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HUBERTO ROHDEN
ESCALANDO
O HIMALAIA
COLÓQUIOS COM DEUS E
SOLILÓQUIOS COM MINHA ALMA
UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA
A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar
é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.
Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a
transição de uma existência para outra existência.
O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.
Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.
A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa
mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.
Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer
convenções acadêmicas.
ESCALANDO O HIMALAIA
Este livro é uma experiência metafísica. Mais do que isso, é uma vivência
espiritual.
O autor se confessa: “Outrora, ansiava eu por escalar o Himalaia da Ásia,
longe de mim... Outrora, sonhava eu com estranhas aventuras em terras
longínquas. Outrora, fascinava-me a idéia de atingir as culminâncias do
Everest. Hoje, me fascina a suprema audácia de galgar o Himalaia de dentro.
Hoje, me seduz a divina aventura de ascender ao Everest do meu ignoto EU.
Hoje, vou em demanda da montanha sagrada que, dentro de mim mesmo, se
ergue altíssima.
Hoje, sigo avante, rumo ao Everest de dentro, com os olhos fitos no excelso
ideal de minha suprema realização. Rumo ao grande Além-de-Dentro. Rumo
ao Himalaia do meu espírito.”
Escalando o Himalaia completa e finaliza outro livro de Rohden: o seu célebre
e misterioso A Voz do Silêncio. Ambos são convergentes na essência e na
forma. São obras incomuns, escritas inspiradamente, onde o processo criativo
transcende a análise e mergulha nas alturas da pura intuição cósmica.
Ambos são livros gestados e nascidos de um doloroso gozar e de um gozoso
sofrer, para uma beatitude metafísica. Poucas obras do autor atingiram clima
poético tão intenso e vivificante.
Rohden tinha uma preferência especial por estes livros, escritos em forma
versificada. Considerava-os leitura para pessoas adiantadas espiritualmente.
“Muito, para poucos”, na sua própria definição.
É a alma de Rohden que nos diz: “... É esta a sangrenta tragicidade da minha
vida. E, por entre esses pólos extremos, em dolorosa tensão bilateral, em
dinâmica passividade, se move a odisséia da minha existência rumo ao
Infinito... Sempre em demanda do termo final e sempre distante desse termo...
Sempre na linha reta do caminho certo e sempre cortado pelos ziguezagues de
mil linhas transversais...” É esta a minha doce amargura, é esta a minha
amarga doçura, a minha jornada ascensional rumo às alturas... A vida eterna
não é uma chegada. A vida eterna é uma jornada rumo ao Infinito.”
Sugerimos ao leitor deste livro que o leia como se ouvisse Back ou Haendel.
Sem análise e sem crítica. Quem assim o fizer, transcendentaliza-se.
Obra de poderosa atração espiritual.
ESCALANDO O
HIMALAIA DE DENTRO
Outrora, ansiava eu por escalar
O Himalaia da Ásia
Longe de mim...
Outrora, sonhava eu com estranhas aventuras
Em terras longínquas...
Outrora, fascinava-me a idéia
De atingir as culminâncias do Everest
E perder-me em imensos campos de neve...
Hoje me fascina a suprema audácia
De galgar o Himalaia de dentro,
Os píncaros do meu próprio ser,
Envoltos no mistério das nuvens...
Hoje me seduz a divina aventura
De ascender ao Everest do meu ignoto Eu...
Envolto em neves eternas,
Na imaculada alvura do meu Cristo interno,
No silêncio da Verdade infinita,
Na sacralidade mística do “Eu Sou”...
Por isto abandonei a profana querência
Do meu conhecido ego de antanho
E, pioneiro do Infinito,
Vivo os meus dias e minhas noites
Em demanda da montanha sagrada
Que, dentro de mim mesmo, se ergue
Altíssima,
Ignota,
Divina...
E todos os sacrifícios me são gozos,
E todas as tristezas me são alegrias,
E todos os espinhos me são rosas,
E todas as lágrimas me são sorrisos,
Porque são degraus da montanha sagrada,
Estágios do meu Himalaia de dentro...
E, ainda que tempestades desabem em derredor
E raios fuzilem por cima de mim,
E abismos negrejem sob os meus pés,
Ainda que sorridentes esplanadas me convidem a parar
Eu sigo avante, rumo ao Everest,
Sem medo dos perigos,
Com os olhos fitos no excelso ideal
Da minha suprema realização
Rumo ao grande Além-de-dentro...
Rumo ao Himalaia
Do meu espírito.
MEU SACROSSANTO TABU
Santo, santo, santo!
Três vezes longínquo, intangível,
Três vezes Transcendente,
És tu, ó Deus,
Meu sacrossanto Tabu...
Ninguém te pode ver,
E continuar a viver...
Ninguém te pode tanger,
E não deixar de morrer...
Tu és um “fogo devorador”,
Que a cinzas reduzes tudo
Que de ti se aproxime...
Tu és o pólo positivo do Absoluto
Que de ti repeles todos os pólos negativos dos Relativos.
Por isto te contemplo de longe,
Ó intangível Númeno!
Por isto, transido de terror,
Me afogo nas trevas do meu Nada,
Ante a Luz do teu Tudo...
* * *
E, no entanto, meu sacrossanto Tabu,
Tu, que és a Verdade Transcendente,
És também o meu Bem Imanente.
Tão propínqua me é a tua Presença
Quão longínqua me é a tua Ausência.
Tu és uma distante proximidade.
Tu és uma longínqua proximidade.
Tu és o meu amoroso Terror.
Tu és o meu terrífico Amor.
Tu és a minha luminosa Treva.
Tu és a minha tenebrosa Luz.
Sofro as torturas do teu Amor.
Gozo as delícias do teu Terror.
Adoro-te, Meu Deus,
Que és a mais longínqua das minhas propinquidades!
Amo-te, meu Deus,
Que és a mais propínqua das minhas longinquidades!
Tu és o que eu não sou
E sou o que tu és.
O pólo positivo do teu Absoluto
E também o pólo negativo do teu Relativo.
A tua terrífica Transcendência
E a tua beatífica Imanência.
E por isto, eu te temo
Amando,
E eu te amo
Temendo.
E essa tensão dinâmica entre o temor e o amor
É o segredo do meu gozo,
É a minha inefável beatitude.
Terrível é o teu Além-de-fora.
Amável é o teu Aquém-de-dentro
Tu és o meu terrível Amor.
Tu és o meu amável Terror!
Em ti se coadunam todos os paradoxos,
Em ti se sintetizam todas as antíteses,
Porque tu não és nem as antíteses,
Nem a síntese
Tu és a grande TESE,
Anterior a esta e àquelas.
Tu não existes, como eu
Tu ÉS, como só tu podes ser.
Tu és aquele que é!
A tua natureza é “SER”.
Tu és o SER eterno, absoluto,
Anônimo, amorfo, incolor,
Para além de tempo, espaço e causalidade.
Mas a luz incolor do teu SER
Revela-se no prisma multicor do teu existir.
Como Verdade transcendente tu és incolor,
Como Bem imanente tu és multicor.
Terrífico e benéfico ao mesmo tempo...
No teu SER tu és a Verdade
Sem nome, nem forma nem cor.
No teu existir, tu és o Amor
Envolto em nomes, formas e cores.
A tua Essência única se revela
Em tuas Existências múltiplas...
Tu és o Uno e o Verso
Do Universo.
Por isto eu te adoro e eu te amo,
Meu sacrossanto Tabu,
Meu beatífico Terror,
Meu terrífico Amor!...
Meu longínquo Além-de-fora,
Meu propínquo Além-de-dentro!...
Aleluia!...
Amém...
TRANSFORMAÇÃO VITAL
Negrejantes massas de feio esterco,
Informes, mal-cheirosas,
Cobrem os canteiros mortos
Do meu jardim hibernal,
Por que tanta fealdade manifesta
No meio de tanta beleza latente?
Mas, eis que sopram as auras matutinas,
Os refrigerantes hálitos de manhãs primaveris!
E do feio esterco nada sobrou
Tudo foi transformado em beleza...
Deslumbrantes pencas de rosas,
Esguios minaretes de zínias,
Mágicos botões de cravos,
Olhos azuis de miosótis,
Alvejantes estrelas de açucenas
Multiformes e multicores filhas
Da exuberância da Flora...
Rescendendo suaves fragrâncias,
Oferecendo cálices repletos de néctar...
Donde vieram essas belezas todas?
Tudo isto é esterco transformado,
Esse nauseabundo e informe adubo de ontem...
Oh! estupenda maravilha da vida invisível
Que com sua alma de luz permeou
As trevas da matéria inerte!...
* * *
E eu me lembrei de mim mesmo,
E dos meus sócios de jornada terrestre.
Lembrei-me dos homens que só conhecem
As coisas do mundo material,
Coisas inertes, escuras, repugnantes,
Deste mundo tangível dos sentidos,
Onde a matéria permanece material
Por falta de um princípio vital,
De uma alma espiritualizante...
Lembrei-me também de vós,
Meus austeros ascetas,
Que detestais de todo o coração
A matéria das coisas deste mundo,
Que vos isolais no beatífico paraíso do espírito,
Longe deste mundo imundo...
Se admiro a vossa sinceridade,
Meus austeros ascetas,
Lamento a vossa fraqueza,
Meus irmãos desertores...
Sois assaz fortes para desertardes do mundo
E assaz fracos para não transformardes pelo espírito
As materialidades do mundo...
Lembrei-me também de ti,
Pequenino rebanho de homens crísticos,
Vós que, como a vida da planta,
Penetrais e transformais as coisas escuras e opacas
Do mundo material.
E do seio de todas as materialidades,
Suscitais epopéias de espiritualidade,
Multiforme e multicor,
Perfumosas pétalas de amor e caridade,
Suaves néctares de alegria e felicidade,
Jardineiros da Divindade!
* * *
Quando a vida do Deus do mundo
Permeia todos os mundos de Deus,
Todos os mortos ressuscitam
E transbordam de vida juvenil.
Todas as matérias opacas
Se transformam em cristais diáfanos,
Irisando em milhares de cores
A luz Incolor
Da divindade...
ANSEIO POR UM FOGO VIVO
Quantas vezes, em horas de quietude,
Anseio por uma vida de luz e de paz,
Uma vida de harmonia, segurança, felicidade!
Quantas vezes entrevejo, ao longe,
Um reino de beatitude e de amor,
A acenar-me suavemente!...
E, nesses momentos de quietude dinâmica,
Eu me sinto assaz forte
Para superar todos os óbices
E romper caminho através dos impossíveis.
Mas... após dias, semanas e meses,
Desfalecem-me as forças...
Tudo em derredor é deserto árido...
Fastidiosa monotonia...
Cinzento areal...
Triste mediocridade...
É tão fácil começar,
Tão difícil continuar,
Dificílimo terminar...
E, perdendo de vista os longínquos páramos,
Eu me conformo novamente
Com a velha e cômoda rotina
Da vida horizontal de sempre...
Se todos assim vivem e vegetam,
Por que deveria eu ser uma exceção?
Não é isto tentação do meu lúcifer de dentro?
Querer ser herói e super-homem?...
E o meu velho egoísmo acomodatício
Doura de virtude a minha covardia...
Minha alma, porém, insatisfeita,
Continua a clamar pela luz,
Continua a ansiar pela paz imperturbável...
Mas essa luz e essa paz são filhas do sofrimento.
E eu ainda não sofri bastante...
Todas as minhas teses e teorias
Por mais verdadeiras e boas,
São como fogo pintado, artisticamente pintado
Na tela do meu ego...
Fogo fictício, sem luz nem calor...
Importa que sobre mim desabem
Dilúvios de dores,
Infernos de sofrimentos,
Oceanos de decepções,
Para que a fria inércia do meu fogo fictício
Se converta na ardente dinâmica de um fogo real!
Por isto, Senhor, não te peço que me poupes
Dores e decepções,
Rogo-te apenas as ponhas a serviço
Da minha cristificação,
Para que eu me realize plenamente
Em Cristo!...
Que eu seja crucificado, morto e sepultado,
Entre o Getsêmane e o Gólgota,
E ressuscite para uma vida nova,
Vida liberta dessas pequenas e grandes misérias
Que ainda me prendem a uma zona que não e minha...
Vida liberta, finalmente,
Desses ídolos e fetiches
Do meu velho ego...
Realizado em mim
A nova creatura em Cristo...
O PECADO DAS MINHAS ORAÇÕES
Penso com horror nas minhas preces de outrora,
Quando eu pedia alguma coisa
Vida, saúde, prosperidade e outros ídolos
Como se algo houvesse de real,
Fora de ti, meu Deus,
Realidade única, total, absoluta!
Como se em ti não estivessem contidas
Todas as coisas do universo!...
Como se todos esses pequenos “realizados”
Não fossem reflexos de ti, o grande “Real”!...
Tamanha era a minha ilusão dualista,
Que eu julgava poder possuir algum efeito individual
Sem possuir a Causa Universal!...
Hoje morreu em mim toda essa idolatria,
Esse ilusório dualismo objetivo.
Redimido pela verdade libertadora,
Sinto, hoje, nas profundezas do meu Ser,
O grande monismo do Universo.
Hoje, o alvo das minhas orações
És tu, Senhor, unicamente tu.
Hoje, sei e sinto que, possuindo a ti,
Possuo em ti todas as coisas
Que de ti emanaram,
E em ti ficaram...
Todas as coisas que, por mais distintas de ti,
São todas imanentes em ti.
Porque tu és a eterna Essência
De todas essas Existências temporárias.
Hoje não quero mais nada
Senão a ti somente, Senhor,
Porque em ti está tudo
Que, fora de ti, parece existir.
E, porque assim te amo, Senhor,
Amo também tudo que é teu,
Tudo que, disperso pelo cenário cósmico,
Veio de ti,
Está em ti,
Voltará a ti.
Revestiu-se de mística sacralidade
O meu antigo amor profano,
Desde que vejo o Deus do mundo
Em todas as coisas do mundo de Deus.
E o pecado das minhas orações de outrora
Foi remido pela verdade da minha prece de hoje.
O HOMEM CRÍSTICO
É este o sinete régio do Cristo,
Que do cristão distingue o homem crístico:
Querer espontaneamente
O que se deve compulsoriamente.
Se puderes fazer com júbilo,
Com radiante sorridência,
Com leveza gentil
E exultante felicidade,
O que, outrora, fazias
Como pesado dever obrigatório,
Então cruzaste a misteriosa fronteira
Que do velho cristão separa
O novo homem crístico.
O cristão espera o reino dos céus
Como recompensa dos seus méritos,
Em pagamento de boas obras.
O homem crístico nada espera nem receia...
Não é bom com medo do inferno,
Nem com esperança do céu...
É incondicionalmente bom
Por amor...
O cristão espera entrar no reino dos céus
Depois da morte,
Tem os olhos postos
Em tempos futuros
E regiões distantes...
O homem crístico realiza em si o reino de Deus,
Dia por dia,
Agora e aqui mesmo,
No tempo presente do eterno “hoje”,
No espaço propínquo do infinito “aqui”...
O cristão espera encontrar a Deus
Depois de sofrer a morte corpórea
O homem crístico se encontra com Deus
Dia por dia,
Hora por hora,
Sempre e por toda a parte,
Porque proclamou o reino de Deus dentro de si
E eis que ele lhe surge também por fora!...
O homem crístico passou pela morte do pequeno eu
Para viver o grande Deus,
Morreu a morte mística,
Imolou o pequeno ego humano
Na ara do grande Tu divino...
E após essa voluntária morte mística
Houve uma ressurreição crística...
Ouvira ele a fascinante oferta de Lúcifer:
“Eu te darei todos os reinos do mundo e sua glória”,
Mas o homem crístico não caiu aos pés do tentador,
Não o adorou como seu deus,
Porque sabe que o reino de Deus não é deste mundo...
E dessa espontânea renúncia aos reinos de Lúcifer
Nasceu-lhe a grande paz do reino do Cristo...
E todos os habitantes desse reino
Levam em si o invisível sinete régio do Cristo
Porque são a “comunhão dos santos”,
A fraternidade branca dos irmãos anônimos,
Que atuam poderosamente em todo o Universo,
Mas não aparecem em parte alguma,
Porque atuam como a luz cósmica,
Invisível, intangível,
Onipresente,
Irresistivelmente suave...
Silenciosamente poderosa,
Como a “luz do mundo”...
Esses homens crísticos...
ANSEIO DO SILÊNCIO
Estou cansado de falar,
De falar com os homens,
De falar comigo mesmo
Estou cansado até de falar com Deus...
Todas as minhas perguntas,
Ruidosas,
Insistentes,
Sangrentas,
Esbarram sempre com muralhas de granito,
Resvalam sempre de paredes marmóreas,
Agonizam sempre, exaustas, sem resposta...
Por que todo esse falar?
Esse intérmino interrogar?
Esse estéril pesquisar?
Resolvi substituir o ruidoso falar
Pelo silencioso calar.
O ruído é dos homens,
O silêncio é de Deus.
Voltei as costas aos dias ensolarados
Da minha inteligência consciente.
E abismei-me na noite estrelada
De minha alma intuitiva,
Essa alma que não é minha,
Mas do Universo de Deus.
E pus-me a escutar a melodia
Do magno silêncio
Que envolve a luminosa escuridão
Do grande Anônimo de mil nomes.
E, quando desci ao ínfimo nadir
Do meu silente Nirvana,
Atingi o supremo zênite
Do teu solene Himalaia,
Ó taciturna Divindade...
Fundiram-se então, em místico amplexo,
O meu silêncio do Aquém
E o teu silêncio do Além...
E eu compreendi o Incompreensível...
Conheci o Incognoscível...
Dei nome ao Inominável...
Disse o Indizível...
E do fundo dessa vacuidade do silêncio
Brotou a plenitude da sapiência...
Que me veio das grandes profundidades
E das excelsas altitudes...
Ai! como o velho ruído me falsificou!
Como me roubou a fidelidade
Que devo a mim mesmo!...
Ah! como esse novo silêncio me purifica!
Como me restitui a fidelidade
A mim mesmo!...
Como me re-virgina
De todas as minhas prostituições!
Como me restitui a castidade
Do meu divino Eu!
Como me envolve e penetra
Com a sacralidade das fontes eternas!
Refugiei-me, dentro de mim mesmo,
À solene solidão das matas,
À vastidão dos desertos,
À pureza das montanhas
E cessou a tormentosa tensão dos nervos,
Adormeceu a insensatez da vida profana
E sinto sossego de mim mesmo...
Convalesci da enfermidade dos ruídos
Para a grande sanidade do silêncio...
Calei-me
E Deus me fala...
A ANGÚSTIA DOS DITOS INDIZÍVEIS
É esta a suprema angústia de minha alma:
Não poder dizer a ninguém fora de mim.
O que sei dentro de mim,
O que sei de Ti, meu Deus!...
Quando eu nada sabia de Ti,
Falava de Ti a todos os homens,
Mesmo àqueles que não me queriam ouvir.
Hoje, que sei algo de Ti,
Nos abismos anônimos de mim mesmo,
Hoje nada sei dizer de Ti,
De Ti, o Indizível, o Inominável...
E, quando algo tento dizer de Ti,
Sofro a sangrenta angústia
Da minha insuficiência...
Porque tudo que digo de Ti
Não é aquilo que de Ti
Quisera dizer...
Sinto que todas as sacralidades
Que de Ti procuro dizer
São aleijões e profanações...
Sei que todos os esplendores,
Da minha liturgia verbal,
E todos os fulgores
Da minha acrobacia mental
São ridículos titubeios
Da minha ignorante incompetência,
Da minha incompetente ignorância...
E dentro de mim arde o tormento metafísico
De nunca poder dizer o indizível
Que de Ti quisera dizer
Esse indizível mistério
Que és tu mesmo,
Tu, o eterno Anônimo de mil nomes.
Sofro o teu grande anonimato
No abismo da minha incompetência...
Mas esse sofrimento me é doce amargura,
Esse mistério me é amarga doçura...
Se mistério não fosse; Senhor,
Como poderia eu adorar-te
Terrificamente?...
Como poderia eu inebriar-me de Ti,
Fascinantemente?...
Se mistério não fosses,
Incompreensível Anônimo,
Deixaria eu de sofrer-te
Deliciosamente...
Perderia a minha vida
O mais belo dos seus encantos...
* * *
Não, não quero gozar-te
Gozosamente!
Quero gozar-te
Dolorosamente!
Quero que sempre me sejas esse misto
De dor e de gozo,
Esse crepúsculo vespertino,
Essa penumbra matutina,
Esse Algo, semi-noturno e semi-diurno...
Porque eu mesmo sou um misto de luz e de trevas,
Mescla do teu eterno Ser e do meu efêmero existir,
Da tua divina verticalidade
E da minha humana horizontalidade.
E da junção desse vertical que tu és
E desse horizontal que eu sou,
Nasce o signo da cruz,
Símbolo de sofrimento,
Apanágio de redenção,
Emblema da vida eterna...
Nasce a grande síntese
De Ti em mim,
De mim em Ti
Nasce o homem cósmico,
Que solve os ditos indizíveis
Da minha grande angústia,
Dizendo, em grande silêncio,
O que palavra alguma pode dizer...
Harmonizando em mim a luz e as trevas,
O divino e o humano
Creando a suprema poesia da vida:
A nova creatura em Cristo...
“SE O GRÃO DE TRIGO NÃO MORRER...”
No seio de pequenina semente
Dorme, em profundo silêncio,
A luz solar.
Lucigênita é a alma da sementinha dormente,
Filha do sol.
Passam-se dias, meses, anos
E a alma solar da semente
Continua a dormir, a dormir...
Envolta em misterioso sono,
No seu castelo encantado.
Eis senão quando é soterrada
No fundo do solo,
Sepulta em úmida escuridão!
E desse tenebroso abismo
Clama a sementinha
Por um raio de luz.
E o grande Sol, lá nas alturas,
Ouve o clamor de sua filhinha,
Porque o clamor da semente
É o eco da voz solar.
Na alma do grãozinho de trigo
Se encontram o sol de dentro
E o sol de fora,
A fé solar da pequena semente
E a graça solar do grande astro.
E eis que em viridente planta
Brota a alma lucigênita da semente!
* * *
No seio de minha alma dormita
A luz invisível do teu espírito,
Ó Sol divino do Universo.
Quando despertará essa luz dormente?
Quando brotará a semente do teu espírito,
Meu grande Astro?...
Astro tão longínquo em tua transcendência
E tão propínquo em tua imanência?...
Não ouves o silencioso clamor da minha fé?
Por que não respondes com a luz da tua graça?
* * *
Desabou então sobre mim a grande treva
Fui sepultado nas entranhas
De indizível angústia...
Confrangeu-se-me a alma chagada,
Num frêmito de inominável agonia...
Fui crucificado,
Morto
E sepultado...
E tão alto clamou a minha luz de dentro
Pela luz de fora,
Que se fundiram, em silente consórcio,
A luz solar da minha fé
E a luz solar da tua graça,
Ó Astro divino...
E das núpcias místicas da tua Voz
E de minha alma,
Da tua graça
E da minha fé,
Nasceu a viridente planta
Da minha vida em ti,
Da tua vida em mim...
Aleluia!...
ESCRAVIZADO PELA LIBERDADE
Cansado de longos anos de obediência,
Emancipei-me da molesta autoridade
E proclamei a minha independência,
A irrestrita liberdade do meu querido ego...
E senti-me feliz, nessa grande conquista
Assim pensava eu...
Assim me dizia a altaneira sapiência
Da minha profunda insipiência...
Hoje, estou mais cansado da minha liberdade
Do que, outrora, da minha obediência.
Verifiquei que a liberdade gera insegurança,
Dolorosa insegurança,
Nos invisíveis caminhos do Além
E quem pode viver feliz na insegurança?...
Anseio por uma segurança, profunda e sólida,
Esse alfa e ômega de toda felicidade...
Privou-me a liberdade desse elemento vital
Nos invisíveis caminhos do Além,
Elemento que a obediência me dera...
Lançou-me ao caótico ziguezague
De caprichos e veleidades sem conta...
Por isto, comecei a suspirar pela querida escravidão
Dos tempos da minha obediência de antanho,
Por uma autoridade austera de ditador
Que me comprimisse entre muralhas de granito,
Inexoravelmente,
E me impedisse de ziguezaguear,
Incerto,
Para a direita, para a esquerda,
Qual trêfega borboleta sobre canteiros em flor,
Qual estonteado vagalume pelas trevas noturnas...
Apelei para as minhas teologias de tempos idos
Mas ai!...
Elas se calaram, como esfinges do deserto...
Eu já não podia crer, de olhos fechados,
Como naqueles tempos remotos
Da minha obediência automática,
Já não podia encampar dogmas de fora,
Sem a minha experiência de dentro,
Não podia obedecer a autoridades heterônomas
Que não fossem a voz da minha autonomia,
Da suprema autoridade do meu Eu crístico,
Do meu divino Emanuel...
Revelou-se-me, então, o grande segredo
De ser inexoravelmente escravo
E integralmente livre,
O fascinante segredo de ser
Livremente escravo
E escravizadamente livre...
Fiz-me livremente escravo
Da Verdade Libertadora,
De uma Autoridade Suprema, em mim...
E senti em mim a inefável segurança,
Que a liberdade me prometera
E nunca me dera...
Submeti o meu pequeno ego humano
Ao império do meu grande Eu divino...
Percebi dentro de mim uma voz que dizia:
“Tu deves!”
E respondi: “Que queres, Senhor, que eu faça?”
E meu grande Além-de-dentro,
Ecoando a mensagem do grande Além-de-fora,
Arvorou-se em soberano absoluto,
Em supremo tribunal,
Da minha vida
E desde então eu me sinto seguro,
Seguramente feliz,
Porque livremente obediente
E obedientemente livre...
Servo do Absoluto,
Do Eterno,
Do Infinito,
Que em mim habita...
Fiz-me voluntário prisioneiro da Verdade.
E toda a minha velha insegurança
Foi tragada pela nova segurança,
Que nasceu da austera liberdade,
Que o império da Verdade me deu...
Deveras! não há maior liberdade
Do que a espontânea obediência
À inefável tirania
Da Verdade!...
