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Baixar para ler offline
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Anais
Organizadores:
Taiza Mara Rauen Moraes
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2
Anais
Organizadores:
Taiza Mara Rauen Moraes
Realização
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE
Programa Institucional de Incentivo à Leitura – PROLER UNIVILLE
Reitora
Sandra Aparecida Furlan
Vice-Reitor
Alexandre Cidral
Pró-Reitora de Ensino
Sirlei de Souza
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação
Denise Abatti Kasper Silva
Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários
Claiton Emilio do Amaral
Pró-Reitor de Administração
Cleiton Vaz
Joinville, 2015
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Comitê PROLER Joinville
Alcione Pauli
Bento de Oliveira Borges
Eliana Aparecida de Quadra Corrêa
Guilherme Gassenferth
Luciane Piai
Marilene Gerent
Milton Maciel
Rita de Cássia Alves Barraca Gomes
Sandra Checruski Souza
Taiza Mara Rauen Moraes
Valéria Alves
Comissão Científica
Adair de Aguiar Neitzel (UNIVALI-SC)
Eliane Santana Dias Debus (UFSC-SC)
Ilanil Coelho (UNIVILLE-SC)
Roselete F. de A. Souza (UDESC-SC)
Taiza Mara Rauen Moraes (PROLER UNIVILLE-SC)
Diagramação
João Marcos da Silva
Revisão
Felipe João Dutra (PROLER)
Jade Grosskopf (PROLER)
João Marcos da Silva (PROLER)
Campus Joinville - Rua Paulo Malschitzki, nº 10
Campus Universitário - Zona Industrial
Joinville SC - CEP: 89219-710
Fone: (47) 3461-9000 | Fax: (47) 3473-0131
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APRESENTAÇÃO
Comitê Interinstitucional, PROLER - Joinville, sediado na UNIVILLE e integrado por
instituições públicas e privadas, Secretaria Municipal de Educação, UNIMED - Joinville,
Gerência Educação - GERED- Joinville, Fundação Cultural de Joinville; à Biblioteca
Pública Municipal Rolf Colin; Colégio UNIVILLE, Programa Institucional de Literatura
Infantil Juvenil - PROLIJ, Confraria dos Escritores Joinvilenses, comungam a crença
difundida por Daniel Pennac (1995) de que “o verbo ler não aceita imperativo. [...] a toda
leitura preside o prazer de ler” e que “se, em vez de exigir a leitura, o professor decidisse
de repente partilhar sua própria felicidade de ler?” Portanto, ecoando a voz de Daniel
Pennac, a edição de 21 anos do Encontro do PROLER Joinville - A leitura como
patrimônio Humano e 6º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura, foi
articulada com seis mini-cursos, palestra da escritora Cléo Busatto, lançamento dos livros
Contar histórias: uns passarão e outros passarinhos, organizado por Taiza M. Rauen
Moraes, Fábio H. N. Medeiros e Maurício Biscaia Veiga e mesa redonda com os
organizadores, e do livro Cidade da Chuva, de Humberto Soares com apresentação
cultural, mini maratona de Contação de História e a projeção do filme A menina que
roubava livros – Projeto Salve o Cinema, buscando partilhar a felicidade de ler.
O tema, A leitura como patrimônio Humano, foi escolhido por avaliarmos que a
prática da leitura potencializa as três matrizes da linguagem: visual, sonora e verbal para
disseminar valores construídos sobre a humanidade. A palestra da escritora curitibana
Cléo Busatto, denominada Um olhar transdisciplinar para a arte de contar histórias, teve
como foco a abordagem transdisciplinar na arte de contar histórias, considerando que
esta prática milenar reconhece e abraça os diferentes níveis de realidade, que se abrem
para diferentes níveis de percepção.
A minimaratona propôs um espaço de troca de experiências, momento em que foi
apresentado o projeto Era uma vez... O faz de conta que encanta, do Centro de Educação
Infantil Bem Me Quer da Rede Municipal de Joinville, turma: berçário II, diretora: Maria
Helena da Rosa Dame, auxiliar de direção: Janete Libardo, coordenadora pedagógica:
Geuza Torres Livramento, professora: Cheila Maria de Souza Baumert, auxiliar de
educador: Rosangela de Medeiros Rank e Roseni Ferrari Tino. O Projeto com os bebês
do berçário II, objetiva constituir um espaço leitor para o início da vida, na primeira
infância, onde o ler, o acesso aos livros, o contato são práticas primordiais e permanentes
ISBN - 978-85-8209-048-0
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com os bebês de 11 meses a 24 meses. Criar momentos para que as crianças envolvidas
adquiram o gosto e o hábito de ler a partir de vivências nos primeiros anos de vida.
O 6º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura se constituiu como
um espaço de difusão da pesquisa por intermédio de comunicações orais de cunho
teórico-metodológico de pesquisadores e instituições que contemplem os estudos de
linguagens, leitura e cultura. Contou com a participação de pesquisadores de Joinville e
de Santa Catarina, que realizaram comunicações de pesquisas.
O evento teve como público alvo: professores de Letras, Pedagogia e Artes,
professores atuantes nas redes pública e privada, bibliotecários, agentes de leitura /
culturais e acadêmicos de Letras/Pedagogia, pesquisadores de universidades próximas, e
atingiu um público regional: Joinville, São Francisco do Sul, Itapoá, Balneário de Barra do
Sul, Balneário de Barra Velha, Balneário de Piçarras, São João de Itaperiú, São Bento do
Sul, Jaraguá do Sul, Guaramirim, Garuva, Araquari, Blumenau e Florianópolis.
ISBN - 978-85-8209-048-0
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6º SEMINÁRIO DE PESQUISA EM LINGUAGENS, LEITURA E CULTURA
ÍNDICE
A FOTOGRAFIA EM SEU AVESSO: UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE UMA
PRODUÇÃO POÉTICA...............................................................................................7
A LINGUAGEM DAS LENDAS: REGISTROS DE MEMÓRIAS E
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS................................................................................22
CINEDUCAÇÃO E PAPO E CINEMA ......................................................................35
HOJE É DIA DE CONCERTO: FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS A PARTIR DE
PARTITURAS PRODUZIDAS POR COMPOSITORES DE JOINVILLE ..................41
LIMA BARRETO – O RETRATISTA DE ALMAS DO RIO DE JANEIRO ................53
MÚSICA UNDERGROUND: PATRIMÔNIO, MÚSICA E LIBERDADE ....................69
NAS FRESTAS DA CASA LAR: DELEITES E ANGÚSTIAS NAS ESPREITAS DA
LEITURA...................................................................................................................82
PELAS LENTES DO PINCE-NEZ: OS OLHOS E O OLHAR EM “TRISTE FIM DE
POLICARPO QUARESMA” .....................................................................................87
VÉSPERAS TECENDO UMA TEIA LITERÁRIA, DE ADRIANA LUNARDI ..........101
VESTÍGIOS PROFANOS: UMA LEITURA POÉTICA DAS DISSONÂNCIAS DE
UMA CIDADE .........................................................................................................114
RESUMOS ..............................................................................................................129
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DE
PERSONAGENS EM "TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA" ..................129
CONTAR E ENCANTAR... OS PEQUENOS NARRADORES DO CA-UFSC ......130
LETRAMENTO DIGITAL ENTRE BOLSISTAS DO PIBID DE LETRAS: UM
ESTUDO DIRECIONADO....................................................................................131
REPRESENTAÇÕES DA VELHICE EM ALGUNS ESCRITOS POÉTICOS........132
UM MUSEU, MÚLTIPLAS REPRESENTAÇÕES: A PRODUÇÃO ACADÊMICA
SOBRE O MUSEU NACIONAL DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO..................133
UMA RETROSPECTIVA APÓS UMA DÉCADA: ESPAÇO LITERÁRIO -
CONTANDO HISTÓRIAS, FORMANDO LEITORES...........................................134
A FOTOGRAFIA EM SEU AVESSO: UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE UMA
PRODUÇÃO POÉTICA
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Fábio Salun1
Resumo: O presente trabalho é uma tentativa de refletir teoricamente sobre
conceitos e problemas que aparecem em minha produção artística e os caminhos
aos quais ela parece apontar, mais especificamente do deslocamento que ela faz
dentro do campo da fotografia, distorcendo a realidade a partir de elementos
específicos dessa linguagem. Para Dubois a fotografia é um fragmento de mundo, é
a captação de uma determinada quantidade de luz por meio de um recorte do
espaço e do tempo. Contudo, e apesar dessa sua ligação indiciária com o real, a
linguagem fotográfica se faz mais no campo da encenação. Seja pelas várias
possibilidades de produção diante da câmera ou mesmo pelos seus aspectos
técnicos como recorte e a composição, a fotografia não registra a realidade de uma
maneira neutra, mas a recria a partir das escolhas feitas pelo fotografo. A fotografia
é assim, um lance, uma jogada questão essa que não é específica do campo da
fotografia, mas característica do campo da arte, a lógica do ato proposta por
Duchamp eleva o simples objeto cotidiano a forma de arte e passa o trabalho do
artista ao campo da reflexão intelectual. O ponto que pretendo refletir nesse trabalho
é que, a relação que minha poética estabelece com a fotografia, deslocando-a do
campo fotográfico refletindo sobre as possiblidades que ela apresenta de distorce e
a problematizar imagens.
