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SUMÁRIO
DIREITO PENAL .......................................................................................................... 4
1. INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ............................................................... 4
CONCEITO DE DIREITO PENAL ........................................................................... 4
DIREITO PENAL OBJETIVO E SUBJETIVO........................................................... 6
DIREITO PENAL COMUM E ESPECIAL................................................................. 6
DIREITO PENAL SUBSTANTIVO E ADJETIVO..................................................... 6
DIREITO PENAL INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL PENAL ....... 7
DIREITO PENAL DO FATO E DIREITO PENAL DO AUTOR ............................... 7
FUNÇÃO DO DIREITO PENAL.............................................................................. 8
Bem jurídico ........................................................................................................ 9
DIREITO PENAL DO CIDADÃO E DIREITO PENAL DO INIMIGO................... 10
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL............................................. 12
VINGANÇA PENAL............................................................................................... 12
Vingança privada .............................................................................................. 12
Vingança divina.................................................................................................13
Vingança pública .............................................................................................. 13
DIREITO PENAL NA ANTIGUIDADE................................................................... 14
Direito Penal na Grécia Antiga........................................................................14
Direito Penal romano ....................................................................................... 15
Direito Penal germânico .................................................................................. 15
Direito Penal canônico ..................................................................................... 16
DEMAIS PERÍODOS HISTÓRICOS...................................................................... 17
Monarquias absolutistas .................................................................................. 17
Iluminismo e o liberalismo (séc. XVIII)............................................................ 18
Positivismo (séc. XIX)........................................................................................ 19
ESCOLAS PENAIS.................................................................................................19
Escola Clássica .................................................................................................. 19
Escola Positiva ................................................................................................... 21
Outras Escolas................................................................................................... 22
3. FONTES DO DIREITO PENAL ........................................................................24
FONTE MATERIAL ................................................................................................ 24
FONTE FORMAL................................................................................................... 24
Fonte formal imediata ......................................................................................24
Fonte formal mediata....................................................................................... 25
ANALOGIA EM DIREITO PENAL......................................................................... 27
4. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PENAL.................................................... 29
3
PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO A BENS JURÍDICOS......................... 30
PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA............................................................ 31
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (OU BAGATELA PRÓPRIA)........................ 32
Posicionamento da Jurisprudência Superior ................................................ 34
 Crimes Ambientais .............................................................................. 34
 Improbidade Administrativa .............................................................. 36
 Porte/posse de arma de fogo e munição ......................................... 37
 Furto de mercadoria de baixo valor e agente reincidente............. 37
 Furto qualificado.................................................................................. 38
 Agente com antecedentes criminais por crimes patrimoniais....... 38
 Crime contra a ordem tributária e descaminho............................... 38
 Crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no
âmbito das relações domésticas........................................................................... 39
PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA (IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO,
DESNECESSIDADE DA PENA)...................................................................................... 39
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL .............................................................. 40
PRINCÍPIO DA EXTERIORIZAÇÃO (MATERIALIZAÇÃO DO FATO) ...............42
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE............................................................................... 43
Desdobramentos do princípio da legalidade............................................... 44
 Reserva legal ........................................................................................ 44
 Anterioridade da lei penal.................................................................. 46
 Lei escrita.............................................................................................. 46
 Lei estrita............................................................................................... 47
 Lei certa.................................................................................................48
 Lei necessária ....................................................................................... 48
PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE ............................................. 49
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA (OU DA NÃO CULPA) ........... 50
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........................................ 51
PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO E DA PESSOALIDADE ........................... 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 53
4
DIREITO PENAL1
1. INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL
Inicialmente, vale registrar a crítica feita por parte da doutrina, notadamente por BASILEU Garcia,
a respeito da denominação “Direito Penal”, no sentido de não ser esse grupo normativo incluído no rol
das medidas e providências de combate à criminalidade, de modo que a e etiquetagem deveria ser,
portanto, “Direito Criminal”, e não uma derivação da expressão “pena”, ou “Direito das penas”.
Nada obstante, é como “Direito Penal” que a Constituição referencia esse ramo do Direito, não
sendo ideal tratá-lo como “Direito Criminal”. Esta é posição da doutrina contemporânea2
- majoritária
no Brasil.
CF/88. Art. 62. (...) § 1º (...) I - relativa a: (...) b) direito penal, processual penal
e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
Em suma, é um debate que merece importância para fins acadêmicos, mas sem tanta repercussão
prática.
Para ANDRÉ ESTEFAM3
, “é preferível, registre-se, a denominação “Direito Penal” no lugar de
“Direito Criminal”, haja vista que, além de contar com ampla aceitação, vincula-se ao fato de que
possuímos um “Código Penal” e não, como outrora, um “Código Criminal”.
CONCEITO DE DIREITO PENAL
Em nível introdutório, a fim de construir bases de significado densas a serem utilizadas durante
todo o estudo do Direito Penal, importante compreendermos que o conceito do Direito Penal passa
por sua visualização sob 3 vértices:
a) Formal ou estático: em que Direito Penal é um conjunto de normas que
qualifica comportamentos humanos como sendo infrações penais, que,
dependendo do tipo, podem ser qualificadas como crime ou contravenção.
1
É proibida a reprodução deste material, tendo em vista que a sua elaboração é realizada apenas para fins didáticos!
Toda obra mencionada neste material, incluindo trechos, paráfrase, é feita exclusivamente para fins didáticos e de estudos,
não prejudicando a exploração normal das obras originais. Por isso, indicamos sempre o nome do Autor e o nome da obra,
preservando todos os direitos autorais dos mesmos.
2
SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021.
3
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 65.
5
Ademais, tais normas definem os agentes (quem pratica) e fixa as sanções
(pena ou medida de segurança).
b) Material: Direito Penal se refere a comportamentos altamente
reprováveis pela sociedade que causam (ou podem causar) danos à ordem
social, atingindo bens jurídicos indispensáveis à própria conservação e
progresso da sociedade, conforme dicção de Luís Régis do Prado.
c) Sociológico ou Dinâmico: o Direito Penal é um instrumento de controle
social de comportamentos reprováveis, assegurando a manutenção de uma
ordem e disciplina social mínimas.
Segundo ANDRÉ ESTEFAM4
“o Direito Penal é o ramo do Direito que se encarrega de regular os
fatos humanos mais perturbadores da vida social, definindo-os quanto à sua extensão e
consequências, de modo a assegurar, por meio da aplicação efetiva de suas prescrições, a garantia da
vigência da norma e as expectativas normativas”.
Ademais, ROGÉRIO SANCHES CUNHA5
aduz que “a manutenção da paz social, que propicia a
regular convivência humana em sociedade, demanda a existência de normas destinadas a estabelecer
diretrizes que impõem ou proíbem determinados comportamentos. Quando violadas as regras de
condutas, surge para o Estado o poder (dever) de aplicar sanções, civis e/ou penais”.
No que diz respeito às diferenças destas normas em relação às demais, o autor6
ensina que “o
que diferencia uma norma penal das demais impostas coativamente pelo Estado é a espécie de
consequência jurídica que traz consigo – cominação de penas e medidas de segurança. Em razão disso
deve servir como derradeira trincheira no combate aos comportamentos indesejados, aplicando-se de
forma subsidiária e racional à preservação daqueles bens de maior significação e relevo”.
De tal explicação torna-se possível entender o Princípio da Intervenção Mínima, vetor de
orientação e limitador do exercício do poder incriminador do Estado, segundo o qual um
comportamento humano somente poderá ser legitimamente criminalizado se for estritamente
necessário para a proteção de um certo bem jurídico afeto pela ação humana.
Em suma, o Direito é para a sociedade um arcabouço de regras disciplinadoras para os mais
variados fins, a exemplo do direito civil para os atos e negócios jurídicos patrimoniais entre os
particulares, o administrativo para reger o interesse público (primário e secundário) e a relação do
Estado com a sociedade (particular), e, nessa esteira, o Direito Penal se apresenta para regular
comportamentos sociais relevantes, tipificando penalmente (penas/sanções) as condutas
4
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 66.
5
SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. Página 34.
6
SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. Página 34.
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reprováveis contra bens jurídicos diversos (vida; patrimônio; fé pública), que, se praticadas, serão
submetidas a tratamento jurídico sancionador específico, autônomo e independente: as normas de
Direito Penal.
DIREITO PENAL OBJETIVO E SUBJETIVO
Os penalistas procuram definir o Direito Penal com base em duas vertentes: o Direito Penal
subjetivo e o Direito Penal objetivo.
O Direito Penal subjetivo trata-se do ius puniendi, isto é, do direito de punir do Estado.
Segundo ANDRE ESTEFAM7
, é “o direito que o Estado possui de exigir que as pessoas se abstenham
de praticar uma conduta definida como infração penal (direito de punir em abstrato) e de exigir do
infrator que se submeta às consequências da infração praticada (direito de punir concreto)”.
Já o Direito Penal objetivo, corresponde ao conjunto de normas jurídicas, isto é, dos
princípios e regras que se ocupam da definição das infrações penais, bem como da imposição de
suas consequências, sejam elas penas ou medidas de segurança.
DIREITO PENAL COMUM E ESPECIAL
ANDRÉ ESTEFAM8
ensina que “a denominação direito penal comum e direito penal especial é
utilizada para designar, de um lado, o Direito Penal aplicável pela justiça comum a todas as pessoas,
de modo geral, e, de outro, um setor do Direito Penal que se encontra sob uma jurisdição especial e,
por conseguinte, somente rege a conduta de um grupo determinado de sujeitos”.
Dessa forma, a aplicação do direito penal comum, incumbe à justiça comum. Ela se funda no
Código Penal e nas diversas leis penais especiais, a exemplo da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), do
Código de Trânsito (Lei nº 9.503/97) etc.
Já a aplicação do direito penal especial, incumbe à justiça especializada. No Brasil, ela se
circunscreve ao Direito Penal Militar, segundo o qual cumpre à justiça militar aplicar as normas contidas
no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69).
DIREITO PENAL SUBSTANTIVO E ADJETIVO
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ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 67.
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ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 67.
7
O Direito penal substantivo também é denominado de material. Ele é sinônimo de direito
penal objetivo (conjunto de princípios e regras que se ocupam da definição das infrações penais e da
imposição de suas consequências).
Já o Direito penal adjetivo também denominado de formal, corresponde ao direito processual
penal.
DIREITO PENAL INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL PENAL
A classificação do Direito Penal Internacional e o Direito Internacional Penal leva em conta as
inúmeras normas penais que promanam do direito interno e se irradiam para além das fronteiras
brasileiras; e normas oriundas de fontes externas e se projetam sobre fatos ocorridos no território
brasileiro.
Nesse sentido, ANDRÉ ESTEFAM9
explica: “O direito penal internacional corresponde
justamente ao direito produzido internamente, cuja aplicação se dá sobre fatos ocorridos fora do
Brasil. O Código Penal, no art. 7º, ao tratar da extraterritorialidade, contém uma série de regras que
disciplinam a aplicação da lei penal brasileira a fatos ocorridos no exterior – trata-se do direito penal
internacional, ou seja, aquele do direito interno com incidência externa. O direito internacional penal,
de sua parte, diz respeito às normas externas (tratados e convenções internacionais), que se aplicam
dentro de nosso país – cuida-se do direito externo com incidência interna. Tal ramo do Direito
Internacional, no dizer de Kai Ambos, compreende “o conjunto de todas as normas de direito
internacional que estabelecem consequências jurídico-penais” e consiste numa “combinação de
princípios de direito penal e de direito internacional”. Suas fontes precípuas são as convenções
multilaterais firmadas pelos Estados interessados. Há uma importante parcela do direito internacional
penal fundada em direito consuetudinário e, notadamente, pela jurisprudência de tribunais
internacionais. Seu instrumento jurídico mais importante é o Tratado de Roma, que fundou a Corte ou
Tribunal Penal Internacional (TPI)”.
DIREITO PENAL DO FATO E DIREITO PENAL DO AUTOR
No início do século passado, iniciou-se uma fase denominada de direito penal do autor, em que
o Direito Penal se preocupava com o autor do crime, isto é, com o “delinquente”.
9
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 68.
8
Nesse contexto, segundo ANDRÉ ESTEFAM10
, “uma pessoa deveria ser punida MAIS PELO
QUE É e menos pelo que fez. A pena não era graduada pela culpabilidade, enquanto grau de
reprovabilidade da conduta, mas pela periculosidade do agente. Justificavam-se, neste contexto,
penas de longa duração para fatos de pouca gravidade, caso ficasse demonstrado que o agente fosse
um indivíduo perigoso. Essa fase teve seu apogeu durante a Segunda Grande Guerra e influenciou
grandemente a legislação criminal da Alemanha nesse período. Com o final da Segunda Guerra
Mundial, o modelo filosófico representado por essa concepção caiu em derrocada, retornando a lume
uma diferente visão do direito penal, conhecida como direito penal do fato. Trata-se, sinteticamente,
de punir alguém PELO QUE FEZ, e não pelo que é. A gravidade do fato é que deve mensurar o rigor
da pena”.
Atualmente, a concepção vigorante é a do direito penal do fato, levando em conta,
principalmente, a compatibilidade com o Estado Democrático de Direito, bem como a dignidade da
pessoa humana.
ANDRÉ ESTEFAM11
cita CANOTILHO, o qual pondera que “perante as experiências históricas de
aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios
étnicos), a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou
metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento
do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve o
homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. A compreensão da dignidade
da pessoa humana associada à ideia de homo noumenon justificará a conformação constitucional da
República Portuguesa onde é proibida a pena de morte (artigo 24º) e a prisão perpétua (art. 30º, 1). A
pessoa ao serviço da qual está a República também pode cooperar na República, na medida em que
a pessoa é alguém que pode assumir a condição de cidadão, ou seja, um membro normal e
plenamente cooperante ao longo da sua vida”.
Todavia, vale ressaltar que, a despeito de vigorar a concepção do direito penal do fato, ainda
há influências esparsas de direito penal do autor na legislação brasileira. Podemos citar, por exemplo,
as regras de dosimetria da pena que levam em conta a conduta do agente, seu comportamento social,
a reincidência; a previsão das medidas de segurança, espécies de sanção penal fundadas na
periculosidade, etc.
FUNÇÃO DO DIREITO PENAL
10
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 69.
11
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 69 e 70.
9
No estudo da história recente do Direito Penal, tem-se que o Direito Penal possui finalidade
eminentemente protetiva, pelo qual, a ele cumpre a proteção de bens jurídicos.
Todavia, no decorrer da história do Direito Penal, não se estabelecia o que era bem jurídico e,
sobretudo, quais bens jurídicos poderiam ser protegidos por meio de uma norma penal.
ANDRÉ ESTEFAM12
bem explica sobre o tema: “para Franz von Lizst (início do século XX), a vida
é que produzia os bens jurídicos (honra, liberdade, patrimônio) e o legislador instituía a sua proteção.
Sua concepção foi, contudo, superada, notadamente pela impossibilidade de fazer formulações
genéricas a respeito de quais interesses humanos são suficientemente importantes a ponto de merecer
a proteção penal. Algo que hoje possa ser objeto de consenso, pode não ter sido ontem e deixar
de sê-lo amanhã. Há um século, a castidade era valor fundamental, motivo pelo qual se punia,
legitimamente, o crime de sedução. Por outro lado, nem se cogitava de tutelar bens jurídicos difusos,
como o meio ambiente, ou temas como a clonagem de seres humanos. No âmbito do neokantismo
(Mayer e Honig – primeira metade do século XX), sustentava-se, com razão, que o legislador é quem
criava os bens jurídicos e o fazia ao assinalar-lhes a devida proteção. Sob tal ótica, os bens jurídicos
constituíam-se de interesses humanos referidos culturalmente em função de necessidades individuais.
Quando tais necessidades fossem socialmente dominantes, tornar-se-iam valores culturais e, neste
caso, converter-se-iam em bens jurídicos, desde que se reconhecesse a necessidade de sua existência
e de se lhes conferir adequada proteção jurídica. Nesse período, todavia, os autores não se
preocupavam em delimitar a liberdade de escolha do legislador na produção de normas penais e,
portanto, na seleção dos bens jurídicos a serem protegidos. No âmbito do finalismo (Hans Welzel),
que foi desenvolvido na década de 1930, mas prevaleceu como sistema penal dominante até o final
do século, persistia como tese vencedora a defesa de bens jurídicos, porém se notava com maior
ênfase a preocupação em descrever limites à função seletiva do legislador quanto à escolha dos
bens a tutelar por meio de normas penais. Entendia-se que o bem jurídico correspondia àquele bem
vital para a comunidade ou para o indivíduo que, em razão de sua significação social, tornar-se-ia
merecedor de proteção jurídica. Assis Toledo, partindo da concepção de Welzel, conceitua bens
jurídicos como “valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social,
e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”.
Vale ressaltar que, atualmente, ainda predomina na doutrina a concepção de que o Direito Penal
destina-se à tutela de bens jurídicos.
Bem jurídico
12
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 75 e 76.
10
Inicialmente, vale dizer que não há, na dogmática penal, uma noção precisa de bem jurídico.
Claus ROXIN traz uma das definições mais aceitas, segundo o qual bens jurídicos são “todos os
dados que são pressupostos de um convívio pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na
igualdade”.
Para ANDRÉ ESTEFAM13
, “a missão crucial do jurista do Direito Penal, muito mais do que
simplesmente definir o que é bem jurídico, deve ser encontrar quais são os limites para a sua proteção
por meio das normas penais. Registre-se, por fim, que dentre as diversas noções sobre os limites do
Direito Penal, a que entendemos como a mais aceitável consiste em estabelecer as arestas do direito
de punir do estado com referência a valores constitucionais”.
Günther JAKOBS atribui ao Direito Penal finalidade diversa, segundo o qual, para ele, o Direito
Penal não se trata de proteger bens jurídicos, mas sim garantir a vigência da norma, por meio da
asseguração de expectativas normativas.
ANDRÉ ESTEFAM14
explica que “para Jakobs, cumpre ao Direito Penal, por meio da pena,
contradizer uma contradição, isto é, a pena criminal contém uma mensagem de contradição a um ato
que contradisse uma norma determinante da identidade da sociedade. O Direito Penal, dessa forma,
confirma a identidade da sociedade. O sentido principal da pena é uma autoconfirmação do
ordenamento jurídico; seus sentidos secundários são aqueles ligados à psicologia individual ou social,
inibindo comportamentos criminosos. Quando se aplica uma pena por meio de um procedimento, o
Direito Penal restabelece, no plano comunicativo, a vigência da norma, perturbada pelo cometimento
da infração penal. Jakobs aduz que “[...] a garantia jurídico-penal da norma deve garantir a
segurança de expectativas”. Nesse sentido, “a pena deve reagir mediante um comportamento que
não possa ser interpretado como compatível com um modelo de mundo esboçado pela norma”.
O pensamento desse autor deve ser compreendido com vistas à sua concepção de sociedade e do
papel que as normas exercem em sua configuração”.
O autor15
conclui “em resumo, que, no pensamento de Günther Jakobs, “a finalidade da pena
é a manutenção estabilizada das expectativas sociais dos cidadãos. [...] O direito penal, portanto,
protege a validade das normas e essa validade é o ‘bem jurídico do direito penal’”.
DIREITO PENAL DO CIDADÃO E DIREITO PENAL DO INIMIGO
13
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 77.
14
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 78.
15
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 80.
11
O Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo resulta de uma teoria desenvolvida
por Günther Jakobs.