TENTANDO ROMPER O VÉU INVISÍVEL...
Há entre mim e o Infinito um véu,
Tenuíssimo como teia de aranha.
Para além desse véu adivinho e entrevejo
Estupenda Realidade,
Anônima,
Amorfa,
Incolor,
Tese e Síntese de tudo quanto é,
Foi e será...
É o infinito “Aqui”,
O eterno “Agora”,
O absoluto “Todo”,
O “Ser” universal...
Há entre mim e o Infinito um véu...
E eu, impaciente, sacudo esse véu,
Procuro corrê-lo,
Rompê-lo,
Para contemplar a Realidade além...
Desvendar o mistério do Cosmos...
Mas ai! que essa teia de aranha
É rija muralha de granito,
Erguida entre mim e Ti,
Senhor!...
Entre mim, esse insatisfeito bandeirante
E Ti, o eterno Incognoscível...
Qual cão faminto anda minha alma rondando,
Rondando, dia e noite,
O inexpugnável castelo
Da tua opulência...
Ansiosa por apanhar uma migalha
Do lauto festim da tua plenitude...
Mas ai! que as migalhas
Que caem da tua mesa,
Depois de saboreadas por minha alma,
Acendem em mim uma fome voraz,
Uma ânsia imensa de migalhas sem fim,
E sem medida,
Dos teus divinos banquetes...
E eu vitupero minha alma,
Porque saboreou tão avidamente
Um átomo da tua infinita opulência,
Porque sorveu uma gota
Do Oceano sem praias
Da tua Divindade...
Por que, minha alma, saboreias aquilo que,
Depois de saboreado,
Te ateia no Íntimo novos incêndios
De fome?
Veementes tempestades de amor?...
Por que é, Senhor, que a posse de Ti
Me torna mais consciente a falta que tenho
De Ti?...
Por que é, Senhor, que,
Quanto mais te possuo
Mais te procuro?...
Quanto mais te saboreio
Mais fome tenho de Ti?...
Quanto mais te gozo
Mais sofrido me sinto de Ti?...
Quanto mais saúde tenho em Ti
Mais doente agonizo longe de Ti?...
E, no entanto, não consigo
Divorciar-me de Ti,
Meu delicioso Tormento...
Minha dulcíssima Amargura...
Meu Inimigo querido...
Que seria de minha vida
Sem esse inferno celeste,
Sem esse céu infernal?...
* * *
Não, não quero romper esse véu
Dessa mística transcendência,
Dessa fascinante longinquidade,
Que me separa de Ti,
Senhor!...
Quero viver para sempre nessa transcendência
Do mistério,
Contanto que a imanência do Amor
Mantenha aceso em mim
O fogo sagrado que arde sem cessar
Em mim...
SACRALIDADE DO SILÊNCIO
Envolto em eterno silêncio
Jaz o que sei de ti, meu Deus.
Nunca ninguém saberá desse mistério.
Impensável e indizível
É essa virginal pureza
Do que eu sei de ti, Senhor,
Meu silencioso Anônimo...
Todo pensar é profanação,
Todo dizer é prostituição.
Somente im-pensado e o in-dito,
O im-pensável e o in-dizível,
É que é intacta castidade.
E do seio fecundo dessa virgem
Nasce a divina prole da intuição.
A luxúria mental e verbal
Esterilizam as entranhas do meu ser.
* * *
Entretanto, no meio deste mundo imundo,
Eu tenho de pensar e de falar
É este o meu grande sacrifício.
Tenho de pensar o impensável,
Tenho de dizer o indizível,
Para apontar o rumo a seguir
Aos que não conhecem ainda
A fecunda virgindade do silêncio.
Antes que desponte a noite estrelada
Do silente calar,
Deve o dia do pensar e falar
Encher de profanos ruídos
Os caminhos da vida mortal...
Pensar e falar é repugnante
Para quem aprendeu a calar,
Calar dinamicamente em tua presença,
Ó Deus silente e anônimo!...
Isto é suprema delícia,
Isto é beatitude infinita
Banhar minha alma nesse pélago,
Sem praias nem fundo,
Sem princípio nem fim,
Para além de tempo e espaço,
Para além de tudo que possa ser
Analisado e vocalizado...
Oh! inefável poesia da Verdade!
Quando me envolverá esse nirvana
Do teu eterno silêncio?...
Quando me afogarei nesse oceano
Da vida eterna?...
Quando convalescerei plenamente
Dessa doença crônica
Do pensar e falar?...
Quando lançarei de mim essas muletas
E possuirei a vigorosa sanidade
Da silenciosa intuição da Verdade?...
* * *
Desce sobre mim, benignamente,
Como benéfico orvalho vespertino,
Ó noite estrelada
Do grande silêncio
De Deus!...
AMOR SOFRIDO
Outrora,
Naqueles tempos remotos, obscuros,
Quando eu habitava na penumbra dos ínferos,
Longe, bem longe da luz dos súperos,
Naqueles tempos pensava eu
Que amar fosse gozar.
Assim pensava eu quando tateava,
Incerto, inexperiente,
No inferno da minha semi-consciência,
Longe do superno da minha pleni-consciência.
Hoje, porém, sei e sinto
Que, no zênite do amor,
Se funde o nadir do sofrimento
Numa indizível síntese cósmica
De silenciosa e eterna unidade...
Hoje sei e sinto
Que amor gozado é apenas meio amor,
Que amor sofrido é que é amor integral...
Não viesse o sofrimento associar-se ao gozo,
Nunca gozaria eu a plenitude do gozo,
Nunca chegaria o amor a ser plenamente
Ele mesmo,
Intensamente vivido,
Meridianamente consciente...
Hoje compreendo nitidamente
Por que o Verbo se fez carne,
E se faz carne sem cessar.
Se o Verbo do Amor fosse apenas espírito,
Espírito puramente espiritual,
Espírito-gozo
Que saberia esse espírito de si mesmo?...
Mas, depois que o Verbo do Amor
Se despojou dos esplendores do gozo
E se revestiu das trevas da dor,
Depois que o eterno Logos
Se temporalizou em Jesus,
Depois que o Filho de Deus
Nasceu como o Filho do Homem,
O seu Amor atingiu as culminâncias
Do gozo integral,
Sofrendo amorosamente,
Amando dolorosamente,
Fundindo, num amplexo cósmico,
O céu do gozar
E o inferno do sofrer,
As alturas da luz
E os abismos das trevas...
E, depois que o Verbo se fez carne,
Apareceu ele neste planeta médio,
“Cheio de graça e de verdade”...
Por isto, nenhum mortal pode compreender
Esse mistério do imortal
Sem que palmilhe o mesmo caminho,
Gozando e sofrendo por amor...
INICIAÇÃO TOTAL
Enquanto algo é meu,
Não pode triunfar o EU.
Meus são bens de fortuna,
Meus são amores de homem ou mulher,
Meus são filhos, parentes, amigos,
Meu é o prestígio social de que gozo,
Meus são o corpo e o intelecto
Nada disto, porém, sou Eu.
Eu sou o sujeito central,
Meus são os objetos periféricos.
E esses objetos são velhos companheiros meus,
Crudelíssimos tiranos,
Desde o meu nascimento,
Poucos decênios atrás.
Esses objetos são velhos companheiros,
Onipotentes ditadores,
Do gênero humano,
Há muitos séculos e milênios.
Haverá esperança de que eu possa
Realizar a minha libertação?
Que eu possa viver, aqui na terra,
Sem esses objetos escravizantes?
Sem esses queridos “meus”?
Sem esses idolatrados fetiches?...
Não! ninguém pode desfazer-se desses ídolos
E continuar a viver.
Já compreendi que iniciação
Não é algo que eu possa adicionar
À minha vida horizontal,
Como um belo enfeite,
Como um colar de pérolas.
Compreendi que iniciação
E algo inédito e inaudito,
A morte total desta vida
Até agora vivida...
Iniciação não é continuação
De algo preexistente
Não!
É o fim de tudo que foi e é
E o início de tudo que deve ser...
Iniciação é algo virgem,
Um novo “fiat lux” creador.
Não é remendo novo em roupa velha,
Não é vinho recente em odres gastos
Não!
Iniciação é morte total
Do “homem velho”
E ressurreição integral
Do “homem novo”.
Nem um átomo da bagagem do ego
Passa para além da fronteira.
Porque o ego só conhece o que é “dele”
E ignora o que é “ele”.
O meu verdadeiro Eu nada sabe
Desse mundo dos meus,
Desses pequenos e grandes nadas
Que parecem ser algo.
Iniciação é verdade suprema,
Incompatível com a menor das ilusões.
* * *
Ergue-te, pois, sobre asas levíssimas,
Meu grande Eu divino,
Meu átomo crístico!
E lá das excelsas alturas
Dominarás todos os “meus”,
Sem seres por eles dominado...
CRISTO – ESSE DESCONHECIDO
Há quase dois mil anos
Que os homens falam de ti, ó Cristo!
E antes que no cenário histórico aparecesses,
Por dois milênios haviam os videntes
Vislumbrado o teu advento.
Todos falam de ti, ó Cristo
E ninguém te conhece, ó enigma dos enigmas!
Supremo Desconhecido do Universo!
Todos julgam conhecer-te
E todos ignoram a sua própria ignorância...
Muitos sabem o que disseste e fizeste
Ninguém sabe o que és...
Os eruditos analisam as tuas humanas horizontalidades
Mas não valem intuir a tua divina verticalidade.
De tanto falarem de ti,
Não têm tempo para calarem de ti...
O ruído estéril do intelecto
Asfixia o silêncio fecundo do espírito.
A prostituição mental e verbal
Profana a virgindade da alma espiritual,
Dessa alma que só pode conceber o Verbo
Na sacralidade de um vasto silêncio.
E por isto querem os homens substituir o teu Evangelho
Por numerosas legiões de “ismos”,
Eruditamente engendrados,
Deslumbrantemente elaborados,
Ruidosamente proclamados.
Eu, porém, meu eterno Cristo,
Anseio por descobrir a tua alma divina
Dentro do corpo humano do Evangelho.
Procuro romper esse invólucro verbal
E fundir-me em ti na experiência vital do que és.
Quero conhecer o que disseste e fizeste
Por aquilo que tu és...
Dentro do átomo do teu Evangelho
Dormita a energia nuclear do divino Logos,
Esse grande Desconhecido de que todos falam
E que todos ignoram...
Não! não quero saber de ti
Novos “ismos” periféricos
Quero viver dinamicamente
A tua realidade central!
ADORAÇÃO DINÂMICA
Naufragaram todos os meus amores,
Gloriosa ou ingloriamente,
Porque não radicavam no Absoluto,
No Infinito,
No Eterno,
No Universal,
No grande Anônimo de mil nomes...
Naufragaram todos os meus amores,
Porque radicavam em algo tangível,
Nos pequenos propínquos do Aquém,
E não no grande longínquo do Além...
Morreram de inanição
Todos os meus amores,
De fastio de si mesmos,
Da falta de mistério...
Até que, finalmente, ultrapassei
Todos os ruidosos arroios do conhecido
E me abismei no silencioso Mar do Desconhecido...
Disse adeus a todos os amores personais,
A todas as afeições horizontais,
A todas as simpatias emocionais.
Verticalizei-me no solene amor de adoração
Que brotou de ignotas profundezas
E surgiu a ignotas alturas
E lá se foi o fastio dos outros amores!
E uma fome imensa de amor me inundou a alma...
Fome que tanto mais deseja quanto mais possui,
Fome que me penetra,
Que me permeia
E me pervade,
Com delicioso tormento,
Com tormentosa delícia...
* * *
Adorar! adorar! adorar!
É este o supremo anseio
De um amor sem fastio,
Dessa eterna juventude do meu amor...
Quero adorar-te, meu Deus,
Adorar-te com infinita veemência...
E, desde que saboreei esse amor de adoração,
Desde que me delicio na mística de amar a Deus,
Com toda a alma,
Com todo o coração,
Com toda a mente
E com todas as forças,
Tenho imensa necessidade de servir
A todos os filhos de Deus,
Meus irmãos;
Servir jubilosamente,
Não por fastidioso dever compulsório,
Não pelo imperativo categórico
De alguma virtuosidade
Não por algum senso de heroísmo moral
Mas por um insopitável querer
De todo o meu ser...
Não posso deixar de ser externamente
O que sou internamente.
E é esse desejo de vasta benevolência,
De serviço dinâmico e gratuito,
O transbordamento
Da inefável experiência de Deus.
Que é toda essa jubilosa ética horizontal
Senão o fruto da fascinante mística vertical?
Nenhuma virtude descubro em amar
Aos que me desamam,
Em fazer bem
Aos que me fazem mal,
Em ceder também a túnica
A quem me roubou a capa,
Em andar dois mil passos
A quem me exigiu mil...
Vejo e sinto eu tudo isto apenas
O leve e luminoso reflexo
Do meu novo “ser” em Deus,
Que transborda espontaneamente
Nesse novo “agir” entre os homens.
Vejo e sinto nisto o autêntico ser
Da minha genuína natureza crística...
...............................................................................................................................
Em solitária adoração a Deus
Eu me sinto solidário
Com todos os filhos de Deus...
QUANDO EU ERA MEU
Quando eu era ainda meu,
Não era de ninguém.
Era escravo de tudo que chamava “meu”,
Porque o meu pequeno eu despertara,
Tirânico,
E meu grande EU dormia
O sono da ignorância.
Muitos objetos envolviam
O meu sujeito,
Assim como as grades do cárcere
Circundam o prisioneiro.
E eu chamava “meus”
Esses objetos em derredor.
Cuidava possuir esses objetos,
Mas era por eles possuído.
E eles me vedavam o egresso
Da prisão do meu ego
E o ingresso
Na liberdade do meu EU.
Nesse tempo não sabia eu
Que o grande EU
É o melhor amigo do pequeno ego,
E que o pequeno ego é o pior inimigo
Do grande Eu.
Jamais olhara para além das fronteiras
Do ego humano,
Esse objeto visível,
E por isto ignorava, ignorantemente,
Meu EU divino,
Esse sujeito invisível.
Eu pertencia totalmente
A mim mesmo,
Ao meu ego conhecido,
E, por isto, era a minha vida estreita
Como um casulo em que dormia
A borboleta do meu Cristo interno.
Finalmente, graças ao bafejo solar
Da graça,
Deixei de ser casulo inerte...
Rompi as paredes de seda do meu ego
Porque empecilho me era hoje
O que auxílio me fora ontem
Expandi as asas na luminosa amplitude
Do amor universal,
Para cima,
Para os lados,
Para baixo,
Envolvendo em suave benquerença
Todos os mundos de Deus,
Depois que o Deus dos mundos
Me vitalizou com seu Amor...
MEU DEUS VELADO – E REVELADO
Que Ser estranho és tu, meu Deus!
Os teus mundos te revelam,
Assim como a teia revela a aranha,
E os teus mundos te velam,
Assim como a teia vela a aranha...
Teus mundos, meu Deus,
Sempre te descobrem
E sempre te encobrem...
Muito falam de ti
E mais ainda calam de ti...
Sempre manifestam o que fizeste
E sempre ocultam o que tu és...
E entre esses dois pólos,
Do velado e do revelado,
Do oculto e do manifesto,
Oscila minha alma,
Num vaivém de luzes
E de trevas...
Numa alvorada de saber
E num ocaso de ignorar...
Quando parece surgir o sol
Do meu compreender,
Logo é eclipsado pela nuvem
Do meu incompreender...
Se eu nada soubesse de ti,
Seria treva de meia-noite,
Se eu tudo soubesse de ti,
Seria luz meridiana.
Mas agora, que algo sei de ti,
E muito ignoro de ti,
E minha alma estranha penumbra,
Um incessante alvorecer
E um contínuo escurecer...
De ti sei o suficiente, meu Deus,
Para te amar intensamente,
De ti ignoro o suficiente,
Para te admirar e sofrer
Com sagrado assombro e reverência.
Tu me és assaz propínquo
Para eu te querer,
Tu me és assaz longínquo
Para eu te temer...
Tu, sempre manifesto
E sempre imanifesto...
Tu, infinitamente transcendente
E infinitamente imanente...
...............................................................................................................................
Que Ser estranho és tu, meu Deus!
Poesia crepuscular da minha vida,
Música penumbral da minha existência...
SEJA FEITA A TUA VONTADE!
Quanto, Senhor, hei sofrido com esta palavra!
Por que tenho de cumprir sempre a tua vontade?
Uma vontade alheia à minha?
Por que não posso jamais fazer a minha vontade?
Cumprir vontade alheia é doloroso,
Cumprir a vontade própria é delicioso...
Por que, Senhor, fizeste da minha vida
Um tormento perene?...
Por que me obrigas a ser bom no sofrimento?
Por que não posso ser bom no gozo?
Que admira que eu, tantas vezes, prefira
Ser mau no gozo a ser bom no sofrimento?
Por que és tu, Senhor, um Deus
Tão enigmático e paradoxal?
Será que te deleitas com os tormentos de teus filhos?
Será que tu és o rei dos sadistas
Que tanto mais gozes quanto mais teus filhos sofrem?
Seja feita a tua vontade
E não a minha!...
Quantos anos, Senhor, tenho andado a agonizar,
A sangrar com esse doloroso problema!...
Anoiteceram sobre mim todos os ocasos da vida...
Eclipsaram-se todas as luzes da alegria e felicidade...
Até que, finalmente, amanheceu a grande alvorada...
A alvorada da compreensão
A compreensão de mim em ti...
Compreendi, por fim, que tua vontade
Pode ser minha,
Embora a minha vontade
Nunca possa ser tua...
Compreendi que pode cessar o ominoso conflito
Entre o meu querer e o teu querer.
Compreendi que posso sintonizar o meu pequeno querer
Com o teu grande QUERER.
Compreendi que posso cumprir deliciosamente
A minha vontade,
Contanto que ela harmonize com tua vontade...
Mas... como posso eu harmonizar duas coisas
Tão antagônicas,
Com o meu humano querer
E o teu divino QUERER?...
Somente em virtude duma grande compreensão
De mim mesmo.
Se eu compreender que sou essencialmente
O que tu és,
Que “eu e o Pai somos um”
Embora o meu humano “existir”
Não seja o teu divino “Ser”
Está resolvido o doloroso problema da minha vida.
O meu íntimo “Ser” é o teu eterno “Ser”
E por que não poderia o meu externo “existir”
Ser permeado por meu interno “Ser”?
Por que não poderia a horizontal do meu humano Agir
Unir-se para sempre com a vertical do meu divino Ser?
Por que não poderia o meu Lúcifer mental
Seguir o meu Logos espiritual...
Porque não poderia o meu pequeno ego humano, Senhor,
Integrar-se no teu grande Tu divino?...
Após essa integração cósmica, nenhum conflito haveria
Entre o meu querer
E o teu QUERER, Senhor...
Cessaria todo o antagonismo...
Cantaria a grande harmonia
Da redenção...
Seja feita a tua vontade!...
NON-NATO, SEMI-NATO, PLENI-NATO
Lembro-me do tempo longínquo,
Quando eu era non-nato,
Apenas nascituro,
Incluso no tenebroso cárcere
Do seio materno.
O meu mundo eram essas trevas
E essa estreiteza.
Fora da minha escura prisão
Poderia haver outros mundos?...
Ai de mim se deixasse a tépica segurança
Daquelas entranhas vivificantes!
Ai de mim se rompesse o cordão umbilical
Que me prendia à única fonte de vida!...
Mas eis que, um dia, se rompeu
O cordão umbilical!
Saí do seio materno
Morri!...
Morri para aquela vida,
Que era a única vida que eu conhecia...
Momento de horror!...
* * *
Mas, quando voltei a mim,
Do delíquio inicial,
Verifiquei, com imensa surpresa,
Que estava vivo
Mais vivo que nunca!...
Vida em plena luz solar,
Vida em ampla liberdade...
Sucedera à minha pequena vida heterônoma de ontem
A minha grande vida autônoma de hoje.
De nascituro passei a nascido.
E eu me julgava, agora, pleni-nato.
Só mais tarde, muito mais tarde
Descobri que era apenas semi-nato,
Que eu não estava liberto do seio materno.
Preso a essa grande Mãe-Natura
Pelo múltiplo cordão umbilical
Dos sentidos e da mente
Por toda essa rede complexo
Do meu sentir, pensar, desejar...
Meu querer, amar e sofrer,
Por todas as fibras do meu velho ego...
Tentei libertar-me dessa prisão
Do mundo multiforme e multicor,
Da natureza ao redor de mim
E da natureza dentro de mim.
Toda a vida que eu tinha
Fluía através desses liames
Físico-mentais-emocionais.
E eu gemia e suspirava
Pela gloriosa liberdade
Dos filhos de Deus...
* * *
E eis que, um dia, apareceu,
No meio do meu grande silêncio,
Através das minhas lágrimas
E do fogo das minhas preces,
O único pleni-nato que o mundo conhece.
E ele disse, vagarosamente,
Solenemente:
“Se o homem não renascer pelo espírito
Não pode ver o reino de Deus.”
Desde esse dia, o meu único anseio é
Renascer pelo espírito,
Ser batizado com o fogo do espírito,
Liberta-me, definitivamente,
Da escravidão de todos os objetos,
De tudo que é apenas “meu”,
Mas não sou “Eu”
Nascer para meu grande e divino
EU SOU...
“NÃO SOU EU QUE FAÇO AS OBRAS”...
Outrora, quando eu era dono da minha vida,
Minha vida era pequena como seu dono,
Esse pequeno ego que eu chamava o eu.
Hoje deixei de ser dono da minha vida
E minha vida se tornou grande,
Porque grande é o seu dono,
O Deus imenso, eterno, infinito...
Por vezes, tenho ímpetos de revolta,
Por vezes teimo em ser eu o dono
Do meu destino – e tudo vai mal,
Porque esse pequeno ego é tão fraco,
Tão míope, que nada enxerga
Para além das estreitas barreiras
Dos seus interesses de cada dia.
Basta que eu remova o óbice do ego,
Que desobstrua os canais obstruídos
E logo as águas límpidas do Infinito
Fluem, jubilosas, através da minha vida.
E à beira dessas magnas torrentes,
E desses modestos arroios,
Verdejam os oásis de Deus,
Em pleno deserto do ego em derredor,
E eu escuto as melodias que cantam
Na verde ramagem do paraíso de Deus.
E eu inalo os perfumes das flores
Que desabrocham nas grimpas excelsas.
E eu saboreio os frutos que sazonam
Ao sol outonal que envolve os oásis de Deus.
* * *
Toda a sapiência da vida está em permitir
Que Deus faça de mim o que ele quer.
Toda a insipiência da vida está em querer
Fazer de mim o que me apraz.
“Não sou eu que faço as obras
“É o Pai que em mim está que as faz”...
AS GRADES DA MINHA GAIOLA
Meu Deus, como estão ensanguentadas
As grades da minha gaiola!...
Como está ferida a cabeça
Da pobre avezinha de minha alma,
De tanto bater e bater
Contra as grades de inexorável crueza...
E suas asas estão arrepeladas,
De tanto esvoaçar
Inutilmente...
Não cedem as grades da minha velha prisão...
Por que, Senhor, me prendeste nesta gaiola
De grades intermitentes?
Por que não me encerraste numa prisão
De paredes opaças e maciças?
Se eu nunca vira o azul dos céus,
A imensidade dos espaços além,
As amplitudes e altitudes dos teus mundos,
Talvez vivesse tranquilamente na minha prisão,
Ignorando estas saudades do Infinito...
Talvez vegetasse, estupidamente,
Mas agora que vislumbrei, por entre as grades,
Uma nesga dos teus céus,
Esses céus tão distantes,
Como posso ainda ser feliz,
Na angustez da minha prisão?...
Por que me deste, Senhor,
Esta feliz infelicidade,
Em lugar daquela infeliz felicidade?...
Quando despontará sobre mim
A felicidade feliz?
Quando se abrirão
As portas do meu cárcere?...
* * *
E a pobre avezinha continua a arremeter
Contra as grades do corpo e da mente,
Sempre esperançada,
E sempre frustrada...
Todas as minhas teorias filosóficas,
Todos os meus orgulhos iniciáticos,
Todos os arroubos da minha fé,
Todos os devaneios das minhas visões,
Nada disto me libertou do peso morto
Da minha humana materialidade...
Canto ardentes hinos de liberdade
À sombra da minha prisão...
E toda vez que tento galgar, esperançoso,
As torres altíssimas do Infinito,
Que ao longe adivinho,
Cravando os dedos sangrentos
Nas anfractuosidades dos eternos rochedos
Resvalo e recaio às baixadas
Da minha humana miséria...
Qual cão faminto, ando rondando
Os castelos da tua opulência, Senhor,
Ansioso por apanhar uma migalha sequer
Dos teus lautos festins...
Mas tudo quanto recebo
Não vale saciar a minha fome,
Por que o pouco que recebo
Me faz adivinhar o muito que me é negado...
A gotinha que sei de ti
Me fala dos teus mares – que Ignoro...
Não me interessa o pouco que sei,
Fascina-me o muito que ignoro...
Por que, Senhor, és tu tão estranhamente cruel?
Por que me dás uma migalha
E me negas o banquete?
* * *
Até que, finalmente, compreendi a grande verdade:
Não és tu, Senhor, que me negas o muito
Sou eu mesmo...
Por demais estreitos são os meus espaços internos,
Não podem receber a tua amplitude...
Tenho de alargar a minha estreiteza,
Tenho de superar a pequenez do eu humano
E expandir-me na grandeza do Tu divino.
Esse Tu que és tu em mim,
Tu, meu divino Emanuel...
Rompe, pois, Senhor, as grades da minha prisão,
Por mais que meu ego relute e proteste!...
Tira-me tudo que é meu!
Deixa-me tão-somente o Eu!
Esse Eu desnudo e puro,
Que és Tu em mim!...
Para que eu encontre descanso e sossego
Dentro de mim...
Liberta-me, Senhor, de mim mesmo!
Não quero mais ser meu,
Quero ser teu,
Teu somente...
Fundido em ti...
Diluído em ti...
Absorvido por ti...
Finalmente liberto
E livre,
Como tu...