Palavras-Chave: fotografia; poética; arte contemporânea; distorção de imagens.
Nesse trabalho, me proponho a fazer uma reflexão sobre minha produção
artística. Meu objetivo é levantar alguns problemas e conceitos que ela apresenta e
tentar refletir teoricamente sobre eles. O ponto que me chama a atenção e que vai
basear toda essa reflexão é o deslocamento que ela faz dentro do campo da
fotografia, utilizando elementos e processos típicos dessa linguagem para distorcer a
realidade.
O problema da realidade é frequente dentro das reflexões sobre fotografia,
isso acontece porque é parte integrante de seu processo extrair uma imagem por
meio da captação de uma determinada quantidade de luz do espaço real, é desse
ponto fundamental que parte a doutrina do “isso foi” de Roland Barthes:
O noema da fotografia é simples, banal; nenhuma profundidade:
“isso foi”... A fotografia é uma evidencia intensificada, carregada,
como se caricaturasse, não a figura do que ela representa (é
exatamente o contrário), mas sua própria existência. A imagem, diz a
fenomenologia, é um nada de objeto. Ora, na fotografia, o que coloco
não é somente a ausência do objeto; é também, de um mesmo
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Artista plástico, pesquisador e mestrando em teoria e história da arte pela UDESC.
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movimento, no mesmo nível, que esse objeto realmente existiu e que
ele esteve onde eu o vejo. (BARTHES, 1984 p. 168)
A fotografia envolve um processo de construção mecânico, é uma imagem
criada de forma automática, o que ela exige da ação humana não é a perícia na
feitura de traços e linhas, mas apenas a atitude de apertar um botão. Conquanto
essa simples atitude possa parecer inofensiva, essa captação do real não se dá de
uma maneira neutra e isenta de sentido, veremos que a imagem fotográfica reside
mais no campo do ato, do jogo do que da representação fiel da realidade:
Com a fotografia, não nos é mais possível pensar a imagem fora do
ato que a faz ser. A foto não é apenas uma imagem [...], é também,
em primeiro lugar, um verdadeiro ato-icônico, uma imagem se
quisermos, mas em trabalho, algo que não se pode conceber fora de
suas circunstâncias. (DUBOIS. 1993. p. 15)
Na fotografia as lentes, o ISO, abertura de diafragma, tempo de exposição,
tudo isso interfere na imagem registrada cabendo ao fotografo articular esses
elementos de acordo com sua intenção, isso sem falar nas várias possibilidades de
encenação que podem ser feitas diante das câmeras tais como poses, cenários,
figurinos entre outros. François Soulage (2010), por exemplo, ao indagar sobre a
relação da imagem fotográfica com o objeto fotografado propõe que pensemos o
“isso foi” de Rolland Barthes como um “isso foi encenado”.
Contudo, o fato é que a característica de registrar os raios luminosos dos
objetos em um papel sensível trouxe à fotografia a complexidade de ter de lidar com
a visibilidade do mundo real. Ao longo de sua história os discursos foram muitos,
primeiro opôs-se arte e técnica, retirando da ação do fotografo toda a potência
sensível que permeava a mão do artista, depois o mundo das artes a incorporou, e
seus artifícios foram experimentados nas mais diversas expressões, hoje ela é ato,
suporte, documento, experimento e seu uso se dilui nas mais variadas
manifestações. Porém, sua ligação com o real é, ainda hoje, o sentido de seu uso.
Seja na manipulação de seus dados para criar cenas fictícias, na documentação das
produções conceituais, ou mesmo no seu uso como suporte de outras matérias,
técnicas e conceitos, ela sempre estará envolvida com o homem por sua relação
física com o mundo real, não como registro, não como imitação, mas, sobretudo
como um traço, um índice, um sinal:
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O ponto de partida é portanto a natureza técnica do processo
fotográfico, o principio elementar da impressão luminosa regida pelas
leias da física e da química. Em primeiro lugar o traço, a marca, o
deposito. Em termos tipológicos, isso significa que a fotografia
aparenta-se com a categoria de “signos” em que encontramos
igualmente a fumaça (indicio de fogo), a sombra (indicio de uma
presença), a cicatriz (marca de um ferimento), a ruina (traço do que
havia ali), o sintoma (de uma doença), a marca de passos etc.
(DUBOIS. 2005. p. 50)
A série paisagens marítimas de Hiroshi Sugimoto (figura 1) me parece ilustrar
bem essa relação. Sugimoto é uma artista japonês que mora e atua nos Estados
Unidos. Estudou Política, Sociologia, Arquitetura e Zen Budismo, e sua série de
paisagens marítimas nasce de uma comparação que o artista faz dos horizontes
terrestres (em constante transformação), e o horizonte dos oceanos (que
permanecem sempre os mesmos), essa percepção levou o fotografo a registras os
limites dos mares e oceanos e ao redor do mundo. A figura do céu e do mar
aparecem presentes, contudo são escondidas por meio do enquadramento e
composição do fotógrafo, o contraste entre os elementos nos remetem mais a uma
imagem abstrata do que ao registro de uma cena de mundo, pode-se também
perceber toda uma influência do zen budismo na exata centralização da linha do
horizonte, os objetos não possuem valores diferentes, se igualam e se equivalem
remetendo, de certa forma, ao equilíbrio de forças colocada no símbolo do Ying-
Yang.
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Fig 01 - Hiroshi Sugimoto, Yellow Sea, Cheju, 1992
A fotografia faz, portanto, emergir uma lógica que se expressa no ato, na
experiência, na situação, mas seria essa lógica exclusiva da linguagem fotográfica?
não seria também essa lógica que vai fundamentar toda a produção de arte atual?
Se Duchamp é a referencia principal para a produção contemporânea não é
justamente pelo fato de ele ter abandonado toda a relação com a arte da retina em
proveito de uma concepção de arte baseada também na lógica do ato, da
experiência, do sujeito, da situação, da implicação referencial?
A arte de Duchamp e a fotografia tem em comum funcionarem em
seu principio constitutivo, não tanto como uma imagem mimética,
mas uma simples impressão de uma presença, uma marca, um sinal,
um traço físico de um estar ai, uma impressão que não encontra seu
sentido em si mesma mas antes da relação existencial que a une ou
que a provocou. (op. cit. p. 254).
Nas mãos de Duchamp, o objeto não busca aparecer, também não é traço
físico de um objeto exterior, mas é ele próprio tornado obra “por um ato de decisão
artística, por simples operação de seleção, de levantamento no interior do contínuo
do real e de inscrição no universo da arte.” (DUBOIS. 1993. p. 257)
É o que nos mostra trabalhos que decorrem desse pensamento como o de
Joseph Kosuth, por exemplo, em “uma e três cadeiras” (Figura 2), o artista apresenta
uma cadeira real, a imagem de uma cadeira e sua definição no dicionário trazendo a
tona uma reflexão sobre significante e significado, mas mais do que isso a proposta
de um ato, de uma ação, de um fazer que resignifica e recontextualiza os objetos
apresentados.