Segundo ANDRÉ ESTEFAM16
, “ao direito penal do cidadão incumbe garantir a eficácia da
norma. Baseia-se no seguinte raciocínio: o indivíduo que comete o crime desrespeita a norma, a qual,
por meio da pena aplicada, mostra que permanece incólume (garantindo-se, desse modo, que ela
continua valendo apesar da infração cometida). Em seu âmbito de aplicação, operam todos os direitos
e garantias fundamentais. Já o direito penal do inimigo (isto é, de indivíduos que reincidem
constantemente na prática de delitos ou praticam fatos de extrema gravidade, como ações terroristas)
tem como finalidade afastar perigos. Neste, o infrator não é tratado como pessoa, mas como
inimigo a ser eliminado e privado do convívio social. Podem ser citados como exemplos de legislação
típica desse setor do Direito Penal o Patriot Act dos EUA (Lei Patriótica), em que se autorizou, entre
outras disposições, a detenção de pessoas por tempo indeterminado, se suspeitas de envolvimento
em atentados terroristas, e a violação a outros direitos individuais. Também se podem apontar como
medidas jurídicas características do direito penal do inimigo as prisões norte-americanas de
Guantánamo (Cuba) e de Abu Ghraib (Iraque), em que se empregou a detenção por tempo
indeterminado e a tortura como meios legítimos de interrogatório”.
Destaca-se que, o direito penal do inimigo trata-se de um dos assuntos mais debatidos pela
doutrina. A maioria dos doutrinadores que trataram do tema se posicionaram questionando o assunto.
ANDRÉ ESTEFAM17
explica que “Claus Roxin refuta-o veementemente, seja como conceito
meramente descritivo, crítico ou legitimador. Pode-se dizer que o direito penal do inimigo sofre duas
linhas de “ataque”: a) uma delas questiona os seus limites, ou seja, indaga até que ponto pode o Estado
utilizar seu ius puniendi desmedidamente para sancionar graves comportamentos; b) outra busca
fulminar suas bases conceituais, indagando qual o conceito de inimigo e quais os princípios a que se
deve submeter esse “ramo” do Direito Penal”.
16
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 83.
17
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 86.
12
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL
Apesar de o Direito Penal estar ligado à organização do homem em sociedade, não se pode
sustentar a existência de uma ideia de norma penal em complexo normativo em tempos primitivos.
Isso porque, nas épocas remotas da civilização, a noção de castigo não estava associada à noção de
promoção de justiça, mas, ao revés, relacionava-se a vingança ou revide contra o comportamento de
alguém, daí porque se percebe vasta presença de penas desumanas.
ROGERIO SANCHES CUNHA ensina que essa é a fase conhecida por Vingança Penal, que se
divide em: vingança divina, vingança privada e vingança pública.
VINGANÇA PENAL
ROGERIO GRECO18
ensina que a história do Direito Penal “confunde-se com a própria
história da humanidade. Desde que o homem passou a viver em sociedade, sempre esteve presente
a ideia de punição pela prática de atos que atentassem contra algum indivíduo, isoladamente, ou
contra o próprio grupo social. Essa punição não era originária de leis formais, que não existiam naquela
época, mas sim de regras costumeiras, culturais, destinadas à satisfação de um sentimento inato de
justiça e, também, com a finalidade de preservar o próprio corpo social. Obviamente que, no início, as
reações não tinham de ser, obrigatoriamente, proporcionais ao mal praticado pelo agente infrator. Em
muitas situações prevalecia, como se podia esperar, a lei do mais forte. A ideia de retribuição pelo mal
sofrido, ou mesmo de vingança, era muito clara”.
A rigor, os historiadores consideram inúmeras fases da pena: a vingança privada, a vingança
divina, a vingança pública e o período humanitário.
Entretanto, vale ressaltar que referidas fases não se sucedem integralmente, isto é, surgindo uma
fase não significa que a outra desaparece. Assim, haverá a existência concomitante dos princípios
característicos de cada uma, pelo qual, uma fase adentra a outra.
Vingança privada
A vingança privada trouxe a primeira modalidade de pena. A vingança tinha como único
fundamento a retribuição a alguém pelo mal praticado, exercida não somente por aquele que havia
sofrido o dano, mas também por seus parentes ou mesmo pelo grupo social.
18
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 66.
13
ROGERIO GRECO19
explica que “a Bíblia relata a existência das chamadas “cidades refúgio”,
destinadas a impedir que aquele que houvesse praticado um homicídio involuntário, ou seja, um
homicídio de natureza culposa, fosse morto pelo vingador de sangue. Se, no entanto, o homicida
viesse a sair dos limites da cidade refúgio, poderia ser morto pelo mencionado vingador”.
O autor20
acrescenta que “a Lei de Talião pode ser considerada um avanço em virtude do
momento em que foi editada. Isso porque, mesmo que de forma incipiente, já trazia em si uma noção,
ainda que superficial, do conceito de proporcionalidade. O “olho por olho” e o “dente por dente”
traduziam um conceito de Justiça, embora ainda atrelada à vingança privada”.
Vingança divina
A vingança divina trata do direito penal religioso, teocrático e sacerdotal.
ROGERIO GRECO21
cita as lições de Magalhães Noronha: “O princípio que domina a repressão
é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade,
pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido”.
Assim, tinha como finalidade a purificação da alma do criminoso, através do castigo.
ROGERIO GRECO22
explica ainda que “era o direito aplicado pelos sacerdotes, ou seja, aqueles
que, supostamente, tinham um relacionamento direto com um deus e atuavam de acordo com sua
vontade. Incontáveis atrocidades foram praticadas em nome dos deuses, muitas delas com a finalidade
de aplacar-lhes a ira. A criatividade maligna dos homens não tinha limites. As sociedades, nesse
período, eram carregadas de misticismos e crenças sobrenaturais. Eventos da natureza, como chuvas,
trovões, terremotos, vendavais etc., podiam demonstrar a fúria dos deuses para com os homens e, para
tanto, precisava ser aplacada, mediante o sacrifício humano. Alguém era apontado como culpado e,
consequentemente, devia ser entregue aos deuses”.
Vingança pública
19
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 67.
20
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 67 e 68.
21
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 68.
22
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 69.
14
Segundo ROGERIO GRECO23
, “a vingança pública surge, nessa fase da evolução histórica do
Direito Penal, e fundamentada na melhor organização social, como forma de proteção, de segurança
do Estado e do soberano, mediante, ainda, a imposição de penas cruéis, desumanas, com nítida
finalidade intimidatória”.
Vale ressaltar que, nessa fase, ainda há resquícios das fases anteriores. Dessa forma, a vingança
privada continuava a ser aplicada.
ROGERIO GRECO24
aduz que “pelo fato de as mutilações serem praticadas com muita
frequência, enfraquecendo, sobremaneira, o grupo social, surge uma nova forma de resolução dos
conflitos: a compositio. Segundo as lições de Maggiore: “Ao transformar-se o talião em composição,
se realiza o processo subsequente. Assim, o agravo já não se compensa com um sofrimento pessoal,
senão com alguma utilidade material, dada pelo ofensor. O preço do resgate, e já não mais o da
vingança, está representado pela entrega de animais, armas, utensílios ou dinheiro. E a proporção
entre a reparação e o agravo, está contida às vezes na chamada ‘tarifa de composição’, em sua medida
precisa.”.
DIREITO PENAL NA ANTIGUIDADE
Direito Penal na Grécia Antiga
Após o período da vingança penal, surgiu uma terceira época, denominada “histórica”.
Segundo ROGERIO GRECO25
, nessa época “a pena deixou de se assentar sobre fundamento
religioso, passando a ter uma base moral e civil, embora essas fases ainda fossem interligadas, ou
seja, não havia ocorrido uma separação absoluta entre elas. A evolução mais significativa, de acordo
com as lições de Luis Jiménez de Asúa, ocorreu no que diz respeito à responsabilidade: “Que durante
o transcurso de vários séculos passou de sua índole coletiva, do genos, à individual. Certo que,
inclusive nas épocas mais antigas, o direito grego somente castigou o autor, quando se tratava de
delitos comuns. Mas, no tocante às ofensas de caráter religioso e político, existiram durante longos
períodos sanções de caráter coletivo. Os traidores e os tiranos eram mortos e com eles toda sua família.
Glotz assinala episódios históricos de pena de morte coletiva, de privação coletiva de direitos, de
expulsão coletiva da paz, chamada pelos gregos atimia, que acarretava terríveis consequências:
qualquer um podia matar o excluído da comunidade e apoderar-se de seus bens”.
23
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 69.
24
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 70.
25
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 71.
15
Direito Penal romano
O direito penal romano trata-se de um dos marcos mais importantes da história do Direito Penal.
ROGERIO GRECO26
ensina que “Roma foi fundada em 753 a.C. e surgiu de uma pequena
comunidade agrícola existente na península itálica no século VIII, tornando-se um dos maiores impérios
do mundo antigo. Em virtude de uma proposta levada a efeito por um plebeu chamado Gaius
Terentilius, em 462 a.C., que se opunha ao modo pelo qual as leis eram conhecidas e aplicadas,
principalmente pelos patrícios, foi designado um decenvirato (um grupo de dez homens), que teve
por encargo a preparação de um conjunto de leis que, posteriormente, ficou conhecido como Lei
das XII Tábuas, que chegou a seu termo e foi promulgada de 451 a 450 a.C. Foi, originalmente, escrita
em doze tabletes de madeira, que foram afixados no Fórum Romano, permitindo, assim, que todos as
conhecessem e pudessem fazer a sua leitura. Sua temática estava dividida da seguinte forma: Tábuas
I e II: Organização e procedimento judicial; Tábua III – Normas contra os inadimplentes; Tábua IV –
Pátrio poder; Tábua V – Sucessões e tutela; Tábua VI – Propriedade; Tábua VII – Servidões; Tábua VIII –
Dos delitos; Tábua IX – Direito público; Tábua X – Direito sagrado – Tábuas XI e XII – Complementares”.
O autor27
cita Cezar Roberto Bittencourt, o qual informa que “nos primeiros tempos da realeza,
surge a distinção entre os crimes públicos e privados, punidos pelo ius publicum e ius civile,
respectivamente. Crimes públicos eram a traição ou conspiração política contra o Estado
(perduellio) e o assassinato (parricidium), enquanto os demais eram crimes privados – delicta – por
constituírem ofensas ao indivíduo, tais como furto, dano, injúria etc. O julgamento dos crimes
públicos, que era atribuição do Estado, através do magistrado, era realizado por tribunais especiais,
cuja sanção aplicada era a pena de morte. Já o julgamento dos crimes privados era confiado ao
próprio particular ofendido, interferindo o Estado somente para regular seu exercício. Os crimes
privados pertenciam ao Direito privado e não passavam de simples fontes de obrigações. Na época
do império romano surge uma nova modalidade de crime, os crimina extraordinaria, ‘fundados nas
ordenações imperiais, nas decisões do Senado ou na prática da interpretação jurídica, que resulta na
aplicação de uma pena individualizada pelo arbítrio judicial à relevância do caso concreto”.
Direito Penal germânico
26
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 71 e 72.
27
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 72 e 73.
16
No direito germânico primitivo não existia fontes escritas. As normas eram transmitidas por
meio dos costumes.
ROGERIO GRECO28
explica que “os problemas penais eram resolvidos pela vingança ou pela
perda da paz (friedlosigkeit). O agente infrator era colocado fora da proteção jurídica do grupo a que
pertencia, podendo ser perseguido e morto por qualquer pessoa. Por essa razão, segundo Aníbal
Bruno, a friedlosigkeit “se torna uma modalidade de pena de morte, a mais velha e persistente das
formas de reação anticriminal – também a mais absurda, nas condições do Direito Penal moderno”.
O autor29
acrescenta que “o direito aplicado a cada indivíduo variava de acordo com o grupo
a que efetivamente pertencia. Aos poucos, o contato com o mundo romano fez com que esse
direito consuetudinário fosse sendo modificado, uma vez que Roma prezava suas leis escritas. As
ordálias, ou juízos de Deus, foram amplamente utilizadas pelo Direito Penal germânico durante toda a
Idade Média, onde eram consideradas uma espécie de prova judiciária utilizada para a determinação
da culpa ou mesmo da inocência dos acusados. A palavra “ordália” tem o significado de um julgamento
no qual não existe interferência dos homens, pois seu resultado depende exclusivamente de Deus. O
acusado, portanto, deveria provar sua inocência se submetendo a diversas provas, a exemplo de
segurar, durante determinado tempo, uma pedra incandescente ou colocar suas mãos dentro da água
fervente. Se suportasse o sofrimento, significava que era inocente e que Deus o havia absolvido; caso
contrário, estaria comprovada sua culpa. A vingança de sangue (blutrache) era entendida mais como
um dever do que como um direito. Tempos depois, foi superada pela composição, que, no começo,
era tida como voluntária e, posteriormente, passou a ser legal”.
Direito Penal canônico
Sobre o direito penal canônico, ROGERIO GRECO30
cita as lições de Heleno Fragoso, o qual
aduz que “o direito canônico dividia os crimes em delicta eclesiastica (de exclusiva competência dos
tribunais eclesiásticos); delicta mere secularia (julgados pelos tribunais leigos) e delicta mixta, os quais
atentavam ao mesmo tempo contra a ordem divina e a humana e poderiam ser julgados pelo tribunal
que primeiro deles conhecesse. As penas distinguem-se em espirituales (penitências, excomunhão
etc.) e temporales, conforme a natureza do bem que a atingem. As penas eram, em princípio, justa
retribuição (zelo justitiae et bono animo), mas dirigiam-se também ao arrependimento e à emenda do
réu (poenae medicinalis). A influência do direito canônico foi benéfica. Proclamou a igualdade de
28
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 73.
29
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 73 e 74.
30
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 75 e 76.
17
todos os homens, acentuando o aspecto subjetivo do crime, opondo-se, assim, ao sentido puramente
objetivo da ofensa, que prevalecia no direito germânico. Favorecendo o fortalecimento da justiça
pública, opôs-se à vingança privada decisivamente, através do direito de asilo e da trégua de deus
(treuga dei). Por força desta última, da tarde de quarta-feira à manhã de segunda-feira nenhuma reação
privada era admissível, sob pena de excomunhão. Opôs-se também o direito canônico às ordálias e
duelos judiciários e procurou introduzir as penas privativas da liberdade, substituindo as penas
patrimoniais, para possibilitar o arrependimento e a emenda do réu”.
DEMAIS PERÍODOS HISTÓRICOS
Ao longo dos anos as modalidades de penas foram variando. Vejamos a seguir a continuação da
evolução histórica do direito penal.
Monarquias absolutistas
Avançando no tempo, o final da Idade Média e início da Idade Moderna foi marcado, no século
VI, pela dissolução do mundo feudal e nascimento dos Estados Nacionais Absolutistas na Europa.
Anteriormente, o poder era distribuído entre os senhores feudais. Todavia, referido poder
passou a concentrar e intensificar nas mãos do monarca, o qual possuía mandato divino.
JUNQUEIRA e VANZOLINI31
ensinam que “em primeiro lugar, é um direito descontrolado,
inteiramente adjudicado ao soberano, que, para além de poder criar crimes e penas, pode também
preencher a lei com o conteúdo que lhe aprouver. Como ensina Juan Carlos Ferré Olivé, “o jus
puniendi era atribuído ao monarca por mandato divino, o que levava a uma identificação total entre
pecado e delito” (Direito penal brasileiro – parte geral, p. 125). Em segundo lugar, é um direito brutal,
pois seu objetivo era diretamente o terror. Como afirma Foucault em Vigiar e punir, a violência feroz,
intencionalmente cruel, dos suplícios tem justamente a função de deixar clara a força incontrastável do
poder do rei: “O próprio excesso das violências cometidas é uma das peças de sua glória: o fato de
o culpado gemer ou gritar com os golpes não constitui algo de acessório ou vergonhoso, mas é o
próprio cerimonial da justiça que se manifesta em sua força. Por isso sem dúvida é que os suplícios se
prolongam ainda depois da morte: cadáveres queimados, cinzas jogadas ao vento, corpos arrastados
na grade, expostos à beira da estrada. A justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento
possível. O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada
de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune:
31
Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva
Educação. Edição do Kindle. Página 243.
18
não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o
controle. Nos excessos dos suplícios se investe toda a economia do poder” (Vigiar e punir, p. 32).”
Iluminismo e o liberalismo (séc. XVIII)
ROGERIO GRECO32
ensina que “até basicamente o período iluminista, as penas possuíam caráter
aflitivo, ou seja, o corpo do homem pagava pelo mal que ele havia praticado. Os olhos eram
arrancados, os membros mutilados, o corpo esticado até se destroncar, sua vida esvaía-se numa cruz,
enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso. Sobretudo a
partir do final do século XVIII, as penas corporais, aflitivas foram sendo substituídas, aos poucos, pela
pena de privação de liberdade, que, até aquele momento, com raras exceções (a exemplo do que
ocorria com a punição dos monges religiosos em seus monastérios, cuja finalidade era levá-los a refletir
sobre a conduta praticada, ou ainda com as casas de correção, criadas a partir da segunda metade do
século XVI na Inglaterra – houses of correction e bridewells – e na Holanda – rasphuis para os homens
e spinhuis para as mulheres), era tida tão somente como uma medida cautelar, ou seja, sua finalidade
precípua era fazer com que o condenado aguardasse, preso, a aplicação de sua pena corporal”.
É nessa fase (Iluminismo e liberalismo) que vários autores iniciam a doutrina de um denominado
liberalismo penal, que tem por fito a delimitação da dita “liberdade individual” e a busca pelo
controle racional do jus puniend estatal.
Segundo JUNQUEIRA e VANZOLINI33
, “o século XVIII foi palco de profundas transformações
políticas, econômicas e sociais. O aumento da riqueza e dos meios produtivos, o forte crescimento
demográfico, a reconfiguração do modo de produção e das relações de trabalho constituíram
ambiente no qual vicejou o Iluminismo, movimento intelectual de reação ao absolutismo, centrado no
racionalismo, no anticlericalismo e nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, lema da
Revolução Francesa. Chama-se Direito Penal Liberal ou também período humanitário o fruto dessa
profunda transformação impulsionada pelo iluminismo. Sob essa nomenclatura alojam-se variados
autores e correntes de pensamento, unidos no entanto pela centralidade do conceito de liberdade
individual e pela busca de controle racional do jus puniendi estatal. Para maior clareza das
coincidências e especificidades das variadas vertentes do Direito Penal liberal, examinaremos em
separado os seus principais representantes”.
32
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 78.
33
Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva
Educação. Edição do Kindle. Página 243.
19
Densificar o estudo dessa fase implica no estudo de autores tais como Cesare Beccaria (Dos
delitos e das penas), Jeremy Bentham. Da escola alemã, destaca-se Paul Johann Anselm von
Feuerbach e, da italiana, Francesco Carrara.
 Não avançaremos em tais fases por não ser objetivo do curso tal
aprofundamento.
Positivismo (séc. XIX)
Acerca do positivismo enquanto um dos momentos históricos do Direito Penal, a doutrina ensina
que o lugar antes ocupado pela religião passou a ser preenchido pela ciência, a qual sua definição
se prendia ao modelo das ciências matemáticas e naturais, que lidavam com conceitos exatos ou
observáveis pelos sentidos.
É nesse momento que surge, na escola alemã, uma crítica a forma de estudo do Direito Penal,
fazendo surgir duas correntes distinguíveis: a alemã, com o Positivismo Jurídico, para qual o objeto de
estudo do Direito Penal é a própria norma jurídica (Binding, Von Liszt).
E, de outro lado, a escola italiana, cujo centro de estudo era o fenômeno criminal e o criminoso
- dados da realidade/fatos sociais, dando origem a Escola Positiva (Lombroso, Garofalo e Ferri).
ESCOLAS PENAIS
Escola Clássica
A doutrina ensina que, na verdade, não houve uma escola “Clássica”, tendo em vista que referida
denominação lhe foi dada pelos positivistas, com uma conotação pejorativa, no sentido de antiga, ou
seja, de ultrapassada.
ROGERIO GRECO34
ensina que “as ideias postuladas pela Escola Clássica ainda podem ser
consideradas como o fundamento dos modernos sistemas jurídico-penais aplicados em todo o
mundo. Com o surgimento da Escola Clássica, no século XVIII, e principalmente por intermédio da
obra de Beccaria (1764 – dos delitos e das penas) e de Bentham (1789 – Introdução aos princípios da
moral e da legislação), inúmeros princípios começaram a ganhar corpo, a exemplo dos princípios da
necessidade e da suficiência da pena, proporcionalidade, utilidade, prevenção geral e especial, in
dubio pro reo, publicidade dos julgamentos, presunção de inocência, culpabilidade, dentre outros,
34
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 117.