VÉSPERA DE FINADOS
Há tempo, muito tempo, que a idéia de morrer
Me deixa indiferente,
Sem arrepios de terror.
Hoje, porém, à vista de túmulos floridos,
Acometeu-me estranho pavor.
O que há de terrível no morrer não é morte em si
É a idéia glacial de não mais ser amado
Pelos entes que amamos,
E que nos amavam, aqui na terra...
Por quanto tempo se recordarão eles de mim,
Após a minha partida?...
Por um mês?
Por um ano?
Por um decênio?...
No princípio, flores e lágrimas...
Depois, ainda umas reminiscências...
E, por fim, a vasta solidão
Do esquecimento...
O gélido nirvana
Do vácuo...
Não ser mais amado pelos que amamos
Que morte horrível! ...
Não mais banhar-se carinhosamente
Nas pupilas de um ente querido,
Não mais ouvir o timbre da sua voz,
Não mais sentir o afago da sua mão,
Nem as pulsações do seu coração
Que morte amaríssima, essa!...
* * *
Entretanto, algo me diz e garante
Que não vou morrer essa morte mortífera...
Algo me faz adivinhar e entressentir
Que há um amor mais forte que a morte...
Que encontrarei, no Além,
Um tépido ninho de afeição,
Uma família que não me fez
Mas que eu fiz...
Foi a família material que me fez
Mas sou eu que faço a minha família espiritual...
Não é o parentesco dos corpos que me interessa
Interessa-me a afinidade das almas.
E essa afinidade espiritual é obra minha,
Eminentemente minha...
Eternamente minha
É eterna como eu mesmo...
Sei que essa família que eu fiz não morre para mim
Porque os seus membros são da “comunhão dos santos”
Envoltos e permeados de vida eterna,
De amor imortal...
PARA ALÉM DO NIRVANA
Fui inundado por um mar imenso,
Um oceano sem praias nem fundo...
Nada mais sobrou do meu velho ego...
Afogou-se tudo na imensidade do Todo...
O meu pequeno “existir” de ontem
Foi tragado pelo grande “Ser” de hoje
E de sempre...
Oh! inefável beatitude da divina Individualidade!
Liberto da humana personalidade!
Oh! divina embriaguez desse dulcíssimo Nirvana!
Sem nome nem forma, deste Sansara!
Banhei-me, voluptuosamente, em tuas vagas,
Gélidas como os glaciares do Himalaia,
Cálidas como as areias do Saara...
Banqueteei-me no lauto festim do Absoluto,
Do Infinito,
Do Eterno,
Do Uno sem Verso
Do Todo,
Desse Todo
Que não “existe”,
Porque “É”,
Que “É” com a infinita potência de seu “Ser”
E eu também “era” – e não mais “existia”
Desnascido de todas as peias do nascido,
Renascido para a gloriosa liberdade do “Ser” absoluto...
Meu fascinante Nirvana!...
* * *
Mas, ai de mim! que recaí
Ao plano da minha mortalidade,
Onde as coisas começam e terminam...
Novamente o meu Atman,
Que se libertara em Brahman,
Se sente prisioneiro de Maya,
Desse cárcere do mundo objetivo
Dos sentidos e da mente...
E por detrás das grades do meu finito “existir”,
Gemo e soluço pela ventura do infinito “Ser”...
Estou crucificado nos braços sangrentos
Da pesada cruz do meu humano “existir”,
Essa barra horizontal do meu finito
Que cortou o tronco vertical do meu Infinito.
E no ponto de intersecção das duas linhas,
Do Infinito e do finito,
Sangra a minha vida terrestre...
Se eu fosse o puro “Ser”, seria Deus, o Todo,
Se fosse o puro “não-Ser”, seria o Nada.
Mas eu sou esse estranho “existir”,
Esse “algo”, impuro e híbrido,
Feito duma inqualificável mescla
De “Ser” e “não-Ser”,
Do Todo e do Nada
Esse “algo” do meu humano “existir”,
A equilibrar-se, dolorosamente,
Entre o Infinito e o finito...
Entre a Luz e as Trevas...
Sofro a agonia metafísica
Da minha natureza dualista,
O drama e “ser dois”...
Sou o Prometeu acorrentado
Nos rochedos do Cáucaso,
Com as vísceras devoradas pelas harpias,
Parcela por parcela...
* * *
Quando terá solução esse enigma do meu existir?...
Cala-te, profano Intelecto!
Fala, divino Espírito!
Jamais conseguirão os ruídos da humana ciência analisar
O que o silêncio da divina sabedoria vive e sabe...
Para além de Maya,
Para além de Nirvana,
Para além de tudo que é dizível ou pesável,
Está a solução do grande enigma da vida humana,
Na voz do silêncio...
Nos abismos do Infinito...
Do silêncio pleni-consciente,
Do silêncio da plenitude.
SEGURANÇA E LIBERDADE
Quão imenso era o meu anseio de segurança
Nos tempos remotos da minha infância!
Vida sem segurança me seria infelicidade
Vida com segurança me era suprema beatitude.
Felizmente, lá estavam o pai e a mãe,
Como garantia da minha segurança,
Ele, símbolo do poder,
Ela, encarnação do amor.
E esse poder e esse amor me davam
Plena segurança.
* * *
Mas ai que despertou em mim, adolescente,
O anseio da liberdade.
Fastidiosa me parecia a velha segurança,
Fascinante a nova liberdade.
Abandonei a obsoleta monotonia
Do querer-ser-seguro
Pela inebriante epopéia
De querer-ser-livre.
Sorvia liberdade a largos haustos,
Em todas as formas.
Percorri todas as latitudes e longitudes
Desse país de maravilhas inéditas,
Desci a todas as profundidades,
Subi a todas as altitudes
Do universo da minha liberdade.
E, por algum tempo, me sentia
Plenamente remido e feliz.
* * *
Entretanto, em horas de silêncio
E ingresso em mim mesmo,
Ouvia, nas profundezas da alma,
Os gemidos duma dolorosa insegurança...
A liberdade de hoje me roubara
A segurança de ontem...
Verifiquei, com imenso pesar,
Que não podia ser seguro e livre
Ao mesmo tempo...
Que esses dois anjos de Deus
Eram adversos um ao outro,
Incompatíveis,
Empenhados em inconciliável conflito...
Compreendi que só poderia ter
Segurança sem liberdade
Ou então liberdade sem segurança.
E minha vida começou a definhar...
Que me interessava uma vida insegura
Ou uma vida escrava?
Seria apenas uma semi-vida,
E eu, faminto, ansiava por uma pleni-vida...
Só Deus sabe quanto hei sofrido
Por entre a fera Cila-e-Caribdis
Desse dilema cruel,
Da segurança hostil à liberdade,
E da liberdade adversa à segurança.
* * *
Até que, finalmente, amanheceu
A grande alvorada da compreensão...
Até que alguém proclamou dentro de mim
A grande síntese
Da segurança livre
E da liberdade segura.
Vi que esse impossível conúbio
Se tornara possível somente
No mundo misterioso do Uni-verso,
À luz do meu Cristo cósmico,
Onde impera a Verdade Integral,
A Verdade Libertadora...
Verifiquei que a obediência incondicional
A Consciência Cósmica em mim
É segurança absoluta
E liberdade integral...
A suprema autoridade, outrora externa,
Passou a ser autoridade interna.
Já não é algum homem infalível,
Algum livro, algum dogma
Essa suprema instância infalível
É o próprio espírito de Deus em mim,
O Deus do mundo
No mundo de Deus,
A voz do reino de Deus em mim.
E desde então a segurança de Deus se fundiu
Com a liberdade de Deus em mim...
Inundou-me duma segurança livre
E duma liberdade segura...
Aleluia!...
PURO ENTRE IMPUROS
Longos anos, em tempos idos,
Fui impuro com os impuros.
Depois, nauseado da minha impureza,
Separei-me dos impuros,
Para ser puro com os puros.
E, como era difícil encontrar ambiente puro
Entre os homens impuros,
Abandonei a sociedade humana
Deste mundo imundo,
E refugiei-me à solidão da Natureza,
Longe, bem longe dos homens...
Habitei em vastos desertos silentes,
Isolei-me no cume de taciturnas montanhas,
Meditei em cavernas desnudas
E vi que a Natureza era pura.
Enamorei-me da Natureza,
Inconscientemente pura,
Eu, que ansiava por ser
Conscientemente puro...
Ah! como me fazia bem
Essa inconsciente pureza em derredor!
Senti profunda afinidade
Entre mim e a Natureza,
Entre meu superconsciente,
Desejoso de pureza,
E aquele subconsciente
Da Natureza dormente.
E verifiquei que me conservava puro
Como a água, quando solicitamente isolada
Num recipiente puro.
Mas, que seria de mim, se abandonasse
Aquele ambiente de pureza que me cercava?
Acontecer-me-ia o que acontece à água,
À água pura em contato com ambiente impuro?...
Sim, eu o sabia,
Eu o sentia...
Minha pureza era fraca e precária,
Porque condicionada àquele ambiente casual...
E nasceu dentro de mim um desejo imenso,
O desejo de ser incondicionalmente puro,
Puro por força interna,
E não apenas por proteção externa,
Puro no meio de quaisquer impurezas,
Como a luz, que não se isola
Em segregados recipientes,
Para continuar a ser pura,
E ser fiel a si mesma...
E por que não poderia eu ser fiel a mim mesmo,
Como a luz?
Eu, que sou a “luz do mundo”?
Puro e incontaminável como a luz,
Que, afoita e sorridente,
Se lança ao meio de cloacas e sentinas,
A fétidos pantanais,
E imundas sodomas
E de todas as impurezas
Sai imaculada e pura...
* * *
Aborrecido, envergonhado da pura solidão,
Tive desejo de testar a minha pureza,
Lançar-me ao meio das maldades do mundo
Sem ser mau,
Ao meio de impuras sodomas,
Sem ser impuro,
Ao meio das babilônias dos profanos
Sem ser profano...
Senti em mim o veemente apelo
Da minha divina sacralidade...
Aureolado e penetrado da luz do meu Cristo interno,
Quis sentar-me à mesa com publicanos e pecadores,
Sem ser pecador nem publicano...
Compreendi que as profundas verdades
Brotam da solidão,
Como as nascentes que rompem
Do seio de altas montanhas.
Mas compreendi também que a verdade solitária
É apenas meia verdade,
Porque necessita do isolamento perene,
Para ser perenemente pura.
E eu queria ser puro como a luz,
Que não necessita de ser solitária,
Mas é solidária – e continua a ser pura...
Queria ser puro como a luz branca, incolor,
E puro também como a luz multicor,
Difusa pelo prisma, que dispersa sem contaminar...
A verdade é austera e silente,
Como a luz branca, incolor,
Porque habita a sós com Deus,
Profundamente solitária;
Mas, quando o Verbo da Verdade
Se faz carne no seio da Beleza,
Nasce a suprema Poesia Cósmica,
Solitária em Deus
E solidária com todas as creaturas de Deus.
* * *
Assim discorria eu comigo mesmo
Quando passou alguém,
Envolto em Verdade e Beleza,
E disse: “Eu sou a luz do mundo”...
E, quando eu, fascinado, o contemplava,
Acrescentou, olhando para mim:
“Vós também sois a luz do mundo”...
Desde essa hora tenho a certeza
De poder ser invulnerável,
Incontaminável,
Como a luz,
Se for fiel à “luz do mundo”
Que em mim está.
À luz, que purifica todas as impurezas
E não recebe em si as impurezas que elimina.
E em horizontes longínquos surgiu
Uma alvorada de luzes e cores,
A luz branca da Verdade,
Aureolada do colorido da Beleza...
E a minha vida se aureolou
De estranha poesia
Da poesia cósmica do Nazareno...
SOFRIMENTO REDENTOR
Deus do céu! como andava eu falsificado!...
Quão adulterado em mim mesmo...
Como andava soterrado,
Pelo ilusório ego humano,
O meu autêntico Eu divino!...
E sobre a base desse pseudo-eu humano
Corria a minha vida diária
Vida de ódios e rancores,
Vida de cobiças e egoísmos,
Vida de orgulhos e luxúrias...
Ao redor de mim havia amigos e inimigos,
Criaturas simpáticas e antipáticas,
Seres dignos do meu amor e do meu ódio
Tamanha era a falsificação da minha vida.
Veio então o sofrimento redentor...
O grande purificador de todas as impurezas...
O grande retificador de todas as tortuosidades...
O grande demolidor de todos os ídolos...
O grande simplificador de todas as complexidades...
E, após demolidas as muralhas do pseudo-eu,
Pela violência desse terremoto,
Pela veemência desse incêndio,
Pela crueldade dessa tormenta,
Pela sangrenta benevolência da dor,
Eis que ficou em pé tão-somente
O meu genuíno e autêntico Eu divino,
O meu eterno e puríssimo Cristo!...
Disseram-me então que eu ia morrer,
Que me sobravam poucos dias de vida terrestre.
Mas eu nada compreendi dessa linguagem profana,
Envolto na minha grande sacralidade,
Porque abolira a morte compulsória de fora
Pela morte voluntária de dentro...
Antes de ser morto
Eu morrera...
E esse glorioso morrer espontâneo
Me libertou do inglório morrer compulsório,
Libertou-me do que esse morrer tem de amargo e lúgubre.
Agora sou todo luz e leveza,
Como um raio solar,
Como um sopro de Deus...
E, após essa morte e ressurreição de dentro.
Sinto-me seguro e invulnerável.
Nada mais me pode derrotar,
Nada mais me pode fazer infeliz.
Sinto-me definitivamente remido
De todas as velhas irredenções
Engendradas pelo ego falaz.
Ingressei no reino dos céus,
Nasci para a vida eterna...
Aleluia!...
Hosana!...
LIBERTAÇÃO DE MIM MESMO
Profundamente envergonhado de mim,
Dolorosamente contrito diante de ti, Senhor,
Eu te rogo e suplico
Não que me dês conforto e prosperidade,
Não que me dês vida longa e saúde,
Não que me dês bons amigos,
Nem que me libertes dos meus inimigos,
Não te rogo, Senhor, que me preserves
Das adversidades da natureza
Nem da perversidade dos homens
Nada disto te rogo e suplico, meu Deus
Rogo-te tão-somente
Que me libertes de mim mesmo,
Da tirania do meu ego humano,
Da obsessão da minha cobiça,
Da impureza da minha luxúria,
Do luciferismo do meu orgulho,
De todos os derivados e acessórios
Do meu velho ego humano,
Que, há tantos anos e decênios, me traz cativo
Da sua tirania.
Suplico-te, Senhor, que seja hoje
Hoje, e não amanhã
O fim da minha longa escravidão,
O início da minha grande liberdade!
Que seja hoje o dia da minha morte
E da minha ressurreição,
O sangrento ocaso do meu homem velho,
A lúcida alvorada do meu homem novo,
A minha sexta-feira santa
E a minha Páscoa de ressurreição...
Que eu cante hoje mesmo o requiem do homem pecador
E o aleluia do Cristo redentor...
Amem... Amém...
VIDA E MORTE DO
MEU ORGULHO FILOSÓFICO
Ah! como me sentia feliz,
Naquele tempo!...
Havia aprendido, com muito esforço,
A pensar filosoficamente...
Altos conceitos, sublimes idéias e ideais
Me enchiam a cabeça e o coração...
E eu olhava com secreto menosprezo
A turbamulta dos profanos,
Da massa anônima,
Dos que não sabiam pensar
Filosoficamente.
Na cabeça e no coração era plenamente triunfante
A minha querida filosofia.
Mas, quando, um dia, tentei passar para a vida,
Para as mãos, para os pés,
Para minha vivência cotidiana,
A minha bela filosofia
Foi tremenda a minha decepção...
Ao primeiro esbarro com o mundo profano
Lá se foi, em mil pedaços,
O meu lindo cristal filosófico!...
Humilde e cabisbaixo, varri
Para a lata de lixo
Os cacos do meu cristal partido...
Quão poéticas são as teorias mentais
E quão prosaica é a prática real!
“Você é filósofo?” perguntou-me um amigo.
Quis responder com um afoito “sim”,
Como outrora,
Mas não tive suficiente energia
Para semelhante audácia...
Os cacos do meu lindo cristal me preservaram
Da infecção do velho orgulho mental.
“Procuro compreender um pouco”, respondi, hesitante.
E fui riscar um zero e mais um zero
Do nédio “100” da minha afirmação categórica
De tempos idos.
Ficou apenas o modesto “1” do orgulhoso “100”,
Esse “1”, mirrado e magro,
A apontar, silenciosamente,
As ignotas alturas do além...
Foi o que sobrou do opulento festim
Da minha filosofia que eu tinha
Na cabeça e no coração,
Mas que não era a minha vida...
Hoje procuro amparar,
Com mãos de solícita Vestal,
A bruxoleante luzinha sagrada,
A chama do meu grande ideal
De espiritualidade,
Feliz quando consigo
Ser na vida
Um por cento daquilo
Que sei na cabeça.
E tão orgulhosamente doce
Esse eu sei
É tão indizivelmente amargo
Esse eu sou.
O eu sei alimenta o meu velho ego,
O eu sou exige a morte desse ego
Para que nascer possa o novo Eu...
Agora, só me resta essa chama humilde
Do meu sincero querer,
Do meu sagrado crer,
Do meu cândido querer-compreender,
Na silente expectativa da graça de Deus
Que venha com sua plenitude
Encher a minha vacuidade...
LITURGIA CÓSMICA
Quando, em tempos idos, abandonei
As liturgias da minha infância
Missas, bênçãos e comunhões,
Sacramentos, insígnias e estandartes
Encheu-se minha alma de dolente nostalgia,
Sofrendo cruciantes dores de parto
De uma nova vida,
Ainda não vivida...
E nessas angústias de parturição espiritual,
Quando ouvia, ao longe, o tanger de sinos,
Chamando os fiéis à tradicional liturgia,
Chorava de saudades o meu pobre coração...
Hoje, porém, após muito sofrer e orar,
Eu vivo numa imensa catedral
De liturgia cósmica...
A minha vida toda é um sacramento,
Envolto em místicas nuvens de incenso...
Os meus domingos e as minhas festas
São sete por semana
E mais de três centenas e meia por ano...
Sonoras melodias de invisíveis órgãos
Exalam inebriante sacralidade
De hinos e cânticos divinos...
No santuário portátil do meu coração
Canta um Te-Deum de glórias divinas,
Vibra um Magnificat de júbilos anônimos,
E eu celebro, diariamente, a minha Missa
E faço a minha sagrada Comunhão
Por entre um Tantum-ergo de um êxtase de amor...
Sem altar nem sacerdote visível,
Sem hóstia nem cálice material,
Eu comungo o meu Cristo, eterno e interno,
Em espírito e em verdade...
Ah! se os outros soubessem
Da minha liturgia cósmica!...
Que minha alma celebra, sem cessar,
Por toda a parte,
De manhã à noite,
N o silêncio da floresta
E no bulício das cidades,
Na hora da meditação solitária
E nos ruídos da vida solidária,
Por entre as luzes da alegria,
E por entre as trevas dos sofrimentos
Sempre e por toda a parte,
Celebro a minha liturgia cósmica,
Desde que realizei o reino de Deus
Dentro de mim mesmo...
Desde que me tornei presente a Deus
Que estava sempre presente a mim...
Aleluia!...
O AMARGOR DOS MEUS ÊXTASES
Por que é que todos os meus arroubos místicos,
Os meus dulcíssimos êxtases,
Os meus inefáveis samadhis,
Acabam sempre em fel e amargor?
Quanto mais suave é meu contato com Deus,
Quanto mais intensa a minha luz interna
Tanto mais negra é a escuridão subsequente,
Tanto mais violenta a dor que me dilacera...
“Miserere mei, Deus” – esse Salmo do grande penitente
É o invariável epílogo de todos os meus enlevos,
De todas as núpcias de minha alma
Com o divino Logos...
“Miserere mei, Deus” – esse Salmo do grande penitente
Segundo a tua grande misericórdia,
E segundo a multitude das tuas comiserações,
Extingue a minha iniquidade!
Porquanto eu reconheço a minha iniquidade,
E está sempre em minha presença o meu pecado...
Não me rejeites, Senhor, da tua face,
E não retires de mim o teu santo espírito!
Crea em mim um coração puro,
E renova em minhas entranhas o espírito reto!
Restitui-me a alegria das coisas divinas,
E consolida-me no espírito principesco!
Em sacrifícios e holocaustos não te comprazes
O que te agrada é um coração humilde
E uma alma contrita...
“Miserere mei, Deus!...”
Nunca me é tão consciente a minha impureza
Como quando me ilumina intensamente
A pureza da tua luz, Senhor!...
Ao fulgor meridiano da tua claridade
Até os menores átomos de deslizes
Me causam intolerável tormento...
Dolorosas são todas as tuas revelações...
Quanto mais me aproximo da tua luz,
Tanto mais densa é a esteira de sombras
Que meu ser projeta após si...
E, como Simão Pedro, quisera eu suplicar-te:
“Retira-te de mim, Senhor,
Que sou um homem pecador!”...
Mas, que seria de mim,
Se te retirasses?...
Se tão densas são as minhas trevas
Em tua presença
Quão espessas seriam
Na tua ausência?!...
Rogo-te, por isto, Senhor:
“Fica comigo, porque a noite vem chegando
E vai declinando a luz do dia!”...
Sê a minha luz divina
No meio das minhas trevas humanas!
Sê a minha lúcida alvorada
No meio deste lúgubre ocaso!
Continua a revelar-te
A minha alma faminta,
Mesmo com amargor e acerbidade!...
Continua a inspirar-me suavemente,
Ainda que cada inspiração
Me torne mais consciente
A minha miséria!...
Miserere mei, Deus!...
A IRMANDADE INVISÍVEL
Desde que me encontrei com o grande Anônimo,
Me tornei anônimo do meu velho ego,
Esse ego sempre faminto de nomes...
E ingressei na Fraternidade Branca
Dos irmãos Anônimos,
Incolores,
Amorfos,
Invisíveis,
Onipresentes...
Ingressei na mística “ekklesia”
Dos arautos da Divindade,
Das Vestais do Fogo Sagrado,
Que operam no mundo inteiro,
Em todos os universos do Cosmos
Mas ninguém os conhece,
Esses Anônimos,
Envoltos no manto branco
Do eterno silêncio,
De inefável beatitude...
Onde quer que haja uma dor
A ser suavizada,
Uma alegria
A ser compartilhada,
Onde quer que agonize
Um coração chagado,
Lá estão os Irmãos Anônimos
Da Fraternidade Branca...
Nenhum monumento ostenta seus nomes,
Nenhuma estátua perpetua seus atos,
Nenhum obelisco lhes canta as glórias
Nenhum poema celebra a grandeza
Desses invisíveis arautos do bem,
Dessas alvas Vestais do amor...
Somente nas páginas brancas
Do livro da vida eterna
Estão inscritos seus nomes,
Com as tintas da reticência,
Em perpétuo anonimato...
Suas obras ocultam sempre
Suas pessoas...
A presença do seu visível “agir”
Coincide com a ausência do seu invisível “ser”...
Porque anônimos como Deus
São esses ignotos filhos de Deus
Benéficos raios solares
Do grande sol do Universo,
Sempre ausente de mim
E sempre presente a Ti...
Na tua longínqua transcendência,
Na tua propínqua imanência...
Desde que me encontrei com o grande Anônimo
Me tornei anônimo do meu eu humano,
Eclipsado por seu Tu divino
Pelo eterno Eu divino
Em mim...
SOU ESCRAVO DA VERDADE
Naqueles tempos, sonhava eu com liberdade.
Cantava hinos à liberdade, como meus companheiros,
Tão escravos como eu.
Éramos todos escravos
Escravizados pela liberdade.
Liberdade era para nós indisciplina,
Não estar preso,
Poder andar onde quiséssemos,
Entrar e sair por toda a parte,
Pensar, dizer e fazer tudo
Que nos viesse à mente,
Não ter de obedecer a lei alguma
Não ter de prestar contas a ninguém
Era isto que nós chamávamos liberdade.
* * *
Hoje me horroriza essa liberdade
Liberticida!...
Hoje me repugna essa indisciplina
Mortífera...
Hoje renunciei à minha liberdade
Para ser livre...
Tomei sobre mim o jugo da disciplina
Para me des-escravizar...
Enfastiado da infeliz liberdade,
Tenho fome da feliz disciplina...
E esse jugo suave que aceitei
Não é um imperativo de fora,
É a voz do meu grande Eu divino,
É a sacralidade do espírito de Deus,
Que habita em mim,
É o império do meu Cristo interno.
O meu ego humano fez um pacto sagrado
Com o meu Eu divino,
Um pacto de obediência incondicional
A esse grande Além-de-dentro.
Por vezes, o meu ego humano geme e chora,
Sangra e agoniza,
Quando o grande Eu divino exige
Obediência incondicional.
Aos imperativos da consciência,
Esse eco imanente
Da voz transcendente;
A desobediência a essa voz severa
Seria a minha escravidão.
Por isto, aceito espontaneamente
Essa disciplina benéfica
Que me liberta
Da indisciplina maléfica...
* * *
Mas os de fora,
Os profanos,
Os inexperientes,
Meneiam a cabeça
E estranham minha atitude;
Dizem que eu sou escravo
E que eles são livres.
E eles têm razão:
Eu sou escravo da Verdade,
E eles são livres dessa Verdade,
Porque escravos do erro...
Oh! gloriosa escravidão da Verdade!
Não permitas que eu jamais
Me liberte de ti!
E caia vítima da liberdade do erro!
Tu me libertastes, Verdade!
Conserva a minha liberdade!
A ARTE DE DESAPRENDER
Muita coisa aprendi,
No decurso da minha vida
Mas só no fim da vida
Aprendi a arte dificílima
De desaprender...
Desaprender os erros sem conta
Que os sentidos percebem
Na sua erudita ignorância...
Aprendera ele que os fatos externos
São a própria Realidade.
Aprendera que este mundo
Que os sentidos percebem
E o intelecto concebe,
São a realíssima
E única Realidade...
E por largos anos
Andei escravizado por essa ilusão.