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Fig 02 - Joseph Kosuth, Uma e três cadeiras, 1965
Se até agora me detive nas reflexões sobre a fotografia e aonde ela se situa
no mundo contemporâneo, pretendo agora partir para minha própria produção
fotográfica, que também é traço e apontamento, mas que, a partir disso, se propõe a
brincar e distorcer seu espaço referencial, não utilizando técnicas de edição
laboratoriais ou digitais, mas por meio de singularidades e especificidades
características da própria linguagem.
O primeiro momento de minha produção parece se caracterizar por uma
coleta de “imagens problema”, o que me chamava a atenção e que me motivava
fotografar não eram as belas cenas do cotidiano ou a montagem e encenação, mas
sobretudo aonde as imagens apareciam problemáticas. O trabalho “sem título”
(Figura 03),traz a imagem de uma série de balaústres, contudo o sentido do objeto
em sí parece descartável diante da importância do desenho criado pela sua forma e
sua repetição que são valorizadas por meio do enquadramento e do ponto de vista
utilizados.
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Fig 03 - Fábio Salun, sem título, 2002
O mesmo podemos perceber de outro trabalho, uma tríptico (Figura 4) que
traz uma imagem do sol e das nuvens, contudo esses elementos não são vistos a
um “modo comum”, topológico, costumeiro, mas por meio de seu reflexo nas aguas
de um rio. A reflexão da imagem no rio não passa pura e despercebida, se mistura
aos efeitos visuais do céu e acaba por aquarelar a imagem trazendo uma cena não
comum de ser observada.
Fig 04 - Fábio Salun, sem título, 2003
Uma ultima imagem da qual eu gostaria de refletir aqui é uma imagem
produzida nas paredes de um hotel em Joinville (Figura 5), todo o hotel é repleto de
vidros convexos e esse volume acabava por desconstruir a imagem refletida nele,
além disso, o dia bem iluminado fazia com que a imagem da persiana na parte de
traz se misturasse com a composição, assim reflexos, sobreposições, texturas se
tornaram o objeto de meu olhar.
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Fig 05 - Fábio Salun, sem título, 2003
Por volta de 2005, começo a perceber que estas imagens envolviam um
discurso do olhar, os reflexos no rio, por exemplo, fala de um olho que vê por meio
de outra coisa, a fotografia dos balaústres é outro exemplo, questiona como se vê
aquilo de um determinado ponto de vista. Esse aprofundamento também não
acontece gratuitamente, em 2004 iniciei a graduação em artes visuais e pude
começar a conhecer um pouco mais sobre o universo que eu estava me propondo a
ingressar. Nesse momento pude reparar que as reflexões do olhar se encontravam
principalmente nas linhas que envolviam a arte construtiva e abstrata. O que me
parece é que passei a entender os objetos do mundo como elementos de
composição e o uso da forma como possibilidade de estudo visual. O trabalho
também “sem título” (Figura 6) apresentado na exposição “Abstrações- um reflexo
plástico do comportamento humano ante o mundo” ilustra bem algumas dessas
relações. A imagem é na verdade um pedaço do painel do carro Picasso, na parte
em que se encontra o computador de bordo, a textura do painel com a concavidade
da área do computador cria uma imagem que dificilmente podemos identificar o que
é. A iluminação que se dá principalmente na parte baixa e direita reforça a diferença
entre as duas formas.
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Fig 06 - Fábio Salun, fotografia, 2006
Esse jogo com as formas do dia-a-dia acabou por revelar algumas
“possibilidades de distorção em fotografia”, e nesse sentido, não só o recorte, como
na imagem acima, mas também o uso da planificação, do ponto de vista e do
espelhamento. A figura 7 por exemplo é a imagem de uma escada que de um
determinado ponto de vista reúne os cantos dos degraus com o corrimão trazendo a
toda uma composição formal produzida pelos espaços vazios. A figura 8 é um lustre
visto de baixo pra cima, sua forma ovalada reforçada pela luz tende a confundir
nossa percepção do objeto, e por ultimo, o jogo de espelhos que permite inserir uma
cena externa, diferente, dentro do espaço de composição, na figura 9 o espelho está
dentro de um banheiro todo azulejado em cinza, os azulejos da parede oposta
ficavam distantes da parede em que estava o espelho pois, visualmente, portanto
ficavam menores na imagem refletida no espelho o que me permitiu contrastar os
tamanho deles.
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Fig 07 - Fábio Salun, fotografia, 2007
Fig 08 - Fábio Salun, fotografia, 2005
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Fig 09 - Fábio Salun, fotografia, 2008
Se até aqui minha produção se apresentava como um jogo entre o referente e
as condições do aparelho (sua possibilidade de recortar, planificar, e do ponto de
vista) hoje ela parece incorporar as possibilidades técnicas da fotografia, não como
construção poética em cima dos objetos, ou melhor, além disso, agindo também
como meio a distorção de imagens. A figura 10 abaixo é a imagem de uma colher
comum com uma iluminação dura e direta sobre um de seus lados, o efeito causado
entrega o volume da colher, contudo apesar de revelar esse volume, não define se
ele está para cima ou para baixo, criando uma ambiguidade na identificação da
imagem.
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Fig 10 - Fábio Salun, fotografia, 2014
Outro caminho que vem aparecendo dentro dessa produção é o uso da
sombra projetada, no qual André Kertèsz é pra mim o grande mestre, se nas mãos
dele a sombra tem valor de poesia, pra mim também é possibilidade de distrair e de
brincar com o olhar. A figura 11 é a fotografia de uma grelha de churrasco, uma luz
forte, colocada em diagonal com o objeto, acabou por criar todo um jogo que mais
parece um exercício de Gestalt do que uma imagem fotográfica.
Fig 11 - Fábio Salun, fotografia, 2014
Outra tendência que vem aparecendo,e a ultima que vou tratar aqui, é o
contra luz. Tecnicamente ele é usado para ressaltar os perfis, tirando a cor e a
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volumetria dos objetos para registrar e identificar seus contornos, mas para minha
poética ele também tem demonstrado potência como possibilidade de distorção de
imagens. A imagem apresentada (Figura 12), e que fez parte da exposição “coletiva
além do 3x 4” na AAPLAJ, é um bom exemplo disso, na verdade é a imagem de
uma folha de palmeira vista a contraluz, como a iluminação vinha do lado oposto,
pude retirar alguns valores que identificavam o objeto para enfatizar os contornos e
seus desenhos em seu contraste com o azul do céu.
Fig 12 - Fábio Salun, fotografia, 2015
Hoje começo a pensar essa nova produção e se posso falar de um diálogo
com questões e problemas da história da arte, começo a crer ser possível pensa-la
como um Trompe l´oeil. Tal ideia remete a uma aula que tive recentemente com a
Profª Rosangela Cherem e de um fato que aconteceu na exposição anteriormente
citada. Na exposição “Além do 3 x 4” pude notar um fator que me pareceu
interessante, no dia da abertura algumas pessoas diante de meu trabalho pareciam
passar reto, olhavam, viam a imagem e achavam que a entendiam, algumas poucas
se detiveram a realmente olha-la, ou até mesmo me perguntar o que era, essas
pessoas, quando “caia a ficha” se animava e se entusiasmavam com o jogo, para as
outras foi apenas mais uma imagem, quando pude conversava com elas percebi que
elas não se atentaram em compreender o que havia sido fotografado, muitos se
contentaram em compreende-la como desenho, pintura ou mesmo uma imagem
digitalmente editada. Não pretendo aqui discutir o valor artístico de meu trabalho,
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questionar se é bom ou não, não é essa a questão, o que é instigante é que de certa
maneira essas fotografias atuam em duas dimensões do ver, um primeiro plano que
ele é o que parece e nada mais, e em um segundo que depende da atitude do
observador de desvenda-lo, É o que acontece nas obras do Trompe l´oiel, a obra
“retrato de mulher da família Hofer” (Figura 13) de um artista anônimo mostra uma
pintura que nada tem de especial, é uma senhora com um grande turbante branco,
contudo existe algo que atrapalha nossa atenção, em um primeiro momento
pensamos haver uma mosca pousada na parte branca sobre o turbante, a vontade é
de enxota-la dali, mas um olhar mais atento nos revela que a mosca também é parte
da pintura.