20
sem falar, talvez, na maior conquista da história da humanidade, que é o princípio da dignidade da
pessoa humana, fazendo com que a pena deixasse de ser aflitiva, tendo o corpo do criminoso deixado
de ser objeto da pena, evoluindo para a privação da liberdade”.
Ademais, em resumo, a Escola Clássica era fundamentada nos seguintes postulados:
• Livre-arbítrio;
• Dissuasão;
• Prevenção; e
• Retribuição.
ROGERIO GRECO35
explica que “por livre-arbítrio entendia-se a capacidade que tinha o agente
de decidir entre a prática de um comportamento lícito ou ilícito. Na precisa lição de Pablos de Molina,
a determinação sempre justa da lei, igual para todos e acertada, é infringida pelo delinquente em uma
decisão livre e soberana. Falta na Escola Clássica uma preocupação inequivocamente etiológica
(preocupação em indagar as “causas” do comportamento criminoso), já que sua premissa iusnaturalista
a conduz a atribuir a origem do ato delitivo a uma decisão “livre” do seu autor, incompatível com a
existência de outros fatores ou causas que pudessem influir no seu comportamento”.
Ademais, a pena deveria ser utilizada como fator de dissuasão na escolha de cometer ou não um
delito. Assim, na comparação entre o mal da pena e o benefício a ser alcançado pela prática da infração
penal, aquele teria de ser um fator desestimulante ao agente.
No que se refere à função preventiva da pena, tanto geral quanto especial, ROGERIO GRECO36
cita Beccaria, o qual já dizia que “o fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos
danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo”.
Por fim, o autor37
cita Carrara, o qual “depois de afirmar, no § 604 do programa do curso de
direito criminal, que existe uma lei eterna, absoluta, constituída pelo complexo dos preceitos diretivos
da conduta externa do homem, revelada por Deus à humanidade, por meio da simples razão, sob o
enfoque ético-jurídico, deixando transparecer seu caráter retributivo, nos §§ 622 e 623 da obra citada,
diz que a pena: “Que em nada remedeia o mal material do delito, é terapêutica eficacíssima e única
para o mal de ordem moral. Sem ela, os cidadãos que pela repetição das malfeitorias sentiriam cada
dia mais esvair-se a própria segurança, seriam constrangidos ou a entregar-se às violentas reações
privadas, perpetuando a desordem e substituindo o governo da força ao da razão, ou a abandonar
uma sociedade incapaz de protegê-los. Dessa maneira: o fim último da pena é o bem social,
35
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 118 e 119.
36
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 119.
37
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 119 e 120.
21
representado pela ordem que se diligencia graças à tutela da lei jurídica; e o efeito do fato penal se
conjuga à causa que o legitima”.
Escola Positiva
Cesare Lombroso foi o introdutor do positivismo, método científico utilizado nas ciências
naturais, a exemplo da Física, da Botânica, da Medicina ou da Biologia.
ROGERIO GRECO38
explica que “para Lombroso, a observação e a medição deviam constituir as
estratégias habituais do conhecimento criminológico, além da racionalidade e da especulação do
mundo jurídico. Suas ideias deram origem à Escola Biológica da Criminologia, que também ficou
conhecida como Escola Italiana”.
Lombroso defendia que o criminoso nato tinha um regresso atávico. Segundo ele, muitas das
características do criminoso também eram próprias das formas primitivas dos seres humanos.
ROGERIO GRECO39
cita as lições de GAROFALO, o qual aduz que “a ideia do atavismo foi
sustentada por Lombroso, em vista da semelhança entre os caracteres físicos e morais do
delinquente e do selvagem, considerado como representante do homem primitivo; o confronto entre
alguns caracteres de crânios pré-históricos e de crânios de delinquentes e ainda o estudo psicológico
das crianças, que representam estágios atrasados da evolução humana e nas quais se encontram
muitos fatos comuns aos selvagens e aos criminosos, reforçam a opinião do grande escritor. A verdade
destas aproximações é indiscutível, independentemente da hipótese de que as produz uma regressão
atávica”.
Por fim, vale mencionar as lições de Heleno Fragoso, citadas por ROGERIO GRECO40
, o qual
conclui que os princípios básicos da Escola Positiva são os seguintes: “(a) o crime é fenômeno natural
e social, estando sujeito às influências do meio e aos múltiplos fatores que atuam sobre o
comportamento. Exige, portanto, o método experimental ou o método positivo para explicação de
suas causas; (b) a responsabilidade penal é responsabilidade social (resultado do simples fato de viver
o homem em sociedade), tendo por base a periculosidade do agente; (c) a pena é exclusivamente
medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou à sua neutralização, nos casos
irrecuperáveis; (d) o criminoso é sempre psicologicamente um anormal, de forma temporária ou
permanente, apresentando também muitas vezes defeitos físicos; e (e) os criminosos podem ser
classificados em tipos (ocasionais, habituais, natos, passionais e enfermos da mente).”.
38
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 122.
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GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 124.
40
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 125.
22
Outras Escolas
Ao longo dos anos outras escolas penais foram surgindo. Dentre elas podemos mencionar:
• Terceira Escola: A terceira escola também foi denominada de Positivismo Crítico. Ela
tinha como finalidade conciliar as posições das Escolas Clássica e Positiva. Seus
principais defensores foram: Alimena, Carnevale e Impalomeni.
• Escola Moderna Alemã: A escola moderna alemã trata-se de uma escola reconhecida na
Alemanha. Ela também foi denominada de Escola Moderna ou de Positivismo Crítico,
Escola de Política Criminal e, ainda, Escola Sociológica. Tinha como precursor o
austríaco Franz Ritter von Liszt. Vale ressaltar que é de Franz von Liszt a famosa frase que
diz: “O Código Penal é a Carta Magna do delinquente e o Direito Penal é a barreira
intransponível da Política Criminal”.
• Escola Técnico-Jurídica: A escola técnico-jurídica teve como um de seus precursores o
alemão Karl Binding, bem como, na Itália, o jurista Arturo Rocco. Segundo ROGERIO
GRECO41
, “outro representante da Escola Técnico-Jurídica foi Vincenzo Manzini, autor dos
tratados de Direito Penal e de Direito Processual Penal. Na verdade, mais do que uma
escola, o tecnicismo jurídico é uma orientação, uma metodologia de estudo, levando-se
a efeito o estudo sistemático do Direito Penal”.
• Escola Correcionalista: ROGERIO GRECO42
explica que “de inspiração clássica, a Escola
Correcionalista surgiu em 1839, tendo o professor de Heidelberg, Carlos Davi Augusto
Roeder, como seu precursor, que concebia o Direito, segundo Noronha, como o
“conjunto de condições dependentes da vontade livre, para cumprimento do destino do
homem”. Roeder defendia que a pena não podia ter um tempo determinado, já que servia
para corrigir aquele que praticou a infração penal, e devia durar o tempo que fosse
necessário para isso. Cessada a necessidade, consequentemente, deveria cessar também
o cumprimento da pena. Essa corrente não teve grandes acolhidas em seu país de origem,
a Alemanha, sendo, no entanto, mais bem difundida e aperfeiçoada na Espanha,
principalmente por intermédio de Pedro García Dorado Monteiro e Concepción Arenal”.
• Escola da Nova Defesa Social: A escola da nova defesa social surgiu ao final da Segunda
Guerra Mundial, em 1945, após a constatação das atrocidades cometidas pelos nazistas.
41
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 128.
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GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 128 e 129.
23
Surgiu, assim, com uma forte reação humanista e humanitária. Teve como mentor o
jurista italiano Filippo Gramatica.
24
3. FONTES DO DIREITO PENAL
Como nos demais ramos do Direito, de plano, a fonte se subdivide em formal e material.
FONTE MATERIAL
A FONTE MATERIAL também é denominada de fontes substanciais ou de produção. Por fonte
material entende-se o órgão estatal responsável pela produção da norma penal, que, no Brasil, nos
termos do artigo 22, I, da CF/88, tem-se a União como sendo a fonte material do Direito Penal.
CF/88. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil,
comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,
espacial e do trabalho;
O parágrafo único, do mesmo dispositivo constitucional, prevê uma exceção:
CF/88. Art. 22. (...) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os
Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas
neste artigo.
Significa dizer que, em tese, é possível que a União autorize os Estados a normatizar questões
(funcionar como fonte do direito penal) em questões específicas, desde que autorizados por lei
complementar.
Há limites para essa delegação de competência penal? Doutrinariamente, fala-se que tal
delegação de competência deve-se restringir a temas de interesse local/regional dos Estados, não
podendo tratar de temas fundamentais ou principiológicos do Direito Penal (legalidade; presunção de
inocência e etc).
FONTE FORMAL
A FONTE FORMAL, também denominada de conhecimento ou de cognição, por sua vez,
relaciona-se a instrumentalização da norma penal. Segundo a doutrina clássica ela subdivide-se em
imediata e mediata.
Fonte formal imediata
25
A LEI é a única fonte formal imediata do Direito Penal. Isso porque, não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, nos termos do artigo 5º, XXXIX, da CF/88
e do artigo 1º do CP.
CF/88. Art. 5º. (...) XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal;
CP. Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem
prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Nesse sentido, ROGERIO GRECO43
anota que “para saber se determinada conduta praticada por
alguém é proibida pelo Direito Penal, devemos recorrer exclusivamente à lei, pois somente a ela cabe
a tarefa, em obediência ao princípio da legalidade, de proibir comportamentos sob a ameaça de
pena”.
Fonte formal mediata
A fonte formal mediata do Direito Penal abrange os costumes e os princípios gerais de
Direito.
ANDRÉ ESTEFAM44
ensina que “tais fontes formais sofrem importante limitação como
decorrência do princípio da legalidade (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º). Não se admite que de seu
emprego resulte o surgimento de crimes não previstos em lei ou, ainda, a agravação da punibilidade
de delitos já existentes. Os princípios gerais do direito e os costumes, portanto, somente incidem na
seara da licitude penal, ampliando-a. Os trotes acadêmicos, por exemplo, traduzem uma prática
reconhecida e costumeira, de modo que possíveis infrações, como injúria (ex.: referir-se ao calouro
como “bicho”) ou constrangimento ilegal (ex.: obrigar o novato a repetir cânticos satíricos contra a sua
vontade), são consideradas permitidas à luz do art. 23, III, do CP (exercício regular de um direito). Os
costumes, além disso, representam importante recurso interpretativo, sobretudo no tocante aos
elementos normativos presentes em alguns tipos penais (p. ex., a expressão “ato obsceno” no art. 233
do CP (...)”.
Vale ressaltar que os costumes são classificados pela doutrina como:
• Costumes contra legem: contrários à lei;
• Costumes praeter legem: além da lei; e
43
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 138.
44
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 116 e 117.
26
• Costumes secundum legem: absorvidos pela própria lei.
Ademais, ROGÉRIO GRECO45
anota que “discute-se, comumente, se os costumes têm o poder
de revogar as leis, ou, melhor dizendo, se a prática reiterada de determinadas condutas teria o condão
de afastar a aplicação da lei penal. O jogo do bicho é o exemplo clássico daqueles que defendem a
tese dessa possibilidade. Não obstante algumas posições contrárias, o pensamento que prevalece,
tanto na doutrina quanto em nossos tribunais, é no sentido da impossibilidade de se atribuir essa força
aos costumes”.
Assim, os costumes não revogam lei penal. Nesse sentido, vejamos o que dispõe a LINDB
(Decreto-Lei nº 4.657/42):
LINDB. Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até
que outra a modifique ou revogue.§ 1º A lei posterior revoga a anterior
quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
Nesse sentido são as lições de Bobbio, citadas por ROGÉRIO GRECO46
quando aduz que “nos
ordenamentos em que o costume é inferior à lei, não vale o costume ab-rogativo; a lei não pode ser
revogada por um costume contrário”.
Portanto, não se pode falar em revogação de leis pelos costumes, mas tão somente por outra lei
de mesma ou superior hierarquia.
Segundo ROGÉRIO GRECO47
“embora não possam revogar a lei penal, os costumes fazem com
que os elaboradores da lei repensem a necessidade ou não da permanência, em nosso ordenamento
jurídico, de determinado tipo penal incriminador. Da mesma forma que os costumes, o desuso de certa
lei penal não traz a ideia de sua revogação, podendo ser ela aplicada a qualquer momento”.
No que se refere aos princípios gerais do Direito, tratam-se de normas fundamentais do
sistema. De acordo com as lições de Frederico Marques, citadas por ROGÉRIO GRECO48
, “no campo
da licitude do ato, há casos onde só os princípios do direito justificam, de maneira satisfatória e cabal,
a inaplicabilidade das sanções punitivas. É o que sucede nas hipóteses onde a conduta de determinada
pessoa, embora perfeitamente enquadrada nas definições legais da lei penal, não pode, ante a
consciência ética e nas regras do bem comum, ser passível de punição”.
45
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 139 e 140.
46
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 140.
47
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 140.
48
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 140.
27
ANALOGIA EM DIREITO PENAL
A analogia trata-se de um método de integração do ordenamento jurídico, sendo um
mecanismo utilizado para suprir lacunas.
Segundo ANDRÉ ESTEFAM49
, “consiste em “aplicar, a um caso não contemplado de modo direto
ou específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante
ao caso não contemplado”. Para utilizá-la, portanto, é preciso que se verifiquem dois pressupostos: 1º)
existência de uma lacuna na lei; 2º) encontro no ordenamento jurídico de uma solução legal
semelhante, vale dizer, uma regra jurídica que tenha sido estipulada para regular caso análogo. Funda-
se a analogia no princípio ubi eadem legis ratio, ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão legal,
aplica-se o mesmo dispositivo)”.
Entretanto, no Direito Penal, somente se admite a analogia in bonam partem, isto é, aquela
utilizada em benefício do sujeito ativo da infração penal.
ANDRÉ ESTEFAM50
exemplifica da seguinte forma: “o art. 22 do CP contém duas causas legais
de inexigibilidade de conduta diversa (a coação moral irresistível e a obediência hierárquica). A
presença destas excludentes importa na absolvição do agente, o qual será declarado pelo juiz “isento
de pena”. Em que pese existirem somente duas situações contempladas na Lei Penal, admite-se que o
réu seja absolvido sempre que o juiz considerar que não se podia exigir dele outra conduta (isto é, na
situação concreta ele não tinha condições de se comportar de outro modo), ainda quando o caso não
seja de coação moral irresistível ou de obediência hierárquica. Fala-se em causa “supralegal” (ou seja,
não prevista em lei) de inexigibilidade de conduta diversa. A ampliação da norma permissiva contida
no art. 22 do CP baseia-se na analogia in bonam partem”.
Todavia, é proibido a analogia in malam partem, ou seja, aquela em prejuízo do sujeito ativo
da infração penal, pois importa na criação de delitos não previstos em lei ou no agravamento da
punição de fatos já disciplinados legalmente, atentando, portanto, contra o princípio da legalidade.
ANDRÉ ESTEFAM51
exemplifica da seguinte forma: “o art. 63 do CP define como reincidente
aquele que comete crime depois de ter sido condenado com trânsito em julgado por outro crime, no
Brasil ou no estrangeiro. O art. 7º da Lei das Contravenções Penais, por sua vez, estipula ser reincidente
o agente que pratica uma contravenção penal depois de ter sido condenado definitivamente por outro
crime, no Brasil ou no estrangeiro, ou por outra contravenção penal no Brasil. Na combinação dos
49
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 117.
50
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 117 e 118.
51
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 118.
28
dispositivos nota-se uma lacuna: não é reincidente o autor de um crime praticado após ter sido ele
irremediavelmente condenado por uma contravenção penal. Em suma, se o agente for condenado de
modo definitivo por uma contravenção penal e, após, cometer outra contravenção, será reincidente,
mas, se praticar um crime, será primário! Tal omissão do legislador gera uma situação injusta, que não
pode ser corrigida pelo emprego da analogia, causando reincidência em ambas as situações, sob pena
de agravar a punição de um fato sem expressa previsão legal”.
Ademais, vale ressaltar que há duas espécies de analogia:
• Analogia legis: aquela que se dá com a aplicação de uma norma existente a um caso
semelhante.
• Analogia juris: aquela em que se dá quando não existir nenhum dispositivo aplicável à
espécie, nem sequer de modo indireto. Assim, haverá um instituto inteiramente novo, isto
é, sem similar conhecido. Desse modo, recorre-se a um complexo de princípios jurídicos,
ao sistema inteiro.
29
4. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PENAL
É sabido que as revoluções liberais – notadamente a francesa e a americana – promovem
verdadeiro rompimento com o Absolutismo enquanto forma de Estado predominante nos países da
Europa, que, por sua vez, tinha como principal característica o exercício do poder pelo Soberano de
modo ilimitado, com legitimação “divina” (atestado pelos representantes de Deus na Terra: a Igreja).
Dentre os atributos de tal ilimitado poder estava o de regular a ordem social, e, portanto, o
exercício da atribuição sancionatória aquelas pessoas que infringiam as regras ditadas universal e
exclusivamente pelo detentor do poder: o Rei.
Tal como visto acima, a Idade Média vivenciou a fase Penal da Vingança com “um direito
descontrolado, inteiramente adjudicado ao soberano, que, para além de poder criar crimes e penas,
pode também preencher a lei com o conteúdo que lhe aprouver”.
Ele cria a regra tipificadora do comportamento reprovável, ao mesmo tempo em que sanciona,
e, também, executa as penas – de preferência, em praça pública, para gerar o efeito de docilização e
adequação comportamental nos demais membros da sociedade.
Não há limite ao poder punitivo do Estado-soberano.
A noção de Estado Democrático de Direito busca nesse recorte histórico a sua primordial
característica, segundo a qual a figura do soberano é substituída por um Texto Normativo: a
Constituição.
Conforme JUNQUEIRA e VANZOLINI52
, “a Constituição Federal é o documento que traça e fixa a
forma do Estado brasileiro. Essa forma é, em linhas gerais, a de um “Estado Social e Democrático de
Direito”. A partir dessa forma é que todo o restante do ordenamento se conforma, inclusive e
principalmente o ordenamento jurídico penal”.
Daí porque, devido ao nível de sensibilidade e importância dos bens jurídicos tutelados pelo
Direito Penal, tem-se na Constituição alguns Princípios e Garantias individuais que reverberam na
aplicação do Direito Penal, notadamente porque sua aplicação também serve de fermenta de controle
social.
JUNQUEIRA e VANZOLINI53
, anotam que “o Direito Penal só pode ser tido como eficiente à
medida que suas normas são respeitadas e seu objetivo é alcançado, ou ao menos maximizado.
Possível concluir que não é eficiente um Direito Penal que descumpre ou minimiza princípios
constitucionais penais como a legalidade ou a culpabilidade, tampouco o que incrementa violência na
sociedade, ou é inadequado para a prometida tutela subsidiária de bens jurídicos. Na verdade, é
52
Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva
Educação. Edição do Kindle. Página 37.
53
Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva
Educação. Edição do Kindle. Página 38.
30
justamente pelo fato de que o Direito Penal é uma estratégia de controle, e, portanto, de
segurança, intrinsecamente violenta, que os limites e contornos claros traçados pelos princípios
são tão necessários. Tais princípios, por sua vez, ainda que não expressos no texto da carta
magna, são uma decorrência direta do molde constitucional sobre o qual se apoiam, vale dizer, do
molde de um Estado Social e Democrático de Direito”.
Qual a diferença de princípio e regra?
Em sentido amplo, os princípios – sejam eles penais ou não, podem
ser tanto expressos ou positivados na lei, ou, ainda, implícitos, quando
advém daqueles que estão consignados no ordenamento e,
consequentemente, surgem a partir de aplicação da hermenêutica jurídica.