Pois, que admira?
Se, por tantos séculos e milênios,
Dormira a humanidade nas trevas,
Como poderia eu, em poucos decênios,
Despertar para a luz?
Até que, finalmente, descobri
A Realidade para além das facticidades,
A alma do eterno Ser
No corpo desse efêmero parecer.
Hoje sei que os fatos são meros reflexos
No espelho bidimensional de tempo e espaço,
Reflexos da Realidade,
Que está em sentido oposto
A esses fatos refletidos
No espelho de tempo e espaço.
Mas só Deus sabe quanto esforço,
Quantos sofrimentos,
E quanta agonia me custou
Essa nova atitude,
Essa meia-volta que tive de dar
Ante o espelho do mundo das velhas ilusões,
Para enxergar o novo mundo da verdade!
Esse movimento de 180 graus,
Que dei em face do refletor,
Essa conversão dos conhecidos finitos
Para o desconhecido Infinito,
Me custou o holocausto do meu ego,
Esse sangrento egocídio,
Que a verdade me exigiu...
Mas agora, de costas para os fatos
E de rosto para a Realidade,
Me sinto grandemente liberto
E jubilosamente feliz
E, em vez de amar o mundo sem Deus,
Amo o mundo em Deus
Porque vejo em cada fato efêmero
O reflexo da Realidade eterna.
OS TRÊS MUNDOS DENTRO DE MIM
Indefeso jornadear é a minha vida.
Cruzei solitários Saaras,
Galguei gigantescos Himalaias,
Perdi-me em vastas selvas,
Desci a tenebrosos abismos
Até, finalmente, atingir um oásis de paz,
De uma paz profunda, nascida da Verdade...
Entrei no terceiro e último
Dos meus mundos de dentro...
Arribei à mais longínqua galáxia
Dos universos de Deus...
No princípio, quando minha alma era criança,
Necessitava eu duma autoridade externa,
De um homem super-homem,
Que me guiasse pela mão,
Rumo a Deus.
E eu vivia tranquilo nesse mecanismo
De cega obediência
A um homem que fazia as vezes de Deus.
Mais tarde, muito mais tarde,
Quando adolescente,
Em face das fraquezas dos homens de fora,
Desiludido, decepcionado,
Agarrei-me a outra tábua salvadora,
Em pleno naufrágio.
Analisei fatos históricos,
Estudei livros sagrados,
Relíquias de primitivas eras
E minha fé em Deus se robusteceu
E se purificou.
Encontrei o meu Deus
No mundo dos homens
E sentia-me muito seguro
De mim mesmo.
Mas... o mundo é tão paradoxal,
Tão vácuo de Deus
E tão pleno de Satan,
Pleno de luzes...
Insatisfeito com o mundo de Deus,
Fui em busca de Deus
Dentro de mim mesmo...
Em longas horas de silente introspecção,
Em noites solenes de êxtase anônimo,
Em abismos de dinâmica passividade,
Em epopéias de luminosa escuridão,
Em céus infernais de dulcíssimas agonias,
Em silenciosos brados de amorosa tortura
Encontrei-me com o grande Anônimo
De mil nomes...
Celebrei as minhas núpcias místicas
Com o Infinito EU SOU...
E eclipsaram-se todos os mundos de Deus,
Aos fulgores do Deus dos mundos...
E eu era feliz, na certeza do meu destino,
Do porquê da minha vida terrestre...
Hoje, a luz de dentro
Me reconciliou com o mundo de fora
Hoje a experiência do Deus do mundo
Me tornou tolerável o mundo de Deus.
CONTEMPLANDO A GLÓRIA DE DEUS
Quantas vezes, meu Deus, hei suspirado
Por ver a tua glória celeste!
Glória que eu suspeitava velada
Por detrás das obras das tuas mãos.
Perlustrei vastas paragens d’aquém e d’além-mar,
Cruzei oceanos de água e de areia,
Internei-me em místicas florestas,
Ascendi silenciosas alturas de neve e gelo,
Escrevi livros sobre as “Maravilhas do Universo”
E sobre os teus “Mundos Ignotos”
Porém, as tuas glórias continuavam veladas,
Vislumbradas de longe, em incerta miragem,
Como que adivinhadas “em espelho e enigma”...
Insatisfeito, afastei-me de todas as tuas obras
E tentei intuir-te diretamente,
Em ti mesmo,
N o teu divino Ser...
Ensimesmei-me profundamente...
Fechei os olhos de fora
E abri a vista de dentro...
E do seio dessa grande noite,
Do abismo desse silêncio anônimo,
Surgiu uma luz...
Ecoou uma voz...
Vivi a tua glória, Senhor,
Em momentos eternos,
Em átomos de tempo...
Vivi-te em lampejos
De inefável beatitude,
Para além de todo o dizível,
Para além de todo o pensável
Na solitude anônima e incolor
Da tua Suprema Realidade...
* * *
E eu me julgava definitivamente feliz.
Plenamente realizado.
Julgava terminada a longa jornada...
Sentia-me imerso na luz eterna
Do teu reino...
Mas, quando voltava a mim,
Dessa maravilhosa ausência de mim mesmo,
Perdia a tua deliciosa presença,
Extinguia-se a tua teofania,
E eu, novamente, tateava na velha escuridão,
Clamando por tua glória, Senhor...
Por entre as angústias do meu coração,
Através das lágrimas dos meus olhos,
Voltei da longínqua sacralidade
Para a propínqua profanidade
Do mundo e dos homens...
* * *
Finalmente, porém, compreendi
O mistério da tua glória, Senhor...
Por fora, me fiz insipiente com os insipientes,
Impelido pela sapiência de dentro...
Sentei-me à cabeceira dos sofredores,
Pensei as chagas às ruínas humanas,
Ergui do lodo Zaqueus e Madalenas,
Amparei a vida semi-extinta
De crianças enjeitadas,
Fiz-me Cireneu de todos os crucificados,
Verônica de todos os rostos sangrentos...
Meus amigos de antanho,
Sócios do meu solitário misticismo,
Menearam a cabeça, decepcionados,
Porque eu “apostatara” dos meus ideais,
E me tornara o “mais profano dos profanos”,
Amigo de “publicanos e pecadores”,
Homem medíocre e rotineiro
Derramado em ruídos mundanos...
...............................................................................................................................
Grande foi a minha solidão externa,
Doloroso esse abandono de muitos...
* * *
Sentado à beira dum lago,
Margeado de verde capinzal,
Contemplo o jogo lépido
Das levianas libélulas,
A adejarem pelo espaço ensolarado...
E, de par em par, se abre minha alma
Aos imponderáveis eflúvios
Dos mundos de Deus...
E eis que a glória de Deus me transluz
Das esguias folhinhas de capim!...
E os esplendores do Infinito irradiam
Das asas vítreas das libélulas!...
E as águas do lago plácido refletem
As maravilhas do Altíssimo!...
Olho em derredor
E o Deus do mundo se revela
No mundo de Deus
Em inefável apoteose...
Envolto e permeado
Dessa divina epifania,
Compreendi o incompreensível:
Tuas glórias, Senhor,
São onipresentes,
Sempre radiantes,
Em átomos e em astros,
Em todas as tuas creaturas,
Pequenas e grandes.
Fraca, porém, é a minha vidência
Para intuir a realíssima Realidade
Da tua presença...
Solidão e sofrimento
São as asas que me erguem
Às alturas de estranha vidência.
A mística solidão a sós contigo
E a desinteressada vivência no meio dos homens
Geram amor e sofrimento
Amor sofrido,
Sofrimento amado
Essa polaridade cósmica
Da iniciação,
“A Deus adorarás”
Em Deus,
“E só a ele servirás”
Entre os filhos de Deus.
O SILÊNCIO DA VERDADE
Posso provar que a terra é redonda.
Posso provar que H2o é água.
Posso provar que 2 X 2 são quatro.
Tudo isto são verdades apenas
Nada disto é a Verdade.
A Verdade jaz para além,
Infinitamente além,
De todas as verdades demonstráveis
A Verdade começa lá onde terminam
Todas as verdades,
Todos os pensamentos,
Todas as acrobacias do intelecto.
A Verdade jaz sepulta no profundo abismo
Do eterno Silêncio
Da intuição mística.
A Verdade é a consciência do SER.
A Verdade não existe,
Debilmente
A Verdade É
Poderosamente.
Pode o meu pensar consciente
Por-me nas mãos o fio de Ariadne,
E eu, enrolando-o cautelosamente,
Como o lendário herói da mitologia,
Saio do tenebroso labirinto
Das minhas velhas incertezas
E sigo até ao limiar do santuário
Da Verdade
Mas... não entro no santuário
Porque o fio de Ariadne
Está preso do lado de fora...
Nenhum pensar ou querer,
Nenhuma ciência analítica
Introduz-me no santuário divino
Da Verdade Suprema,
Da Realidade Última e Absoluta
Para além de todas as coisas penúltimas e relativas...
Tenho de ser invadido
Pela alma do cosmos
Para que o Verbo se faça carne,
Para que a carne se possa fazer Verbo...
O Infinito desce ao finito,
Para que o finito possa subir ao Infinito...
Cesso de pensar e de querer
E, com isto, cessam todas as ilusões do intelecto,
Todos os tormentos da vontade,
Todas as doenças crônicas do velho ego,
Todas as miragens do mundo objetivo,
Todas as misérias da personalidade...
E desce sobre mim, qual orvalho vespertino,
A grande paz da Verdade,
Poderosamente suave,
Suavemente poderosa,
“Dura como diamante
Delicada como flor de pessegueiro”...
E eu sei e sinto, inefavelmente,
Que eu sou o Universo,
Que o Universo é eu...
Que “eu e o Pai somos um”,
Que “meu é tudo que é do Pai”...
...............................................................................................................................
E, depois desse sangrento egocídio,
Após essa total eutanásia,
Eu me sinto divinamente redento,
De todas as amargas reminiscências do passado,
De todos os temores do futuro...
Sei – não que encontrei a Deus –
Mas que fui encontrado por Deus...
Deus me achou,
Porque eu me tornei achável...
O Cristo me redimiu,
Porque me fiz redimível...
Aleluia!... Amém!...
MEU DESERTO VIVO
Exaustivo deserto era minha vida espiritual...
Após o êxodo do Egito de minha fartura material
Definhava de fome a minha alma torturada...
Para onde quer que eu volvesse meus olhos famintos,
Áridos saaras se alargavam em derredor
A perder de vista,
Em parte alguma um verde oásis
Prometia refrigério ao lasso viajor
Em parte alguma o fluido cristalino duma fonte
Acenava alívio à língua ressequida,
Desde que o globo fulvo do sol matutino
Emergia de imenso areal
Até que sua esfera sanguínea submergia
Nas trevas noturnas
Gemia minha alma errante:
“Quando terminará essa jornada?
Quando despontará no horizonte a Terra da Promissão?”
Mas eis que a dor me outorgou
Estranha clarividência
A minha alma sofredora...
Hostilizada e torturada
Por todas as periferias ingratas
Demandei os profundos abismos
Do meu centro divino,
Submergi nas trevas profundas
Da minha eterna essência
A princípio, nada vi
Nessa noite absoluta
Do meu centro anônimo
Até que, finalmente, vislumbrei
Estrelas longínquas
Através do pavoroso nada
Da solidão noturna,
E muito aos poucos,
Muito aos poucos,
Minha alma descobriu um novo mundo
Um universo de grandeza e formosura
Para além dos conhecidos páramos
Dos sentidos e da mente
E o meu deserto transbordou de vida.
PEREGRINO DO INFINITO
Estranhas luzes brotam dos abismos,
Das profundezas do meu divino Ser,
Através da noite do meu humano existir...
E ao clarão dessas luzes eu vejo
O que ninguém pode ver com olhos corpóreos,
Nem com vidência intelectual...
Vejo o que sou na realidade,
Vejo que eu sou
O EU SOU individual,
Que se emanou do seio imenso
Do EU SOU universal...
E o meu pequeno EU SOU humano,
Projetado pelo Sol imenso
Do EU SOU divino,
Caiu nas trevas longínquas
Do inconsciente individual,
Atordoado...
Perplexo...
Incônscio...
Tamanha foi minha queda!...
.........................................................................................................................................................
Mas sinto que há em mim uma luz,
Uma luz ofuscada que brilha nas trevas,
E as trevas não a prenderam...
E a semi-Iuz divina que em mim está
Anseia por voltar à pleni-Iuz em que estava.
E, para regredir à pleni-Iuz divina,
O meu grande EU central se reveste
De pequenos eus periféricos,
De sucessivos egos existenciais,
De máscaras, personas,
Invólucros transitórios,
Multiformes,
Multicores,
Para reacender no seio do Eu-indivíduo
A Luz do EU-Universo...
E lá se vão, como efêmeras ondas
A cobrirem o eterno oceano do meu divino EU,
Egos após egos,
Personas e mais personas,
Fantásticos invólucros existenciais telúricos
Da minha eterna essência cósmica!...
E cada uma dessas ondas do ego
Deixa no oceano do EU
Algo de si...
Algum resíduo experimental,
Uma alegria,
Uma dor,
Uma esperança,
Um desengano,
Um crédito,
Um débito,
Um “sim” de verdade,
Um “não” de erro...
E da imensa cadeia de elos
Das minhas personas,
Das minhas máscaras transitórias,
Se tece a epopéia eterna
Da minha existência humana,
Lançando uma ponte
Em demanda da essência divina.
Das pedrinhas brancas e pretas .
Do meu sucessivo nascer e morrer se formara o mosaico
Do meu eterno VIVER
Do VIVER sem nascer nem morrer.
Realmente, há “muitas moradas
Em casa do Pai celeste”...
Muitos planos de vivência há
No Universo de Deus...
E eu me sinto feliz viajor
Nessa jornada cósmica,
Jubiloso peregrino do Infinito,
Através de muitos finitos,
Demandando a luz da vida eterna
Através de inúmeras mortes efêmeras...
QUIS ENTRAR NO CÉU
DE CONTRABANDO
Ó mundo ingrato e falaz!
Ó mundo cruel e avaro!
Por que me negaste tudo
O que eu de ti esperava?...
Adorei-te intensamente,
Idolatrei-te perdidamente...
Da manhã até à noite,
Sem cessar,
Andei em busca dos teus tesouros...
Da manhã até à noite,
Da noite até à manhã,
Engendrando planos e projetos
Para captar a matéria-morta
E a carne-viva que prometes
A teus servidores.
Mas tu me davas precariamente
O que eu desejava em abundância.
Por isto, enojado de ti,
O mundo ingrato e falaz,
Abandonei-te, amargurado,
E fui em demanda de Deus.
Voltei-te as costas,
Em mudo protesto.
Falei mal de ti,
Ó mundo cruel e avaro,
A todos os meus amigos
E sócios de decepção.
...............................................................................................................................
Mas... oh, ingrata surpresa!
Não encontrei sossego em Deus...
Algo insatisfeito me distanciava
E me mantinha longínquo
Do Deus propínquo.
Algo como imaturidade,
Mais adivinhado que sabido,
Me enchia de nostálgica saudade,
E evocava em mim imagens profanas,
De mundos idos, semi-delidos,
De uma vida não vivida...
E eu voltei as costas a Deus
E, impetuoso, me lancei a teus braços,
Ó mundo querido e idolatrado!...
E tu me deste tudo, tudo
Que desejar pudesse,
No vasto âmbito das minhas ambições.
Cumulaste-me de riquezas,
De honras e glórias sem par.
E eu me banhava, voluptuosamente,
Em tuas tépidas ondas,
Longe, bem longe, das praias de antanho,
Intensamente satisfeito comigo
E contigo, ó mundo fagueiro!...
* * *
Mas, eis que a grande fome
Que eu tinha de ti,
A fome que tão prodigamente
Me saciaste,
Se converteu em fastio,
Num fastio imenso de ti
E num fastio de mim mesmo,
Teu devotado adorador...
E novamente me afastei de ti,
Não por me teres negado o que te pedira,
Mas por me teres dado tudo, tudo,
Mais do que te pedira,
Mais do que desejar pudesse...
Saciaste todas as minhas fomes,
E essas fomes todas,
Tão exuberantemente saciadas,
Criaram em mim um fastio tão grande
Que não mais te tolero,
Ó mundo profano,
Não mais te tolero,
Porque não mais me tolero,
Por ti profanado
E profanizado...
* * *
E agora, sem ódios nem desejos,
Sem protesto nem amargura,
Sem saudades nem nostalgias,
Em plena paz contigo
E quite comigo mesmo,
Entrei no mundo grandioso
Que teus devotos ignoram
Um mundo de gozo sem fastio,
Que amanhece para além de todas as fomes
E de todos os fastios que tu conheces,
Para além de todos os teus ocasos
Na grande Alvorada de Deus...
A grande LIBERTAÇÃO...
ATÉ AO LIMIAR DO SANTUÁRIO
Todas as minhas acrobacias mentais,
Todas as minhas eruditas análises
Me levaram até ao liminar do santuário
Nenhuma me introduziu no recinto sagrado...
E minha alma, faminta e sedenta,
Sofrida de Deus
E sofrida de si mesma,
Anseia pelo ingresso no sancta sanctorum
Da Verdade eterna...
Através do Inferno e do Purgatório
Me levou o Virgílio do humano intelecto
Mas no Paraíso sagrado do espírito
Só me pode introduzir Beatriz,
A alma beatificante,
A revelação da Realidade.
Altíssimas torres babilônicas
Ergueu minha ciência mental,
Em vastas planícies profanas.
Mas, se Deus não descer das alturas,
Se o divino carisma não baixar do Infinito
Sobre minhas torres humanas,
Jamais valerão os meus esforços
Conquistar o reino de Deus!
Necessários são todos os meus labores,
Suficiente não é esforço algum...
É esta a sangrenta tragicidade da minha vida:
Ter de exigir do meu ego humano
O máximo que ele pode prestar
Pensando, lutando, sofrendo
E depois aguardar o advento da graça divina,
Como se nada valessem
Todos os meus esforços humanos...
É esta a sangrenta tragicidade da minha vida.
E, por entre esses pólos extremos,
Em dolorosa tensão bilateral,
Em dinâmica passividade,
Se move a odisséia da minha existência
Rumo ao Infinito...
Sempre em demanda do termo final
E sempre distante desse termo...
Sempre na linha reta do caminho certo
E sempre cortado pelos ziguezagues
De mil linhas transversais...
É esta a minha doce amargura,
É esta a minha amarga doçura,
A minha jornada ascensional
Rumo às alturas...
A vida eterna não é uma chegada.
A vida eterna é uma jornada
Rumo ao Infinito
Em linha reta –
E sempre distante da meta.
EM TOTAL NUDEZ
Finalmente, Senhor, consegui despojar-me
De todas as roupagens impuras do existir...
Finalmente, o meu ego existencial
Se des-existencializou...
Finalmente, o meu EU essencial se revelou
Em sua total nudez,
Na puríssima realidade do seu divino SER,
Longe de todas as camuflagens
Do humano existir...
Finalmente, aconteceu-me
A grande Libertação...
Abriram-se as portas
Da minha velha prisão...
A tua graça, Senhor, derrotou
Todas as minhas des-graças...
A teu fiat lux me fez amanhecer
N a madrugada do teu eterno gênesis...
O meu Nada se tornou Algo,
Graças ao grande Todo
Que tu és...
E eu sei, finalmente,
O que sou...
Eu sou luz da tua Luz,
Eu sou vida da tua Vida,
Eu sou amor do teu Amor...
...............................................................................................................................
Sim, EU SOU!
Que estupenda realidade!
Eu sou o que tu és
Não sou assim como tu és.
O meu Ser é teu SER
Mas o meu Ser-assim
E distinto do teu.
Eu sou finitamente,
Existencialmente,
Tu és infinitamente,
Essencialmente...
Mas há entre mim e ti
Um elo comum:
Tu és o SER absoluto,
Eu sou um Ser relativo,
Tu és o SER increado,
Eu sou um Ser creado...
O meu Ser emerge, qual pequena onda,
Do vasto oceano do teu SER...
O meu Ser cintila, qual raio solar,
Em trêmula gota de orvalho,
Irradiado pelo imenso globo do sol...
...............................................................................................................................
Contemplo-me, finalmente,
Na castíssima nudez
Da Verdade integral...
E a Verdade me libertou
De todas as escravidões
Das inverdades...
E meu humano existir exulta
À luz do meu divino Ser...
Minha vida é bela e feliz,
Porque é um sopro da tua Vida,
Um raio da tua Luz,
Um brado do teu Amor...
RETIRADA ESTRATÉGICA
DA MINHA VIDA
Libertei-me, por fim, do velho ego,
Definitivamente!...
Desci do palco dos fantoches,
Desisti da comédia da vida.
Sentei-me na platéia
Como mero expectador,
Contemplando o movimento automático
Dos bonecos de engonço, lá no palco,
Onde eu estava.
Libertei-me do velho ego
E de todos os seus acessórios e derivados.
E, desde já, aceito,
Antecipadamente,
Espontaneamente,
Tudo quanto implica
Essa retirada estratégica da minha vida.
Aceito todas as angústias anônimas,
Todas as hemorragias do coração,
Todas as lágrimas de compaixão,
Todos os sorrisos de escárnio
Dos que não me compreendem,
Dos que me julgam herege, dissidente, traidor,
Dos que me consideram mentecapto, desvairado...
Eu disse à vida: “Que é que me podes dar,
A mim, que nada mais desejo de ti?”
Desafiei a morte: “Que é que me podes tirar,
A mim, que nada receio de ti?”
Já morri, espontaneamente,
Antes que tu me matasses,
Compulsoriamente!”...
Cometi um glorioso egocídio,
Perpetrei minha mística eutanásia...
Encerrei a minha vida,
Essa pseudo-vida do velho ego...
Já não vive o meu ego profano,
Vive somente o meu Eu sagrado,
O meu divino Cristo interno...
Eu sou por ele vivido,
E plenamente vitalizado...
E agora que nada mais desejo
Que a vida me possa dar,
E nada mais receio
Que a morte me possa tirar,
Agora entrei na gloriosa liberdade
Dos filhos de Deus.
* * *
E, daqui por diante, o mundo em derredor
Me é uma fascinante sinfonia,
Cheia de surpresas e encantos...
Sinto-me tão leve e luminoso,
Tão sereno e sorridente,
Que quisera cingir, num amplexo de amor,
O Universo inteiro,
E dar a todos os seres do mundo
Algo da minha grande beatitude...
Da austera disciplina de ontem
Brotou a suave alegria de hoje.
Da rude batalha da vida
Nasceu a vitória sobre a morte.
Assinei um grande tratado de paz
Flutua a bandeira branca
Sobre o santuário de minha alma...
E tudo me pertence agora,
Porque nada mais tenho de meu,
E nada mais desejo adquirir...
O pólo negativo da minha renúncia
Despertou em todas as coisas
O pólo positivo...
E tudo quer vir a mim,
Estranhamente imantado;
Desde que tudo abandonei
Todas as creaturas confiam em mim,
Porque de todas me desapeguei,
Não com acerbo desdém,
Não com violento protesto,
Mas com suave compreensão
E sorridente benevolência...
Todas as coisas me pertencem,
Desde que só a Deus eu pertenço...
Todas me querem bem,
Desde que nada mais quero
Senão Deus somente...
Nada me é negado,
Desde que me neguei a mim mesmo;
Desde que escolhi a solidão do Creador,
Entrei na sociedade de todas as creaturas...
O estático silêncio da mística
Canta na dinâmica vivência da ética.
* * *
E agora estou pronto
Para voltar ao mundo,
Sem ser do mundo...
Eu venci o mundo
Nunca mais serei vencido pelo mundo.
Do nadir da minha total vacuidade
Rompeu o zênite da minha infinita plenitude...
Vivo vida abundante,
Porque morri espontaneamente...
Tudo pode o mundo esperar
Do homem que nada espera do mundo.
QUANDO ME TORNAREI SUPÉRFLUO?
Almas sem conta me procuram,
Como guia e diretor,
Nas incertas veredas do Além.
Tão incertas são essas veredas,
Tão ignotos os vastos desertos,
Tão inexploradas as densas florestas,
Tão misteriosos os altos Himalaias
Que medeiam entre a alma e Deus,
Que poucos se atrevem a arrostar
Tão estranha jornada,
Sem um perito que, de experiência própria,
Conheça essas obscuras paragens.
Preferem ser conduzidos com acerto
A se conduzirem com desacerto.
Segurança é o elemento vital
Da existência humana,
Em todos os planos da vida.
E toda vez que uma alma humana
Me põe nas mãos o seu destino,
Eu me sinto humilhado,
Porque dolorosamente consciente
Se me torna o pouco que sei
E o muito me ignoro...
Que é essa minúscula gotinha
Da minha experiência
Em face do oceano imenso
Da minha inexperiência?
Esse pólo positivo da confiança
Que outros em mim depositam
Desperta em mim o pólo negativo
Da desconfiança que sinto em mim mesmo.
E, humilde e confiante, rogo a Deus
Que me purifique e habilite
Para servir de canal e veículo idôneo
Das águas vivas que fluem da Fonte Eterna,
Para que minhas impurezas humanas
Não contaminem a pureza divina
Que devo canalizar para as almas
Que, confiantes, me procuram.
Não compreendo nem jamais compreenderei
Como possa alguém orgulhar-se
Do seu ofício de mestre de almas...
Humildade e incerteza,
Vergonha e incompetência
São os terremotos que me abalam
Em face de tarefa tamanha.
Quando serei, finalmente, supérfluo?
Quando terei a suspirada glória
De ser “servo inútil”?...
Quando terão os meus conduzidos a luz e força
De se conduzirem a si mesmos?
Quando passará a sua precária heteronomia
A ser uma segura autonomia?
Quando poderão esses alo-guiados dispensar
Escoras e muletas externas de um mestre humano
E prosseguir a sua jornada, auto-guiados,
À luz do seu mestre interno?
Amanhece, enfim, ó dia ditoso
Em que eu seja supérfluo!
Em que meus conduzidos de hoje
Se tornem condutores de amanhã!
Guiados pelo espírito de Deus,
Com jubilosa segurança,
Rumo aos tabernáculos eternos!...