Fig 13 - Anônimo, Retrato de mulher da familia Hofer, 1470, The National Gallery London
Outro fator que me leva a remeter a esse diálogo com o Trompe l´oeil é a
perspectiva rasa, próxima, muitas vezes caracterizada por sombras curtas que
trazem o efeito de sobreposição de objetos característica esta que, como já mostrei
na imagem da grelha também tem aparecido em minha produção.
Assim, nessa breve reflexão tentei colocar em xeque alguns conceitos e
problemas que aparecem em minha produção artística que percorre o campo da
fotografia e que tem como principal objeto de trabalho o uso dos elementos
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fundamentais da linguagem como meio a distorção da realidade, portanto ela parte
de sua relação com o real para refletir sobre o irreal problematizando não apenas o
objeto de sua representação, mas também sua própria linguagem.
Referencias:
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. Tradução de Denise Bottmann e Federico
Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre fotografia. Tradução de Júlio
Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e politica: ensaios sobre literatura e
história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasilience, 2012
CHEREM, Rosângela Miranda. No campo das semelhanças deslocadas e das
proximidades empáticas. In: Revista Crítica Cultural. Universidade do Sul de Santa
Catarina, Santa Catarina, ISSN 1980-6493. Dossiê Simpósio de Fotografia e Cultura
Visual – Arquivo e Imagem. 2009. Disponível em <
http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/critica/0402/040212.pdf>.
Acessado em 10 Out. 2011
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Tradução de Marina
Appenzer. Campinas – SP: Papirus, 1993.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo – SP: Hucitec, 1985
FUSCO, Renato de. História da arte contemporânea. Tradução de Maria Jorge
Vilar de Figueiredo. Lisboa: Editora Presença, 1988.
GOMBRICH, Ernst H. História da arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16. ed. Rio de
Janeiro: LTC, 1999.
HACKING, Juliet. Tudo sobre fotografia. Tradução de Fabiano Morais, Fernanda
Abreu e Ivo Kortowski. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.
ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea.
Tradução de Constância Egrejas. São Paulo, SP: Editora Senac São Paulo, 2009.
SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. Tradução de
Iraci D. Poleti e Regina Salgado Campos. São Paulo: Editora Senac, 2010.
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A LINGUAGEM DAS LENDAS: REGISTROS DE MEMÓRIAS E
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Paulo Santos da Silva2
Resumo: Este estudo A Linguagem Das Lendas: registros de memórias e
representações sociais enfoca como a linguagem discursiva das lendas, por ser
dialógica e dispersa em seus enunciados, pode ter registros de memórias e de
representações sociais, uma vez que está relacionada com o contexto histórico e
com o discurso no qual estão situados o eu e o outro. Como o discurso presente na
linguagem das lendas é atravessado por uma extensa gama de valores sociais,
culturais, ideológicos, que apontam para rastros de memória e representações,
surgidas a partir de interpretações várias que um grupo social faz de sua realidade,
permite-se pensar que a linguagem lendária também serve de estudo e análise de
memórias e representações sociais, afinal através do jogo da enunciação discursiva
e da necessidade de interação, cada grupo vê, reflete e interpreta a realidade na
qual vive. Objetivando a compreensão de como isso se dá, são tecidas breves
considerações sobre memória coletiva e sobre representações sociais que podem
estar presentes na linguagem discursiva de lendas. Nesse intuito, sobre linguagem
discursiva e enunciação, parte-se de pesquisas de Bakhtin (1997) e Foucault (2008),
respectivamente; no que se refere aos registros de memórias e representações
sociais apoia-se em Candau (2009; 2011), Nora (1993), Ricoeur (2007), entre
outros.
Palavras-chave: Linguagem do lendário; Discurso; Memória social; Representações
sociais.
Introdução
A linguagem discursiva que está presente nas lendas, que transitam nos
grupos sociais, pode servir como viés de compreensão das memórias e das
representações sociais que estão imbricadas nos grupos em que essas narrativas
circulam, já que as lendas, ao partir do contexto histórico ou do imaginário de uma
coletividade, são interpretadas por essa mesma coletividade, refletindo passagens
de um tempo vivido.
Quando se pensa na linguagem de um grupo e das memórias ou
representações que nela são percebidas, pensa-se em um processo comunicativo
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Mestrando em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVILLE, Joinville, SC. Pós-graduado em
Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, pela Pontifícia Universidade do Paraná – PUC, Curitiba/PR,
e é professor de Oficina de Literatura Infanto-Juvenil no ISEPE – Faculdade do Litoral Paranaense.
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dialógico que envolve a relação entre os atores sociais desse grupo social e que a
partir dessa convivência possuem modos distintos de ver, sentir, pensar e interpretar
a realidade vivenciada por eles e de perceber o universo simbólico que essa
realidade lhes proporciona.
A linguagem é preenchida pela palavra do discurso que, por sua vez, é
atravessado por uma extensa gama de valores sociais, culturais, ideológicos, afinal
a linguagem está relacionada com o contexto e com o processo histórico-discursivo
em que estão situados o eu e o outro, fazendo parte da experiência de vida dos
atores sociais, que ao virem à luz passam a habitar e partilhar o espaço do seu
grupo social, a linguagem do outro. Essa linguagem, uma vez que já fazia parte do
grupo, foi imposta ao ser que nasceu e dela se apropriou mediante a necessidade
que ele sentiu de se comunicar com os demais participantes do seu grupo, ora
apenas para expor seu discurso, ora para se defender dos discursos dos outros, ora
para mediar discursos de outrem, ou expressar-se livremente em sentimentos,
desejos, ações individuais e coletivas através do discurso verbal ou não verbal.
A linguagem, de acordo com Bakhtin (1997, p. 113), revela-se de forma
dialógica, em duas faces, sendo uma dessas faces voltada para o sujeito e a outra
voltada para o exterior dele, definindo tanto este quanto aquele.
Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como
pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o
produto da interação do locutor e do ouvinte. Através da palavra,
defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação
à coletividade.
A linguagem serve de expressão para os atores sociais, uns em relação aos
outros, e através dela e da vivência coletiva, que está intrínseca na formação social,
é que esses atores realizam de forma ampla e plenamente as suas necessidades de
comunicação. Nesse sentido, a linguagem “é uma espécie de ponte lançada entre
mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se
sobre o meu interlocutor” (BAKHTIN, 1997, p.113). Por ser dialógica, a linguagem se
apoia na palavra para a construção do discurso e, nesse sentido,
cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se
entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A
palavra revela-se, no momento de sua expressão como o produto da
interação viva das forças sociais. (BAKHTIN, 1997, p. 63)
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Assim como a palavra é definida por Bakhtin (1997, p. 113), a linguagem não
somente das lendas, mas no seu sentido geral, também pode ser pensada como
algo que é extraída pelo falante de um estoque social de signos disponíveis, cuja
realização deste signo na enunciação concreta é inteiramente determinada pelas
relações sociais, constituindo-se por meio destas o reflexo
da inter-relação social, em cujo contexto se constrói uma
determinada enunciação. A situação social mais imediata e o meio
social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a
partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação.
Um enunciado, conforme Foucault (2008, p. 31-32) é sempre um
acontecimento que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente e pode
ser entendido como um acontecimento dispersivo.
Inicialmente porque está ligado, de um lado, a um gesto de escrita ou
à articulação de uma palavra, mas, por outro lado, abre para si
mesmo uma existência remanescente no campo de uma memória,
ou na materialidade dos manuscritos, dos livros e de qualquer forma
de registro; em seguida, porque é único como todo acontecimento,
mas está aberto à repetição, à transformação, à reativação;
finalmente, porque está ligado não apenas a situações que o
provocam, e a consequências por ele ocasionadas, mas, ao mesmo
tempo, e segundo uma modalidade inteiramente diferente, a
enunciados que o precedem e o seguem.
É a partir do jogo da enunciação que os atores sociais constroem a sua
formação discursiva. Portanto quando se busca o discurso de alguém, deve-se
pensar que o discurso não é estagnado em si mesmo, mas se submete a alterações
dependendo do tempo, do espaço e do contexto em que é instaurado e proferido
pelos atores sociais.