Cite-se como exemplo de princípio expresso aquele previsto no artigo 5º,
XLVI, da CF/88, denominado de “individualização da pena”, do qual deriva
outro: o princípio da proporcionalidade. Este, por sua vez, carrega a ideia de
que a fixação da pena deve buscar um necessário equilíbrio entre o grau de
reprovabilidade da infração e a severidade da pena. De outro lado, as regras
compõem comandos normativos específicos, que, no Direito Penal,
caracterizam-se por trazerem, a rigor, pressupostos objetivos atinentes a
comportamentos reprováveis (“matar alguém”), consignando a sanção penal
respectiva para a hipótese de tipificação da conduta segundo os específicos
termos da norma penal. Para RONALD DWORKIN54
, “as regras são aplicáveis
à maneira do tudo-ou-nada, (...) os princípios possuem uma dimensão que as
regras não têm – a dimensão do peso ou da importância, pois quando os
princípios se entrecruzam [...], aquele que vai resolver o conflito tem levar em
conta a força relativa de cada um”.
PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO A BENS JURÍDICOS
Em razão de sua importância histórica e social, alguns direitos e garantias individuais
consubstanciam-se em bens jurídicos, porquanto tutelados pela lei ou até mesmo pela própria
Constituição.
54
SANCHES CUNHA, Rogério apud RONALD DWORKIN in Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador,
2021. Página 78.
31
Igualmente, para o Direito Penal, a partir de um termômetro de importância social e política,
alguns desses bens jurídicos (sentido lato) acabam por sendo abrangidos pela tutela penal – liberdade,
patrimônio e etc.
Segundo JUNQUEIRA e VANZOLINI55
, “a noção de bem jurídico passou a exercer então duas
importantes funções: inicialmente uma função intrínseca (interna ao sistema), fornecendo um critério
para a organização e interpretação dos tipos presentes no ordenamento. No nosso Código Penal os
tipos são agrupados segundo o bem jurídico, por exemplo (“vida”, “patrimônio”, “dignidade sexual”
etc.). Mas, posteriormente, passou a exercer uma função extrínseca (externa ao sistema) e consiste
em fornecer critérios que possam definir o conteúdo das condutas passíveis de repressão penal, ou
seja, quais comportamentos da vida merecem ser criminalizados. É nesse segundo sentido que atua o
princípio da exclusiva proteção a bens jurídicos”.
Ademais, ANDRÉ ESTEFAM56
ensina que o princípio da exclusiva proteção a bens jurídicos
deriva “do princípio da dignidade da pessoa humana e do fato de o Brasil ser um Estado Democrático
de Direito (isto é, todos se submetem ao império da lei, que deve possuir conteúdo e adequação
social). Dele decorre que o direito penal não pode tutelar valores meramente morais, religiosos,
ideológicos ou éticos, mas somente atos atentatórios a bens jurídicos fundamentais e reconhecidos
na Constituição Federal”.
PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
De origem francesa (1.789), o princípio da intervenção mínima fundou-se na Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, e pode ser definido na ideia de que o Direito Penal
terá aplicação legítima somente quando for indispensável à proteção de um bem jurídico
relevante.
Conforme ensinam JUNQUEIRA e VANZOLINI57
, “em uma expressão mais moderna, o referido
princípio significa que o Direito Penal, pela violência que lhe é imanente, deve ser reservado como
última medida de controle social. Dito de outra forma, o Direito Penal deve ser o último recurso ao
qual o Estado recorre para proteger determinados bens jurídicos e somente quando outras formas de
controle não forem suficientes para alcançar tal resultado. Nas palavras de Bitencourt, “a criminalização
de uma conduta só é legitima se constituir meio necessário para a proteção de ataques contra bens
jurídicos importantes”.
55
OCTAVIANO, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; FIGUEIREDO, Maria Patrícia Vanzolini. Manual de Direito Penal. Saraiva
Educação. Edição do Kindle. Página 41.
56
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 236.
57
Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva
Educação. Edição do Kindle. Páginas 45 e 46.
32
ROGERIO SANCHES CUNHA58
ensina que “o Direito Penal só deve ser aplicado quando
estritamente necessário, de modo que a sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais
esferas de controle (caráter subsidiário), observando somente os casos de relevante lesão ou perigo
de lesão ao bem juridicamente tutelado (caráter fragmentário)”.
O Direito Penal, regido pelo princípio da intervenção mínima, deve
ocupar-se da proteção dos bens jurídicos mais valorosos e
necessários à vida em sociedade, intervindo somente quando os demais
ramos do direito não forem capazes de fazê-lo. RHC 190.315, Rel. Ministro
EDSON FACHIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe
22/02/2021.
Por tais razões diz-se que, enquanto ramo do Direito, a vertente penal será utilizada, portanto,
como última ratio, em evidente caráter subsidiário (após o Civil; Administrativo; o Tributário e etc).
A subsidiariedade está para o aspecto qualitativo (aplicação excepcional, após ineficácia de
outros meios) do controle social, enquanto a fragmentariedade se aloca no aspecto quantitativo
(apenas uma parcela dos fatos ilícitos: os mais relevantes).
Nesse sentido, a partir do desdobramento da fragmentariedade tem-se o surgimento do
princípio da insignificância.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (OU BAGATELA PRÓPRIA)
A doutrina tradicional sempre entendeu a tipicidade como sendo a SUBSUNÇÃO DO FATO À
NORMA, sendo o “fato” a conduta do agente que se enquadra à norma abstrata. Essa teoria é
denominada de “tipicidade formal”.
Contudo, atualmente, ROGÉRIO SANCHES ensina existir uma tendência em conceituar a
tipicidade penal a partir do que se denomina de “tipicidade conglobante”, que deve ser
compreendida a partir de dois aspectos:
1º) Se a conduta representa relevante lesão ou perigo de lesão ao bem
jurídico tutelado (tipicidade material);
2º) Se a conduta é determinada ou fomentada pela lei (antinormatividade).
58
SANCHES CUNHA, Rogério apud RONALD DWORKIN in Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador,
2021. Página 80.
33
Significa dizer que não basta apenas a existência de previsão normativa abstrata amoldando
perfeitamente a conduta humana em exame ao tipo penal. Deve se aferir se houve relevante violação
ao bem jurídico.
É aqui que surge a aplicação do princípio da insignificância, atuando a partir de um
entendimento trazido pela teoria da tipicidade conglobante, mais especificamente no elemento
material.
Para SANCHES59
, “o legislador, ao tratar da incriminação de determinados fatos, ainda que
norteado por preceitos que limitam a atuação do Direito Penal, não pode prever todas as situações em
que a ofensa ao bem jurídico tutelado dispensa a aplicação de reprimenda em razão de sua
insignificância. Assim, sob o aspecto hermenêutico, o princípio da insignificância pode ser entendido
como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. Sendo formalmente típica a
conduta e relevante a lesão, aplica-se a norma penal, ao passo que, havendo somente a subsunção
legal, desacompanhada da tipicidade material, deve ela ser afastada, pois que estará o fato atingido
pela tipicidade”.
CARLOS VICO MANÃS60
, eminente desembargador do TJSP, ensina que “o princípio da
insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a
dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato
à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua
efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da
fragmentariedade do direito penal. Para ele, tal princípio funda-se "na concepção material do tipo
penal, por intermédio do -qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica
do pensamento sistemático, a proposição político criminal da necessidade de descriminalização de
condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens
jurídicos tutelados pelo Direito Penal”.
ANDRÉ ESTEFAM61
ensina ainda que “o princípio da insignificância ou da bagatela foi
desenvolvido por Claus Roxin. Para o autor, a finalidade do Direito Penal consiste na proteção
subsidiária de bens jurídicos. Logo, comportamentos que produzam lesões insignificantes aos objetos
jurídicos tutelados pela norma penal devem ser considerados penalmente irrelevantes. A aplicação do
princípio produz fatos materialmente atípicos. Na atualidade, a aceitação deste princípio é
praticamente unânime. A divergência consiste, no mais das vezes, em se definir, no caso concreto, se
a lesão ao bem jurídico foi diminuta (e, portanto, penalmente relevante) ou insignificante (logo,
atípica)”.
59
SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. Página 83.
60
CARLOS VICO MANÃS. O Princípios a insignificância como excludente da tipicidade do Direito Penal, 1ª ed., São
Paulo: Saraiva. Páginas 56 e 81.
61
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 231.
34
Posicionamento da Jurisprudência Superior
A aplicação do princípio da insignificância não é irrestrita, ou seja, o “valor” econômico do
bem, de per si, não é suficiente para atrair o princípio da bagatela.
Por tal razão, os Tribunais Superiores têm fixado requisitos para legitimar a utilização do
referido princípio, que, para o Supremo Tribunal Federal (STF) são:
a) Mínima ofensividade da conduta do agente;
b) Ausência de periculosidade social da ação;
c) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
d) Inexpressividade da lesão jurídica causada.
Por outro lado, há na doutrina quem critique tal enquadramento para aplicação do princípio.
Segundo PAULO QUEIROZ, “se mínima a ofensa, então a ação não é socialmente perigosa; se a ofensa
é mínima e ação não perigosa, em consequência, mínima ou nenhuma é a reprovação, e, pois,
inexpressiva a lesão jurídica. Enfim, os supostos requisitos apenas repetem a mesma ideia por meio de
palavras diferentes, argumentando em círculo”.
Verifica-se que não é possível fixar uma premissa absoluta para aplicação do princípio da
bagatela, sendo possível encontrar diversos julgados ora aplicando ora afastando tendo como
parâmetros as circunstâncias do caso concreto. Abaixo elenca-se alguns julgados importantes para a
compreensão do princípio.
 Crimes Ambientais
Apesar da natureza difusa do bem jurídico tutelado pela lei (meio ambiente), tanto STJ quanto
o STF já ADMITIRAM a aplicação do princípio da insignificância a imputações de crimes ambientais
em circunstâncias bastante específicas:
(...) Paciente que sequer estava praticando a pesca e não trazia
consigo nenhum peixe ou crustáceo de qualquer espécie, quanto
mais aquelas que se encontravam protegidas pelo período de defeso. III –
“Hipótese excepcional a revelar a ausência do requisito da justa causa para a
abertura da ação penal, especialmente pela mínima ofensividade da conduta
do agente, pelo reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e pela
inexpressividade da lesão jurídica provocada” (Inq 3.788/DF, Rel. Min.
35
Cármen Lúcia). Precedente. IV – Agravo regimental a que se nega
provimento. (HC 181235 AgR; STF. Órgão julgador: Segunda Turma;
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Julgamento: 29/05/2020;
Publicação: 26/06/2020)
HC 143208 / SC. HABEAS CORPUS. AÇAO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART.
34 DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE.
CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL.
ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA . APLICAÇÃO.
TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA. (...) Hipótese em que, com os
acusados do crime de pesca em local interditado pelo órgão competente,
não foi apreendido qualquer espécie de pescado, não havendo notícia
de dano provocado ao meio-ambiente, mostrando-se desproporcional a
imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão
produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.
3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e subjetiva,
ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da
conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida
no bem jurídico tutelado pelo Estado .
4. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, trancar
a Ação Penal n. 2009.72.00.002143-8, movida em desfavor dos pacientes
perante a Vara Federal Ambiental de Florianópolis/SC. (STJ/HC 143208 / SC
- Data do Julgamento - 25/05/2010)
Ao revés, há diversos julgados no STJ AFASTANDO a aplicação da insignificância,
notadamente quando o elemento da tipicidade material estiver bastante destacado no caso
concreto:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PESCA EM
ÉPOCA E COM PETRECHOS PROIBIDOS. APREENSÃO DE 12
CAMARÕES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO
DESPROVIDO. 1. Não é insignificante a conduta de pescar em época
proibida, e com petrechos proibidos para pesca (tarrafa, além de varas
de pescar), ainda que pequena a quantidade de peixes apreendidos."
(REsp 1.685.927/RJ, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/9/2017, DJe 27/10/2017). 2.
Agravo regimental desprovido.
36
 Improbidade Administrativa
Tema controverso na doutrina, que, especialmente após o pacote anticrime e a alteração da Lei
de Improbidade (passou a admitir acordo de NÃO persecução cível), ganhou força a corrente que
defende a POSSIBILIDADE de aplicação do princípio da insignificância aos crimes com conteúdo
de improbidade administrativa.
A corrente que sustenta a impossibilidade funda-se na ideia de que o bem jurídico tutelado é
indisponível e não comporta mitigações. Daí porque, inclusive, o STJ, na seara penal, editou a Súmula
nº 599:
Súmula nº 599 do STJ: O princípio da insignificância é INAPLICÁVEL aos
crimes contra a administração pública.
Nesse sentido, foi emblemático o voto do Ministro Herman Benjamin no REsp 892.818/RS,
julgado em 11/11/2008:
“Como o seu próprio nomen iuris indica, a Lei 8.429/92 tem na
moralidade administrativa o bem jurídico protegido por excelência,
valor abstrato e intangível, nem sempre reduzido ou reduzível à moeda
corrente. A conduta ímproba não é apenas aquela que causa dano financeiro
ao Erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria
ao art. 10, emparedados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9 e
11. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, não há como
aplicar a lei com calculadora na mão, tudo expressando, ou querendo
expressar, na forma de reais e centavos.” REsp 892.818/RS, julgado em
11/11/2008.
Lado outro, os defensores da aplicação do princípio da insignificância, defendem que podem
incidir a depender do caso concreto ou sobre qualquer bem jurídico – análise casuística, portanto.
Há precedentes no STJ admitindo a aplicação, a exemplo do REsp 1.536.895/RJ (2015),
envolvendo a contribuição do Município do Rio de Janeiro para construção de uma pequena igreja
dedicada à devoção de São Jorge, na periferia da Cidade do Rio de Janeiro, no valor de R$
150.000,00), e, ainda, o AgRg no REsp 968447/PR (2015), caso que envolvia a conduta de Prefeito que
“deixou de fornecer certidão e outros documentos requeridos por cidadão”.
37
Destaca-se caso recentemente julgado pelo STJ, afastando a aplicação da insignificância, numa
situação em que o prefeito que utilizou do cargo público para impulsar a campanha de reeleição. O
STJ considerou ato ímprobo de elevada gravidade, sendo inviável a aplicação do referido princípio.
“(...) não há absolutamente nada de insignificante na conduta não
republicana consistente em utilizar recursos públicos para fins de
projeção pessoal, de sorte que a proteção do bem jurídico violado justifica a
incidência das regras da Lei n. 8.429/92 – ver AgInt no REsp 1774729/MG,
Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10/12/2019.
 Porte/posse de arma de fogo e munição
O STJ possui julgados no sentido de que o crime previsto no art. 12 da Lei nº 10.826/2003 é
de perigo abstrato, sendo desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto
o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social,
colocadas em risco com a posse de munição, ainda que desacompanhada de arma de fogo,
revelando-se despicienda a comprovação do potencial ofensivo do artefato através de laudo pericial.
A despeito disso, tanto STF quanto STJ possuem julgados diversos, ora aplicando e ora
afastando a insignificância de crimes envolvendo porte/posse ilegal de arma de fogo.
Em 2019, o STJ entendeu que a apreensão de pequena quantidade de
munição, desacompanhada da arma de fogo, PERMITE a aplicação do
princípio da insignificância ou bagatela. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC
517.099/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 06/08/2019.
Por outro lado, a 5ª e a 6ª Turma do C. STJ, em 2021, julgaram no sentido de
que a simples constatação de os cartuchos apreendidos estarem
desacompanhados de arma de fogo, por si só, não basta para a aplicação
da insignificância, devem se aferir a situação concreta à luz dos requisitos
estabelecidos pelo STF (supra indicados). STJ. 3ª Seção. EREsp 1.856.980,
Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/09/2021 (Info 710)
 Furto de mercadoria de baixo valor e agente reincidente
Sobre o furto de mercadoria de baixo valor e agente reincidente o STF já decidiu o seguinte:
É POSSÍVEL APLICAR o princípio da insignificância para o furto de
mercadorias avaliadas em R$ 29,15, mesmo que a subtração tenha
38
ocorrido durante o período de repouso noturno e mesmo que o agente seja
reincidente. HC 181389 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma,
julgado em 14/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 22-05-
2020 PUBLIC 25-05-2020.
 Furto qualificado
Em regra, NÃO se aplica o princípio da insignificância ao furto qualificado, salvo quando
presentes circunstâncias excepcionais que recomendam a medida. Novamente, verifica-se o peso da
hermenêutica casuística na definição do raio de aplicabilidade do referido princípio.
(...) muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir
o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta
das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado,
recomendando a APLICAÇÃO do princípio da insignificância. (HC
553.872/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020)
 Agente com antecedentes criminais por crimes patrimoniais
Sobre o agente com antecedentes criminais por crimes patrimoniais o STF já decidiu o
seguinte:
É POSSÍVEL a aplicação do princípio da insignificância para o
agente que praticou o furto de um carrinho de mão avaliado em R$
20,00 (3% do salário-mínimo), mesmo ele possuindo antecedentes criminais
por crimes patrimoniais. STF. 1ª Turma. RHC 174784/MS, rel. orig. Min. Marco
Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/2/2020 (Info
966).
 Crime contra a ordem tributária e descaminho
No que se refere aos crimes contra a ordem tributária e descaminho o STJ já decidiu o
seguinte:
APLICA-SE o princípio da insignificância aos crimes tributários
federais e de descaminho quando o débito tributário verificado
39
não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais a teor do disposto
no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas
Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. STJ. 3ª Seção. REsp
1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018
(recurso repetitivo).
 Crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no
âmbito das relações domésticas
No que se refere aos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito
das relações domésticas, é INAPLICÁVEL o princípio da insignificância, conforme entendimento
sumulado do STJ:
Súmula nº 589 do STJ: É inaplicável o princípio da insignificância nos
crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das
relações domésticas.
PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA (IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO,
DESNECESSIDADE DA PENA)
Modernamente, a doutrina distingue o princípio da insignificância (ou da bagatela própria) do
princípio da bagatela imprópria.
Tal como visto, a BAGATELA PRÓPRIA afasta a aplicação do Direito Penal (atipicidade da
conduta) em razão da diminuta ou inexistência de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado
pela lei.
Por sua vez, a BAGATELA IMPRÓPRIA, trata-se de reconhecer a irrelevância penal de fatos
delituosos pela DESNECESSIDADE DA PENA. O próprio juiz realiza a avaliação no caso concreto.
ANDRÉ ESTEFAM62
ensina que “o reconhecimento dessa tese não implicaria a atipicidade
material da conduta, mas o AFASTAMENTO DA CULPABILIDADE. A exclusão da culpabilidade se
basearia numa leitura da teoria funcionalista da culpabilidade, segundo a qual a aplicação da pena
deve ser calcada não só na constatação de que o indivíduo podia agir de outro modo, mas na avaliação
do cumprimento (ou satisfação) de necessidades preventivas (ou seja, verificar se a aplicação da pena
atenderia ao postulado da prevenção de novos crimes). Citam-se, como exemplo, situações em que a
vítima de lesão corporal, em casos de violência doméstica contra a mulher, afirma em juízo,
convencendo o magistrado, que a despeito da agressão perpetrada pelo agente continuam juntos, em
62
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 234 e 235.
40
situação de convivência amorosa/familiar pacificada. Essa realidade, de acordo com o entendimento
em análise, tornaria a aplicação de pena desnecessária. Assim, mesmo que o réu se revelasse culpado,
caberia sua absolvição, dada a “irrelevância penal do fato”. Essa tese, com a qual não aquiescemos,
olvida, sobretudo, do caráter preventivo geral da pena (ou seja, sua eficácia intimidatória aos membros
da coletividade). Essa finalidade preventiva geral da pena, embora passível de debates doutrinários, é
reconhecida (implicitamente) na lei (CP, art. 59, caput). De toda sorte, a tese é rechaçada pela
jurisprudência, como se nota na Súmula 589 do STJ: “É inaplicável o princípio da insignificância nos
crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas”.