DA UMIDADE PARA A HUMILDADE
Desce das eternas alturas,
Ó fogo de Deus!
Incendeia-me todo com teu ardor!
Consome o meu combustível,
Em veemente ignição!
Batiza-me com o fogo do espírito santo!...
Assim suplicava eu,
Por anos e decênios
Mas o fogo divino não vinha,
Não descia das alturas,
Não consumia o meu velho ego,
Em grato holocausto...
Finalmente, descobri o porquê
Dessa dolorosa frustração...
Descobri que havia em mim
Excessiva umidade
A profana umidade do ego impenitente,
Os humores terrenos que embebiam
A minha humana personalidade,
A sutil vaidade e vanglória
De querer conquistar o reino de Deus
Pelas forças do ego luciférico...
* * *
Evaporei então o último resto
Dessa humana umidade,
Ao sopro duma grande humildade...
Confessei o meu nada,
A teus olhos, Senhor...
E à luz da tua potência
Dissipou-se a minha importância
Reduzida a total impotência...
E essa intensa aridez do meu ego
Chamou das alturas as labaredas
Do fogo divino...
E minha alma se abrasou
Num incêndio cósmico
De compreensão,
De amor,
De adoração,
De beatitude...
E sobre o altar do meu coração
Arde agora o fogo sagrado,
Amparado pela casta Vestal
De minha alma,
Em inefável ignição...
ALMA GESTANTE
Quando a alma anda grávida de Deus,
Em adiantada gestação,
Basta o mais ligeiro impulso
Para dela nascer o Cristo...
Um olhar,
Um gesto,
O timbre duma voz,
O eco duma melodia,
Uma florzinha à beira da estrada,
Uma estrela no céu noturno.
Um sorriso de criança,
E até a lágrima de um sofredor
Para atear na alma o amor de Deus,
Para encher de inefável beatitude
O coração faminto do Infinito...
Nasce então a prole
Concebida de Deus
E a alma-mater rejubila
Com sua ditosa fecundidade...
UNIVERSO DE MOLUSCO
E o molusco foi segregando substância própria,
Para arquitetar o seu universo portátil...
E aos poucos, muito aos poucos,
A gosma que lhe envolvia o corpo invertebrado
Se foi solidificando em derredor,
Formando tênue camada de cálcio e sílica
Uma concha bivalve, um caramujo espiralado.
E o molusco leva consigo,
Por toda a parte,
O seu mundo portátil,
E nele se refugiar
Em momentos de perigo,
Em horas de tristeza...
* * *
Corri os olhos em derredor
E vi o mundo dos homens
Povoado de moluscos sem conta...
E cada um leva consigo,
Por toda a parte,
O seu universo auto-fabricado,
Feito da substância sutil
Que sua mente projetou de si...
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  • 1. HUBERTO ROHDEN ESCALANDO O HIMALAIA COLÓQUIOS COM DEUS E SOLILÓQUIOS COM MINHA ALMA UNIVERSALISMO
  • 2. ADVERTÊNCIA A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior, porque deturpa o pensamento. Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência. O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado. Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores. A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa. Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenções acadêmicas.
  • 3. ESCALANDO O HIMALAIA Este livro é uma experiência metafísica. Mais do que isso, é uma vivência espiritual. O autor se confessa: “Outrora, ansiava eu por escalar o Himalaia da Ásia, longe de mim... Outrora, sonhava eu com estranhas aventuras em terras longínquas. Outrora, fascinava-me a idéia de atingir as culminâncias do Everest. Hoje, me fascina a suprema audácia de galgar o Himalaia de dentro. Hoje, me seduz a divina aventura de ascender ao Everest do meu ignoto EU. Hoje, vou em demanda da montanha sagrada que, dentro de mim mesmo, se ergue altíssima. Hoje, sigo avante, rumo ao Everest de dentro, com os olhos fitos no excelso ideal de minha suprema realização. Rumo ao grande Além-de-Dentro. Rumo ao Himalaia do meu espírito.” Escalando o Himalaia completa e finaliza outro livro de Rohden: o seu célebre e misterioso A Voz do Silêncio. Ambos são convergentes na essência e na forma. São obras incomuns, escritas inspiradamente, onde o processo criativo transcende a análise e mergulha nas alturas da pura intuição cósmica. Ambos são livros gestados e nascidos de um doloroso gozar e de um gozoso sofrer, para uma beatitude metafísica. Poucas obras do autor atingiram clima poético tão intenso e vivificante. Rohden tinha uma preferência especial por estes livros, escritos em forma versificada. Considerava-os leitura para pessoas adiantadas espiritualmente. “Muito, para poucos”, na sua própria definição. É a alma de Rohden que nos diz: “... É esta a sangrenta tragicidade da minha vida. E, por entre esses pólos extremos, em dolorosa tensão bilateral, em dinâmica passividade, se move a odisséia da minha existência rumo ao Infinito... Sempre em demanda do termo final e sempre distante desse termo... Sempre na linha reta do caminho certo e sempre cortado pelos ziguezagues de mil linhas transversais...” É esta a minha doce amargura, é esta a minha amarga doçura, a minha jornada ascensional rumo às alturas... A vida eterna não é uma chegada. A vida eterna é uma jornada rumo ao Infinito.”
  • 4. Sugerimos ao leitor deste livro que o leia como se ouvisse Back ou Haendel. Sem análise e sem crítica. Quem assim o fizer, transcendentaliza-se. Obra de poderosa atração espiritual.
  • 5. ESCALANDO O HIMALAIA DE DENTRO Outrora, ansiava eu por escalar O Himalaia da Ásia Longe de mim... Outrora, sonhava eu com estranhas aventuras Em terras longínquas... Outrora, fascinava-me a idéia De atingir as culminâncias do Everest E perder-me em imensos campos de neve... Hoje me fascina a suprema audácia De galgar o Himalaia de dentro, Os píncaros do meu próprio ser, Envoltos no mistério das nuvens... Hoje me seduz a divina aventura De ascender ao Everest do meu ignoto Eu... Envolto em neves eternas, Na imaculada alvura do meu Cristo interno, No silêncio da Verdade infinita, Na sacralidade mística do “Eu Sou”... Por isto abandonei a profana querência Do meu conhecido ego de antanho
  • 6. E, pioneiro do Infinito, Vivo os meus dias e minhas noites Em demanda da montanha sagrada Que, dentro de mim mesmo, se ergue Altíssima, Ignota, Divina... E todos os sacrifícios me são gozos, E todas as tristezas me são alegrias, E todos os espinhos me são rosas, E todas as lágrimas me são sorrisos, Porque são degraus da montanha sagrada, Estágios do meu Himalaia de dentro... E, ainda que tempestades desabem em derredor E raios fuzilem por cima de mim, E abismos negrejem sob os meus pés, Ainda que sorridentes esplanadas me convidem a parar Eu sigo avante, rumo ao Everest, Sem medo dos perigos, Com os olhos fitos no excelso ideal Da minha suprema realização Rumo ao grande Além-de-dentro... Rumo ao Himalaia Do meu espírito.
  • 7. MEU SACROSSANTO TABU Santo, santo, santo! Três vezes longínquo, intangível, Três vezes Transcendente, És tu, ó Deus, Meu sacrossanto Tabu... Ninguém te pode ver, E continuar a viver... Ninguém te pode tanger, E não deixar de morrer... Tu és um “fogo devorador”, Que a cinzas reduzes tudo Que de ti se aproxime... Tu és o pólo positivo do Absoluto Que de ti repeles todos os pólos negativos dos Relativos. Por isto te contemplo de longe, Ó intangível Númeno! Por isto, transido de terror, Me afogo nas trevas do meu Nada, Ante a Luz do teu Tudo... * * * E, no entanto, meu sacrossanto Tabu, Tu, que és a Verdade Transcendente,
  • 8. És também o meu Bem Imanente. Tão propínqua me é a tua Presença Quão longínqua me é a tua Ausência. Tu és uma distante proximidade. Tu és uma longínqua proximidade. Tu és o meu amoroso Terror. Tu és o meu terrífico Amor. Tu és a minha luminosa Treva. Tu és a minha tenebrosa Luz. Sofro as torturas do teu Amor. Gozo as delícias do teu Terror. Adoro-te, Meu Deus, Que és a mais longínqua das minhas propinquidades! Amo-te, meu Deus, Que és a mais propínqua das minhas longinquidades! Tu és o que eu não sou E sou o que tu és. O pólo positivo do teu Absoluto E também o pólo negativo do teu Relativo. A tua terrífica Transcendência E a tua beatífica Imanência. E por isto, eu te temo Amando, E eu te amo Temendo. E essa tensão dinâmica entre o temor e o amor É o segredo do meu gozo,
  • 9. É a minha inefável beatitude. Terrível é o teu Além-de-fora. Amável é o teu Aquém-de-dentro Tu és o meu terrível Amor. Tu és o meu amável Terror! Em ti se coadunam todos os paradoxos, Em ti se sintetizam todas as antíteses, Porque tu não és nem as antíteses, Nem a síntese Tu és a grande TESE, Anterior a esta e àquelas. Tu não existes, como eu Tu ÉS, como só tu podes ser. Tu és aquele que é! A tua natureza é “SER”. Tu és o SER eterno, absoluto, Anônimo, amorfo, incolor, Para além de tempo, espaço e causalidade. Mas a luz incolor do teu SER Revela-se no prisma multicor do teu existir. Como Verdade transcendente tu és incolor, Como Bem imanente tu és multicor. Terrífico e benéfico ao mesmo tempo... No teu SER tu és a Verdade Sem nome, nem forma nem cor. No teu existir, tu és o Amor
  • 10. Envolto em nomes, formas e cores. A tua Essência única se revela Em tuas Existências múltiplas... Tu és o Uno e o Verso Do Universo. Por isto eu te adoro e eu te amo, Meu sacrossanto Tabu, Meu beatífico Terror, Meu terrífico Amor!... Meu longínquo Além-de-fora, Meu propínquo Além-de-dentro!... Aleluia!... Amém...
  • 11. TRANSFORMAÇÃO VITAL Negrejantes massas de feio esterco, Informes, mal-cheirosas, Cobrem os canteiros mortos Do meu jardim hibernal, Por que tanta fealdade manifesta No meio de tanta beleza latente? Mas, eis que sopram as auras matutinas, Os refrigerantes hálitos de manhãs primaveris! E do feio esterco nada sobrou Tudo foi transformado em beleza... Deslumbrantes pencas de rosas, Esguios minaretes de zínias, Mágicos botões de cravos, Olhos azuis de miosótis, Alvejantes estrelas de açucenas Multiformes e multicores filhas Da exuberância da Flora... Rescendendo suaves fragrâncias, Oferecendo cálices repletos de néctar... Donde vieram essas belezas todas? Tudo isto é esterco transformado,
  • 12. Esse nauseabundo e informe adubo de ontem... Oh! estupenda maravilha da vida invisível Que com sua alma de luz permeou As trevas da matéria inerte!... * * * E eu me lembrei de mim mesmo, E dos meus sócios de jornada terrestre. Lembrei-me dos homens que só conhecem As coisas do mundo material, Coisas inertes, escuras, repugnantes, Deste mundo tangível dos sentidos, Onde a matéria permanece material Por falta de um princípio vital, De uma alma espiritualizante... Lembrei-me também de vós, Meus austeros ascetas, Que detestais de todo o coração A matéria das coisas deste mundo, Que vos isolais no beatífico paraíso do espírito, Longe deste mundo imundo... Se admiro a vossa sinceridade, Meus austeros ascetas, Lamento a vossa fraqueza, Meus irmãos desertores... Sois assaz fortes para desertardes do mundo E assaz fracos para não transformardes pelo espírito
  • 13. As materialidades do mundo... Lembrei-me também de ti, Pequenino rebanho de homens crísticos, Vós que, como a vida da planta, Penetrais e transformais as coisas escuras e opacas Do mundo material. E do seio de todas as materialidades, Suscitais epopéias de espiritualidade, Multiforme e multicor, Perfumosas pétalas de amor e caridade, Suaves néctares de alegria e felicidade, Jardineiros da Divindade! * * * Quando a vida do Deus do mundo Permeia todos os mundos de Deus, Todos os mortos ressuscitam E transbordam de vida juvenil. Todas as matérias opacas Se transformam em cristais diáfanos, Irisando em milhares de cores A luz Incolor Da divindade...
  • 14. ANSEIO POR UM FOGO VIVO Quantas vezes, em horas de quietude, Anseio por uma vida de luz e de paz, Uma vida de harmonia, segurança, felicidade! Quantas vezes entrevejo, ao longe, Um reino de beatitude e de amor, A acenar-me suavemente!... E, nesses momentos de quietude dinâmica, Eu me sinto assaz forte Para superar todos os óbices E romper caminho através dos impossíveis. Mas... após dias, semanas e meses, Desfalecem-me as forças... Tudo em derredor é deserto árido... Fastidiosa monotonia... Cinzento areal... Triste mediocridade... É tão fácil começar, Tão difícil continuar, Dificílimo terminar... E, perdendo de vista os longínquos páramos, Eu me conformo novamente
  • 15. Com a velha e cômoda rotina Da vida horizontal de sempre... Se todos assim vivem e vegetam, Por que deveria eu ser uma exceção? Não é isto tentação do meu lúcifer de dentro? Querer ser herói e super-homem?... E o meu velho egoísmo acomodatício Doura de virtude a minha covardia... Minha alma, porém, insatisfeita, Continua a clamar pela luz, Continua a ansiar pela paz imperturbável... Mas essa luz e essa paz são filhas do sofrimento. E eu ainda não sofri bastante... Todas as minhas teses e teorias Por mais verdadeiras e boas, São como fogo pintado, artisticamente pintado Na tela do meu ego... Fogo fictício, sem luz nem calor... Importa que sobre mim desabem Dilúvios de dores, Infernos de sofrimentos, Oceanos de decepções, Para que a fria inércia do meu fogo fictício Se converta na ardente dinâmica de um fogo real! Por isto, Senhor, não te peço que me poupes Dores e decepções,
  • 16. Rogo-te apenas as ponhas a serviço Da minha cristificação, Para que eu me realize plenamente Em Cristo!... Que eu seja crucificado, morto e sepultado, Entre o Getsêmane e o Gólgota, E ressuscite para uma vida nova, Vida liberta dessas pequenas e grandes misérias Que ainda me prendem a uma zona que não e minha... Vida liberta, finalmente, Desses ídolos e fetiches Do meu velho ego... Realizado em mim A nova creatura em Cristo...
  • 17. O PECADO DAS MINHAS ORAÇÕES Penso com horror nas minhas preces de outrora, Quando eu pedia alguma coisa Vida, saúde, prosperidade e outros ídolos Como se algo houvesse de real, Fora de ti, meu Deus, Realidade única, total, absoluta! Como se em ti não estivessem contidas Todas as coisas do universo!... Como se todos esses pequenos “realizados” Não fossem reflexos de ti, o grande “Real”!... Tamanha era a minha ilusão dualista, Que eu julgava poder possuir algum efeito individual Sem possuir a Causa Universal!... Hoje morreu em mim toda essa idolatria, Esse ilusório dualismo objetivo. Redimido pela verdade libertadora, Sinto, hoje, nas profundezas do meu Ser, O grande monismo do Universo. Hoje, o alvo das minhas orações És tu, Senhor, unicamente tu. Hoje, sei e sinto que, possuindo a ti,
  • 18. Possuo em ti todas as coisas Que de ti emanaram, E em ti ficaram... Todas as coisas que, por mais distintas de ti, São todas imanentes em ti. Porque tu és a eterna Essência De todas essas Existências temporárias. Hoje não quero mais nada Senão a ti somente, Senhor, Porque em ti está tudo Que, fora de ti, parece existir. E, porque assim te amo, Senhor, Amo também tudo que é teu, Tudo que, disperso pelo cenário cósmico, Veio de ti, Está em ti, Voltará a ti. Revestiu-se de mística sacralidade O meu antigo amor profano, Desde que vejo o Deus do mundo Em todas as coisas do mundo de Deus. E o pecado das minhas orações de outrora Foi remido pela verdade da minha prece de hoje.
  • 19. O HOMEM CRÍSTICO É este o sinete régio do Cristo, Que do cristão distingue o homem crístico: Querer espontaneamente O que se deve compulsoriamente. Se puderes fazer com júbilo, Com radiante sorridência, Com leveza gentil E exultante felicidade, O que, outrora, fazias Como pesado dever obrigatório, Então cruzaste a misteriosa fronteira Que do velho cristão separa O novo homem crístico. O cristão espera o reino dos céus Como recompensa dos seus méritos, Em pagamento de boas obras. O homem crístico nada espera nem receia... Não é bom com medo do inferno, Nem com esperança do céu... É incondicionalmente bom Por amor... O cristão espera entrar no reino dos céus
  • 20. Depois da morte, Tem os olhos postos Em tempos futuros E regiões distantes... O homem crístico realiza em si o reino de Deus, Dia por dia, Agora e aqui mesmo, No tempo presente do eterno “hoje”, No espaço propínquo do infinito “aqui”... O cristão espera encontrar a Deus Depois de sofrer a morte corpórea O homem crístico se encontra com Deus Dia por dia, Hora por hora, Sempre e por toda a parte, Porque proclamou o reino de Deus dentro de si E eis que ele lhe surge também por fora!... O homem crístico passou pela morte do pequeno eu Para viver o grande Deus, Morreu a morte mística, Imolou o pequeno ego humano Na ara do grande Tu divino... E após essa voluntária morte mística Houve uma ressurreição crística... Ouvira ele a fascinante oferta de Lúcifer: “Eu te darei todos os reinos do mundo e sua glória”, Mas o homem crístico não caiu aos pés do tentador,
  • 21. Não o adorou como seu deus, Porque sabe que o reino de Deus não é deste mundo... E dessa espontânea renúncia aos reinos de Lúcifer Nasceu-lhe a grande paz do reino do Cristo... E todos os habitantes desse reino Levam em si o invisível sinete régio do Cristo Porque são a “comunhão dos santos”, A fraternidade branca dos irmãos anônimos, Que atuam poderosamente em todo o Universo, Mas não aparecem em parte alguma, Porque atuam como a luz cósmica, Invisível, intangível, Onipresente, Irresistivelmente suave... Silenciosamente poderosa, Como a “luz do mundo”... Esses homens crísticos...
  • 22. ANSEIO DO SILÊNCIO Estou cansado de falar, De falar com os homens, De falar comigo mesmo Estou cansado até de falar com Deus... Todas as minhas perguntas, Ruidosas, Insistentes, Sangrentas, Esbarram sempre com muralhas de granito, Resvalam sempre de paredes marmóreas, Agonizam sempre, exaustas, sem resposta... Por que todo esse falar? Esse intérmino interrogar? Esse estéril pesquisar? Resolvi substituir o ruidoso falar Pelo silencioso calar. O ruído é dos homens, O silêncio é de Deus. Voltei as costas aos dias ensolarados Da minha inteligência consciente. E abismei-me na noite estrelada De minha alma intuitiva,
  • 23. Essa alma que não é minha, Mas do Universo de Deus. E pus-me a escutar a melodia Do magno silêncio Que envolve a luminosa escuridão Do grande Anônimo de mil nomes. E, quando desci ao ínfimo nadir Do meu silente Nirvana, Atingi o supremo zênite Do teu solene Himalaia, Ó taciturna Divindade... Fundiram-se então, em místico amplexo, O meu silêncio do Aquém E o teu silêncio do Além... E eu compreendi o Incompreensível... Conheci o Incognoscível... Dei nome ao Inominável... Disse o Indizível... E do fundo dessa vacuidade do silêncio Brotou a plenitude da sapiência... Que me veio das grandes profundidades E das excelsas altitudes... Ai! como o velho ruído me falsificou! Como me roubou a fidelidade Que devo a mim mesmo!...
  • 24. Ah! como esse novo silêncio me purifica! Como me restitui a fidelidade A mim mesmo!... Como me re-virgina De todas as minhas prostituições! Como me restitui a castidade Do meu divino Eu! Como me envolve e penetra Com a sacralidade das fontes eternas! Refugiei-me, dentro de mim mesmo, À solene solidão das matas, À vastidão dos desertos, À pureza das montanhas E cessou a tormentosa tensão dos nervos, Adormeceu a insensatez da vida profana E sinto sossego de mim mesmo... Convalesci da enfermidade dos ruídos Para a grande sanidade do silêncio... Calei-me E Deus me fala...
  • 25. A ANGÚSTIA DOS DITOS INDIZÍVEIS É esta a suprema angústia de minha alma: Não poder dizer a ninguém fora de mim. O que sei dentro de mim, O que sei de Ti, meu Deus!... Quando eu nada sabia de Ti, Falava de Ti a todos os homens, Mesmo àqueles que não me queriam ouvir. Hoje, que sei algo de Ti, Nos abismos anônimos de mim mesmo, Hoje nada sei dizer de Ti, De Ti, o Indizível, o Inominável... E, quando algo tento dizer de Ti, Sofro a sangrenta angústia Da minha insuficiência... Porque tudo que digo de Ti Não é aquilo que de Ti Quisera dizer... Sinto que todas as sacralidades Que de Ti procuro dizer São aleijões e profanações... Sei que todos os esplendores, Da minha liturgia verbal,
  • 26. E todos os fulgores Da minha acrobacia mental São ridículos titubeios Da minha ignorante incompetência, Da minha incompetente ignorância... E dentro de mim arde o tormento metafísico De nunca poder dizer o indizível Que de Ti quisera dizer Esse indizível mistério Que és tu mesmo, Tu, o eterno Anônimo de mil nomes. Sofro o teu grande anonimato No abismo da minha incompetência... Mas esse sofrimento me é doce amargura, Esse mistério me é amarga doçura... Se mistério não fosse; Senhor, Como poderia eu adorar-te Terrificamente?... Como poderia eu inebriar-me de Ti, Fascinantemente?... Se mistério não fosses, Incompreensível Anônimo, Deixaria eu de sofrer-te Deliciosamente... Perderia a minha vida O mais belo dos seus encantos...
  • 27. * * * Não, não quero gozar-te Gozosamente! Quero gozar-te Dolorosamente! Quero que sempre me sejas esse misto De dor e de gozo, Esse crepúsculo vespertino, Essa penumbra matutina, Esse Algo, semi-noturno e semi-diurno... Porque eu mesmo sou um misto de luz e de trevas, Mescla do teu eterno Ser e do meu efêmero existir, Da tua divina verticalidade E da minha humana horizontalidade. E da junção desse vertical que tu és E desse horizontal que eu sou, Nasce o signo da cruz, Símbolo de sofrimento, Apanágio de redenção, Emblema da vida eterna... Nasce a grande síntese De Ti em mim, De mim em Ti Nasce o homem cósmico, Que solve os ditos indizíveis Da minha grande angústia, Dizendo, em grande silêncio,
  • 28. O que palavra alguma pode dizer... Harmonizando em mim a luz e as trevas, O divino e o humano Creando a suprema poesia da vida: A nova creatura em Cristo...
  • 29. “SE O GRÃO DE TRIGO NÃO MORRER...” No seio de pequenina semente Dorme, em profundo silêncio, A luz solar. Lucigênita é a alma da sementinha dormente, Filha do sol. Passam-se dias, meses, anos E a alma solar da semente Continua a dormir, a dormir... Envolta em misterioso sono, No seu castelo encantado. Eis senão quando é soterrada No fundo do solo, Sepulta em úmida escuridão! E desse tenebroso abismo Clama a sementinha Por um raio de luz. E o grande Sol, lá nas alturas, Ouve o clamor de sua filhinha, Porque o clamor da semente É o eco da voz solar. Na alma do grãozinho de trigo
  • 30. Se encontram o sol de dentro E o sol de fora, A fé solar da pequena semente E a graça solar do grande astro. E eis que em viridente planta Brota a alma lucigênita da semente! * * * No seio de minha alma dormita A luz invisível do teu espírito, Ó Sol divino do Universo. Quando despertará essa luz dormente? Quando brotará a semente do teu espírito, Meu grande Astro?... Astro tão longínquo em tua transcendência E tão propínquo em tua imanência?... Não ouves o silencioso clamor da minha fé? Por que não respondes com a luz da tua graça? * * * Desabou então sobre mim a grande treva Fui sepultado nas entranhas De indizível angústia... Confrangeu-se-me a alma chagada, Num frêmito de inominável agonia... Fui crucificado, Morto E sepultado... E tão alto clamou a minha luz de dentro
  • 31. Pela luz de fora, Que se fundiram, em silente consórcio, A luz solar da minha fé E a luz solar da tua graça, Ó Astro divino... E das núpcias místicas da tua Voz E de minha alma, Da tua graça E da minha fé, Nasceu a viridente planta Da minha vida em ti, Da tua vida em mim... Aleluia!...
  • 32. ESCRAVIZADO PELA LIBERDADE Cansado de longos anos de obediência, Emancipei-me da molesta autoridade E proclamei a minha independência, A irrestrita liberdade do meu querido ego... E senti-me feliz, nessa grande conquista Assim pensava eu... Assim me dizia a altaneira sapiência Da minha profunda insipiência... Hoje, estou mais cansado da minha liberdade Do que, outrora, da minha obediência. Verifiquei que a liberdade gera insegurança, Dolorosa insegurança, Nos invisíveis caminhos do Além E quem pode viver feliz na insegurança?... Anseio por uma segurança, profunda e sólida, Esse alfa e ômega de toda felicidade... Privou-me a liberdade desse elemento vital Nos invisíveis caminhos do Além, Elemento que a obediência me dera... Lançou-me ao caótico ziguezague De caprichos e veleidades sem conta...