No que se refere à linguagem das lendas, deve considerar que é preciso
“estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de
acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal
que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos
menores traços, escondido bem longe de todos os olhares” (FOUCAULT, 2008, p.
28), analisando-o sempre no jogo de sua instância contextual, ou seja, de como as
lendas são recuperadas no tempo presente.
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Ainda segundo Foucault (2008, p. 139) os discursos construídos e depois
pronunciados em outros tempos tornam-se “marcas que remetem à instância de sua
enunciação e essas marcas, uma vez decifradas, podem liberar, por uma espécie de
memória que atravessa o tempo, significações, pensamentos, desejos, fantasmas
sepultados”. Assim sendo, o discurso coletivo de um grupo, diante da leitura e
análise da linguagem do lendário, por exemplo, pode oferecer traços da memória
social que permitem, consequentemente, ver o passado, não da sua inércia de algo
escrito e sepultado na história, mas a partir da sua vivacidade social no presente, já
que por meio da formação discursiva está “uma série de acontecimentos discursivos
e outras séries de acontecimentos, transformações, mutações e processos
(FOUCAULT, 2008, 83). É nesse âmbito discursivo que está a linguagem presente
nas lendas. Como estão atravessadas de valores, há nelas um discurso que arrasta
a tradição do grupo no qual elas circulam e que possibilita a formação da memória
social e das representações contidas nele. Isto permite pensar que essa mesma
linguagem presente nas lendas pode servir de estudo e análise de registros de
memórias e representações sociais.
Os registros de memória nas lendas
No que se refere a registros de memórias sociais na linguagem das lendas,
eles estão presentes em determinados momentos em que atores sociais se
encontram e buscam rever, pensar, analisar o seu passado. São pais, avós e até
mesmo jovens e crianças lembrando-se de si mesmos ou do que foram os seus
ancestrais. Ao redor de uma fogueira, ou simplesmente numa varanda de casa, ou
em qualquer outro lugar que propicie uma boa lenda, por exemplo, há memórias, há
um retorno a uma identidade que o tempo, podendo até questioná-la, não apaga.
Ricoeur (2007, p. 159) considera que “na ação entre o tempo “narrado” e o espaço
“construído”, as analogias e as interferências abundam, já que o ato de configuração
intervém de uma e de outra parte no ponto de ruptura e de sutura dos níveis de
apreensão”. Nestes dois tempos distintos, valores sociais se entrecruzam e são
agregados pelo grupo social e são eles que possibilitam
o sentido da orientação na passagem do tempo; orientação em mão
dupla, do passado para o futuro, de trás para frente, por assim dizer,
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segundo a flecha do tempo da mudança, mas também do futuro para
o passado [...] através do presente vivo” (RICOEUR, 2007, p. 108).
O passado é revivido no presente quando se recupera memórias, sejam
recentes ou aquelas do tempo pueril, em que havia fogueira acessa em noites de
festas, no qual os mais velhos desfiavam inúmeras histórias cujos personagens
populacionam o universo lendário, como lobisomens, noivas fantasmas, seres de
uma perna só, animal sem cabeça que solta labaredas de fogo, botijas de ouro
enterradas e tantas outras. Em minha infância, memórias como essas traziam à tona
o fantástico que permeia o imaginário social, construindo um mundo de antíteses
entre o querer e o não querer; aflição e alegria; medo e coragem. Memórias nas
quais o antagonismo bailava entre o desejo de ouvir as narrativas, mas o não querer
que elas se tornassem realidades; entre a aflição das pausas e das formas orais da
linguagem dos mais velhos, repleta de entonações macabras, e do narrar que só
eles possuem, e que proporcionavam a imensa alegria em ouvir mais e mais as
histórias. Era o meu presente em uma infância no lendário.
As lendas são narrativas do presente e suas enunciações discursivas são
capazes de propiciar novas interpretações do passado àqueles que as partilham.
Por isso elas podem indicar a memória de um povo e, como ressalta Câmara
Cascudo3
, tornam-se o caminho que leva ao encantamento do passado. Geralmente
orais, as lendas são atravessadas por fios de memórias, que se entrelaçam em
textos criados pela tradição cultural em histórias do imaginário, articuladas pela
memória social.
Para Cascudo (1984. p. 52), “a caracterização (da memória) é compreendida
quando uma tradição é evocada”. A narrativa, assim, não é mais somente uma
lenda, mas também a compreensão de como viveram os antepassados, já que,
narradas pelo viés da linguagem oral, as lendas possuem informações de vida, de
memória a partir de enredos, ora simples ora complexos, que caracterizam a relação
contextual na qual estão inseridas. “sempre se inicia pela frase: os antigos diziam...
3
Luís da Câmara Cascudo recriou a atmosfera da sua meninice, revelando os interesses que desde então o
levariam a se tomar dos mais respeitáveis pesquisadores do folclore e da etnografia de nosso país. É dele o
“Dicionário do Folclore Brasileiro", obra de referência no mundo inteiro. CASCUDO, Luis da Câmara. Biografias.
Disponível em: http://educacao.uol.com.br/biogra-fias/luis-da-camara-cascudo.jhtm Acesso em: 30 abr. 2014.
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Não é uma lenda, nem um mito, fábula ou conto. É uma informação, um dado, um
elemento indispensável” (CASCUDO, 1984. p. 52), uma memória.
A memória, segundo alguns estudiosos, nunca esteve tão em voga como
agora. CANDAU (2009, p. 43-44), por exemplo, ressalta que hoje as nossas
sociedades vivem em uma compulsão pela memória, “Em vários países, se não
todos, manifestam-se os sinais de uma inflação de memória e uma febre
comemorativa, às vezes até a saturação, e cita Nora para complementar que há
“uma “vaga memorial” que rebenta sobre o mundo inteiro”. Nora (1993. p. 7),
considera que a “curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia
está ligada a este momento particular da nossa história”.
Essa busca pela memória é uma forma de entender o presente a partir do
estranhamento do próprio passado, ressignificando aquele por este. Ante um mundo
moderno, o sujeito pensa sobre sua vivência social, criando representações de si e
do mundo que o circunda. Há uma necessidade de ter um passado, uma identidade
que o arrasta às memórias que parece empurrar o sujeito moderno “algumas vezes,
a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele "tempo perdido",
[...] a restaurar as identidades passadas” (HALL, 2006. p. 15).
Em busca dessa restauração, não há ao que recorrer senão à memória,
pois, conforme Nora (1993. p. 18) "Ela obriga cada um a se relembrar e a
reencontrar o pertencimento, princípio - e segredo da identidade. Esse
pertencimento, em troca, o engaja inteiramente”.
Ainda no que se refere à memória, ela se estende até onde atinge a
memória dos grupos de que ela se compõe e que não para de se transformar
quando esses mesmos grupos passam a ressignificá-la e adaptá-la para atender a
novas perspectivas do presente em que se situam. Diante disso, a memória por
estar inserida em um novo contexto sofrerá influência tanto do tempo presente, no
qual foi reativada a partir das questões contemporâneas, como também sofre
variações e simbologias no tempo e espaço, já que depende de como, quando,
quem vai lembrá-la e por que e para que ela é lembrada.
Candau (2011) ressalta que a memória modela-se de acordo com os grupos
ou sociedades dos quais ela provém e é entendida de três formas: protomemória,
tida por ele como memória social, em que estão os gestos do corpo, como o falar, o
sentir, o pensar, e se dá sem que o sujeito tenha tomado de consciência da mesma;
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a memória propriamente dita, que é uma memória de recordação ou
reconhecimento, evocação deliberada ou invocação involuntária de lembranças
autobiográficas ou pertencentes a uma memória enciclopédica e está presente nos
saberes, nas crenças, nas sensações e sentimentos; e a metamemória, uma
representação que cada indivíduo faz de sua própria memória reivindicada.