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL
O princípio da adequação social parte da ideia de que o Direito Penal tem que ser aplicado
com um mínimo de racionalidade, não fazendo sentido incriminar comportamentos socialmente
adequados.
ANDRÉ ESTEFAM63
exemplifica da seguinte forma: “imaginemos, por exemplo, uma norma que
vedasse doações a pessoas carentes, impondo a quem a desrespeitasse pena de detenção. Não há
como negar o absurdo em que esta norma resultaria. O legislador não pode agir de modo arbitrário,
incriminando toda e qualquer conduta, sem critério algum. Por esse motivo, a tipificação de fato
socialmente adequado deve ser repudiada e, dada sua incompatibilidade com o princípio da
dignidade da pessoa humana, tida por inconstitucional. Assim como ocorre em relação ao princípio
da insignificância, o reconhecimento da adequação social deve implicar a ATIPICIDADE MATERIAL
DO FATO”.
Vale ressaltar que o princípio da adequação social assemelha-se ao da intervenção mínima,
todavia, pauta-se, essencialmente, na aceitação da conduta pela sociedade.
ROGÉRIO GRECO64
ensina que o princípio da adequação social, na verdade, possui dupla
função. Uma delas “é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando a sua
interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela
sociedade. A sua segunda função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas orienta
o legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a finalidade de
proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que está na mira do legislador for
considerada socialmente adequada, não poderá ele reprimi-la valendo-se do Direito Penal. Tal
princípio serve-lhe, portanto, como norte. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador
63
ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur,
2022. (Coleção Direito Penal). Página 238.
64
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. –
24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 214 e 215.
Direito Penal: conceitos e princípios
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Direito Penal: conceitos e princípios

  • 1. 1
  • 2. 2 SUMÁRIO DIREITO PENAL .......................................................................................................... 4 1. INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL ............................................................... 4 CONCEITO DE DIREITO PENAL ........................................................................... 4 DIREITO PENAL OBJETIVO E SUBJETIVO........................................................... 6 DIREITO PENAL COMUM E ESPECIAL................................................................. 6 DIREITO PENAL SUBSTANTIVO E ADJETIVO..................................................... 6 DIREITO PENAL INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL PENAL ....... 7 DIREITO PENAL DO FATO E DIREITO PENAL DO AUTOR ............................... 7 FUNÇÃO DO DIREITO PENAL.............................................................................. 8 Bem jurídico ........................................................................................................ 9 DIREITO PENAL DO CIDADÃO E DIREITO PENAL DO INIMIGO................... 10 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL............................................. 12 VINGANÇA PENAL............................................................................................... 12 Vingança privada .............................................................................................. 12 Vingança divina.................................................................................................13 Vingança pública .............................................................................................. 13 DIREITO PENAL NA ANTIGUIDADE................................................................... 14 Direito Penal na Grécia Antiga........................................................................14 Direito Penal romano ....................................................................................... 15 Direito Penal germânico .................................................................................. 15 Direito Penal canônico ..................................................................................... 16 DEMAIS PERÍODOS HISTÓRICOS...................................................................... 17 Monarquias absolutistas .................................................................................. 17 Iluminismo e o liberalismo (séc. XVIII)............................................................ 18 Positivismo (séc. XIX)........................................................................................ 19 ESCOLAS PENAIS.................................................................................................19 Escola Clássica .................................................................................................. 19 Escola Positiva ................................................................................................... 21 Outras Escolas................................................................................................... 22 3. FONTES DO DIREITO PENAL ........................................................................24 FONTE MATERIAL ................................................................................................ 24 FONTE FORMAL................................................................................................... 24 Fonte formal imediata ......................................................................................24 Fonte formal mediata....................................................................................... 25 ANALOGIA EM DIREITO PENAL......................................................................... 27 4. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PENAL.................................................... 29
  • 3. 3 PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO A BENS JURÍDICOS......................... 30 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA............................................................ 31 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (OU BAGATELA PRÓPRIA)........................ 32 Posicionamento da Jurisprudência Superior ................................................ 34  Crimes Ambientais .............................................................................. 34  Improbidade Administrativa .............................................................. 36  Porte/posse de arma de fogo e munição ......................................... 37  Furto de mercadoria de baixo valor e agente reincidente............. 37  Furto qualificado.................................................................................. 38  Agente com antecedentes criminais por crimes patrimoniais....... 38  Crime contra a ordem tributária e descaminho............................... 38  Crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas........................................................................... 39 PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA (IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO, DESNECESSIDADE DA PENA)...................................................................................... 39 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL .............................................................. 40 PRINCÍPIO DA EXTERIORIZAÇÃO (MATERIALIZAÇÃO DO FATO) ...............42 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE............................................................................... 43 Desdobramentos do princípio da legalidade............................................... 44  Reserva legal ........................................................................................ 44  Anterioridade da lei penal.................................................................. 46  Lei escrita.............................................................................................. 46  Lei estrita............................................................................................... 47  Lei certa.................................................................................................48  Lei necessária ....................................................................................... 48 PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE ............................................. 49 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA (OU DA NÃO CULPA) ........... 50 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........................................ 51 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO E DA PESSOALIDADE ........................... 52 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 53
  • 4. 4 DIREITO PENAL1 1. INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL Inicialmente, vale registrar a crítica feita por parte da doutrina, notadamente por BASILEU Garcia, a respeito da denominação “Direito Penal”, no sentido de não ser esse grupo normativo incluído no rol das medidas e providências de combate à criminalidade, de modo que a e etiquetagem deveria ser, portanto, “Direito Criminal”, e não uma derivação da expressão “pena”, ou “Direito das penas”. Nada obstante, é como “Direito Penal” que a Constituição referencia esse ramo do Direito, não sendo ideal tratá-lo como “Direito Criminal”. Esta é posição da doutrina contemporânea2 - majoritária no Brasil. CF/88. Art. 62. (...) § 1º (...) I - relativa a: (...) b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) Em suma, é um debate que merece importância para fins acadêmicos, mas sem tanta repercussão prática. Para ANDRÉ ESTEFAM3 , “é preferível, registre-se, a denominação “Direito Penal” no lugar de “Direito Criminal”, haja vista que, além de contar com ampla aceitação, vincula-se ao fato de que possuímos um “Código Penal” e não, como outrora, um “Código Criminal”. CONCEITO DE DIREITO PENAL Em nível introdutório, a fim de construir bases de significado densas a serem utilizadas durante todo o estudo do Direito Penal, importante compreendermos que o conceito do Direito Penal passa por sua visualização sob 3 vértices: a) Formal ou estático: em que Direito Penal é um conjunto de normas que qualifica comportamentos humanos como sendo infrações penais, que, dependendo do tipo, podem ser qualificadas como crime ou contravenção. 1 É proibida a reprodução deste material, tendo em vista que a sua elaboração é realizada apenas para fins didáticos! Toda obra mencionada neste material, incluindo trechos, paráfrase, é feita exclusivamente para fins didáticos e de estudos, não prejudicando a exploração normal das obras originais. Por isso, indicamos sempre o nome do Autor e o nome da obra, preservando todos os direitos autorais dos mesmos. 2 SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. 3 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 65.
  • 5. 5 Ademais, tais normas definem os agentes (quem pratica) e fixa as sanções (pena ou medida de segurança). b) Material: Direito Penal se refere a comportamentos altamente reprováveis pela sociedade que causam (ou podem causar) danos à ordem social, atingindo bens jurídicos indispensáveis à própria conservação e progresso da sociedade, conforme dicção de Luís Régis do Prado. c) Sociológico ou Dinâmico: o Direito Penal é um instrumento de controle social de comportamentos reprováveis, assegurando a manutenção de uma ordem e disciplina social mínimas. Segundo ANDRÉ ESTEFAM4 “o Direito Penal é o ramo do Direito que se encarrega de regular os fatos humanos mais perturbadores da vida social, definindo-os quanto à sua extensão e consequências, de modo a assegurar, por meio da aplicação efetiva de suas prescrições, a garantia da vigência da norma e as expectativas normativas”. Ademais, ROGÉRIO SANCHES CUNHA5 aduz que “a manutenção da paz social, que propicia a regular convivência humana em sociedade, demanda a existência de normas destinadas a estabelecer diretrizes que impõem ou proíbem determinados comportamentos. Quando violadas as regras de condutas, surge para o Estado o poder (dever) de aplicar sanções, civis e/ou penais”. No que diz respeito às diferenças destas normas em relação às demais, o autor6 ensina que “o que diferencia uma norma penal das demais impostas coativamente pelo Estado é a espécie de consequência jurídica que traz consigo – cominação de penas e medidas de segurança. Em razão disso deve servir como derradeira trincheira no combate aos comportamentos indesejados, aplicando-se de forma subsidiária e racional à preservação daqueles bens de maior significação e relevo”. De tal explicação torna-se possível entender o Princípio da Intervenção Mínima, vetor de orientação e limitador do exercício do poder incriminador do Estado, segundo o qual um comportamento humano somente poderá ser legitimamente criminalizado se for estritamente necessário para a proteção de um certo bem jurídico afeto pela ação humana. Em suma, o Direito é para a sociedade um arcabouço de regras disciplinadoras para os mais variados fins, a exemplo do direito civil para os atos e negócios jurídicos patrimoniais entre os particulares, o administrativo para reger o interesse público (primário e secundário) e a relação do Estado com a sociedade (particular), e, nessa esteira, o Direito Penal se apresenta para regular comportamentos sociais relevantes, tipificando penalmente (penas/sanções) as condutas 4 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 66. 5 SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. Página 34. 6 SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. Página 34.
  • 6. 6 reprováveis contra bens jurídicos diversos (vida; patrimônio; fé pública), que, se praticadas, serão submetidas a tratamento jurídico sancionador específico, autônomo e independente: as normas de Direito Penal. DIREITO PENAL OBJETIVO E SUBJETIVO Os penalistas procuram definir o Direito Penal com base em duas vertentes: o Direito Penal subjetivo e o Direito Penal objetivo. O Direito Penal subjetivo trata-se do ius puniendi, isto é, do direito de punir do Estado. Segundo ANDRE ESTEFAM7 , é “o direito que o Estado possui de exigir que as pessoas se abstenham de praticar uma conduta definida como infração penal (direito de punir em abstrato) e de exigir do infrator que se submeta às consequências da infração praticada (direito de punir concreto)”. Já o Direito Penal objetivo, corresponde ao conjunto de normas jurídicas, isto é, dos princípios e regras que se ocupam da definição das infrações penais, bem como da imposição de suas consequências, sejam elas penas ou medidas de segurança. DIREITO PENAL COMUM E ESPECIAL ANDRÉ ESTEFAM8 ensina que “a denominação direito penal comum e direito penal especial é utilizada para designar, de um lado, o Direito Penal aplicável pela justiça comum a todas as pessoas, de modo geral, e, de outro, um setor do Direito Penal que se encontra sob uma jurisdição especial e, por conseguinte, somente rege a conduta de um grupo determinado de sujeitos”. Dessa forma, a aplicação do direito penal comum, incumbe à justiça comum. Ela se funda no Código Penal e nas diversas leis penais especiais, a exemplo da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), do Código de Trânsito (Lei nº 9.503/97) etc. Já a aplicação do direito penal especial, incumbe à justiça especializada. No Brasil, ela se circunscreve ao Direito Penal Militar, segundo o qual cumpre à justiça militar aplicar as normas contidas no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69). DIREITO PENAL SUBSTANTIVO E ADJETIVO 7 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 67. 8 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 67.
  • 7. 7 O Direito penal substantivo também é denominado de material. Ele é sinônimo de direito penal objetivo (conjunto de princípios e regras que se ocupam da definição das infrações penais e da imposição de suas consequências). Já o Direito penal adjetivo também denominado de formal, corresponde ao direito processual penal. DIREITO PENAL INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL PENAL A classificação do Direito Penal Internacional e o Direito Internacional Penal leva em conta as inúmeras normas penais que promanam do direito interno e se irradiam para além das fronteiras brasileiras; e normas oriundas de fontes externas e se projetam sobre fatos ocorridos no território brasileiro. Nesse sentido, ANDRÉ ESTEFAM9 explica: “O direito penal internacional corresponde justamente ao direito produzido internamente, cuja aplicação se dá sobre fatos ocorridos fora do Brasil. O Código Penal, no art. 7º, ao tratar da extraterritorialidade, contém uma série de regras que disciplinam a aplicação da lei penal brasileira a fatos ocorridos no exterior – trata-se do direito penal internacional, ou seja, aquele do direito interno com incidência externa. O direito internacional penal, de sua parte, diz respeito às normas externas (tratados e convenções internacionais), que se aplicam dentro de nosso país – cuida-se do direito externo com incidência interna. Tal ramo do Direito Internacional, no dizer de Kai Ambos, compreende “o conjunto de todas as normas de direito internacional que estabelecem consequências jurídico-penais” e consiste numa “combinação de princípios de direito penal e de direito internacional”. Suas fontes precípuas são as convenções multilaterais firmadas pelos Estados interessados. Há uma importante parcela do direito internacional penal fundada em direito consuetudinário e, notadamente, pela jurisprudência de tribunais internacionais. Seu instrumento jurídico mais importante é o Tratado de Roma, que fundou a Corte ou Tribunal Penal Internacional (TPI)”. DIREITO PENAL DO FATO E DIREITO PENAL DO AUTOR No início do século passado, iniciou-se uma fase denominada de direito penal do autor, em que o Direito Penal se preocupava com o autor do crime, isto é, com o “delinquente”. 9 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 68.
  • 8. 8 Nesse contexto, segundo ANDRÉ ESTEFAM10 , “uma pessoa deveria ser punida MAIS PELO QUE É e menos pelo que fez. A pena não era graduada pela culpabilidade, enquanto grau de reprovabilidade da conduta, mas pela periculosidade do agente. Justificavam-se, neste contexto, penas de longa duração para fatos de pouca gravidade, caso ficasse demonstrado que o agente fosse um indivíduo perigoso. Essa fase teve seu apogeu durante a Segunda Grande Guerra e influenciou grandemente a legislação criminal da Alemanha nesse período. Com o final da Segunda Guerra Mundial, o modelo filosófico representado por essa concepção caiu em derrocada, retornando a lume uma diferente visão do direito penal, conhecida como direito penal do fato. Trata-se, sinteticamente, de punir alguém PELO QUE FEZ, e não pelo que é. A gravidade do fato é que deve mensurar o rigor da pena”. Atualmente, a concepção vigorante é a do direito penal do fato, levando em conta, principalmente, a compatibilidade com o Estado Democrático de Direito, bem como a dignidade da pessoa humana. ANDRÉ ESTEFAM11 cita CANOTILHO, o qual pondera que “perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos), a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. A compreensão da dignidade da pessoa humana associada à ideia de homo noumenon justificará a conformação constitucional da República Portuguesa onde é proibida a pena de morte (artigo 24º) e a prisão perpétua (art. 30º, 1). A pessoa ao serviço da qual está a República também pode cooperar na República, na medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a condição de cidadão, ou seja, um membro normal e plenamente cooperante ao longo da sua vida”. Todavia, vale ressaltar que, a despeito de vigorar a concepção do direito penal do fato, ainda há influências esparsas de direito penal do autor na legislação brasileira. Podemos citar, por exemplo, as regras de dosimetria da pena que levam em conta a conduta do agente, seu comportamento social, a reincidência; a previsão das medidas de segurança, espécies de sanção penal fundadas na periculosidade, etc. FUNÇÃO DO DIREITO PENAL 10 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 69. 11 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 69 e 70.
  • 9. 9 No estudo da história recente do Direito Penal, tem-se que o Direito Penal possui finalidade eminentemente protetiva, pelo qual, a ele cumpre a proteção de bens jurídicos. Todavia, no decorrer da história do Direito Penal, não se estabelecia o que era bem jurídico e, sobretudo, quais bens jurídicos poderiam ser protegidos por meio de uma norma penal. ANDRÉ ESTEFAM12 bem explica sobre o tema: “para Franz von Lizst (início do século XX), a vida é que produzia os bens jurídicos (honra, liberdade, patrimônio) e o legislador instituía a sua proteção. Sua concepção foi, contudo, superada, notadamente pela impossibilidade de fazer formulações genéricas a respeito de quais interesses humanos são suficientemente importantes a ponto de merecer a proteção penal. Algo que hoje possa ser objeto de consenso, pode não ter sido ontem e deixar de sê-lo amanhã. Há um século, a castidade era valor fundamental, motivo pelo qual se punia, legitimamente, o crime de sedução. Por outro lado, nem se cogitava de tutelar bens jurídicos difusos, como o meio ambiente, ou temas como a clonagem de seres humanos. No âmbito do neokantismo (Mayer e Honig – primeira metade do século XX), sustentava-se, com razão, que o legislador é quem criava os bens jurídicos e o fazia ao assinalar-lhes a devida proteção. Sob tal ótica, os bens jurídicos constituíam-se de interesses humanos referidos culturalmente em função de necessidades individuais. Quando tais necessidades fossem socialmente dominantes, tornar-se-iam valores culturais e, neste caso, converter-se-iam em bens jurídicos, desde que se reconhecesse a necessidade de sua existência e de se lhes conferir adequada proteção jurídica. Nesse período, todavia, os autores não se preocupavam em delimitar a liberdade de escolha do legislador na produção de normas penais e, portanto, na seleção dos bens jurídicos a serem protegidos. No âmbito do finalismo (Hans Welzel), que foi desenvolvido na década de 1930, mas prevaleceu como sistema penal dominante até o final do século, persistia como tese vencedora a defesa de bens jurídicos, porém se notava com maior ênfase a preocupação em descrever limites à função seletiva do legislador quanto à escolha dos bens a tutelar por meio de normas penais. Entendia-se que o bem jurídico correspondia àquele bem vital para a comunidade ou para o indivíduo que, em razão de sua significação social, tornar-se-ia merecedor de proteção jurídica. Assis Toledo, partindo da concepção de Welzel, conceitua bens jurídicos como “valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”. Vale ressaltar que, atualmente, ainda predomina na doutrina a concepção de que o Direito Penal destina-se à tutela de bens jurídicos. Bem jurídico 12 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 75 e 76.
  • 10. 10 Inicialmente, vale dizer que não há, na dogmática penal, uma noção precisa de bem jurídico. Claus ROXIN traz uma das definições mais aceitas, segundo o qual bens jurídicos são “todos os dados que são pressupostos de um convívio pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na igualdade”. Para ANDRÉ ESTEFAM13 , “a missão crucial do jurista do Direito Penal, muito mais do que simplesmente definir o que é bem jurídico, deve ser encontrar quais são os limites para a sua proteção por meio das normas penais. Registre-se, por fim, que dentre as diversas noções sobre os limites do Direito Penal, a que entendemos como a mais aceitável consiste em estabelecer as arestas do direito de punir do estado com referência a valores constitucionais”. Günther JAKOBS atribui ao Direito Penal finalidade diversa, segundo o qual, para ele, o Direito Penal não se trata de proteger bens jurídicos, mas sim garantir a vigência da norma, por meio da asseguração de expectativas normativas. ANDRÉ ESTEFAM14 explica que “para Jakobs, cumpre ao Direito Penal, por meio da pena, contradizer uma contradição, isto é, a pena criminal contém uma mensagem de contradição a um ato que contradisse uma norma determinante da identidade da sociedade. O Direito Penal, dessa forma, confirma a identidade da sociedade. O sentido principal da pena é uma autoconfirmação do ordenamento jurídico; seus sentidos secundários são aqueles ligados à psicologia individual ou social, inibindo comportamentos criminosos. Quando se aplica uma pena por meio de um procedimento, o Direito Penal restabelece, no plano comunicativo, a vigência da norma, perturbada pelo cometimento da infração penal. Jakobs aduz que “[...] a garantia jurídico-penal da norma deve garantir a segurança de expectativas”. Nesse sentido, “a pena deve reagir mediante um comportamento que não possa ser interpretado como compatível com um modelo de mundo esboçado pela norma”. O pensamento desse autor deve ser compreendido com vistas à sua concepção de sociedade e do papel que as normas exercem em sua configuração”. O autor15 conclui “em resumo, que, no pensamento de Günther Jakobs, “a finalidade da pena é a manutenção estabilizada das expectativas sociais dos cidadãos. [...] O direito penal, portanto, protege a validade das normas e essa validade é o ‘bem jurídico do direito penal’”. DIREITO PENAL DO CIDADÃO E DIREITO PENAL DO INIMIGO 13 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 77. 14 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 78. 15 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 80.