  • 33. Por isto, comecei a suspirar pela querida escravidão Dos tempos da minha obediência de antanho, Por uma autoridade austera de ditador Que me comprimisse entre muralhas de granito, Inexoravelmente, E me impedisse de ziguezaguear, Incerto, Para a direita, para a esquerda, Qual trêfega borboleta sobre canteiros em flor, Qual estonteado vagalume pelas trevas noturnas... Apelei para as minhas teologias de tempos idos Mas ai!... Elas se calaram, como esfinges do deserto... Eu já não podia crer, de olhos fechados, Como naqueles tempos remotos Da minha obediência automática, Já não podia encampar dogmas de fora, Sem a minha experiência de dentro, Não podia obedecer a autoridades heterônomas Que não fossem a voz da minha autonomia, Da suprema autoridade do meu Eu crístico, Do meu divino Emanuel... Revelou-se-me, então, o grande segredo De ser inexoravelmente escravo E integralmente livre, O fascinante segredo de ser
  • 34. Livremente escravo E escravizadamente livre... Fiz-me livremente escravo Da Verdade Libertadora, De uma Autoridade Suprema, em mim... E senti em mim a inefável segurança, Que a liberdade me prometera E nunca me dera... Submeti o meu pequeno ego humano Ao império do meu grande Eu divino... Percebi dentro de mim uma voz que dizia: “Tu deves!” E respondi: “Que queres, Senhor, que eu faça?” E meu grande Além-de-dentro, Ecoando a mensagem do grande Além-de-fora, Arvorou-se em soberano absoluto, Em supremo tribunal, Da minha vida E desde então eu me sinto seguro, Seguramente feliz, Porque livremente obediente E obedientemente livre... Servo do Absoluto, Do Eterno, Do Infinito, Que em mim habita... Fiz-me voluntário prisioneiro da Verdade.
  • 35. E toda a minha velha insegurança Foi tragada pela nova segurança, Que nasceu da austera liberdade, Que o império da Verdade me deu... Deveras! não há maior liberdade Do que a espontânea obediência À inefável tirania Da Verdade!...
  • 36. TENTANDO ROMPER O VÉU INVISÍVEL... Há entre mim e o Infinito um véu, Tenuíssimo como teia de aranha. Para além desse véu adivinho e entrevejo Estupenda Realidade, Anônima, Amorfa, Incolor, Tese e Síntese de tudo quanto é, Foi e será... É o infinito “Aqui”, O eterno “Agora”, O absoluto “Todo”, O “Ser” universal... Há entre mim e o Infinito um véu... E eu, impaciente, sacudo esse véu, Procuro corrê-lo, Rompê-lo, Para contemplar a Realidade além... Desvendar o mistério do Cosmos... Mas ai! que essa teia de aranha É rija muralha de granito, Erguida entre mim e Ti,
  • 37. Senhor!... Entre mim, esse insatisfeito bandeirante E Ti, o eterno Incognoscível... Qual cão faminto anda minha alma rondando, Rondando, dia e noite, O inexpugnável castelo Da tua opulência... Ansiosa por apanhar uma migalha Do lauto festim da tua plenitude... Mas ai! que as migalhas Que caem da tua mesa, Depois de saboreadas por minha alma, Acendem em mim uma fome voraz, Uma ânsia imensa de migalhas sem fim, E sem medida, Dos teus divinos banquetes... E eu vitupero minha alma, Porque saboreou tão avidamente Um átomo da tua infinita opulência, Porque sorveu uma gota Do Oceano sem praias Da tua Divindade... Por que, minha alma, saboreias aquilo que, Depois de saboreado, Te ateia no Íntimo novos incêndios De fome? Veementes tempestades de amor?...
  • 38. Por que é, Senhor, que a posse de Ti Me torna mais consciente a falta que tenho De Ti?... Por que é, Senhor, que, Quanto mais te possuo Mais te procuro?... Quanto mais te saboreio Mais fome tenho de Ti?... Quanto mais te gozo Mais sofrido me sinto de Ti?... Quanto mais saúde tenho em Ti Mais doente agonizo longe de Ti?... E, no entanto, não consigo Divorciar-me de Ti, Meu delicioso Tormento... Minha dulcíssima Amargura... Meu Inimigo querido... Que seria de minha vida Sem esse inferno celeste, Sem esse céu infernal?... * * * Não, não quero romper esse véu Dessa mística transcendência, Dessa fascinante longinquidade, Que me separa de Ti,
  • 39. Senhor!... Quero viver para sempre nessa transcendência Do mistério, Contanto que a imanência do Amor Mantenha aceso em mim O fogo sagrado que arde sem cessar Em mim...
  • 40. SACRALIDADE DO SILÊNCIO Envolto em eterno silêncio Jaz o que sei de ti, meu Deus. Nunca ninguém saberá desse mistério. Impensável e indizível É essa virginal pureza Do que eu sei de ti, Senhor, Meu silencioso Anônimo... Todo pensar é profanação, Todo dizer é prostituição. Somente im-pensado e o in-dito, O im-pensável e o in-dizível, É que é intacta castidade. E do seio fecundo dessa virgem Nasce a divina prole da intuição. A luxúria mental e verbal Esterilizam as entranhas do meu ser. * * * Entretanto, no meio deste mundo imundo, Eu tenho de pensar e de falar É este o meu grande sacrifício. Tenho de pensar o impensável, Tenho de dizer o indizível,
  • 41. Para apontar o rumo a seguir Aos que não conhecem ainda A fecunda virgindade do silêncio. Antes que desponte a noite estrelada Do silente calar, Deve o dia do pensar e falar Encher de profanos ruídos Os caminhos da vida mortal... Pensar e falar é repugnante Para quem aprendeu a calar, Calar dinamicamente em tua presença, Ó Deus silente e anônimo!... Isto é suprema delícia, Isto é beatitude infinita Banhar minha alma nesse pélago, Sem praias nem fundo, Sem princípio nem fim, Para além de tempo e espaço, Para além de tudo que possa ser Analisado e vocalizado... Oh! inefável poesia da Verdade! Quando me envolverá esse nirvana Do teu eterno silêncio?... Quando me afogarei nesse oceano Da vida eterna?... Quando convalescerei plenamente
  • 42. Dessa doença crônica Do pensar e falar?... Quando lançarei de mim essas muletas E possuirei a vigorosa sanidade Da silenciosa intuição da Verdade?... * * * Desce sobre mim, benignamente, Como benéfico orvalho vespertino, Ó noite estrelada Do grande silêncio De Deus!...
  • 43. AMOR SOFRIDO Outrora, Naqueles tempos remotos, obscuros, Quando eu habitava na penumbra dos ínferos, Longe, bem longe da luz dos súperos, Naqueles tempos pensava eu Que amar fosse gozar. Assim pensava eu quando tateava, Incerto, inexperiente, No inferno da minha semi-consciência, Longe do superno da minha pleni-consciência. Hoje, porém, sei e sinto Que, no zênite do amor, Se funde o nadir do sofrimento Numa indizível síntese cósmica De silenciosa e eterna unidade... Hoje sei e sinto Que amor gozado é apenas meio amor, Que amor sofrido é que é amor integral... Não viesse o sofrimento associar-se ao gozo, Nunca gozaria eu a plenitude do gozo, Nunca chegaria o amor a ser plenamente
  • 44. Ele mesmo, Intensamente vivido, Meridianamente consciente... Hoje compreendo nitidamente Por que o Verbo se fez carne, E se faz carne sem cessar. Se o Verbo do Amor fosse apenas espírito, Espírito puramente espiritual, Espírito-gozo Que saberia esse espírito de si mesmo?... Mas, depois que o Verbo do Amor Se despojou dos esplendores do gozo E se revestiu das trevas da dor, Depois que o eterno Logos Se temporalizou em Jesus, Depois que o Filho de Deus Nasceu como o Filho do Homem, O seu Amor atingiu as culminâncias Do gozo integral, Sofrendo amorosamente, Amando dolorosamente, Fundindo, num amplexo cósmico, O céu do gozar E o inferno do sofrer, As alturas da luz E os abismos das trevas... E, depois que o Verbo se fez carne,
  • 45. Apareceu ele neste planeta médio, “Cheio de graça e de verdade”... Por isto, nenhum mortal pode compreender Esse mistério do imortal Sem que palmilhe o mesmo caminho, Gozando e sofrendo por amor...
  • 46. INICIAÇÃO TOTAL Enquanto algo é meu, Não pode triunfar o EU. Meus são bens de fortuna, Meus são amores de homem ou mulher, Meus são filhos, parentes, amigos, Meu é o prestígio social de que gozo, Meus são o corpo e o intelecto Nada disto, porém, sou Eu. Eu sou o sujeito central, Meus são os objetos periféricos. E esses objetos são velhos companheiros meus, Crudelíssimos tiranos, Desde o meu nascimento, Poucos decênios atrás. Esses objetos são velhos companheiros, Onipotentes ditadores, Do gênero humano, Há muitos séculos e milênios. Haverá esperança de que eu possa Realizar a minha libertação? Que eu possa viver, aqui na terra,
  • 47. Sem esses objetos escravizantes? Sem esses queridos “meus”? Sem esses idolatrados fetiches?... Não! ninguém pode desfazer-se desses ídolos E continuar a viver. Já compreendi que iniciação Não é algo que eu possa adicionar À minha vida horizontal, Como um belo enfeite, Como um colar de pérolas. Compreendi que iniciação E algo inédito e inaudito, A morte total desta vida Até agora vivida... Iniciação não é continuação De algo preexistente Não! É o fim de tudo que foi e é E o início de tudo que deve ser... Iniciação é algo virgem, Um novo “fiat lux” creador. Não é remendo novo em roupa velha, Não é vinho recente em odres gastos Não! Iniciação é morte total Do “homem velho” E ressurreição integral
  • 48. Do “homem novo”. Nem um átomo da bagagem do ego Passa para além da fronteira. Porque o ego só conhece o que é “dele” E ignora o que é “ele”. O meu verdadeiro Eu nada sabe Desse mundo dos meus, Desses pequenos e grandes nadas Que parecem ser algo. Iniciação é verdade suprema, Incompatível com a menor das ilusões. * * * Ergue-te, pois, sobre asas levíssimas, Meu grande Eu divino, Meu átomo crístico! E lá das excelsas alturas Dominarás todos os “meus”, Sem seres por eles dominado...
  • 49. CRISTO – ESSE DESCONHECIDO Há quase dois mil anos Que os homens falam de ti, ó Cristo! E antes que no cenário histórico aparecesses, Por dois milênios haviam os videntes Vislumbrado o teu advento. Todos falam de ti, ó Cristo E ninguém te conhece, ó enigma dos enigmas! Supremo Desconhecido do Universo! Todos julgam conhecer-te E todos ignoram a sua própria ignorância... Muitos sabem o que disseste e fizeste Ninguém sabe o que és... Os eruditos analisam as tuas humanas horizontalidades Mas não valem intuir a tua divina verticalidade. De tanto falarem de ti, Não têm tempo para calarem de ti... O ruído estéril do intelecto Asfixia o silêncio fecundo do espírito. A prostituição mental e verbal Profana a virgindade da alma espiritual, Dessa alma que só pode conceber o Verbo Na sacralidade de um vasto silêncio.
  • 50. E por isto querem os homens substituir o teu Evangelho Por numerosas legiões de “ismos”, Eruditamente engendrados, Deslumbrantemente elaborados, Ruidosamente proclamados. Eu, porém, meu eterno Cristo, Anseio por descobrir a tua alma divina Dentro do corpo humano do Evangelho. Procuro romper esse invólucro verbal E fundir-me em ti na experiência vital do que és. Quero conhecer o que disseste e fizeste Por aquilo que tu és... Dentro do átomo do teu Evangelho Dormita a energia nuclear do divino Logos, Esse grande Desconhecido de que todos falam E que todos ignoram... Não! não quero saber de ti Novos “ismos” periféricos Quero viver dinamicamente A tua realidade central!
  • 51. ADORAÇÃO DINÂMICA Naufragaram todos os meus amores, Gloriosa ou ingloriamente, Porque não radicavam no Absoluto, No Infinito, No Eterno, No Universal, No grande Anônimo de mil nomes... Naufragaram todos os meus amores, Porque radicavam em algo tangível, Nos pequenos propínquos do Aquém, E não no grande longínquo do Além... Morreram de inanição Todos os meus amores, De fastio de si mesmos, Da falta de mistério... Até que, finalmente, ultrapassei Todos os ruidosos arroios do conhecido E me abismei no silencioso Mar do Desconhecido... Disse adeus a todos os amores personais, A todas as afeições horizontais, A todas as simpatias emocionais.
  • 52. Verticalizei-me no solene amor de adoração Que brotou de ignotas profundezas E surgiu a ignotas alturas E lá se foi o fastio dos outros amores! E uma fome imensa de amor me inundou a alma... Fome que tanto mais deseja quanto mais possui, Fome que me penetra, Que me permeia E me pervade, Com delicioso tormento, Com tormentosa delícia... * * * Adorar! adorar! adorar! É este o supremo anseio De um amor sem fastio, Dessa eterna juventude do meu amor... Quero adorar-te, meu Deus, Adorar-te com infinita veemência... E, desde que saboreei esse amor de adoração, Desde que me delicio na mística de amar a Deus, Com toda a alma, Com todo o coração, Com toda a mente E com todas as forças, Tenho imensa necessidade de servir A todos os filhos de Deus, Meus irmãos;
  • 53. Servir jubilosamente, Não por fastidioso dever compulsório, Não pelo imperativo categórico De alguma virtuosidade Não por algum senso de heroísmo moral Mas por um insopitável querer De todo o meu ser... Não posso deixar de ser externamente O que sou internamente. E é esse desejo de vasta benevolência, De serviço dinâmico e gratuito, O transbordamento Da inefável experiência de Deus. Que é toda essa jubilosa ética horizontal Senão o fruto da fascinante mística vertical? Nenhuma virtude descubro em amar Aos que me desamam, Em fazer bem Aos que me fazem mal, Em ceder também a túnica A quem me roubou a capa, Em andar dois mil passos A quem me exigiu mil... Vejo e sinto eu tudo isto apenas O leve e luminoso reflexo Do meu novo “ser” em Deus, Que transborda espontaneamente
  • 54. Nesse novo “agir” entre os homens. Vejo e sinto nisto o autêntico ser Da minha genuína natureza crística... ............................................................................................................................... Em solitária adoração a Deus Eu me sinto solidário Com todos os filhos de Deus...
  • 55. QUANDO EU ERA MEU Quando eu era ainda meu, Não era de ninguém. Era escravo de tudo que chamava “meu”, Porque o meu pequeno eu despertara, Tirânico, E meu grande EU dormia O sono da ignorância. Muitos objetos envolviam O meu sujeito, Assim como as grades do cárcere Circundam o prisioneiro. E eu chamava “meus” Esses objetos em derredor. Cuidava possuir esses objetos, Mas era por eles possuído. E eles me vedavam o egresso Da prisão do meu ego E o ingresso Na liberdade do meu EU. Nesse tempo não sabia eu Que o grande EU É o melhor amigo do pequeno ego,
  • 56. E que o pequeno ego é o pior inimigo Do grande Eu. Jamais olhara para além das fronteiras Do ego humano, Esse objeto visível, E por isto ignorava, ignorantemente, Meu EU divino, Esse sujeito invisível. Eu pertencia totalmente A mim mesmo, Ao meu ego conhecido, E, por isto, era a minha vida estreita Como um casulo em que dormia A borboleta do meu Cristo interno. Finalmente, graças ao bafejo solar Da graça, Deixei de ser casulo inerte... Rompi as paredes de seda do meu ego Porque empecilho me era hoje O que auxílio me fora ontem Expandi as asas na luminosa amplitude Do amor universal, Para cima, Para os lados, Para baixo, Envolvendo em suave benquerença
  • 57. Todos os mundos de Deus, Depois que o Deus dos mundos Me vitalizou com seu Amor...
  • 58. MEU DEUS VELADO – E REVELADO Que Ser estranho és tu, meu Deus! Os teus mundos te revelam, Assim como a teia revela a aranha, E os teus mundos te velam, Assim como a teia vela a aranha... Teus mundos, meu Deus, Sempre te descobrem E sempre te encobrem... Muito falam de ti E mais ainda calam de ti... Sempre manifestam o que fizeste E sempre ocultam o que tu és... E entre esses dois pólos, Do velado e do revelado, Do oculto e do manifesto, Oscila minha alma, Num vaivém de luzes E de trevas... Numa alvorada de saber E num ocaso de ignorar... Quando parece surgir o sol Do meu compreender,
  • 59. Logo é eclipsado pela nuvem Do meu incompreender... Se eu nada soubesse de ti, Seria treva de meia-noite, Se eu tudo soubesse de ti, Seria luz meridiana. Mas agora, que algo sei de ti, E muito ignoro de ti, E minha alma estranha penumbra, Um incessante alvorecer E um contínuo escurecer... De ti sei o suficiente, meu Deus, Para te amar intensamente, De ti ignoro o suficiente, Para te admirar e sofrer Com sagrado assombro e reverência. Tu me és assaz propínquo Para eu te querer, Tu me és assaz longínquo Para eu te temer... Tu, sempre manifesto E sempre imanifesto... Tu, infinitamente transcendente E infinitamente imanente... ............................................................................................................................... Que Ser estranho és tu, meu Deus! Poesia crepuscular da minha vida,
  • 60. Música penumbral da minha existência...
  • 61. SEJA FEITA A TUA VONTADE! Quanto, Senhor, hei sofrido com esta palavra! Por que tenho de cumprir sempre a tua vontade? Uma vontade alheia à minha? Por que não posso jamais fazer a minha vontade? Cumprir vontade alheia é doloroso, Cumprir a vontade própria é delicioso... Por que, Senhor, fizeste da minha vida Um tormento perene?... Por que me obrigas a ser bom no sofrimento? Por que não posso ser bom no gozo? Que admira que eu, tantas vezes, prefira Ser mau no gozo a ser bom no sofrimento? Por que és tu, Senhor, um Deus Tão enigmático e paradoxal? Será que te deleitas com os tormentos de teus filhos? Será que tu és o rei dos sadistas Que tanto mais gozes quanto mais teus filhos sofrem? Seja feita a tua vontade E não a minha!... Quantos anos, Senhor, tenho andado a agonizar, A sangrar com esse doloroso problema!...
  • 62. Anoiteceram sobre mim todos os ocasos da vida... Eclipsaram-se todas as luzes da alegria e felicidade... Até que, finalmente, amanheceu a grande alvorada... A alvorada da compreensão A compreensão de mim em ti... Compreendi, por fim, que tua vontade Pode ser minha, Embora a minha vontade Nunca possa ser tua... Compreendi que pode cessar o ominoso conflito Entre o meu querer e o teu querer. Compreendi que posso sintonizar o meu pequeno querer Com o teu grande QUERER. Compreendi que posso cumprir deliciosamente A minha vontade, Contanto que ela harmonize com tua vontade... Mas... como posso eu harmonizar duas coisas Tão antagônicas, Com o meu humano querer E o teu divino QUERER?... Somente em virtude duma grande compreensão De mim mesmo. Se eu compreender que sou essencialmente O que tu és, Que “eu e o Pai somos um”
  • 63. Embora o meu humano “existir” Não seja o teu divino “Ser” Está resolvido o doloroso problema da minha vida. O meu íntimo “Ser” é o teu eterno “Ser” E por que não poderia o meu externo “existir” Ser permeado por meu interno “Ser”? Por que não poderia a horizontal do meu humano Agir Unir-se para sempre com a vertical do meu divino Ser? Por que não poderia o meu Lúcifer mental Seguir o meu Logos espiritual... Porque não poderia o meu pequeno ego humano, Senhor, Integrar-se no teu grande Tu divino?... Após essa integração cósmica, nenhum conflito haveria Entre o meu querer E o teu QUERER, Senhor... Cessaria todo o antagonismo... Cantaria a grande harmonia Da redenção... Seja feita a tua vontade!...
  • 64. NON-NATO, SEMI-NATO, PLENI-NATO Lembro-me do tempo longínquo, Quando eu era non-nato, Apenas nascituro, Incluso no tenebroso cárcere Do seio materno. O meu mundo eram essas trevas E essa estreiteza. Fora da minha escura prisão Poderia haver outros mundos?... Ai de mim se deixasse a tépica segurança Daquelas entranhas vivificantes! Ai de mim se rompesse o cordão umbilical Que me prendia à única fonte de vida!... Mas eis que, um dia, se rompeu O cordão umbilical! Saí do seio materno Morri!... Morri para aquela vida, Que era a única vida que eu conhecia... Momento de horror!... * * *
  • 65. Mas, quando voltei a mim, Do delíquio inicial, Verifiquei, com imensa surpresa, Que estava vivo Mais vivo que nunca!... Vida em plena luz solar, Vida em ampla liberdade... Sucedera à minha pequena vida heterônoma de ontem A minha grande vida autônoma de hoje. De nascituro passei a nascido. E eu me julgava, agora, pleni-nato. Só mais tarde, muito mais tarde Descobri que era apenas semi-nato, Que eu não estava liberto do seio materno. Preso a essa grande Mãe-Natura Pelo múltiplo cordão umbilical Dos sentidos e da mente Por toda essa rede complexo Do meu sentir, pensar, desejar... Meu querer, amar e sofrer, Por todas as fibras do meu velho ego... Tentei libertar-me dessa prisão Do mundo multiforme e multicor, Da natureza ao redor de mim E da natureza dentro de mim. Toda a vida que eu tinha
  • 66. Fluía através desses liames Físico-mentais-emocionais. E eu gemia e suspirava Pela gloriosa liberdade Dos filhos de Deus... * * * E eis que, um dia, apareceu, No meio do meu grande silêncio, Através das minhas lágrimas E do fogo das minhas preces, O único pleni-nato que o mundo conhece. E ele disse, vagarosamente, Solenemente: “Se o homem não renascer pelo espírito Não pode ver o reino de Deus.” Desde esse dia, o meu único anseio é Renascer pelo espírito, Ser batizado com o fogo do espírito, Liberta-me, definitivamente, Da escravidão de todos os objetos, De tudo que é apenas “meu”, Mas não sou “Eu” Nascer para meu grande e divino EU SOU...
  • 67. “NÃO SOU EU QUE FAÇO AS OBRAS”... Outrora, quando eu era dono da minha vida, Minha vida era pequena como seu dono, Esse pequeno ego que eu chamava o eu. Hoje deixei de ser dono da minha vida E minha vida se tornou grande, Porque grande é o seu dono, O Deus imenso, eterno, infinito... Por vezes, tenho ímpetos de revolta, Por vezes teimo em ser eu o dono Do meu destino – e tudo vai mal, Porque esse pequeno ego é tão fraco, Tão míope, que nada enxerga Para além das estreitas barreiras Dos seus interesses de cada dia. Basta que eu remova o óbice do ego, Que desobstrua os canais obstruídos E logo as águas límpidas do Infinito Fluem, jubilosas, através da minha vida. E à beira dessas magnas torrentes, E desses modestos arroios, Verdejam os oásis de Deus, Em pleno deserto do ego em derredor,
  • 68. E eu escuto as melodias que cantam Na verde ramagem do paraíso de Deus. E eu inalo os perfumes das flores Que desabrocham nas grimpas excelsas. E eu saboreio os frutos que sazonam Ao sol outonal que envolve os oásis de Deus. * * * Toda a sapiência da vida está em permitir Que Deus faça de mim o que ele quer. Toda a insipiência da vida está em querer Fazer de mim o que me apraz. “Não sou eu que faço as obras “É o Pai que em mim está que as faz”...
  • 69. AS GRADES DA MINHA GAIOLA Meu Deus, como estão ensanguentadas As grades da minha gaiola!... Como está ferida a cabeça Da pobre avezinha de minha alma, De tanto bater e bater Contra as grades de inexorável crueza... E suas asas estão arrepeladas, De tanto esvoaçar Inutilmente... Não cedem as grades da minha velha prisão... Por que, Senhor, me prendeste nesta gaiola De grades intermitentes? Por que não me encerraste numa prisão De paredes opaças e maciças? Se eu nunca vira o azul dos céus, A imensidade dos espaços além, As amplitudes e altitudes dos teus mundos, Talvez vivesse tranquilamente na minha prisão, Ignorando estas saudades do Infinito... Talvez vegetasse, estupidamente, Mas agora que vislumbrei, por entre as grades,
  • 70. Uma nesga dos teus céus, Esses céus tão distantes, Como posso ainda ser feliz, Na angustez da minha prisão?... Por que me deste, Senhor, Esta feliz infelicidade, Em lugar daquela infeliz felicidade?... Quando despontará sobre mim A felicidade feliz? Quando se abrirão As portas do meu cárcere?... * * * E a pobre avezinha continua a arremeter Contra as grades do corpo e da mente, Sempre esperançada, E sempre frustrada... Todas as minhas teorias filosóficas, Todos os meus orgulhos iniciáticos, Todos os arroubos da minha fé, Todos os devaneios das minhas visões, Nada disto me libertou do peso morto Da minha humana materialidade... Canto ardentes hinos de liberdade À sombra da minha prisão... E toda vez que tento galgar, esperançoso, As torres altíssimas do Infinito, Que ao longe adivinho,
  • 71. Cravando os dedos sangrentos Nas anfractuosidades dos eternos rochedos Resvalo e recaio às baixadas Da minha humana miséria... Qual cão faminto, ando rondando Os castelos da tua opulência, Senhor, Ansioso por apanhar uma migalha sequer Dos teus lautos festins... Mas tudo quanto recebo Não vale saciar a minha fome, Por que o pouco que recebo Me faz adivinhar o muito que me é negado... A gotinha que sei de ti Me fala dos teus mares – que Ignoro... Não me interessa o pouco que sei, Fascina-me o muito que ignoro... Por que, Senhor, és tu tão estranhamente cruel? Por que me dás uma migalha E me negas o banquete? * * * Até que, finalmente, compreendi a grande verdade: Não és tu, Senhor, que me negas o muito Sou eu mesmo... Por demais estreitos são os meus espaços internos, Não podem receber a tua amplitude... Tenho de alargar a minha estreiteza, Tenho de superar a pequenez do eu humano
  • 72. E expandir-me na grandeza do Tu divino. Esse Tu que és tu em mim, Tu, meu divino Emanuel... Rompe, pois, Senhor, as grades da minha prisão, Por mais que meu ego relute e proteste!... Tira-me tudo que é meu! Deixa-me tão-somente o Eu! Esse Eu desnudo e puro, Que és Tu em mim!... Para que eu encontre descanso e sossego Dentro de mim... Liberta-me, Senhor, de mim mesmo! Não quero mais ser meu, Quero ser teu, Teu somente... Fundido em ti... Diluído em ti... Absorvido por ti... Finalmente liberto E livre, Como tu...