Todavia a memória, segundo Ricoeur (2007, p. 26), “é passado,
independentemente do que possa significar a preteridade do passado” e recorremos
à memória porque “não temos nada melhor que a memória para significar que algo
aconteceu, ocorreu, se passou antes que declarássemos nos lembrar dela”
(RICOEUR, 2007, p. 40). Mesmo sendo passado, não se deve pensar a memória
como estagnada, fechada e acorrentada em um passado, afinal ela revive ao ser
carregada por grupos do tempo presente. Nora (1993) comenta que a memória é
sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente
evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, logo passa a ser
vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de
repentinas revitalizações, o que gera inconscientemente suas deformações
sucessivas. Deste modo, percebe-se a memória como é um fenômeno sempre atual,
um elo entre o vivido e o tempo presente. E mediante a isso, “a memória não se
acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas,
telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as
transferências, cenas, censura ou projeções” (NORA, 1993. p. 9).
Vendo por essas vertentes, pode-se pensar a linguagem das lendas como
uma fonte de memória imanente dos indivíduos, grupos ou sociedade e que serve
referenciar o passado deles. Ela, a linguagem lendária também está relacionada
com as lembranças da vida de outrora, que os ancestrais viveram, partindo do
individual e completando-se no coletivo. Isso se dá porque a linguagem lendária está
imbricada às tradições do povo e quando pensada passa a ser uma representação
do passado a partir do que se julga ter visto e vivido; por isso as lendas são
memória, isto é, “um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; [...]
uma representação do passado” (NORA, 1993. p. 9).
Como uma forma de memória, as lendas também não são completas, já que
sua linguagem e seus discursos trazem lacunas. Mesmo incompletas, nelas estão
enunciados que apontam para valores sociais, dos quais pode ser extraído o
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estoque social de signos disponíveis, cuja realização deste signo na enunciação
concreta é inteiramente determinada pelas relações sociais, como ressalta Bakhtin
(1997, p. 113). A linguagem e o discurso direcionam a coletividade ao pertencimento
do passado e sentimento em relação também ao passado social e “para que haja
um sentimento do passado, é necessário que ocorra uma brecha entre o presente e
o passado, que apareça um antes e um depois” (NORA, 1993. p.19). Assim sendo,
toda vez que uma lenda é contada, pode passar a atender a novas perspectivas
tantos de quem a conta quanto dos ouvintes, afinal elas são “reescritas, mesmo que
inconscientemente” (EAGLETON, 2001. p. 17) em cada releitura feita pelos atores
sociais. À medida que se faz essa releitura através das lendas, podemos deixar “de
lado suposições, revemos crenças, fazemos deduções e previsões cada vez mais
complexas; cada frase abre um horizonte que é confirmado, questionado ou
destruído pela frase seguinte” (EAGLETON, 2001. p.106).
Nas lendas, a linguagem discursiva revela-se dialogicamente e também é
determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se
dirige para alguém. Percebe-se que os atores sociais definem-se em relação ao
outro, em relação à coletividade, revelando-se de forma dialógica, “em duas faces,
sendo que uma dessas faces está voltada para o sujeito e a outra voltada para o
exterior dele” (BAKHTIN, 1997, p. 113). Por essa interação discursiva, o homem se
faz como um ser eminentemente social e cultural cujo viés que conduz e estabiliza a
sua memória propriamente dita, que é uma memória de recordação ou
reconhecimento, torna-o parte integrante da sua coletividade e lhe permite renovar
no presente o seu próprio passado mesmo que esse passado venha como
representações.
Nesse caso, quando a linguagem discursiva oriunda das lendas aponta para
representações sociais, torna-se vestígios pelos quais é possível encontrar a
simbologia que advém das crenças, das ideologias, dos modos de pensar as ideias
ou vivências, das formas de conhecimento, que são elaboradas, interpretadas e
partilhadas pelos atores sociais de um determinado grupo em seu contexto. Isso se
dá mediante a todo um processo que direciona o grupo à compreensão, à
interiorização, à interpretação do seu mundo transformando-o em imagens
simbólicas daquilo que é representado socialmente pelo indivíduo ou pelo próprio
grupo onde este se insere. Nesse processo, quando se busca as representações
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criadas por este ou pelo grupo em si, buscam-se por explicações, por modos de ver
e interpretar o mundo e a realidade que dà aos atores sociais as possibilidades da
evocação de acontecimentos, de registros simbólicos em um contexto social. Assim
entendido, as representações passam a serem conjuntos de valores sociais que,
quando assimilados e aceitos pelos atores sociais, ganham vida dentro do contexto
de vida em grupo, passando a ter vida própria até o momento em que a
representação simbólica permanece no grupo ou se esvanece, definhando aos
poucos, podendo até morrer ou dar lugar a novas representações.
Nascidas que são de um determinado contexto, as representações presentes
nas lendas tomam forma a partir da linguagem promovida pelo discurso da própria
interação social, daquilo que se é comum aos atores sociais de um mesmo grupo
em que as lendas circulam. Assim sendo, elas servem como registros do simbólico
dos grupos sociais onde estão e também como registros que oferecem enunciados
dispersos, mas que conduzem à compreensão do modo pelo qual o significado é
atribuído à realidade vivida pelo grupo, como se interpreta essa mesma realidade e
como modos de ver e estar no universo em que grupo e seus atores sociais estão
inseridos.
Como essas representações enunciativas estão integradas ao sistema de
vida dos grupos sociais, o que permite entender os processos de participação social
e até cultural deles, é possível pensá-las a partir da linguagem discursiva do lendário
também, já que nas lendas valores se entrecruzam nos enunciados discursivos:
valores que apontam para memórias que resultaram de sucessivas gerações e para
modos de ver o passado no tempo presente, o que faz surgir novas interpretações
sociais nos grupos pelos quais elas circulam.
Cascudo (1984, p. 16) salienta que embora os temas circulantes sejam
preservados, todavia há modificações e adaptações das lendas aos espaços em que
são contadas havendo, inclusive, adaptação às condições ambientais, fauna, flora,
costumes, mentalidade. Elas sofrem mudanças conforme o tempo e o espaço em
que circulam e, por isso, podem até influenciar o comportamento e levar mudanças
aos participantes do grupo.
Quando há essas mudanças nas lendas, mudam-se também os valores e até
seres do imaginário: um lobisomem que em um lugar representa o fado maldito de
um homem, que não maltrata ninguém e só assusta ao ser visto, em outro é
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representação ampla do mal; uma noiva fantasma em um lugar provoca mortes e em
outro, apenas sustinhos; uma casa assombrada pode ser representação de
sofrimento da alma que ali permanece vagando, ou de crueldade; e até mesmo um
pelourinho pode ser diferente – o que foi erguido em Guaratuba4
, por exemplo, ficou
como sinal de castigo aos negros “cansados” da lida. Todavia, essas mudanças não
eliminam a importância social das lendas, que devem ser vistas “como enormes
repositórios da informação cultural, abrangendo costumes, leis e propriedades
sociais, que também foram armazenados” (ALBERTI, 2005, p. 19).
Além disso, enquanto representações, ao serem partilhadas e compartilhadas
como os outros, as lendas passam a representar uma realidade comum ao grupo,
situando-se nelas um conjunto de conhecimento socialmente elaborado,
compartilhado que, além de contribuir para a construção de uma realidade comum
ao grupo como um todo, faz parte da formação dos atores sociais e dos grupos em
que eles estão inseridos. Compartilham-se, deste modo, não apenas as lendas, mas
também as verdades que provêm do imaginário e que serve de apoio a eles, seja
pelo conflito ou pela convergência social.
É deste modo que a linguagem das lendas pode conduzir às representações
sociais e ainda ser vista como registros de memórias: nelas estão elementos
“Afetivos, mentais, e sociais, integrando – ao lado da cognição, da linguagem e da
comunicação – a consideração das relações sociais que afetam as representações e
a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas têm de intervir” (JODELET,
2001, p. 26). Nota-se ainda que é a partir da linguagem, especificamente, que as
representações circulam nos discursos. Ademais, a linguagem do lendário “é mais
do que uma indicação, um gesto, um dedo apontado para alguém; em certa medida,
é o equivalente a uma descrição” (FOUCAULT, 1992, p. 42). E mesmo que a lenda
nasça de um fato, não importa mais o fato preso em si mesmo, o que vale são as
representações imbricadas na linguagem no momento da fala: falas que surgem
como recortes de memórias do grupo social, um texto fragmentado pelo tempo e
pelo espaço (e não de forma linear, esgotado pela ação do tempo cronológico) e
4
O Pelourinho, símbolo da justiça e da República, devia ser de madeira chamada maçaranduba, em
boa grossura, de quatro faces até a altura de dez palmos, e daí para cima oitavado, com quatro
argolas de ferro, quatro aspas e um cutelo no alto, muito bem feito, e que, posto em seu lugar em 30
de abril de 1771, serviria para castigar os que fugissem das normas estabelecidas. Disponível in:
http://www.guaratuba.pr.gov.br/portal/index.php/guaratuba.html. Acesso em: 29 jul. de 2015.