  • 11. 11 O Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo resulta de uma teoria desenvolvida por Günther Jakobs. Segundo ANDRÉ ESTEFAM16 , “ao direito penal do cidadão incumbe garantir a eficácia da norma. Baseia-se no seguinte raciocínio: o indivíduo que comete o crime desrespeita a norma, a qual, por meio da pena aplicada, mostra que permanece incólume (garantindo-se, desse modo, que ela continua valendo apesar da infração cometida). Em seu âmbito de aplicação, operam todos os direitos e garantias fundamentais. Já o direito penal do inimigo (isto é, de indivíduos que reincidem constantemente na prática de delitos ou praticam fatos de extrema gravidade, como ações terroristas) tem como finalidade afastar perigos. Neste, o infrator não é tratado como pessoa, mas como inimigo a ser eliminado e privado do convívio social. Podem ser citados como exemplos de legislação típica desse setor do Direito Penal o Patriot Act dos EUA (Lei Patriótica), em que se autorizou, entre outras disposições, a detenção de pessoas por tempo indeterminado, se suspeitas de envolvimento em atentados terroristas, e a violação a outros direitos individuais. Também se podem apontar como medidas jurídicas características do direito penal do inimigo as prisões norte-americanas de Guantánamo (Cuba) e de Abu Ghraib (Iraque), em que se empregou a detenção por tempo indeterminado e a tortura como meios legítimos de interrogatório”. Destaca-se que, o direito penal do inimigo trata-se de um dos assuntos mais debatidos pela doutrina. A maioria dos doutrinadores que trataram do tema se posicionaram questionando o assunto. ANDRÉ ESTEFAM17 explica que “Claus Roxin refuta-o veementemente, seja como conceito meramente descritivo, crítico ou legitimador. Pode-se dizer que o direito penal do inimigo sofre duas linhas de “ataque”: a) uma delas questiona os seus limites, ou seja, indaga até que ponto pode o Estado utilizar seu ius puniendi desmedidamente para sancionar graves comportamentos; b) outra busca fulminar suas bases conceituais, indagando qual o conceito de inimigo e quais os princípios a que se deve submeter esse “ramo” do Direito Penal”. 16 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 83. 17 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1o a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 86.
  • 12. 12 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL Apesar de o Direito Penal estar ligado à organização do homem em sociedade, não se pode sustentar a existência de uma ideia de norma penal em complexo normativo em tempos primitivos. Isso porque, nas épocas remotas da civilização, a noção de castigo não estava associada à noção de promoção de justiça, mas, ao revés, relacionava-se a vingança ou revide contra o comportamento de alguém, daí porque se percebe vasta presença de penas desumanas. ROGERIO SANCHES CUNHA ensina que essa é a fase conhecida por Vingança Penal, que se divide em: vingança divina, vingança privada e vingança pública. VINGANÇA PENAL ROGERIO GRECO18 ensina que a história do Direito Penal “confunde-se com a própria história da humanidade. Desde que o homem passou a viver em sociedade, sempre esteve presente a ideia de punição pela prática de atos que atentassem contra algum indivíduo, isoladamente, ou contra o próprio grupo social. Essa punição não era originária de leis formais, que não existiam naquela época, mas sim de regras costumeiras, culturais, destinadas à satisfação de um sentimento inato de justiça e, também, com a finalidade de preservar o próprio corpo social. Obviamente que, no início, as reações não tinham de ser, obrigatoriamente, proporcionais ao mal praticado pelo agente infrator. Em muitas situações prevalecia, como se podia esperar, a lei do mais forte. A ideia de retribuição pelo mal sofrido, ou mesmo de vingança, era muito clara”. A rigor, os historiadores consideram inúmeras fases da pena: a vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Entretanto, vale ressaltar que referidas fases não se sucedem integralmente, isto é, surgindo uma fase não significa que a outra desaparece. Assim, haverá a existência concomitante dos princípios característicos de cada uma, pelo qual, uma fase adentra a outra. Vingança privada A vingança privada trouxe a primeira modalidade de pena. A vingança tinha como único fundamento a retribuição a alguém pelo mal praticado, exercida não somente por aquele que havia sofrido o dano, mas também por seus parentes ou mesmo pelo grupo social. 18 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 66.
  • 13. 13 ROGERIO GRECO19 explica que “a Bíblia relata a existência das chamadas “cidades refúgio”, destinadas a impedir que aquele que houvesse praticado um homicídio involuntário, ou seja, um homicídio de natureza culposa, fosse morto pelo vingador de sangue. Se, no entanto, o homicida viesse a sair dos limites da cidade refúgio, poderia ser morto pelo mencionado vingador”. O autor20 acrescenta que “a Lei de Talião pode ser considerada um avanço em virtude do momento em que foi editada. Isso porque, mesmo que de forma incipiente, já trazia em si uma noção, ainda que superficial, do conceito de proporcionalidade. O “olho por olho” e o “dente por dente” traduziam um conceito de Justiça, embora ainda atrelada à vingança privada”. Vingança divina A vingança divina trata do direito penal religioso, teocrático e sacerdotal. ROGERIO GRECO21 cita as lições de Magalhães Noronha: “O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido”. Assim, tinha como finalidade a purificação da alma do criminoso, através do castigo. ROGERIO GRECO22 explica ainda que “era o direito aplicado pelos sacerdotes, ou seja, aqueles que, supostamente, tinham um relacionamento direto com um deus e atuavam de acordo com sua vontade. Incontáveis atrocidades foram praticadas em nome dos deuses, muitas delas com a finalidade de aplacar-lhes a ira. A criatividade maligna dos homens não tinha limites. As sociedades, nesse período, eram carregadas de misticismos e crenças sobrenaturais. Eventos da natureza, como chuvas, trovões, terremotos, vendavais etc., podiam demonstrar a fúria dos deuses para com os homens e, para tanto, precisava ser aplacada, mediante o sacrifício humano. Alguém era apontado como culpado e, consequentemente, devia ser entregue aos deuses”. Vingança pública 19 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 67. 20 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 67 e 68. 21 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 68. 22 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 69.
  • 14. 14 Segundo ROGERIO GRECO23 , “a vingança pública surge, nessa fase da evolução histórica do Direito Penal, e fundamentada na melhor organização social, como forma de proteção, de segurança do Estado e do soberano, mediante, ainda, a imposição de penas cruéis, desumanas, com nítida finalidade intimidatória”. Vale ressaltar que, nessa fase, ainda há resquícios das fases anteriores. Dessa forma, a vingança privada continuava a ser aplicada. ROGERIO GRECO24 aduz que “pelo fato de as mutilações serem praticadas com muita frequência, enfraquecendo, sobremaneira, o grupo social, surge uma nova forma de resolução dos conflitos: a compositio. Segundo as lições de Maggiore: “Ao transformar-se o talião em composição, se realiza o processo subsequente. Assim, o agravo já não se compensa com um sofrimento pessoal, senão com alguma utilidade material, dada pelo ofensor. O preço do resgate, e já não mais o da vingança, está representado pela entrega de animais, armas, utensílios ou dinheiro. E a proporção entre a reparação e o agravo, está contida às vezes na chamada ‘tarifa de composição’, em sua medida precisa.”. DIREITO PENAL NA ANTIGUIDADE Direito Penal na Grécia Antiga Após o período da vingança penal, surgiu uma terceira época, denominada “histórica”. Segundo ROGERIO GRECO25 , nessa época “a pena deixou de se assentar sobre fundamento religioso, passando a ter uma base moral e civil, embora essas fases ainda fossem interligadas, ou seja, não havia ocorrido uma separação absoluta entre elas. A evolução mais significativa, de acordo com as lições de Luis Jiménez de Asúa, ocorreu no que diz respeito à responsabilidade: “Que durante o transcurso de vários séculos passou de sua índole coletiva, do genos, à individual. Certo que, inclusive nas épocas mais antigas, o direito grego somente castigou o autor, quando se tratava de delitos comuns. Mas, no tocante às ofensas de caráter religioso e político, existiram durante longos períodos sanções de caráter coletivo. Os traidores e os tiranos eram mortos e com eles toda sua família. Glotz assinala episódios históricos de pena de morte coletiva, de privação coletiva de direitos, de expulsão coletiva da paz, chamada pelos gregos atimia, que acarretava terríveis consequências: qualquer um podia matar o excluído da comunidade e apoderar-se de seus bens”. 23 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 69. 24 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 70. 25 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 71.
  • 15. 15 Direito Penal romano O direito penal romano trata-se de um dos marcos mais importantes da história do Direito Penal. ROGERIO GRECO26 ensina que “Roma foi fundada em 753 a.C. e surgiu de uma pequena comunidade agrícola existente na península itálica no século VIII, tornando-se um dos maiores impérios do mundo antigo. Em virtude de uma proposta levada a efeito por um plebeu chamado Gaius Terentilius, em 462 a.C., que se opunha ao modo pelo qual as leis eram conhecidas e aplicadas, principalmente pelos patrícios, foi designado um decenvirato (um grupo de dez homens), que teve por encargo a preparação de um conjunto de leis que, posteriormente, ficou conhecido como Lei das XII Tábuas, que chegou a seu termo e foi promulgada de 451 a 450 a.C. Foi, originalmente, escrita em doze tabletes de madeira, que foram afixados no Fórum Romano, permitindo, assim, que todos as conhecessem e pudessem fazer a sua leitura. Sua temática estava dividida da seguinte forma: Tábuas I e II: Organização e procedimento judicial; Tábua III – Normas contra os inadimplentes; Tábua IV – Pátrio poder; Tábua V – Sucessões e tutela; Tábua VI – Propriedade; Tábua VII – Servidões; Tábua VIII – Dos delitos; Tábua IX – Direito público; Tábua X – Direito sagrado – Tábuas XI e XII – Complementares”. O autor27 cita Cezar Roberto Bittencourt, o qual informa que “nos primeiros tempos da realeza, surge a distinção entre os crimes públicos e privados, punidos pelo ius publicum e ius civile, respectivamente. Crimes públicos eram a traição ou conspiração política contra o Estado (perduellio) e o assassinato (parricidium), enquanto os demais eram crimes privados – delicta – por constituírem ofensas ao indivíduo, tais como furto, dano, injúria etc. O julgamento dos crimes públicos, que era atribuição do Estado, através do magistrado, era realizado por tribunais especiais, cuja sanção aplicada era a pena de morte. Já o julgamento dos crimes privados era confiado ao próprio particular ofendido, interferindo o Estado somente para regular seu exercício. Os crimes privados pertenciam ao Direito privado e não passavam de simples fontes de obrigações. Na época do império romano surge uma nova modalidade de crime, os crimina extraordinaria, ‘fundados nas ordenações imperiais, nas decisões do Senado ou na prática da interpretação jurídica, que resulta na aplicação de uma pena individualizada pelo arbítrio judicial à relevância do caso concreto”. Direito Penal germânico 26 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 71 e 72. 27 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 72 e 73.
  • 16. 16 No direito germânico primitivo não existia fontes escritas. As normas eram transmitidas por meio dos costumes. ROGERIO GRECO28 explica que “os problemas penais eram resolvidos pela vingança ou pela perda da paz (friedlosigkeit). O agente infrator era colocado fora da proteção jurídica do grupo a que pertencia, podendo ser perseguido e morto por qualquer pessoa. Por essa razão, segundo Aníbal Bruno, a friedlosigkeit “se torna uma modalidade de pena de morte, a mais velha e persistente das formas de reação anticriminal – também a mais absurda, nas condições do Direito Penal moderno”. O autor29 acrescenta que “o direito aplicado a cada indivíduo variava de acordo com o grupo a que efetivamente pertencia. Aos poucos, o contato com o mundo romano fez com que esse direito consuetudinário fosse sendo modificado, uma vez que Roma prezava suas leis escritas. As ordálias, ou juízos de Deus, foram amplamente utilizadas pelo Direito Penal germânico durante toda a Idade Média, onde eram consideradas uma espécie de prova judiciária utilizada para a determinação da culpa ou mesmo da inocência dos acusados. A palavra “ordália” tem o significado de um julgamento no qual não existe interferência dos homens, pois seu resultado depende exclusivamente de Deus. O acusado, portanto, deveria provar sua inocência se submetendo a diversas provas, a exemplo de segurar, durante determinado tempo, uma pedra incandescente ou colocar suas mãos dentro da água fervente. Se suportasse o sofrimento, significava que era inocente e que Deus o havia absolvido; caso contrário, estaria comprovada sua culpa. A vingança de sangue (blutrache) era entendida mais como um dever do que como um direito. Tempos depois, foi superada pela composição, que, no começo, era tida como voluntária e, posteriormente, passou a ser legal”. Direito Penal canônico Sobre o direito penal canônico, ROGERIO GRECO30 cita as lições de Heleno Fragoso, o qual aduz que “o direito canônico dividia os crimes em delicta eclesiastica (de exclusiva competência dos tribunais eclesiásticos); delicta mere secularia (julgados pelos tribunais leigos) e delicta mixta, os quais atentavam ao mesmo tempo contra a ordem divina e a humana e poderiam ser julgados pelo tribunal que primeiro deles conhecesse. As penas distinguem-se em espirituales (penitências, excomunhão etc.) e temporales, conforme a natureza do bem que a atingem. As penas eram, em princípio, justa retribuição (zelo justitiae et bono animo), mas dirigiam-se também ao arrependimento e à emenda do réu (poenae medicinalis). A influência do direito canônico foi benéfica. Proclamou a igualdade de 28 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 73. 29 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 73 e 74. 30 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 75 e 76.
  • 17. 17 todos os homens, acentuando o aspecto subjetivo do crime, opondo-se, assim, ao sentido puramente objetivo da ofensa, que prevalecia no direito germânico. Favorecendo o fortalecimento da justiça pública, opôs-se à vingança privada decisivamente, através do direito de asilo e da trégua de deus (treuga dei). Por força desta última, da tarde de quarta-feira à manhã de segunda-feira nenhuma reação privada era admissível, sob pena de excomunhão. Opôs-se também o direito canônico às ordálias e duelos judiciários e procurou introduzir as penas privativas da liberdade, substituindo as penas patrimoniais, para possibilitar o arrependimento e a emenda do réu”. DEMAIS PERÍODOS HISTÓRICOS Ao longo dos anos as modalidades de penas foram variando. Vejamos a seguir a continuação da evolução histórica do direito penal. Monarquias absolutistas Avançando no tempo, o final da Idade Média e início da Idade Moderna foi marcado, no século VI, pela dissolução do mundo feudal e nascimento dos Estados Nacionais Absolutistas na Europa. Anteriormente, o poder era distribuído entre os senhores feudais. Todavia, referido poder passou a concentrar e intensificar nas mãos do monarca, o qual possuía mandato divino. JUNQUEIRA e VANZOLINI31 ensinam que “em primeiro lugar, é um direito descontrolado, inteiramente adjudicado ao soberano, que, para além de poder criar crimes e penas, pode também preencher a lei com o conteúdo que lhe aprouver. Como ensina Juan Carlos Ferré Olivé, “o jus puniendi era atribuído ao monarca por mandato divino, o que levava a uma identificação total entre pecado e delito” (Direito penal brasileiro – parte geral, p. 125). Em segundo lugar, é um direito brutal, pois seu objetivo era diretamente o terror. Como afirma Foucault em Vigiar e punir, a violência feroz, intencionalmente cruel, dos suplícios tem justamente a função de deixar clara a força incontrastável do poder do rei: “O próprio excesso das violências cometidas é uma das peças de sua glória: o fato de o culpado gemer ou gritar com os golpes não constitui algo de acessório ou vergonhoso, mas é o próprio cerimonial da justiça que se manifesta em sua força. Por isso sem dúvida é que os suplícios se prolongam ainda depois da morte: cadáveres queimados, cinzas jogadas ao vento, corpos arrastados na grade, expostos à beira da estrada. A justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento possível. O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: 31 Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva Educação. Edição do Kindle. Página 243.
  • 18. 18 não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos excessos dos suplícios se investe toda a economia do poder” (Vigiar e punir, p. 32).” Iluminismo e o liberalismo (séc. XVIII) ROGERIO GRECO32 ensina que “até basicamente o período iluminista, as penas possuíam caráter aflitivo, ou seja, o corpo do homem pagava pelo mal que ele havia praticado. Os olhos eram arrancados, os membros mutilados, o corpo esticado até se destroncar, sua vida esvaía-se numa cruz, enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso. Sobretudo a partir do final do século XVIII, as penas corporais, aflitivas foram sendo substituídas, aos poucos, pela pena de privação de liberdade, que, até aquele momento, com raras exceções (a exemplo do que ocorria com a punição dos monges religiosos em seus monastérios, cuja finalidade era levá-los a refletir sobre a conduta praticada, ou ainda com as casas de correção, criadas a partir da segunda metade do século XVI na Inglaterra – houses of correction e bridewells – e na Holanda – rasphuis para os homens e spinhuis para as mulheres), era tida tão somente como uma medida cautelar, ou seja, sua finalidade precípua era fazer com que o condenado aguardasse, preso, a aplicação de sua pena corporal”. É nessa fase (Iluminismo e liberalismo) que vários autores iniciam a doutrina de um denominado liberalismo penal, que tem por fito a delimitação da dita “liberdade individual” e a busca pelo controle racional do jus puniend estatal. Segundo JUNQUEIRA e VANZOLINI33 , “o século XVIII foi palco de profundas transformações políticas, econômicas e sociais. O aumento da riqueza e dos meios produtivos, o forte crescimento demográfico, a reconfiguração do modo de produção e das relações de trabalho constituíram ambiente no qual vicejou o Iluminismo, movimento intelectual de reação ao absolutismo, centrado no racionalismo, no anticlericalismo e nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, lema da Revolução Francesa. Chama-se Direito Penal Liberal ou também período humanitário o fruto dessa profunda transformação impulsionada pelo iluminismo. Sob essa nomenclatura alojam-se variados autores e correntes de pensamento, unidos no entanto pela centralidade do conceito de liberdade individual e pela busca de controle racional do jus puniendi estatal. Para maior clareza das coincidências e especificidades das variadas vertentes do Direito Penal liberal, examinaremos em separado os seus principais representantes”. 32 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 78. 33 Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva Educação. Edição do Kindle. Página 243.
  • 19. 19 Densificar o estudo dessa fase implica no estudo de autores tais como Cesare Beccaria (Dos delitos e das penas), Jeremy Bentham. Da escola alemã, destaca-se Paul Johann Anselm von Feuerbach e, da italiana, Francesco Carrara.  Não avançaremos em tais fases por não ser objetivo do curso tal aprofundamento. Positivismo (séc. XIX) Acerca do positivismo enquanto um dos momentos históricos do Direito Penal, a doutrina ensina que o lugar antes ocupado pela religião passou a ser preenchido pela ciência, a qual sua definição se prendia ao modelo das ciências matemáticas e naturais, que lidavam com conceitos exatos ou observáveis pelos sentidos. É nesse momento que surge, na escola alemã, uma crítica a forma de estudo do Direito Penal, fazendo surgir duas correntes distinguíveis: a alemã, com o Positivismo Jurídico, para qual o objeto de estudo do Direito Penal é a própria norma jurídica (Binding, Von Liszt). E, de outro lado, a escola italiana, cujo centro de estudo era o fenômeno criminal e o criminoso - dados da realidade/fatos sociais, dando origem a Escola Positiva (Lombroso, Garofalo e Ferri). ESCOLAS PENAIS Escola Clássica A doutrina ensina que, na verdade, não houve uma escola “Clássica”, tendo em vista que referida denominação lhe foi dada pelos positivistas, com uma conotação pejorativa, no sentido de antiga, ou seja, de ultrapassada. ROGERIO GRECO34 ensina que “as ideias postuladas pela Escola Clássica ainda podem ser consideradas como o fundamento dos modernos sistemas jurídico-penais aplicados em todo o mundo. Com o surgimento da Escola Clássica, no século XVIII, e principalmente por intermédio da obra de Beccaria (1764 – dos delitos e das penas) e de Bentham (1789 – Introdução aos princípios da moral e da legislação), inúmeros princípios começaram a ganhar corpo, a exemplo dos princípios da necessidade e da suficiência da pena, proporcionalidade, utilidade, prevenção geral e especial, in dubio pro reo, publicidade dos julgamentos, presunção de inocência, culpabilidade, dentre outros, 34 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 117.