  • 73. VÉSPERA DE FINADOS Há tempo, muito tempo, que a idéia de morrer Me deixa indiferente, Sem arrepios de terror. Hoje, porém, à vista de túmulos floridos, Acometeu-me estranho pavor. O que há de terrível no morrer não é morte em si É a idéia glacial de não mais ser amado Pelos entes que amamos, E que nos amavam, aqui na terra... Por quanto tempo se recordarão eles de mim, Após a minha partida?... Por um mês? Por um ano? Por um decênio?... No princípio, flores e lágrimas... Depois, ainda umas reminiscências... E, por fim, a vasta solidão Do esquecimento... O gélido nirvana Do vácuo... Não ser mais amado pelos que amamos Que morte horrível! ...
  • 74. Não mais banhar-se carinhosamente Nas pupilas de um ente querido, Não mais ouvir o timbre da sua voz, Não mais sentir o afago da sua mão, Nem as pulsações do seu coração Que morte amaríssima, essa!... * * * Entretanto, algo me diz e garante Que não vou morrer essa morte mortífera... Algo me faz adivinhar e entressentir Que há um amor mais forte que a morte... Que encontrarei, no Além, Um tépido ninho de afeição, Uma família que não me fez Mas que eu fiz... Foi a família material que me fez Mas sou eu que faço a minha família espiritual... Não é o parentesco dos corpos que me interessa Interessa-me a afinidade das almas. E essa afinidade espiritual é obra minha, Eminentemente minha... Eternamente minha É eterna como eu mesmo... Sei que essa família que eu fiz não morre para mim Porque os seus membros são da “comunhão dos santos” Envoltos e permeados de vida eterna, De amor imortal...
  • 75. PARA ALÉM DO NIRVANA Fui inundado por um mar imenso, Um oceano sem praias nem fundo... Nada mais sobrou do meu velho ego... Afogou-se tudo na imensidade do Todo... O meu pequeno “existir” de ontem Foi tragado pelo grande “Ser” de hoje E de sempre... Oh! inefável beatitude da divina Individualidade! Liberto da humana personalidade! Oh! divina embriaguez desse dulcíssimo Nirvana! Sem nome nem forma, deste Sansara! Banhei-me, voluptuosamente, em tuas vagas, Gélidas como os glaciares do Himalaia, Cálidas como as areias do Saara... Banqueteei-me no lauto festim do Absoluto, Do Infinito, Do Eterno, Do Uno sem Verso Do Todo, Desse Todo Que não “existe”, Porque “É”,
  • 76. Que “É” com a infinita potência de seu “Ser” E eu também “era” – e não mais “existia” Desnascido de todas as peias do nascido, Renascido para a gloriosa liberdade do “Ser” absoluto... Meu fascinante Nirvana!... * * * Mas, ai de mim! que recaí Ao plano da minha mortalidade, Onde as coisas começam e terminam... Novamente o meu Atman, Que se libertara em Brahman, Se sente prisioneiro de Maya, Desse cárcere do mundo objetivo Dos sentidos e da mente... E por detrás das grades do meu finito “existir”, Gemo e soluço pela ventura do infinito “Ser”... Estou crucificado nos braços sangrentos Da pesada cruz do meu humano “existir”, Essa barra horizontal do meu finito Que cortou o tronco vertical do meu Infinito. E no ponto de intersecção das duas linhas, Do Infinito e do finito, Sangra a minha vida terrestre... Se eu fosse o puro “Ser”, seria Deus, o Todo, Se fosse o puro “não-Ser”, seria o Nada. Mas eu sou esse estranho “existir”, Esse “algo”, impuro e híbrido,
  • 77. Feito duma inqualificável mescla De “Ser” e “não-Ser”, Do Todo e do Nada Esse “algo” do meu humano “existir”, A equilibrar-se, dolorosamente, Entre o Infinito e o finito... Entre a Luz e as Trevas... Sofro a agonia metafísica Da minha natureza dualista, O drama e “ser dois”... Sou o Prometeu acorrentado Nos rochedos do Cáucaso, Com as vísceras devoradas pelas harpias, Parcela por parcela... * * * Quando terá solução esse enigma do meu existir?... Cala-te, profano Intelecto! Fala, divino Espírito! Jamais conseguirão os ruídos da humana ciência analisar O que o silêncio da divina sabedoria vive e sabe... Para além de Maya, Para além de Nirvana, Para além de tudo que é dizível ou pesável, Está a solução do grande enigma da vida humana, Na voz do silêncio... Nos abismos do Infinito...
  • 78. Do silêncio pleni-consciente, Do silêncio da plenitude.
  • 79. SEGURANÇA E LIBERDADE Quão imenso era o meu anseio de segurança Nos tempos remotos da minha infância! Vida sem segurança me seria infelicidade Vida com segurança me era suprema beatitude. Felizmente, lá estavam o pai e a mãe, Como garantia da minha segurança, Ele, símbolo do poder, Ela, encarnação do amor. E esse poder e esse amor me davam Plena segurança. * * * Mas ai que despertou em mim, adolescente, O anseio da liberdade. Fastidiosa me parecia a velha segurança, Fascinante a nova liberdade. Abandonei a obsoleta monotonia Do querer-ser-seguro Pela inebriante epopéia De querer-ser-livre. Sorvia liberdade a largos haustos, Em todas as formas. Percorri todas as latitudes e longitudes
  • 80. Desse país de maravilhas inéditas, Desci a todas as profundidades, Subi a todas as altitudes Do universo da minha liberdade. E, por algum tempo, me sentia Plenamente remido e feliz. * * * Entretanto, em horas de silêncio E ingresso em mim mesmo, Ouvia, nas profundezas da alma, Os gemidos duma dolorosa insegurança... A liberdade de hoje me roubara A segurança de ontem... Verifiquei, com imenso pesar, Que não podia ser seguro e livre Ao mesmo tempo... Que esses dois anjos de Deus Eram adversos um ao outro, Incompatíveis, Empenhados em inconciliável conflito... Compreendi que só poderia ter Segurança sem liberdade Ou então liberdade sem segurança. E minha vida começou a definhar... Que me interessava uma vida insegura Ou uma vida escrava?
  • 81. Seria apenas uma semi-vida, E eu, faminto, ansiava por uma pleni-vida... Só Deus sabe quanto hei sofrido Por entre a fera Cila-e-Caribdis Desse dilema cruel, Da segurança hostil à liberdade, E da liberdade adversa à segurança. * * * Até que, finalmente, amanheceu A grande alvorada da compreensão... Até que alguém proclamou dentro de mim A grande síntese Da segurança livre E da liberdade segura. Vi que esse impossível conúbio Se tornara possível somente No mundo misterioso do Uni-verso, À luz do meu Cristo cósmico, Onde impera a Verdade Integral, A Verdade Libertadora... Verifiquei que a obediência incondicional A Consciência Cósmica em mim É segurança absoluta E liberdade integral... A suprema autoridade, outrora externa, Passou a ser autoridade interna. Já não é algum homem infalível,
  • 82. Algum livro, algum dogma Essa suprema instância infalível É o próprio espírito de Deus em mim, O Deus do mundo No mundo de Deus, A voz do reino de Deus em mim. E desde então a segurança de Deus se fundiu Com a liberdade de Deus em mim... Inundou-me duma segurança livre E duma liberdade segura... Aleluia!...
  • 83. PURO ENTRE IMPUROS Longos anos, em tempos idos, Fui impuro com os impuros. Depois, nauseado da minha impureza, Separei-me dos impuros, Para ser puro com os puros. E, como era difícil encontrar ambiente puro Entre os homens impuros, Abandonei a sociedade humana Deste mundo imundo, E refugiei-me à solidão da Natureza, Longe, bem longe dos homens... Habitei em vastos desertos silentes, Isolei-me no cume de taciturnas montanhas, Meditei em cavernas desnudas E vi que a Natureza era pura. Enamorei-me da Natureza, Inconscientemente pura, Eu, que ansiava por ser Conscientemente puro... Ah! como me fazia bem Essa inconsciente pureza em derredor! Senti profunda afinidade
  • 84. Entre mim e a Natureza, Entre meu superconsciente, Desejoso de pureza, E aquele subconsciente Da Natureza dormente. E verifiquei que me conservava puro Como a água, quando solicitamente isolada Num recipiente puro. Mas, que seria de mim, se abandonasse Aquele ambiente de pureza que me cercava? Acontecer-me-ia o que acontece à água, À água pura em contato com ambiente impuro?... Sim, eu o sabia, Eu o sentia... Minha pureza era fraca e precária, Porque condicionada àquele ambiente casual... E nasceu dentro de mim um desejo imenso, O desejo de ser incondicionalmente puro, Puro por força interna, E não apenas por proteção externa, Puro no meio de quaisquer impurezas, Como a luz, que não se isola Em segregados recipientes, Para continuar a ser pura, E ser fiel a si mesma...
  • 85. E por que não poderia eu ser fiel a mim mesmo, Como a luz? Eu, que sou a “luz do mundo”? Puro e incontaminável como a luz, Que, afoita e sorridente, Se lança ao meio de cloacas e sentinas, A fétidos pantanais, E imundas sodomas E de todas as impurezas Sai imaculada e pura... * * * Aborrecido, envergonhado da pura solidão, Tive desejo de testar a minha pureza, Lançar-me ao meio das maldades do mundo Sem ser mau, Ao meio de impuras sodomas, Sem ser impuro, Ao meio das babilônias dos profanos Sem ser profano... Senti em mim o veemente apelo Da minha divina sacralidade... Aureolado e penetrado da luz do meu Cristo interno, Quis sentar-me à mesa com publicanos e pecadores, Sem ser pecador nem publicano... Compreendi que as profundas verdades Brotam da solidão, Como as nascentes que rompem
  • 86. Do seio de altas montanhas. Mas compreendi também que a verdade solitária É apenas meia verdade, Porque necessita do isolamento perene, Para ser perenemente pura. E eu queria ser puro como a luz, Que não necessita de ser solitária, Mas é solidária – e continua a ser pura... Queria ser puro como a luz branca, incolor, E puro também como a luz multicor, Difusa pelo prisma, que dispersa sem contaminar... A verdade é austera e silente, Como a luz branca, incolor, Porque habita a sós com Deus, Profundamente solitária; Mas, quando o Verbo da Verdade Se faz carne no seio da Beleza, Nasce a suprema Poesia Cósmica, Solitária em Deus E solidária com todas as creaturas de Deus. * * * Assim discorria eu comigo mesmo Quando passou alguém, Envolto em Verdade e Beleza, E disse: “Eu sou a luz do mundo”... E, quando eu, fascinado, o contemplava,
  • 87. Acrescentou, olhando para mim: “Vós também sois a luz do mundo”... Desde essa hora tenho a certeza De poder ser invulnerável, Incontaminável, Como a luz, Se for fiel à “luz do mundo” Que em mim está. À luz, que purifica todas as impurezas E não recebe em si as impurezas que elimina. E em horizontes longínquos surgiu Uma alvorada de luzes e cores, A luz branca da Verdade, Aureolada do colorido da Beleza... E a minha vida se aureolou De estranha poesia Da poesia cósmica do Nazareno...
  • 88. SOFRIMENTO REDENTOR Deus do céu! como andava eu falsificado!... Quão adulterado em mim mesmo... Como andava soterrado, Pelo ilusório ego humano, O meu autêntico Eu divino!... E sobre a base desse pseudo-eu humano Corria a minha vida diária Vida de ódios e rancores, Vida de cobiças e egoísmos, Vida de orgulhos e luxúrias... Ao redor de mim havia amigos e inimigos, Criaturas simpáticas e antipáticas, Seres dignos do meu amor e do meu ódio Tamanha era a falsificação da minha vida. Veio então o sofrimento redentor... O grande purificador de todas as impurezas... O grande retificador de todas as tortuosidades... O grande demolidor de todos os ídolos... O grande simplificador de todas as complexidades... E, após demolidas as muralhas do pseudo-eu, Pela violência desse terremoto,
  • 89. Pela veemência desse incêndio, Pela crueldade dessa tormenta, Pela sangrenta benevolência da dor, Eis que ficou em pé tão-somente O meu genuíno e autêntico Eu divino, O meu eterno e puríssimo Cristo!... Disseram-me então que eu ia morrer, Que me sobravam poucos dias de vida terrestre. Mas eu nada compreendi dessa linguagem profana, Envolto na minha grande sacralidade, Porque abolira a morte compulsória de fora Pela morte voluntária de dentro... Antes de ser morto Eu morrera... E esse glorioso morrer espontâneo Me libertou do inglório morrer compulsório, Libertou-me do que esse morrer tem de amargo e lúgubre. Agora sou todo luz e leveza, Como um raio solar, Como um sopro de Deus... E, após essa morte e ressurreição de dentro. Sinto-me seguro e invulnerável. Nada mais me pode derrotar, Nada mais me pode fazer infeliz. Sinto-me definitivamente remido De todas as velhas irredenções Engendradas pelo ego falaz.
  • 90. Ingressei no reino dos céus, Nasci para a vida eterna... Aleluia!... Hosana!...
  • 91. LIBERTAÇÃO DE MIM MESMO Profundamente envergonhado de mim, Dolorosamente contrito diante de ti, Senhor, Eu te rogo e suplico Não que me dês conforto e prosperidade, Não que me dês vida longa e saúde, Não que me dês bons amigos, Nem que me libertes dos meus inimigos, Não te rogo, Senhor, que me preserves Das adversidades da natureza Nem da perversidade dos homens Nada disto te rogo e suplico, meu Deus Rogo-te tão-somente Que me libertes de mim mesmo, Da tirania do meu ego humano, Da obsessão da minha cobiça, Da impureza da minha luxúria, Do luciferismo do meu orgulho, De todos os derivados e acessórios Do meu velho ego humano, Que, há tantos anos e decênios, me traz cativo Da sua tirania. Suplico-te, Senhor, que seja hoje
  • 92. Hoje, e não amanhã O fim da minha longa escravidão, O início da minha grande liberdade! Que seja hoje o dia da minha morte E da minha ressurreição, O sangrento ocaso do meu homem velho, A lúcida alvorada do meu homem novo, A minha sexta-feira santa E a minha Páscoa de ressurreição... Que eu cante hoje mesmo o requiem do homem pecador E o aleluia do Cristo redentor... Amem... Amém...
  • 93. VIDA E MORTE DO MEU ORGULHO FILOSÓFICO Ah! como me sentia feliz, Naquele tempo!... Havia aprendido, com muito esforço, A pensar filosoficamente... Altos conceitos, sublimes idéias e ideais Me enchiam a cabeça e o coração... E eu olhava com secreto menosprezo A turbamulta dos profanos, Da massa anônima, Dos que não sabiam pensar Filosoficamente. Na cabeça e no coração era plenamente triunfante A minha querida filosofia. Mas, quando, um dia, tentei passar para a vida, Para as mãos, para os pés, Para minha vivência cotidiana, A minha bela filosofia Foi tremenda a minha decepção... Ao primeiro esbarro com o mundo profano Lá se foi, em mil pedaços,
  • 94. O meu lindo cristal filosófico!... Humilde e cabisbaixo, varri Para a lata de lixo Os cacos do meu cristal partido... Quão poéticas são as teorias mentais E quão prosaica é a prática real! “Você é filósofo?” perguntou-me um amigo. Quis responder com um afoito “sim”, Como outrora, Mas não tive suficiente energia Para semelhante audácia... Os cacos do meu lindo cristal me preservaram Da infecção do velho orgulho mental. “Procuro compreender um pouco”, respondi, hesitante. E fui riscar um zero e mais um zero Do nédio “100” da minha afirmação categórica De tempos idos. Ficou apenas o modesto “1” do orgulhoso “100”, Esse “1”, mirrado e magro, A apontar, silenciosamente, As ignotas alturas do além... Foi o que sobrou do opulento festim Da minha filosofia que eu tinha Na cabeça e no coração, Mas que não era a minha vida... Hoje procuro amparar,
  • 95. Com mãos de solícita Vestal, A bruxoleante luzinha sagrada, A chama do meu grande ideal De espiritualidade, Feliz quando consigo Ser na vida Um por cento daquilo Que sei na cabeça. E tão orgulhosamente doce Esse eu sei É tão indizivelmente amargo Esse eu sou. O eu sei alimenta o meu velho ego, O eu sou exige a morte desse ego Para que nascer possa o novo Eu... Agora, só me resta essa chama humilde Do meu sincero querer, Do meu sagrado crer, Do meu cândido querer-compreender, Na silente expectativa da graça de Deus Que venha com sua plenitude Encher a minha vacuidade...
  • 96. LITURGIA CÓSMICA Quando, em tempos idos, abandonei As liturgias da minha infância Missas, bênçãos e comunhões, Sacramentos, insígnias e estandartes Encheu-se minha alma de dolente nostalgia, Sofrendo cruciantes dores de parto De uma nova vida, Ainda não vivida... E nessas angústias de parturição espiritual, Quando ouvia, ao longe, o tanger de sinos, Chamando os fiéis à tradicional liturgia, Chorava de saudades o meu pobre coração... Hoje, porém, após muito sofrer e orar, Eu vivo numa imensa catedral De liturgia cósmica... A minha vida toda é um sacramento, Envolto em místicas nuvens de incenso... Os meus domingos e as minhas festas São sete por semana E mais de três centenas e meia por ano... Sonoras melodias de invisíveis órgãos
  • 97. Exalam inebriante sacralidade De hinos e cânticos divinos... No santuário portátil do meu coração Canta um Te-Deum de glórias divinas, Vibra um Magnificat de júbilos anônimos, E eu celebro, diariamente, a minha Missa E faço a minha sagrada Comunhão Por entre um Tantum-ergo de um êxtase de amor... Sem altar nem sacerdote visível, Sem hóstia nem cálice material, Eu comungo o meu Cristo, eterno e interno, Em espírito e em verdade... Ah! se os outros soubessem Da minha liturgia cósmica!... Que minha alma celebra, sem cessar, Por toda a parte, De manhã à noite, N o silêncio da floresta E no bulício das cidades, Na hora da meditação solitária E nos ruídos da vida solidária, Por entre as luzes da alegria, E por entre as trevas dos sofrimentos Sempre e por toda a parte, Celebro a minha liturgia cósmica, Desde que realizei o reino de Deus Dentro de mim mesmo...
  • 98. Desde que me tornei presente a Deus Que estava sempre presente a mim... Aleluia!...
  • 99. O AMARGOR DOS MEUS ÊXTASES Por que é que todos os meus arroubos místicos, Os meus dulcíssimos êxtases, Os meus inefáveis samadhis, Acabam sempre em fel e amargor? Quanto mais suave é meu contato com Deus, Quanto mais intensa a minha luz interna Tanto mais negra é a escuridão subsequente, Tanto mais violenta a dor que me dilacera... “Miserere mei, Deus” – esse Salmo do grande penitente É o invariável epílogo de todos os meus enlevos, De todas as núpcias de minha alma Com o divino Logos... “Miserere mei, Deus” – esse Salmo do grande penitente Segundo a tua grande misericórdia, E segundo a multitude das tuas comiserações, Extingue a minha iniquidade! Porquanto eu reconheço a minha iniquidade, E está sempre em minha presença o meu pecado... Não me rejeites, Senhor, da tua face, E não retires de mim o teu santo espírito! Crea em mim um coração puro, E renova em minhas entranhas o espírito reto!
  • 100. Restitui-me a alegria das coisas divinas, E consolida-me no espírito principesco! Em sacrifícios e holocaustos não te comprazes O que te agrada é um coração humilde E uma alma contrita... “Miserere mei, Deus!...” Nunca me é tão consciente a minha impureza Como quando me ilumina intensamente A pureza da tua luz, Senhor!... Ao fulgor meridiano da tua claridade Até os menores átomos de deslizes Me causam intolerável tormento... Dolorosas são todas as tuas revelações... Quanto mais me aproximo da tua luz, Tanto mais densa é a esteira de sombras Que meu ser projeta após si... E, como Simão Pedro, quisera eu suplicar-te: “Retira-te de mim, Senhor, Que sou um homem pecador!”... Mas, que seria de mim, Se te retirasses?... Se tão densas são as minhas trevas Em tua presença Quão espessas seriam Na tua ausência?!... Rogo-te, por isto, Senhor:
  • 101. “Fica comigo, porque a noite vem chegando E vai declinando a luz do dia!”... Sê a minha luz divina No meio das minhas trevas humanas! Sê a minha lúcida alvorada No meio deste lúgubre ocaso! Continua a revelar-te A minha alma faminta, Mesmo com amargor e acerbidade!... Continua a inspirar-me suavemente, Ainda que cada inspiração Me torne mais consciente A minha miséria!... Miserere mei, Deus!...
  • 102. A IRMANDADE INVISÍVEL Desde que me encontrei com o grande Anônimo, Me tornei anônimo do meu velho ego, Esse ego sempre faminto de nomes... E ingressei na Fraternidade Branca Dos irmãos Anônimos, Incolores, Amorfos, Invisíveis, Onipresentes... Ingressei na mística “ekklesia” Dos arautos da Divindade, Das Vestais do Fogo Sagrado, Que operam no mundo inteiro, Em todos os universos do Cosmos Mas ninguém os conhece, Esses Anônimos, Envoltos no manto branco Do eterno silêncio, De inefável beatitude... Onde quer que haja uma dor A ser suavizada,
  • 103. Uma alegria A ser compartilhada, Onde quer que agonize Um coração chagado, Lá estão os Irmãos Anônimos Da Fraternidade Branca... Nenhum monumento ostenta seus nomes, Nenhuma estátua perpetua seus atos, Nenhum obelisco lhes canta as glórias Nenhum poema celebra a grandeza Desses invisíveis arautos do bem, Dessas alvas Vestais do amor... Somente nas páginas brancas Do livro da vida eterna Estão inscritos seus nomes, Com as tintas da reticência, Em perpétuo anonimato... Suas obras ocultam sempre Suas pessoas... A presença do seu visível “agir” Coincide com a ausência do seu invisível “ser”... Porque anônimos como Deus São esses ignotos filhos de Deus Benéficos raios solares Do grande sol do Universo, Sempre ausente de mim E sempre presente a Ti...
  • 104. Na tua longínqua transcendência, Na tua propínqua imanência... Desde que me encontrei com o grande Anônimo Me tornei anônimo do meu eu humano, Eclipsado por seu Tu divino Pelo eterno Eu divino Em mim...
  • 105. SOU ESCRAVO DA VERDADE Naqueles tempos, sonhava eu com liberdade. Cantava hinos à liberdade, como meus companheiros, Tão escravos como eu. Éramos todos escravos Escravizados pela liberdade. Liberdade era para nós indisciplina, Não estar preso, Poder andar onde quiséssemos, Entrar e sair por toda a parte, Pensar, dizer e fazer tudo Que nos viesse à mente, Não ter de obedecer a lei alguma Não ter de prestar contas a ninguém Era isto que nós chamávamos liberdade. * * * Hoje me horroriza essa liberdade Liberticida!... Hoje me repugna essa indisciplina Mortífera... Hoje renunciei à minha liberdade Para ser livre... Tomei sobre mim o jugo da disciplina
  • 106. Para me des-escravizar... Enfastiado da infeliz liberdade, Tenho fome da feliz disciplina... E esse jugo suave que aceitei Não é um imperativo de fora, É a voz do meu grande Eu divino, É a sacralidade do espírito de Deus, Que habita em mim, É o império do meu Cristo interno. O meu ego humano fez um pacto sagrado Com o meu Eu divino, Um pacto de obediência incondicional A esse grande Além-de-dentro. Por vezes, o meu ego humano geme e chora, Sangra e agoniza, Quando o grande Eu divino exige Obediência incondicional. Aos imperativos da consciência, Esse eco imanente Da voz transcendente; A desobediência a essa voz severa Seria a minha escravidão. Por isto, aceito espontaneamente Essa disciplina benéfica Que me liberta Da indisciplina maléfica...
  • 107. * * * Mas os de fora, Os profanos, Os inexperientes, Meneiam a cabeça E estranham minha atitude; Dizem que eu sou escravo E que eles são livres. E eles têm razão: Eu sou escravo da Verdade, E eles são livres dessa Verdade, Porque escravos do erro... Oh! gloriosa escravidão da Verdade! Não permitas que eu jamais Me liberte de ti! E caia vítima da liberdade do erro! Tu me libertastes, Verdade! Conserva a minha liberdade!
  • 108. A ARTE DE DESAPRENDER Muita coisa aprendi, No decurso da minha vida Mas só no fim da vida Aprendi a arte dificílima De desaprender... Desaprender os erros sem conta Que os sentidos percebem Na sua erudita ignorância... Aprendera ele que os fatos externos São a própria Realidade. Aprendera que este mundo Que os sentidos percebem E o intelecto concebe, São a realíssima E única Realidade... E por largos anos Andei escravizado por essa ilusão. Pois, que admira? Se, por tantos séculos e milênios, Dormira a humanidade nas trevas, Como poderia eu, em poucos decênios, Despertar para a luz?
  • 109. Até que, finalmente, descobri A Realidade para além das facticidades, A alma do eterno Ser No corpo desse efêmero parecer. Hoje sei que os fatos são meros reflexos No espelho bidimensional de tempo e espaço, Reflexos da Realidade, Que está em sentido oposto A esses fatos refletidos No espelho de tempo e espaço. Mas só Deus sabe quanto esforço, Quantos sofrimentos, E quanta agonia me custou Essa nova atitude, Essa meia-volta que tive de dar Ante o espelho do mundo das velhas ilusões, Para enxergar o novo mundo da verdade! Esse movimento de 180 graus, Que dei em face do refletor, Essa conversão dos conhecidos finitos Para o desconhecido Infinito, Me custou o holocausto do meu ego, Esse sangrento egocídio, Que a verdade me exigiu... Mas agora, de costas para os fatos
  • 110. E de rosto para a Realidade, Me sinto grandemente liberto E jubilosamente feliz E, em vez de amar o mundo sem Deus, Amo o mundo em Deus Porque vejo em cada fato efêmero O reflexo da Realidade eterna.