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nele se entrecruzam os discursos do passado e do presente; um discurso
selecionado, delimitado pela própria finitude de suas ações no tempo, em que se
encontram, “independentemente de seu titular, todas as prerrogativas da memória:
continuidade, polaridade passado-futuro” (RICOEUR, 2007, p. 129).
Assim sendo, as representações sociais presentes na linguagem das lendas
se inserem num grupo ou numa relação cotidiana de trocas, pelas quais liberam o
poder da sua imaginação (Moscovici, 1961).
Considerações
A linguagem discursiva presente nas lendas, parte da vida social dos grupos
nos quais circulam, aponta para a relação entre o eu e os outros em um mundo do
presente, ora orientando condutas e comunicações sociais, que intervêm em
processos variados da difusão e a assimilação dos conhecimentos, ora atuando no
desenvolvimento individual e coletivo, na definição das identidades dos grupos
sociais, na expressão e no modo de esses grupos verem o mundo e as
transformações sociais que deles advêm. Por isso, através da linguagem lendária,
torna-se, então, possível saber a intenção dos atores sociais que falam, de onde
falam, a atividade consciente deles, isto é, o que pretenderam dizer e o que
disseram ou dizem, ou ainda “o jogo inconsciente que emergiu involuntariamente do
que disse ou da quase imperceptível fratura de suas palavras manifestas”
(FOUCAULT, 2008, p. 30).
Enquanto ato de manifestação discursiva, as lendas falam o que os atores
sociais viram e sua narração o impele ao poder falar, mostrar a sua forma de ver as
coisas, já que esses atores, através de sua formação discursiva e ao narrar as
lendas, contam sobre si e seu grupo, recortando-o, representando-o, delimitando-o,
produzindo um manifesto de valores sociais em que estão presentes o seu modo de
ser ou, pelo menos, caracterizando sua vida e a do seu grupo. Portanto, é possível
pensar que nas lendas há registros de memória próprios dos indivíduos, grupos ou
sociedade e de representações sociais que servem para referenciar o passado deles
ao mesmo tempo em que lhes propiciam identidade social.
Além disso, a linguagem das lendas pode ser vista como registros de
memória porque pelas lendas são relacionadas também lembranças da vida de
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outrora, que os atores sociais do presente e os seus ancestrais viveram e que
servem para contextualizá-los em um espaço, mesmo que essas lendas tenham sido
criadas noutros tempos e presentificadas a partir de lembranças vagas, não
totalmente completas. É que nelas e por elas, as lendas, estão imbricadas as formas
de o grupos ver, interpretar, situar-se no tempo presente. Portanto, através da
linguagem, as lendas passam memórias e representações. E isso, porque em cada
lenda há possibilidades de retirar experiências vividas e incorporar “as coisas
narradas à experiência de seus ouvintes” (BENJAMIN, 1994, p.201). Ademais, o
discurso do lendário deste ou daquele indivíduo ou grupo social pode ser visto como
uma indicação de valores, um gesto social de interpretar a realidade do grupo no
qual elas circulam, como uma seta apontada para um texto que descreve oralmente
representações dos inúmeros objetos, pessoas, acontecimentos ou ideias do seu
próprio grupo.
Além disso, as memórias e representações provenientes das lendas levam os
indivíduos a compartilharem o imaginário que compõe o mundo do seu grupo social
com os outros, e que serve de apoio a eles, às vezes, de forma convergente, outras
pelo conflito, porém, de fato, é algo importante na vida cotidiana deles, afinal, a partir
do imaginário das lendas, eles nomeiam e definem em conjunto os diferentes
aspectos de realidade cotidiana que compartilham. E em um mundo em que velhas
representações definham e até morrem, é preciso pensar como as novas
representações podem conduzir à compreensão dos modos de ver, de interpretar,
de partilhar a realidade pelos atores sociais em seus determinados grupos.
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RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain
François et al. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
ISBN - 978-85-8209-048-0
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CINEDUCAÇÃO E PAPO E CINEMA
Nielson Ribeiro Modro
Resumo: O projeto de extensão “Cineducação: Site de Apoio Didático, para
Professores, para Utilização de Filmes em Sala de Aula” é desenvolvido desde 2003
e objetiva pesquisar filmes que possam ser utilizados com finalidade didática. As
informações sistematizadas são disponibilizadas em
http://www.modro.com.br/cinema. Atualmente há mais de 500 filmes já analisados,
oito livros publicados e dezenas de capacitações, cursos e palestras já realizadas.
Houve entre 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2014 um total de 85.054 (oitenta e
cinco mil, cinquenta e quatro) visitantes e foram feitos um total de 5.446 (cinco mil
quatrocentos e quarenta e seis) downloads dos livros disponibilizados no site. Os
livros lançados foram: Cineducação: Usando o Cinema na Sala de Aula (2005);
Cineducação 2: Usando o Cinema na Sala de Aula (2006); Cineducação em
Quadrinhos (2006); Nas Entrelinhas do Cinema (2008); O Mundo Jurídico No
Cinema (2009); Cineducação para Crianças (2012), Cinema no Ar (2013) e Papo e
Cinema (2014). O programa radiofônico Papo e Cinema tem dois anos de vida,
substituiu seu antecessor: Cinema no Ar, e é um dos frutos do projeto Cineducação.
É produzido pelos seus apresentadores, Nielson Modro e João Felipe, tendo uma
vertente mais pop que o Cinema no Ar e atingindo uma maior parcela de público. Os
filmes focados são principalmente lançamentos recentes e clássicos do cinema. O
programa semanal, parte da grade fixa das sextas-feiras da Rádio Udesc FM às
18:20 h e reprise sábados às 11:00 h, tem 30 minutos de duração, propõe
discussões acerca de um filme e prioriza sua trilha sonora. O livro lançado em 2014
foi um resgate dos primeiros 50 programas inéditos, servindo não apenas como
registro do programa, mas também como uma referência sobre os filmes
trabalhados."
Palavras-chave: Cineducação, Papo e Cinema, Rádio Udesc FM
As recentes transformações tecnológicas têm modificado o dia-a-dia das
pessoas fazendo com que desde as rotineiras tarefas simples até as mais
sofisticadas tenham a presença da evolução tecnológica, cada vez mais nítida.
Apesar disto a escola ainda é um dos poucos espaços cuja configuração
ainda mantém na sua maioria praticamente a mesma de séculos atrás: um professor
na frente de dezenas de alunos, alinhadamente sentados e ouvindo os conteúdos a
serem trabalhados. Há o uso de novas tecnologias, buscando-se uma modernização
e atualização de suas metodologias e recursos de ensino, mas a única certeza é de
que a figura do professor não será transformada em algo obsoleto. Na realidade, a
busca é pela inovação, pela inclusão de aparatos tecnológicos que possam auxiliar o
professor no seu trabalho de ensinar, tornando o processo de aprendizagem por
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parte do aluno em algo mais perto de sua realidade e consequentemente mais
agradável. A grande ressalva é que ainda se encontram professores despreparados
e em outra sintonia do que a encontrada nas novas gerações, devido não conseguir
acompanhar os interesses dos alunos e por vezes por não conseguir utilizar
adequadamente os recursos de que dispõem. Como consequência, o que se vê é
um aluno alheio às poucas tentativas que são propostas em sala de aula.