  • 20. 20 sem falar, talvez, na maior conquista da história da humanidade, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, fazendo com que a pena deixasse de ser aflitiva, tendo o corpo do criminoso deixado de ser objeto da pena, evoluindo para a privação da liberdade”. Ademais, em resumo, a Escola Clássica era fundamentada nos seguintes postulados: • Livre-arbítrio; • Dissuasão; • Prevenção; e • Retribuição. ROGERIO GRECO35 explica que “por livre-arbítrio entendia-se a capacidade que tinha o agente de decidir entre a prática de um comportamento lícito ou ilícito. Na precisa lição de Pablos de Molina, a determinação sempre justa da lei, igual para todos e acertada, é infringida pelo delinquente em uma decisão livre e soberana. Falta na Escola Clássica uma preocupação inequivocamente etiológica (preocupação em indagar as “causas” do comportamento criminoso), já que sua premissa iusnaturalista a conduz a atribuir a origem do ato delitivo a uma decisão “livre” do seu autor, incompatível com a existência de outros fatores ou causas que pudessem influir no seu comportamento”. Ademais, a pena deveria ser utilizada como fator de dissuasão na escolha de cometer ou não um delito. Assim, na comparação entre o mal da pena e o benefício a ser alcançado pela prática da infração penal, aquele teria de ser um fator desestimulante ao agente. No que se refere à função preventiva da pena, tanto geral quanto especial, ROGERIO GRECO36 cita Beccaria, o qual já dizia que “o fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo”. Por fim, o autor37 cita Carrara, o qual “depois de afirmar, no § 604 do programa do curso de direito criminal, que existe uma lei eterna, absoluta, constituída pelo complexo dos preceitos diretivos da conduta externa do homem, revelada por Deus à humanidade, por meio da simples razão, sob o enfoque ético-jurídico, deixando transparecer seu caráter retributivo, nos §§ 622 e 623 da obra citada, diz que a pena: “Que em nada remedeia o mal material do delito, é terapêutica eficacíssima e única para o mal de ordem moral. Sem ela, os cidadãos que pela repetição das malfeitorias sentiriam cada dia mais esvair-se a própria segurança, seriam constrangidos ou a entregar-se às violentas reações privadas, perpetuando a desordem e substituindo o governo da força ao da razão, ou a abandonar uma sociedade incapaz de protegê-los. Dessa maneira: o fim último da pena é o bem social, 35 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 118 e 119. 36 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 119. 37 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 119 e 120.
  • 21. 21 representado pela ordem que se diligencia graças à tutela da lei jurídica; e o efeito do fato penal se conjuga à causa que o legitima”. Escola Positiva Cesare Lombroso foi o introdutor do positivismo, método científico utilizado nas ciências naturais, a exemplo da Física, da Botânica, da Medicina ou da Biologia. ROGERIO GRECO38 explica que “para Lombroso, a observação e a medição deviam constituir as estratégias habituais do conhecimento criminológico, além da racionalidade e da especulação do mundo jurídico. Suas ideias deram origem à Escola Biológica da Criminologia, que também ficou conhecida como Escola Italiana”. Lombroso defendia que o criminoso nato tinha um regresso atávico. Segundo ele, muitas das características do criminoso também eram próprias das formas primitivas dos seres humanos. ROGERIO GRECO39 cita as lições de GAROFALO, o qual aduz que “a ideia do atavismo foi sustentada por Lombroso, em vista da semelhança entre os caracteres físicos e morais do delinquente e do selvagem, considerado como representante do homem primitivo; o confronto entre alguns caracteres de crânios pré-históricos e de crânios de delinquentes e ainda o estudo psicológico das crianças, que representam estágios atrasados da evolução humana e nas quais se encontram muitos fatos comuns aos selvagens e aos criminosos, reforçam a opinião do grande escritor. A verdade destas aproximações é indiscutível, independentemente da hipótese de que as produz uma regressão atávica”. Por fim, vale mencionar as lições de Heleno Fragoso, citadas por ROGERIO GRECO40 , o qual conclui que os princípios básicos da Escola Positiva são os seguintes: “(a) o crime é fenômeno natural e social, estando sujeito às influências do meio e aos múltiplos fatores que atuam sobre o comportamento. Exige, portanto, o método experimental ou o método positivo para explicação de suas causas; (b) a responsabilidade penal é responsabilidade social (resultado do simples fato de viver o homem em sociedade), tendo por base a periculosidade do agente; (c) a pena é exclusivamente medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou à sua neutralização, nos casos irrecuperáveis; (d) o criminoso é sempre psicologicamente um anormal, de forma temporária ou permanente, apresentando também muitas vezes defeitos físicos; e (e) os criminosos podem ser classificados em tipos (ocasionais, habituais, natos, passionais e enfermos da mente).”. 38 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 122. 39 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 124. 40 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 125.
  • 22. 22 Outras Escolas Ao longo dos anos outras escolas penais foram surgindo. Dentre elas podemos mencionar: • Terceira Escola: A terceira escola também foi denominada de Positivismo Crítico. Ela tinha como finalidade conciliar as posições das Escolas Clássica e Positiva. Seus principais defensores foram: Alimena, Carnevale e Impalomeni. • Escola Moderna Alemã: A escola moderna alemã trata-se de uma escola reconhecida na Alemanha. Ela também foi denominada de Escola Moderna ou de Positivismo Crítico, Escola de Política Criminal e, ainda, Escola Sociológica. Tinha como precursor o austríaco Franz Ritter von Liszt. Vale ressaltar que é de Franz von Liszt a famosa frase que diz: “O Código Penal é a Carta Magna do delinquente e o Direito Penal é a barreira intransponível da Política Criminal”. • Escola Técnico-Jurídica: A escola técnico-jurídica teve como um de seus precursores o alemão Karl Binding, bem como, na Itália, o jurista Arturo Rocco. Segundo ROGERIO GRECO41 , “outro representante da Escola Técnico-Jurídica foi Vincenzo Manzini, autor dos tratados de Direito Penal e de Direito Processual Penal. Na verdade, mais do que uma escola, o tecnicismo jurídico é uma orientação, uma metodologia de estudo, levando-se a efeito o estudo sistemático do Direito Penal”. • Escola Correcionalista: ROGERIO GRECO42 explica que “de inspiração clássica, a Escola Correcionalista surgiu em 1839, tendo o professor de Heidelberg, Carlos Davi Augusto Roeder, como seu precursor, que concebia o Direito, segundo Noronha, como o “conjunto de condições dependentes da vontade livre, para cumprimento do destino do homem”. Roeder defendia que a pena não podia ter um tempo determinado, já que servia para corrigir aquele que praticou a infração penal, e devia durar o tempo que fosse necessário para isso. Cessada a necessidade, consequentemente, deveria cessar também o cumprimento da pena. Essa corrente não teve grandes acolhidas em seu país de origem, a Alemanha, sendo, no entanto, mais bem difundida e aperfeiçoada na Espanha, principalmente por intermédio de Pedro García Dorado Monteiro e Concepción Arenal”. • Escola da Nova Defesa Social: A escola da nova defesa social surgiu ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, após a constatação das atrocidades cometidas pelos nazistas. 41 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 128. 42 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 128 e 129.
  • 23. 23 Surgiu, assim, com uma forte reação humanista e humanitária. Teve como mentor o jurista italiano Filippo Gramatica.
  • 24. 24 3. FONTES DO DIREITO PENAL Como nos demais ramos do Direito, de plano, a fonte se subdivide em formal e material. FONTE MATERIAL A FONTE MATERIAL também é denominada de fontes substanciais ou de produção. Por fonte material entende-se o órgão estatal responsável pela produção da norma penal, que, no Brasil, nos termos do artigo 22, I, da CF/88, tem-se a União como sendo a fonte material do Direito Penal. CF/88. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; O parágrafo único, do mesmo dispositivo constitucional, prevê uma exceção: CF/88. Art. 22. (...) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. Significa dizer que, em tese, é possível que a União autorize os Estados a normatizar questões (funcionar como fonte do direito penal) em questões específicas, desde que autorizados por lei complementar. Há limites para essa delegação de competência penal? Doutrinariamente, fala-se que tal delegação de competência deve-se restringir a temas de interesse local/regional dos Estados, não podendo tratar de temas fundamentais ou principiológicos do Direito Penal (legalidade; presunção de inocência e etc). FONTE FORMAL A FONTE FORMAL, também denominada de conhecimento ou de cognição, por sua vez, relaciona-se a instrumentalização da norma penal. Segundo a doutrina clássica ela subdivide-se em imediata e mediata. Fonte formal imediata
  • 25. 25 A LEI é a única fonte formal imediata do Direito Penal. Isso porque, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, nos termos do artigo 5º, XXXIX, da CF/88 e do artigo 1º do CP. CF/88. Art. 5º. (...) XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; CP. Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Nesse sentido, ROGERIO GRECO43 anota que “para saber se determinada conduta praticada por alguém é proibida pelo Direito Penal, devemos recorrer exclusivamente à lei, pois somente a ela cabe a tarefa, em obediência ao princípio da legalidade, de proibir comportamentos sob a ameaça de pena”. Fonte formal mediata A fonte formal mediata do Direito Penal abrange os costumes e os princípios gerais de Direito. ANDRÉ ESTEFAM44 ensina que “tais fontes formais sofrem importante limitação como decorrência do princípio da legalidade (CF, art. 5º, XXXIX, e CP, art. 1º). Não se admite que de seu emprego resulte o surgimento de crimes não previstos em lei ou, ainda, a agravação da punibilidade de delitos já existentes. Os princípios gerais do direito e os costumes, portanto, somente incidem na seara da licitude penal, ampliando-a. Os trotes acadêmicos, por exemplo, traduzem uma prática reconhecida e costumeira, de modo que possíveis infrações, como injúria (ex.: referir-se ao calouro como “bicho”) ou constrangimento ilegal (ex.: obrigar o novato a repetir cânticos satíricos contra a sua vontade), são consideradas permitidas à luz do art. 23, III, do CP (exercício regular de um direito). Os costumes, além disso, representam importante recurso interpretativo, sobretudo no tocante aos elementos normativos presentes em alguns tipos penais (p. ex., a expressão “ato obsceno” no art. 233 do CP (...)”. Vale ressaltar que os costumes são classificados pela doutrina como: • Costumes contra legem: contrários à lei; • Costumes praeter legem: além da lei; e 43 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 138. 44 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 116 e 117.
  • 26. 26 • Costumes secundum legem: absorvidos pela própria lei. Ademais, ROGÉRIO GRECO45 anota que “discute-se, comumente, se os costumes têm o poder de revogar as leis, ou, melhor dizendo, se a prática reiterada de determinadas condutas teria o condão de afastar a aplicação da lei penal. O jogo do bicho é o exemplo clássico daqueles que defendem a tese dessa possibilidade. Não obstante algumas posições contrárias, o pensamento que prevalece, tanto na doutrina quanto em nossos tribunais, é no sentido da impossibilidade de se atribuir essa força aos costumes”. Assim, os costumes não revogam lei penal. Nesse sentido, vejamos o que dispõe a LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/42): LINDB. Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Nesse sentido são as lições de Bobbio, citadas por ROGÉRIO GRECO46 quando aduz que “nos ordenamentos em que o costume é inferior à lei, não vale o costume ab-rogativo; a lei não pode ser revogada por um costume contrário”. Portanto, não se pode falar em revogação de leis pelos costumes, mas tão somente por outra lei de mesma ou superior hierarquia. Segundo ROGÉRIO GRECO47 “embora não possam revogar a lei penal, os costumes fazem com que os elaboradores da lei repensem a necessidade ou não da permanência, em nosso ordenamento jurídico, de determinado tipo penal incriminador. Da mesma forma que os costumes, o desuso de certa lei penal não traz a ideia de sua revogação, podendo ser ela aplicada a qualquer momento”. No que se refere aos princípios gerais do Direito, tratam-se de normas fundamentais do sistema. De acordo com as lições de Frederico Marques, citadas por ROGÉRIO GRECO48 , “no campo da licitude do ato, há casos onde só os princípios do direito justificam, de maneira satisfatória e cabal, a inaplicabilidade das sanções punitivas. É o que sucede nas hipóteses onde a conduta de determinada pessoa, embora perfeitamente enquadrada nas definições legais da lei penal, não pode, ante a consciência ética e nas regras do bem comum, ser passível de punição”. 45 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 139 e 140. 46 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 140. 47 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 140. 48 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Página 140.
  • 27. 27 ANALOGIA EM DIREITO PENAL A analogia trata-se de um método de integração do ordenamento jurídico, sendo um mecanismo utilizado para suprir lacunas. Segundo ANDRÉ ESTEFAM49 , “consiste em “aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado”. Para utilizá-la, portanto, é preciso que se verifiquem dois pressupostos: 1º) existência de uma lacuna na lei; 2º) encontro no ordenamento jurídico de uma solução legal semelhante, vale dizer, uma regra jurídica que tenha sido estipulada para regular caso análogo. Funda- se a analogia no princípio ubi eadem legis ratio, ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão legal, aplica-se o mesmo dispositivo)”. Entretanto, no Direito Penal, somente se admite a analogia in bonam partem, isto é, aquela utilizada em benefício do sujeito ativo da infração penal. ANDRÉ ESTEFAM50 exemplifica da seguinte forma: “o art. 22 do CP contém duas causas legais de inexigibilidade de conduta diversa (a coação moral irresistível e a obediência hierárquica). A presença destas excludentes importa na absolvição do agente, o qual será declarado pelo juiz “isento de pena”. Em que pese existirem somente duas situações contempladas na Lei Penal, admite-se que o réu seja absolvido sempre que o juiz considerar que não se podia exigir dele outra conduta (isto é, na situação concreta ele não tinha condições de se comportar de outro modo), ainda quando o caso não seja de coação moral irresistível ou de obediência hierárquica. Fala-se em causa “supralegal” (ou seja, não prevista em lei) de inexigibilidade de conduta diversa. A ampliação da norma permissiva contida no art. 22 do CP baseia-se na analogia in bonam partem”. Todavia, é proibido a analogia in malam partem, ou seja, aquela em prejuízo do sujeito ativo da infração penal, pois importa na criação de delitos não previstos em lei ou no agravamento da punição de fatos já disciplinados legalmente, atentando, portanto, contra o princípio da legalidade. ANDRÉ ESTEFAM51 exemplifica da seguinte forma: “o art. 63 do CP define como reincidente aquele que comete crime depois de ter sido condenado com trânsito em julgado por outro crime, no Brasil ou no estrangeiro. O art. 7º da Lei das Contravenções Penais, por sua vez, estipula ser reincidente o agente que pratica uma contravenção penal depois de ter sido condenado definitivamente por outro crime, no Brasil ou no estrangeiro, ou por outra contravenção penal no Brasil. Na combinação dos 49 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 117. 50 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 117 e 118. 51 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 118.
  • 28. 28 dispositivos nota-se uma lacuna: não é reincidente o autor de um crime praticado após ter sido ele irremediavelmente condenado por uma contravenção penal. Em suma, se o agente for condenado de modo definitivo por uma contravenção penal e, após, cometer outra contravenção, será reincidente, mas, se praticar um crime, será primário! Tal omissão do legislador gera uma situação injusta, que não pode ser corrigida pelo emprego da analogia, causando reincidência em ambas as situações, sob pena de agravar a punição de um fato sem expressa previsão legal”. Ademais, vale ressaltar que há duas espécies de analogia: • Analogia legis: aquela que se dá com a aplicação de uma norma existente a um caso semelhante. • Analogia juris: aquela em que se dá quando não existir nenhum dispositivo aplicável à espécie, nem sequer de modo indireto. Assim, haverá um instituto inteiramente novo, isto é, sem similar conhecido. Desse modo, recorre-se a um complexo de princípios jurídicos, ao sistema inteiro.
  • 29. 29 4. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PENAL É sabido que as revoluções liberais – notadamente a francesa e a americana – promovem verdadeiro rompimento com o Absolutismo enquanto forma de Estado predominante nos países da Europa, que, por sua vez, tinha como principal característica o exercício do poder pelo Soberano de modo ilimitado, com legitimação “divina” (atestado pelos representantes de Deus na Terra: a Igreja). Dentre os atributos de tal ilimitado poder estava o de regular a ordem social, e, portanto, o exercício da atribuição sancionatória aquelas pessoas que infringiam as regras ditadas universal e exclusivamente pelo detentor do poder: o Rei. Tal como visto acima, a Idade Média vivenciou a fase Penal da Vingança com “um direito descontrolado, inteiramente adjudicado ao soberano, que, para além de poder criar crimes e penas, pode também preencher a lei com o conteúdo que lhe aprouver”. Ele cria a regra tipificadora do comportamento reprovável, ao mesmo tempo em que sanciona, e, também, executa as penas – de preferência, em praça pública, para gerar o efeito de docilização e adequação comportamental nos demais membros da sociedade. Não há limite ao poder punitivo do Estado-soberano. A noção de Estado Democrático de Direito busca nesse recorte histórico a sua primordial característica, segundo a qual a figura do soberano é substituída por um Texto Normativo: a Constituição. Conforme JUNQUEIRA e VANZOLINI52 , “a Constituição Federal é o documento que traça e fixa a forma do Estado brasileiro. Essa forma é, em linhas gerais, a de um “Estado Social e Democrático de Direito”. A partir dessa forma é que todo o restante do ordenamento se conforma, inclusive e principalmente o ordenamento jurídico penal”. Daí porque, devido ao nível de sensibilidade e importância dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, tem-se na Constituição alguns Princípios e Garantias individuais que reverberam na aplicação do Direito Penal, notadamente porque sua aplicação também serve de fermenta de controle social. JUNQUEIRA e VANZOLINI53 , anotam que “o Direito Penal só pode ser tido como eficiente à medida que suas normas são respeitadas e seu objetivo é alcançado, ou ao menos maximizado. Possível concluir que não é eficiente um Direito Penal que descumpre ou minimiza princípios constitucionais penais como a legalidade ou a culpabilidade, tampouco o que incrementa violência na sociedade, ou é inadequado para a prometida tutela subsidiária de bens jurídicos. Na verdade, é 52 Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva Educação. Edição do Kindle. Página 37. 53 Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva Educação. Edição do Kindle. Página 38.