  • 111. OS TRÊS MUNDOS DENTRO DE MIM Indefeso jornadear é a minha vida. Cruzei solitários Saaras, Galguei gigantescos Himalaias, Perdi-me em vastas selvas, Desci a tenebrosos abismos Até, finalmente, atingir um oásis de paz, De uma paz profunda, nascida da Verdade... Entrei no terceiro e último Dos meus mundos de dentro... Arribei à mais longínqua galáxia Dos universos de Deus... No princípio, quando minha alma era criança, Necessitava eu duma autoridade externa, De um homem super-homem, Que me guiasse pela mão, Rumo a Deus. E eu vivia tranquilo nesse mecanismo De cega obediência A um homem que fazia as vezes de Deus. Mais tarde, muito mais tarde, Quando adolescente,
  • 112. Em face das fraquezas dos homens de fora, Desiludido, decepcionado, Agarrei-me a outra tábua salvadora, Em pleno naufrágio. Analisei fatos históricos, Estudei livros sagrados, Relíquias de primitivas eras E minha fé em Deus se robusteceu E se purificou. Encontrei o meu Deus No mundo dos homens E sentia-me muito seguro De mim mesmo. Mas... o mundo é tão paradoxal, Tão vácuo de Deus E tão pleno de Satan, Pleno de luzes... Insatisfeito com o mundo de Deus, Fui em busca de Deus Dentro de mim mesmo... Em longas horas de silente introspecção, Em noites solenes de êxtase anônimo, Em abismos de dinâmica passividade, Em epopéias de luminosa escuridão, Em céus infernais de dulcíssimas agonias, Em silenciosos brados de amorosa tortura
  • 113. Encontrei-me com o grande Anônimo De mil nomes... Celebrei as minhas núpcias místicas Com o Infinito EU SOU... E eclipsaram-se todos os mundos de Deus, Aos fulgores do Deus dos mundos... E eu era feliz, na certeza do meu destino, Do porquê da minha vida terrestre... Hoje, a luz de dentro Me reconciliou com o mundo de fora Hoje a experiência do Deus do mundo Me tornou tolerável o mundo de Deus.
  • 114. CONTEMPLANDO A GLÓRIA DE DEUS Quantas vezes, meu Deus, hei suspirado Por ver a tua glória celeste! Glória que eu suspeitava velada Por detrás das obras das tuas mãos. Perlustrei vastas paragens d’aquém e d’além-mar, Cruzei oceanos de água e de areia, Internei-me em místicas florestas, Ascendi silenciosas alturas de neve e gelo, Escrevi livros sobre as “Maravilhas do Universo” E sobre os teus “Mundos Ignotos” Porém, as tuas glórias continuavam veladas, Vislumbradas de longe, em incerta miragem, Como que adivinhadas “em espelho e enigma”... Insatisfeito, afastei-me de todas as tuas obras E tentei intuir-te diretamente, Em ti mesmo, N o teu divino Ser... Ensimesmei-me profundamente... Fechei os olhos de fora E abri a vista de dentro... E do seio dessa grande noite,
  • 115. Do abismo desse silêncio anônimo, Surgiu uma luz... Ecoou uma voz... Vivi a tua glória, Senhor, Em momentos eternos, Em átomos de tempo... Vivi-te em lampejos De inefável beatitude, Para além de todo o dizível, Para além de todo o pensável Na solitude anônima e incolor Da tua Suprema Realidade... * * * E eu me julgava definitivamente feliz. Plenamente realizado. Julgava terminada a longa jornada... Sentia-me imerso na luz eterna Do teu reino... Mas, quando voltava a mim, Dessa maravilhosa ausência de mim mesmo, Perdia a tua deliciosa presença, Extinguia-se a tua teofania, E eu, novamente, tateava na velha escuridão, Clamando por tua glória, Senhor... Por entre as angústias do meu coração, Através das lágrimas dos meus olhos,
  • 116. Voltei da longínqua sacralidade Para a propínqua profanidade Do mundo e dos homens... * * * Finalmente, porém, compreendi O mistério da tua glória, Senhor... Por fora, me fiz insipiente com os insipientes, Impelido pela sapiência de dentro... Sentei-me à cabeceira dos sofredores, Pensei as chagas às ruínas humanas, Ergui do lodo Zaqueus e Madalenas, Amparei a vida semi-extinta De crianças enjeitadas, Fiz-me Cireneu de todos os crucificados, Verônica de todos os rostos sangrentos... Meus amigos de antanho, Sócios do meu solitário misticismo, Menearam a cabeça, decepcionados, Porque eu “apostatara” dos meus ideais, E me tornara o “mais profano dos profanos”, Amigo de “publicanos e pecadores”, Homem medíocre e rotineiro Derramado em ruídos mundanos... ............................................................................................................................... Grande foi a minha solidão externa, Doloroso esse abandono de muitos... * * *
  • 117. Sentado à beira dum lago, Margeado de verde capinzal, Contemplo o jogo lépido Das levianas libélulas, A adejarem pelo espaço ensolarado... E, de par em par, se abre minha alma Aos imponderáveis eflúvios Dos mundos de Deus... E eis que a glória de Deus me transluz Das esguias folhinhas de capim!... E os esplendores do Infinito irradiam Das asas vítreas das libélulas!... E as águas do lago plácido refletem As maravilhas do Altíssimo!... Olho em derredor E o Deus do mundo se revela No mundo de Deus Em inefável apoteose... Envolto e permeado Dessa divina epifania, Compreendi o incompreensível: Tuas glórias, Senhor, São onipresentes, Sempre radiantes, Em átomos e em astros, Em todas as tuas creaturas, Pequenas e grandes.
  • 118. Fraca, porém, é a minha vidência Para intuir a realíssima Realidade Da tua presença... Solidão e sofrimento São as asas que me erguem Às alturas de estranha vidência. A mística solidão a sós contigo E a desinteressada vivência no meio dos homens Geram amor e sofrimento Amor sofrido, Sofrimento amado Essa polaridade cósmica Da iniciação, “A Deus adorarás” Em Deus, “E só a ele servirás” Entre os filhos de Deus.
  • 119. O SILÊNCIO DA VERDADE Posso provar que a terra é redonda. Posso provar que H2o é água. Posso provar que 2 X 2 são quatro. Tudo isto são verdades apenas Nada disto é a Verdade. A Verdade jaz para além, Infinitamente além, De todas as verdades demonstráveis A Verdade começa lá onde terminam Todas as verdades, Todos os pensamentos, Todas as acrobacias do intelecto. A Verdade jaz sepulta no profundo abismo Do eterno Silêncio Da intuição mística. A Verdade é a consciência do SER. A Verdade não existe, Debilmente A Verdade É Poderosamente. Pode o meu pensar consciente Por-me nas mãos o fio de Ariadne,
  • 120. E eu, enrolando-o cautelosamente, Como o lendário herói da mitologia, Saio do tenebroso labirinto Das minhas velhas incertezas E sigo até ao limiar do santuário Da Verdade Mas... não entro no santuário Porque o fio de Ariadne Está preso do lado de fora... Nenhum pensar ou querer, Nenhuma ciência analítica Introduz-me no santuário divino Da Verdade Suprema, Da Realidade Última e Absoluta Para além de todas as coisas penúltimas e relativas... Tenho de ser invadido Pela alma do cosmos Para que o Verbo se faça carne, Para que a carne se possa fazer Verbo... O Infinito desce ao finito, Para que o finito possa subir ao Infinito... Cesso de pensar e de querer E, com isto, cessam todas as ilusões do intelecto, Todos os tormentos da vontade, Todas as doenças crônicas do velho ego, Todas as miragens do mundo objetivo, Todas as misérias da personalidade...
  • 121. E desce sobre mim, qual orvalho vespertino, A grande paz da Verdade, Poderosamente suave, Suavemente poderosa, “Dura como diamante Delicada como flor de pessegueiro”... E eu sei e sinto, inefavelmente, Que eu sou o Universo, Que o Universo é eu... Que “eu e o Pai somos um”, Que “meu é tudo que é do Pai”... ............................................................................................................................... E, depois desse sangrento egocídio, Após essa total eutanásia, Eu me sinto divinamente redento, De todas as amargas reminiscências do passado, De todos os temores do futuro... Sei – não que encontrei a Deus – Mas que fui encontrado por Deus... Deus me achou, Porque eu me tornei achável... O Cristo me redimiu, Porque me fiz redimível... Aleluia!... Amém!...
  • 122. MEU DESERTO VIVO Exaustivo deserto era minha vida espiritual... Após o êxodo do Egito de minha fartura material Definhava de fome a minha alma torturada... Para onde quer que eu volvesse meus olhos famintos, Áridos saaras se alargavam em derredor A perder de vista, Em parte alguma um verde oásis Prometia refrigério ao lasso viajor Em parte alguma o fluido cristalino duma fonte Acenava alívio à língua ressequida, Desde que o globo fulvo do sol matutino Emergia de imenso areal Até que sua esfera sanguínea submergia Nas trevas noturnas Gemia minha alma errante: “Quando terminará essa jornada? Quando despontará no horizonte a Terra da Promissão?” Mas eis que a dor me outorgou Estranha clarividência A minha alma sofredora... Hostilizada e torturada
  • 123. Por todas as periferias ingratas Demandei os profundos abismos Do meu centro divino, Submergi nas trevas profundas Da minha eterna essência A princípio, nada vi Nessa noite absoluta Do meu centro anônimo Até que, finalmente, vislumbrei Estrelas longínquas Através do pavoroso nada Da solidão noturna, E muito aos poucos, Muito aos poucos, Minha alma descobriu um novo mundo Um universo de grandeza e formosura Para além dos conhecidos páramos Dos sentidos e da mente E o meu deserto transbordou de vida.
  • 124. PEREGRINO DO INFINITO Estranhas luzes brotam dos abismos, Das profundezas do meu divino Ser, Através da noite do meu humano existir... E ao clarão dessas luzes eu vejo O que ninguém pode ver com olhos corpóreos, Nem com vidência intelectual... Vejo o que sou na realidade, Vejo que eu sou O EU SOU individual, Que se emanou do seio imenso Do EU SOU universal... E o meu pequeno EU SOU humano, Projetado pelo Sol imenso Do EU SOU divino, Caiu nas trevas longínquas Do inconsciente individual, Atordoado... Perplexo... Incônscio... Tamanha foi minha queda!... ......................................................................................................................................................... Mas sinto que há em mim uma luz,
  • 125. Uma luz ofuscada que brilha nas trevas, E as trevas não a prenderam... E a semi-Iuz divina que em mim está Anseia por voltar à pleni-Iuz em que estava. E, para regredir à pleni-Iuz divina, O meu grande EU central se reveste De pequenos eus periféricos, De sucessivos egos existenciais, De máscaras, personas, Invólucros transitórios, Multiformes, Multicores, Para reacender no seio do Eu-indivíduo A Luz do EU-Universo... E lá se vão, como efêmeras ondas A cobrirem o eterno oceano do meu divino EU, Egos após egos, Personas e mais personas, Fantásticos invólucros existenciais telúricos Da minha eterna essência cósmica!... E cada uma dessas ondas do ego Deixa no oceano do EU Algo de si... Algum resíduo experimental, Uma alegria, Uma dor, Uma esperança,
  • 126. Um desengano, Um crédito, Um débito, Um “sim” de verdade, Um “não” de erro... E da imensa cadeia de elos Das minhas personas, Das minhas máscaras transitórias, Se tece a epopéia eterna Da minha existência humana, Lançando uma ponte Em demanda da essência divina. Das pedrinhas brancas e pretas . Do meu sucessivo nascer e morrer se formara o mosaico Do meu eterno VIVER Do VIVER sem nascer nem morrer. Realmente, há “muitas moradas Em casa do Pai celeste”... Muitos planos de vivência há No Universo de Deus... E eu me sinto feliz viajor Nessa jornada cósmica, Jubiloso peregrino do Infinito, Através de muitos finitos, Demandando a luz da vida eterna Através de inúmeras mortes efêmeras...
  • 127. QUIS ENTRAR NO CÉU DE CONTRABANDO Ó mundo ingrato e falaz! Ó mundo cruel e avaro! Por que me negaste tudo O que eu de ti esperava?... Adorei-te intensamente, Idolatrei-te perdidamente... Da manhã até à noite, Sem cessar, Andei em busca dos teus tesouros... Da manhã até à noite, Da noite até à manhã, Engendrando planos e projetos Para captar a matéria-morta E a carne-viva que prometes A teus servidores. Mas tu me davas precariamente O que eu desejava em abundância. Por isto, enojado de ti, O mundo ingrato e falaz, Abandonei-te, amargurado, E fui em demanda de Deus.
  • 128. Voltei-te as costas, Em mudo protesto. Falei mal de ti, Ó mundo cruel e avaro, A todos os meus amigos E sócios de decepção. ............................................................................................................................... Mas... oh, ingrata surpresa! Não encontrei sossego em Deus... Algo insatisfeito me distanciava E me mantinha longínquo Do Deus propínquo. Algo como imaturidade, Mais adivinhado que sabido, Me enchia de nostálgica saudade, E evocava em mim imagens profanas, De mundos idos, semi-delidos, De uma vida não vivida... E eu voltei as costas a Deus E, impetuoso, me lancei a teus braços, Ó mundo querido e idolatrado!... E tu me deste tudo, tudo Que desejar pudesse, No vasto âmbito das minhas ambições. Cumulaste-me de riquezas, De honras e glórias sem par. E eu me banhava, voluptuosamente,
  • 129. Em tuas tépidas ondas, Longe, bem longe, das praias de antanho, Intensamente satisfeito comigo E contigo, ó mundo fagueiro!... * * * Mas, eis que a grande fome Que eu tinha de ti, A fome que tão prodigamente Me saciaste, Se converteu em fastio, Num fastio imenso de ti E num fastio de mim mesmo, Teu devotado adorador... E novamente me afastei de ti, Não por me teres negado o que te pedira, Mas por me teres dado tudo, tudo, Mais do que te pedira, Mais do que desejar pudesse... Saciaste todas as minhas fomes, E essas fomes todas, Tão exuberantemente saciadas, Criaram em mim um fastio tão grande Que não mais te tolero, Ó mundo profano, Não mais te tolero, Porque não mais me tolero, Por ti profanado
  • 130. E profanizado... * * * E agora, sem ódios nem desejos, Sem protesto nem amargura, Sem saudades nem nostalgias, Em plena paz contigo E quite comigo mesmo, Entrei no mundo grandioso Que teus devotos ignoram Um mundo de gozo sem fastio, Que amanhece para além de todas as fomes E de todos os fastios que tu conheces, Para além de todos os teus ocasos Na grande Alvorada de Deus... A grande LIBERTAÇÃO...
  • 131. ATÉ AO LIMIAR DO SANTUÁRIO Todas as minhas acrobacias mentais, Todas as minhas eruditas análises Me levaram até ao liminar do santuário Nenhuma me introduziu no recinto sagrado... E minha alma, faminta e sedenta, Sofrida de Deus E sofrida de si mesma, Anseia pelo ingresso no sancta sanctorum Da Verdade eterna... Através do Inferno e do Purgatório Me levou o Virgílio do humano intelecto Mas no Paraíso sagrado do espírito Só me pode introduzir Beatriz, A alma beatificante, A revelação da Realidade. Altíssimas torres babilônicas Ergueu minha ciência mental, Em vastas planícies profanas. Mas, se Deus não descer das alturas, Se o divino carisma não baixar do Infinito Sobre minhas torres humanas, Jamais valerão os meus esforços
  • 132. Conquistar o reino de Deus! Necessários são todos os meus labores, Suficiente não é esforço algum... É esta a sangrenta tragicidade da minha vida: Ter de exigir do meu ego humano O máximo que ele pode prestar Pensando, lutando, sofrendo E depois aguardar o advento da graça divina, Como se nada valessem Todos os meus esforços humanos... É esta a sangrenta tragicidade da minha vida. E, por entre esses pólos extremos, Em dolorosa tensão bilateral, Em dinâmica passividade, Se move a odisséia da minha existência Rumo ao Infinito... Sempre em demanda do termo final E sempre distante desse termo... Sempre na linha reta do caminho certo E sempre cortado pelos ziguezagues De mil linhas transversais... É esta a minha doce amargura, É esta a minha amarga doçura, A minha jornada ascensional Rumo às alturas... A vida eterna não é uma chegada. A vida eterna é uma jornada
  • 133. Rumo ao Infinito Em linha reta – E sempre distante da meta.
  • 134. EM TOTAL NUDEZ Finalmente, Senhor, consegui despojar-me De todas as roupagens impuras do existir... Finalmente, o meu ego existencial Se des-existencializou... Finalmente, o meu EU essencial se revelou Em sua total nudez, Na puríssima realidade do seu divino SER, Longe de todas as camuflagens Do humano existir... Finalmente, aconteceu-me A grande Libertação... Abriram-se as portas Da minha velha prisão... A tua graça, Senhor, derrotou Todas as minhas des-graças... A teu fiat lux me fez amanhecer N a madrugada do teu eterno gênesis... O meu Nada se tornou Algo, Graças ao grande Todo Que tu és... E eu sei, finalmente, O que sou...
  • 135. Eu sou luz da tua Luz, Eu sou vida da tua Vida, Eu sou amor do teu Amor... ............................................................................................................................... Sim, EU SOU! Que estupenda realidade! Eu sou o que tu és Não sou assim como tu és. O meu Ser é teu SER Mas o meu Ser-assim E distinto do teu. Eu sou finitamente, Existencialmente, Tu és infinitamente, Essencialmente... Mas há entre mim e ti Um elo comum: Tu és o SER absoluto, Eu sou um Ser relativo, Tu és o SER increado, Eu sou um Ser creado... O meu Ser emerge, qual pequena onda, Do vasto oceano do teu SER... O meu Ser cintila, qual raio solar, Em trêmula gota de orvalho, Irradiado pelo imenso globo do sol... ...............................................................................................................................
  • 136. Contemplo-me, finalmente, Na castíssima nudez Da Verdade integral... E a Verdade me libertou De todas as escravidões Das inverdades... E meu humano existir exulta À luz do meu divino Ser... Minha vida é bela e feliz, Porque é um sopro da tua Vida, Um raio da tua Luz, Um brado do teu Amor...
  • 137. RETIRADA ESTRATÉGICA DA MINHA VIDA Libertei-me, por fim, do velho ego, Definitivamente!... Desci do palco dos fantoches, Desisti da comédia da vida. Sentei-me na platéia Como mero expectador, Contemplando o movimento automático Dos bonecos de engonço, lá no palco, Onde eu estava. Libertei-me do velho ego E de todos os seus acessórios e derivados. E, desde já, aceito, Antecipadamente, Espontaneamente, Tudo quanto implica Essa retirada estratégica da minha vida. Aceito todas as angústias anônimas, Todas as hemorragias do coração, Todas as lágrimas de compaixão, Todos os sorrisos de escárnio Dos que não me compreendem,
  • 138. Dos que me julgam herege, dissidente, traidor, Dos que me consideram mentecapto, desvairado... Eu disse à vida: “Que é que me podes dar, A mim, que nada mais desejo de ti?” Desafiei a morte: “Que é que me podes tirar, A mim, que nada receio de ti?” Já morri, espontaneamente, Antes que tu me matasses, Compulsoriamente!”... Cometi um glorioso egocídio, Perpetrei minha mística eutanásia... Encerrei a minha vida, Essa pseudo-vida do velho ego... Já não vive o meu ego profano, Vive somente o meu Eu sagrado, O meu divino Cristo interno... Eu sou por ele vivido, E plenamente vitalizado... E agora que nada mais desejo Que a vida me possa dar, E nada mais receio Que a morte me possa tirar, Agora entrei na gloriosa liberdade Dos filhos de Deus. * * * E, daqui por diante, o mundo em derredor
  • 139. Me é uma fascinante sinfonia, Cheia de surpresas e encantos... Sinto-me tão leve e luminoso, Tão sereno e sorridente, Que quisera cingir, num amplexo de amor, O Universo inteiro, E dar a todos os seres do mundo Algo da minha grande beatitude... Da austera disciplina de ontem Brotou a suave alegria de hoje. Da rude batalha da vida Nasceu a vitória sobre a morte. Assinei um grande tratado de paz Flutua a bandeira branca Sobre o santuário de minha alma... E tudo me pertence agora, Porque nada mais tenho de meu, E nada mais desejo adquirir... O pólo negativo da minha renúncia Despertou em todas as coisas O pólo positivo... E tudo quer vir a mim, Estranhamente imantado; Desde que tudo abandonei Todas as creaturas confiam em mim,
  • 140. Porque de todas me desapeguei, Não com acerbo desdém, Não com violento protesto, Mas com suave compreensão E sorridente benevolência... Todas as coisas me pertencem, Desde que só a Deus eu pertenço... Todas me querem bem, Desde que nada mais quero Senão Deus somente... Nada me é negado, Desde que me neguei a mim mesmo; Desde que escolhi a solidão do Creador, Entrei na sociedade de todas as creaturas... O estático silêncio da mística Canta na dinâmica vivência da ética. * * * E agora estou pronto Para voltar ao mundo, Sem ser do mundo... Eu venci o mundo Nunca mais serei vencido pelo mundo. Do nadir da minha total vacuidade Rompeu o zênite da minha infinita plenitude... Vivo vida abundante, Porque morri espontaneamente... Tudo pode o mundo esperar
  • 141. Do homem que nada espera do mundo.
  • 142. QUANDO ME TORNAREI SUPÉRFLUO? Almas sem conta me procuram, Como guia e diretor, Nas incertas veredas do Além. Tão incertas são essas veredas, Tão ignotos os vastos desertos, Tão inexploradas as densas florestas, Tão misteriosos os altos Himalaias Que medeiam entre a alma e Deus, Que poucos se atrevem a arrostar Tão estranha jornada, Sem um perito que, de experiência própria, Conheça essas obscuras paragens. Preferem ser conduzidos com acerto A se conduzirem com desacerto. Segurança é o elemento vital Da existência humana, Em todos os planos da vida. E toda vez que uma alma humana Me põe nas mãos o seu destino, Eu me sinto humilhado, Porque dolorosamente consciente
  • 143. Se me torna o pouco que sei E o muito me ignoro... Que é essa minúscula gotinha Da minha experiência Em face do oceano imenso Da minha inexperiência? Esse pólo positivo da confiança Que outros em mim depositam Desperta em mim o pólo negativo Da desconfiança que sinto em mim mesmo. E, humilde e confiante, rogo a Deus Que me purifique e habilite Para servir de canal e veículo idôneo Das águas vivas que fluem da Fonte Eterna, Para que minhas impurezas humanas Não contaminem a pureza divina Que devo canalizar para as almas Que, confiantes, me procuram. Não compreendo nem jamais compreenderei Como possa alguém orgulhar-se Do seu ofício de mestre de almas... Humildade e incerteza, Vergonha e incompetência São os terremotos que me abalam Em face de tarefa tamanha. Quando serei, finalmente, supérfluo?
  • 144. Quando terei a suspirada glória De ser “servo inútil”?... Quando terão os meus conduzidos a luz e força De se conduzirem a si mesmos? Quando passará a sua precária heteronomia A ser uma segura autonomia? Quando poderão esses alo-guiados dispensar Escoras e muletas externas de um mestre humano E prosseguir a sua jornada, auto-guiados, À luz do seu mestre interno? Amanhece, enfim, ó dia ditoso Em que eu seja supérfluo! Em que meus conduzidos de hoje Se tornem condutores de amanhã! Guiados pelo espírito de Deus, Com jubilosa segurança, Rumo aos tabernáculos eternos!...
  • 145. DA UMIDADE PARA A HUMILDADE Desce das eternas alturas, Ó fogo de Deus! Incendeia-me todo com teu ardor! Consome o meu combustível, Em veemente ignição! Batiza-me com o fogo do espírito santo!... Assim suplicava eu, Por anos e decênios Mas o fogo divino não vinha, Não descia das alturas, Não consumia o meu velho ego, Em grato holocausto... Finalmente, descobri o porquê Dessa dolorosa frustração... Descobri que havia em mim Excessiva umidade A profana umidade do ego impenitente, Os humores terrenos que embebiam A minha humana personalidade, A sutil vaidade e vanglória De querer conquistar o reino de Deus
  • 146. Pelas forças do ego luciférico... * * * Evaporei então o último resto Dessa humana umidade, Ao sopro duma grande humildade... Confessei o meu nada, A teus olhos, Senhor... E à luz da tua potência Dissipou-se a minha importância Reduzida a total impotência... E essa intensa aridez do meu ego Chamou das alturas as labaredas Do fogo divino... E minha alma se abrasou Num incêndio cósmico De compreensão, De amor, De adoração, De beatitude... E sobre o altar do meu coração Arde agora o fogo sagrado, Amparado pela casta Vestal De minha alma, Em inefável ignição...
  • 147. ALMA GESTANTE Quando a alma anda grávida de Deus, Em adiantada gestação, Basta o mais ligeiro impulso Para dela nascer o Cristo... Um olhar, Um gesto, O timbre duma voz, O eco duma melodia, Uma florzinha à beira da estrada, Uma estrela no céu noturno. Um sorriso de criança, E até a lágrima de um sofredor Para atear na alma o amor de Deus, Para encher de inefável beatitude O coração faminto do Infinito... Nasce então a prole Concebida de Deus E a alma-mater rejubila Com sua ditosa fecundidade...
  • 148. UNIVERSO DE MOLUSCO E o molusco foi segregando substância própria, Para arquitetar o seu universo portátil... E aos poucos, muito aos poucos, A gosma que lhe envolvia o corpo invertebrado Se foi solidificando em derredor, Formando tênue camada de cálcio e sílica Uma concha bivalve, um caramujo espiralado. E o molusco leva consigo, Por toda a parte, O seu mundo portátil, E nele se refugiar Em momentos de perigo, Em horas de tristeza... * * * Corri os olhos em derredor E vi o mundo dos homens Povoado de moluscos sem conta... E cada um leva consigo, Por toda a parte, O seu universo auto-fabricado, Feito da substância sutil Que sua mente projetou de si...