ta paixão, con fe rindo tamanha pleni tude, se apodere de nós e que nosso espíri to este ja em lac tação cria tiva a f im de que esta in teireza possa t ransmi ti r-se ao novo ser. Quando a bruxa engravida, fá-lo como expressão natural e necessária de sua vocação to tal. I s to se comunica à criança, proporcionando- lhe alma in teira e sadia. A 119