  • 30. 30 justamente pelo fato de que o Direito Penal é uma estratégia de controle, e, portanto, de segurança, intrinsecamente violenta, que os limites e contornos claros traçados pelos princípios são tão necessários. Tais princípios, por sua vez, ainda que não expressos no texto da carta magna, são uma decorrência direta do molde constitucional sobre o qual se apoiam, vale dizer, do molde de um Estado Social e Democrático de Direito”. Qual a diferença de princípio e regra? Em sentido amplo, os princípios – sejam eles penais ou não, podem ser tanto expressos ou positivados na lei, ou, ainda, implícitos, quando advém daqueles que estão consignados no ordenamento e, consequentemente, surgem a partir de aplicação da hermenêutica jurídica. Cite-se como exemplo de princípio expresso aquele previsto no artigo 5º, XLVI, da CF/88, denominado de “individualização da pena”, do qual deriva outro: o princípio da proporcionalidade. Este, por sua vez, carrega a ideia de que a fixação da pena deve buscar um necessário equilíbrio entre o grau de reprovabilidade da infração e a severidade da pena. De outro lado, as regras compõem comandos normativos específicos, que, no Direito Penal, caracterizam-se por trazerem, a rigor, pressupostos objetivos atinentes a comportamentos reprováveis (“matar alguém”), consignando a sanção penal respectiva para a hipótese de tipificação da conduta segundo os específicos termos da norma penal. Para RONALD DWORKIN54 , “as regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada, (...) os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou da importância, pois quando os princípios se entrecruzam [...], aquele que vai resolver o conflito tem levar em conta a força relativa de cada um”. PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO A BENS JURÍDICOS Em razão de sua importância histórica e social, alguns direitos e garantias individuais consubstanciam-se em bens jurídicos, porquanto tutelados pela lei ou até mesmo pela própria Constituição. 54 SANCHES CUNHA, Rogério apud RONALD DWORKIN in Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. Página 78.
  • 31. 31 Igualmente, para o Direito Penal, a partir de um termômetro de importância social e política, alguns desses bens jurídicos (sentido lato) acabam por sendo abrangidos pela tutela penal – liberdade, patrimônio e etc. Segundo JUNQUEIRA e VANZOLINI55 , “a noção de bem jurídico passou a exercer então duas importantes funções: inicialmente uma função intrínseca (interna ao sistema), fornecendo um critério para a organização e interpretação dos tipos presentes no ordenamento. No nosso Código Penal os tipos são agrupados segundo o bem jurídico, por exemplo (“vida”, “patrimônio”, “dignidade sexual” etc.). Mas, posteriormente, passou a exercer uma função extrínseca (externa ao sistema) e consiste em fornecer critérios que possam definir o conteúdo das condutas passíveis de repressão penal, ou seja, quais comportamentos da vida merecem ser criminalizados. É nesse segundo sentido que atua o princípio da exclusiva proteção a bens jurídicos”. Ademais, ANDRÉ ESTEFAM56 ensina que o princípio da exclusiva proteção a bens jurídicos deriva “do princípio da dignidade da pessoa humana e do fato de o Brasil ser um Estado Democrático de Direito (isto é, todos se submetem ao império da lei, que deve possuir conteúdo e adequação social). Dele decorre que o direito penal não pode tutelar valores meramente morais, religiosos, ideológicos ou éticos, mas somente atos atentatórios a bens jurídicos fundamentais e reconhecidos na Constituição Federal”. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA De origem francesa (1.789), o princípio da intervenção mínima fundou-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, e pode ser definido na ideia de que o Direito Penal terá aplicação legítima somente quando for indispensável à proteção de um bem jurídico relevante. Conforme ensinam JUNQUEIRA e VANZOLINI57 , “em uma expressão mais moderna, o referido princípio significa que o Direito Penal, pela violência que lhe é imanente, deve ser reservado como última medida de controle social. Dito de outra forma, o Direito Penal deve ser o último recurso ao qual o Estado recorre para proteger determinados bens jurídicos e somente quando outras formas de controle não forem suficientes para alcançar tal resultado. Nas palavras de Bitencourt, “a criminalização de uma conduta só é legitima se constituir meio necessário para a proteção de ataques contra bens jurídicos importantes”. 55 OCTAVIANO, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; FIGUEIREDO, Maria Patrícia Vanzolini. Manual de Direito Penal. Saraiva Educação. Edição do Kindle. Página 41. 56 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 236. 57 Octaviano, Gustavo; JUNQUEIRA, Diniz; Figueiredo, Maria Patrícia VANZOLINI. Manual de Direito Penal. Saraiva Educação. Edição do Kindle. Páginas 45 e 46.
  • 32. 32 ROGERIO SANCHES CUNHA58 ensina que “o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de modo que a sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle (caráter subsidiário), observando somente os casos de relevante lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado (caráter fragmentário)”. O Direito Penal, regido pelo princípio da intervenção mínima, deve ocupar-se da proteção dos bens jurídicos mais valorosos e necessários à vida em sociedade, intervindo somente quando os demais ramos do direito não forem capazes de fazê-lo. RHC 190.315, Rel. Ministro EDSON FACHIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 22/02/2021. Por tais razões diz-se que, enquanto ramo do Direito, a vertente penal será utilizada, portanto, como última ratio, em evidente caráter subsidiário (após o Civil; Administrativo; o Tributário e etc). A subsidiariedade está para o aspecto qualitativo (aplicação excepcional, após ineficácia de outros meios) do controle social, enquanto a fragmentariedade se aloca no aspecto quantitativo (apenas uma parcela dos fatos ilícitos: os mais relevantes). Nesse sentido, a partir do desdobramento da fragmentariedade tem-se o surgimento do princípio da insignificância. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (OU BAGATELA PRÓPRIA) A doutrina tradicional sempre entendeu a tipicidade como sendo a SUBSUNÇÃO DO FATO À NORMA, sendo o “fato” a conduta do agente que se enquadra à norma abstrata. Essa teoria é denominada de “tipicidade formal”. Contudo, atualmente, ROGÉRIO SANCHES ensina existir uma tendência em conceituar a tipicidade penal a partir do que se denomina de “tipicidade conglobante”, que deve ser compreendida a partir de dois aspectos: 1º) Se a conduta representa relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado (tipicidade material); 2º) Se a conduta é determinada ou fomentada pela lei (antinormatividade). 58 SANCHES CUNHA, Rogério apud RONALD DWORKIN in Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. Página 80.
  • 33. 33 Significa dizer que não basta apenas a existência de previsão normativa abstrata amoldando perfeitamente a conduta humana em exame ao tipo penal. Deve se aferir se houve relevante violação ao bem jurídico. É aqui que surge a aplicação do princípio da insignificância, atuando a partir de um entendimento trazido pela teoria da tipicidade conglobante, mais especificamente no elemento material. Para SANCHES59 , “o legislador, ao tratar da incriminação de determinados fatos, ainda que norteado por preceitos que limitam a atuação do Direito Penal, não pode prever todas as situações em que a ofensa ao bem jurídico tutelado dispensa a aplicação de reprimenda em razão de sua insignificância. Assim, sob o aspecto hermenêutico, o princípio da insignificância pode ser entendido como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. Sendo formalmente típica a conduta e relevante a lesão, aplica-se a norma penal, ao passo que, havendo somente a subsunção legal, desacompanhada da tipicidade material, deve ela ser afastada, pois que estará o fato atingido pela tipicidade”. CARLOS VICO MANÃS60 , eminente desembargador do TJSP, ensina que “o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da fragmentariedade do direito penal. Para ele, tal princípio funda-se "na concepção material do tipo penal, por intermédio do -qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal”. ANDRÉ ESTEFAM61 ensina ainda que “o princípio da insignificância ou da bagatela foi desenvolvido por Claus Roxin. Para o autor, a finalidade do Direito Penal consiste na proteção subsidiária de bens jurídicos. Logo, comportamentos que produzam lesões insignificantes aos objetos jurídicos tutelados pela norma penal devem ser considerados penalmente irrelevantes. A aplicação do princípio produz fatos materialmente atípicos. Na atualidade, a aceitação deste princípio é praticamente unânime. A divergência consiste, no mais das vezes, em se definir, no caso concreto, se a lesão ao bem jurídico foi diminuta (e, portanto, penalmente relevante) ou insignificante (logo, atípica)”. 59 SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Vol. Único. Juspodvm : Salvador, 2021. Página 83. 60 CARLOS VICO MANÃS. O Princípios a insignificância como excludente da tipicidade do Direito Penal, 1ª ed., São Paulo: Saraiva. Páginas 56 e 81. 61 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 231.
  • 34. 34 Posicionamento da Jurisprudência Superior A aplicação do princípio da insignificância não é irrestrita, ou seja, o “valor” econômico do bem, de per si, não é suficiente para atrair o princípio da bagatela. Por tal razão, os Tribunais Superiores têm fixado requisitos para legitimar a utilização do referido princípio, que, para o Supremo Tribunal Federal (STF) são: a) Mínima ofensividade da conduta do agente; b) Ausência de periculosidade social da ação; c) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) Inexpressividade da lesão jurídica causada. Por outro lado, há na doutrina quem critique tal enquadramento para aplicação do princípio. Segundo PAULO QUEIROZ, “se mínima a ofensa, então a ação não é socialmente perigosa; se a ofensa é mínima e ação não perigosa, em consequência, mínima ou nenhuma é a reprovação, e, pois, inexpressiva a lesão jurídica. Enfim, os supostos requisitos apenas repetem a mesma ideia por meio de palavras diferentes, argumentando em círculo”. Verifica-se que não é possível fixar uma premissa absoluta para aplicação do princípio da bagatela, sendo possível encontrar diversos julgados ora aplicando ora afastando tendo como parâmetros as circunstâncias do caso concreto. Abaixo elenca-se alguns julgados importantes para a compreensão do princípio.  Crimes Ambientais Apesar da natureza difusa do bem jurídico tutelado pela lei (meio ambiente), tanto STJ quanto o STF já ADMITIRAM a aplicação do princípio da insignificância a imputações de crimes ambientais em circunstâncias bastante específicas: (...) Paciente que sequer estava praticando a pesca e não trazia consigo nenhum peixe ou crustáceo de qualquer espécie, quanto mais aquelas que se encontravam protegidas pelo período de defeso. III – “Hipótese excepcional a revelar a ausência do requisito da justa causa para a abertura da ação penal, especialmente pela mínima ofensividade da conduta do agente, pelo reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e pela inexpressividade da lesão jurídica provocada” (Inq 3.788/DF, Rel. Min.
  • 35. 35 Cármen Lúcia). Precedente. IV – Agravo regimental a que se nega provimento. (HC 181235 AgR; STF. Órgão julgador: Segunda Turma; Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Julgamento: 29/05/2020; Publicação: 26/06/2020) HC 143208 / SC. HABEAS CORPUS. AÇAO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA . APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA. (...) Hipótese em que, com os acusados do crime de pesca em local interditado pelo órgão competente, não foi apreendido qualquer espécie de pescado, não havendo notícia de dano provocado ao meio-ambiente, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante. 3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado . 4. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, trancar a Ação Penal n. 2009.72.00.002143-8, movida em desfavor dos pacientes perante a Vara Federal Ambiental de Florianópolis/SC. (STJ/HC 143208 / SC - Data do Julgamento - 25/05/2010) Ao revés, há diversos julgados no STJ AFASTANDO a aplicação da insignificância, notadamente quando o elemento da tipicidade material estiver bastante destacado no caso concreto: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PESCA EM ÉPOCA E COM PETRECHOS PROIBIDOS. APREENSÃO DE 12 CAMARÕES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não é insignificante a conduta de pescar em época proibida, e com petrechos proibidos para pesca (tarrafa, além de varas de pescar), ainda que pequena a quantidade de peixes apreendidos." (REsp 1.685.927/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/9/2017, DJe 27/10/2017). 2. Agravo regimental desprovido.
  • 36. 36  Improbidade Administrativa Tema controverso na doutrina, que, especialmente após o pacote anticrime e a alteração da Lei de Improbidade (passou a admitir acordo de NÃO persecução cível), ganhou força a corrente que defende a POSSIBILIDADE de aplicação do princípio da insignificância aos crimes com conteúdo de improbidade administrativa. A corrente que sustenta a impossibilidade funda-se na ideia de que o bem jurídico tutelado é indisponível e não comporta mitigações. Daí porque, inclusive, o STJ, na seara penal, editou a Súmula nº 599: Súmula nº 599 do STJ: O princípio da insignificância é INAPLICÁVEL aos crimes contra a administração pública. Nesse sentido, foi emblemático o voto do Ministro Herman Benjamin no REsp 892.818/RS, julgado em 11/11/2008: “Como o seu próprio nomen iuris indica, a Lei 8.429/92 tem na moralidade administrativa o bem jurídico protegido por excelência, valor abstrato e intangível, nem sempre reduzido ou reduzível à moeda corrente. A conduta ímproba não é apenas aquela que causa dano financeiro ao Erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria ao art. 10, emparedados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9 e 11. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, não há como aplicar a lei com calculadora na mão, tudo expressando, ou querendo expressar, na forma de reais e centavos.” REsp 892.818/RS, julgado em 11/11/2008. Lado outro, os defensores da aplicação do princípio da insignificância, defendem que podem incidir a depender do caso concreto ou sobre qualquer bem jurídico – análise casuística, portanto. Há precedentes no STJ admitindo a aplicação, a exemplo do REsp 1.536.895/RJ (2015), envolvendo a contribuição do Município do Rio de Janeiro para construção de uma pequena igreja dedicada à devoção de São Jorge, na periferia da Cidade do Rio de Janeiro, no valor de R$ 150.000,00), e, ainda, o AgRg no REsp 968447/PR (2015), caso que envolvia a conduta de Prefeito que “deixou de fornecer certidão e outros documentos requeridos por cidadão”.
  • 37. 37 Destaca-se caso recentemente julgado pelo STJ, afastando a aplicação da insignificância, numa situação em que o prefeito que utilizou do cargo público para impulsar a campanha de reeleição. O STJ considerou ato ímprobo de elevada gravidade, sendo inviável a aplicação do referido princípio. “(...) não há absolutamente nada de insignificante na conduta não republicana consistente em utilizar recursos públicos para fins de projeção pessoal, de sorte que a proteção do bem jurídico violado justifica a incidência das regras da Lei n. 8.429/92 – ver AgInt no REsp 1774729/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10/12/2019.  Porte/posse de arma de fogo e munição O STJ possui julgados no sentido de que o crime previsto no art. 12 da Lei nº 10.826/2003 é de perigo abstrato, sendo desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social, colocadas em risco com a posse de munição, ainda que desacompanhada de arma de fogo, revelando-se despicienda a comprovação do potencial ofensivo do artefato através de laudo pericial. A despeito disso, tanto STF quanto STJ possuem julgados diversos, ora aplicando e ora afastando a insignificância de crimes envolvendo porte/posse ilegal de arma de fogo. Em 2019, o STJ entendeu que a apreensão de pequena quantidade de munição, desacompanhada da arma de fogo, PERMITE a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 517.099/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 06/08/2019. Por outro lado, a 5ª e a 6ª Turma do C. STJ, em 2021, julgaram no sentido de que a simples constatação de os cartuchos apreendidos estarem desacompanhados de arma de fogo, por si só, não basta para a aplicação da insignificância, devem se aferir a situação concreta à luz dos requisitos estabelecidos pelo STF (supra indicados). STJ. 3ª Seção. EREsp 1.856.980, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/09/2021 (Info 710)  Furto de mercadoria de baixo valor e agente reincidente Sobre o furto de mercadoria de baixo valor e agente reincidente o STF já decidiu o seguinte: É POSSÍVEL APLICAR o princípio da insignificância para o furto de mercadorias avaliadas em R$ 29,15, mesmo que a subtração tenha
  • 38. 38 ocorrido durante o período de repouso noturno e mesmo que o agente seja reincidente. HC 181389 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 22-05- 2020 PUBLIC 25-05-2020.  Furto qualificado Em regra, NÃO se aplica o princípio da insignificância ao furto qualificado, salvo quando presentes circunstâncias excepcionais que recomendam a medida. Novamente, verifica-se o peso da hermenêutica casuística na definição do raio de aplicabilidade do referido princípio. (...) muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a APLICAÇÃO do princípio da insignificância. (HC 553.872/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020)  Agente com antecedentes criminais por crimes patrimoniais Sobre o agente com antecedentes criminais por crimes patrimoniais o STF já decidiu o seguinte: É POSSÍVEL a aplicação do princípio da insignificância para o agente que praticou o furto de um carrinho de mão avaliado em R$ 20,00 (3% do salário-mínimo), mesmo ele possuindo antecedentes criminais por crimes patrimoniais. STF. 1ª Turma. RHC 174784/MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/2/2020 (Info 966).  Crime contra a ordem tributária e descaminho No que se refere aos crimes contra a ordem tributária e descaminho o STJ já decidiu o seguinte: APLICA-SE o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado
  • 39. 39 não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo).  Crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas No que se refere aos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas, é INAPLICÁVEL o princípio da insignificância, conforme entendimento sumulado do STJ: Súmula nº 589 do STJ: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA (IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO, DESNECESSIDADE DA PENA) Modernamente, a doutrina distingue o princípio da insignificância (ou da bagatela própria) do princípio da bagatela imprópria. Tal como visto, a BAGATELA PRÓPRIA afasta a aplicação do Direito Penal (atipicidade da conduta) em razão da diminuta ou inexistência de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela lei. Por sua vez, a BAGATELA IMPRÓPRIA, trata-se de reconhecer a irrelevância penal de fatos delituosos pela DESNECESSIDADE DA PENA. O próprio juiz realiza a avaliação no caso concreto. ANDRÉ ESTEFAM62 ensina que “o reconhecimento dessa tese não implicaria a atipicidade material da conduta, mas o AFASTAMENTO DA CULPABILIDADE. A exclusão da culpabilidade se basearia numa leitura da teoria funcionalista da culpabilidade, segundo a qual a aplicação da pena deve ser calcada não só na constatação de que o indivíduo podia agir de outro modo, mas na avaliação do cumprimento (ou satisfação) de necessidades preventivas (ou seja, verificar se a aplicação da pena atenderia ao postulado da prevenção de novos crimes). Citam-se, como exemplo, situações em que a vítima de lesão corporal, em casos de violência doméstica contra a mulher, afirma em juízo, convencendo o magistrado, que a despeito da agressão perpetrada pelo agente continuam juntos, em 62 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Páginas 234 e 235.
  • 40. 40 situação de convivência amorosa/familiar pacificada. Essa realidade, de acordo com o entendimento em análise, tornaria a aplicação de pena desnecessária. Assim, mesmo que o réu se revelasse culpado, caberia sua absolvição, dada a “irrelevância penal do fato”. Essa tese, com a qual não aquiescemos, olvida, sobretudo, do caráter preventivo geral da pena (ou seja, sua eficácia intimidatória aos membros da coletividade). Essa finalidade preventiva geral da pena, embora passível de debates doutrinários, é reconhecida (implicitamente) na lei (CP, art. 59, caput). De toda sorte, a tese é rechaçada pela jurisprudência, como se nota na Súmula 589 do STJ: “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas”. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL O princípio da adequação social parte da ideia de que o Direito Penal tem que ser aplicado com um mínimo de racionalidade, não fazendo sentido incriminar comportamentos socialmente adequados. ANDRÉ ESTEFAM63 exemplifica da seguinte forma: “imaginemos, por exemplo, uma norma que vedasse doações a pessoas carentes, impondo a quem a desrespeitasse pena de detenção. Não há como negar o absurdo em que esta norma resultaria. O legislador não pode agir de modo arbitrário, incriminando toda e qualquer conduta, sem critério algum. Por esse motivo, a tipificação de fato socialmente adequado deve ser repudiada e, dada sua incompatibilidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, tida por inconstitucional. Assim como ocorre em relação ao princípio da insignificância, o reconhecimento da adequação social deve implicar a ATIPICIDADE MATERIAL DO FATO”. Vale ressaltar que o princípio da adequação social assemelha-se ao da intervenção mínima, todavia, pauta-se, essencialmente, na aceitação da conduta pela sociedade. ROGÉRIO GRECO64 ensina que o princípio da adequação social, na verdade, possui dupla função. Uma delas “é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade. A sua segunda função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas orienta o legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que está na mira do legislador for considerada socialmente adequada, não poderá ele reprimi-la valendo-se do Direito Penal. Tal princípio serve-lhe, portanto, como norte. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador 63 ESTEFAM, André Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 – v. 1 / André Estefam. – 11. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022. (Coleção Direito Penal). Página 238. 64 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. d. – Barueri [SP]: Atlas, 2022. Páginas 214 e 215.