Nessa perspectiva de utilizar recursos complementares às aulas tradicionais
existe a possibilidade da utilização de filmes, desde que sejam corretamente
utilizados. Trata-se de um recurso atrativo, agradável e que, se bem empregado,
rende bons resultados quanto à aprendizagem. O aluno tem maior participação,
passa a ter um novo olhar a respeito dos recursos e ferramentas que dispõe no seu
dia-a-dia. Elementos que são aparentemente banais e sem propósito podem passar
a serem vistos de forma crítica, com a possibilidade de utilizá-los em praticamente
qualquer assunto ou disciplina. Dependendo do recorte feito, pode-se aliar ainda a
quaisquer outras disciplinas, por vezes possibilitando um trabalho interdisciplinar, de
forma complementar, focalizando temas que podem englobar os vários campos de
saber da sociedade. O fato de a imagem ser muito mais rapidamente percebida e
recebida permite que o processo de assimilação por parte do receptor possa ser
também mais rápido, mesmo porque hoje se vive numa sociedade imagética, em
que a base das informações é por meio visual, e deve-se, portanto, aproveitar o que
há de melhor nesse meio. O filme pode ser um estímulo para uma aprendizagem
mais ampla de determinado assunto, nunca seu substituto, mas sim uma referência
ficcional que leva a uma interpretação da realidade circundante. Pode-se trabalhar a
linguagem visual dos filmes explorando as possibilidades de interpretação de suas
imagens, diálogos, reconstrução de períodos históricos, as marcas enunciativas, as
relações pessoais e sociais, os possíveis valores morais, éticos, educacionais e
didáticos. Caso o professor saiba como utilizar essa linguagem a mesma torna-se
uma ferramenta poderosíssima em suas mãos, enquanto auxílio didático.
Há vários trabalhos que têm sido desenvolvidos aproveitando esta nova
ferramenta, entre elas existe desde 2003 o projeto de Extensão “Cineducação: Site
de Apoio Didático, para Professores, para Utilização de Filmes em Sala de Aula” que
busca ser uma fonte de pesquisa e auxílio principalmente a professores de ensino
de níveis fundamental e médio. Entre os fundamentos do projeto encontra-se a
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busca por difundir a ideia de que o uso de filmes em sala de aula não pode ser como
normalmente se constata, já que em muitos casos são utilizados filmes em sala de
aula com o único propósito de “preencher tempo”, “substituir o professor”, “ocupar os
alunos”, entre outras opções.
O filme tapa-buraco é utilizado quando há algum problema inesperado, como
a falta de um professor. Isto causa um problema que é a banalização do ato de
assistir ao filme, que passa a ser algo como “não ter aula”, “matar aula”, “ocupar
tempo”. Não há qualquer objetivo e, pior ainda, pode vir a se tornar algo maçante e
repetitivo.
Também há o caso em que se pode usar o filme como um substituto do
professor. Em outras palavras, o professor passa um filme apenas para ocupar o
tempo da aula. Porém deve-se atentar que, se não houver ligação com a matéria,
com o conteúdo que está sendo desenvolvido, o aluno pode perceber isso
facilmente e até pode concordar num primeiro momento, mas a médio ou longo
prazo isso poderá reverter-se de forma negativa em relação ao professor e sua
prática. Apenas passar um filme, sem discuti-lo, sem propor tarefas em relação ao
mesmo, sem questioná-lo, sem buscar novas referências, sem estabelecer relações
com conteúdos estudados em sala de aula é cair no vazio. Desnecessário dizer que
não acrescenta nada ao trabalho desenvolvido.
Há ainda casos em que o professor se vê deslumbrado com a possibilidade
de ter um recurso audiovisual poderosíssimo em suas mãos e lança mão do mesmo
a todo o momento. Esquece que ele, professor, é o principal elemento numa sala de
aula e passa a apenas utilizar os recursos de que pode dispor. Usar
exageradamente os recursos adicionais também pode ter um efeito negativo, já que
acaba por empobrecer as aulas, banalizar os recursos audiovisuais e assim diminuir
sua eficácia. O professor ainda é o principal elemento numa sala de aula e os
recursos de que pode dispor devem ser auxiliares, nunca substitutos.
Também cabe citar que ainda hoje há professores que não aceitam nenhuma
inovação. Veem defeitos em tudo e em todas as possibilidades de uso.
Especificamente no caso de filmes reclamam que um filme é maçante, que outro não
condiz com a realidade, outro é ficcional demais, outro ainda não é esteticamente
adequado, enfim, qualquer desculpa para que não tenha que utilizar este recurso.
Fica a critério de cada um decidir o que é melhor em suas aulas, porém é nítido
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também que a aceitação de um professor que procura inovar suas aulas é
inversamente proporcional em relação a um professor totalmente tradicional e que
apenas usa o método quadro, giz e cuspe.
Assim, o objetivo do projeto é fomentar a utilização de filmes em sala de aula,
mas tendo claro que se trata de um recurso auxiliar e complementar em relação às
aulas, tanto como complementação de estudos realizados como quanto à proposta
de atividades posteriores à sua apresentação. Mas em nenhuma hipótese apenas
como forma de ocupar espaços vazios.
O projeto Cineducação não é uma ideia inédita, afinal a utilização de filmes
como recurso didático já é bastante antiga. Mas a tecnologia atual facilitou muito o
trabalho de localizar e mesmo poder utilizar este recurso em sala de aula.
Em 2002 foi ofertada uma disciplina eletiva no curso de Letras da UNIVILLE:
Literatura e Cinema. A princípio tratava-se de uma disciplina optativa, oferecida aos
alunos e caso fosse fechada alguma turma seria então viabilizada. Em 2003 formou-
se uma turma e o trabalho foi principalmente voltado para a análise de aspectos de
produção cinematográfica, crítica e a ligação entre cinema e literatura, como, por
exemplo, as adaptações literárias. Um dos trabalhos desenvolvidos na parte final do
curso era a busca por filmes que pudessem ser utilizados em sala de aula com
finalidade didática, fosse para introduzir, explicitar ou complementar algum assunto
que por ventura viesse a ser trabalhado com os alunos.
A partir da dificuldade em localizar material teórico surgiu a ideia de um site
que tivesse como finalidade ofertar algumas análises de filmes. Após a aprovação
do projeto em 2003, no final de 2004 foi ao ar a primeira versão do Cineducação,
tendo então disponível a análise de 50 filmes.
Seu enfoque inicial foi quanto a conteúdos das disciplinas de literatura e
história, mas num momento imediatamente posterior o objetivo foi o de ampliar ainda
mais a gama de possibilidades didáticas, sugerindo filmes que possam ser utilizados
em aulas de variadas disciplinas, proporcionando ainda uma possibilidade de
interação entre os vários e diferentes campos de conhecimento. No site do projeto
(http://www.modro.com.br/cinema) podem ser encontradas algumas possíveis linhas
de trabalho e sugestões de como trabalhar com filmes em sala de aula.
O projeto tem alcançado resultados e números significativos desde a sua
criação. Atualmente há no site mais de 500 filmes já analisados, foram publicados
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oito livros e realizadas dezenas de capacitações, cursos e palestras buscando
fomentar as ideias do projeto. Os livros lançados foram: Cineducação: Usando o
Cinema na Sala de Aula (2005); Cineducação 2: Usando o Cinema na Sala de
Aula (2006); Cineducação em Quadrinhos (2006); Nas Entrelinhas do Cinema
(2008); O Mundo Jurídico No Cinema (2009); Cineducação para Crianças
(2012), Cinema no Ar (2013) e Papo e Cinema (2014). Deve-se destacar que os
livros têm sido bastante utilizados como fonte de pesquisa e referência sobre o
assunto. Prova disto é que houve entre 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2014 um
total de 85.054 (oitenta e cinco mil, cinquenta e quatro) visitantes e foram feitos um
total de 5.446 (cinco mil quatrocentos e quarenta e seis) downloads dos livros
disponibilizados no site.
Um dos desdobramentos do projeto é um programa radiofônico sobre cinema,
que faz parte da grade fixa da Rádio UDESC FM 91.9, rádio educativa da UDESC –
Universidade do Estado de Santa Catarina, em Joinville. Por dois anos foi
desenvolvido o Cinema no Ar, sendo substituído em 2013 pelo Papo e Cinema.
O programa radiofônico Papo e Cinema completou em 2014 dois anos, após
substituir o antecessor Cinema no Ar. O programa é produzido pelos seus
apresentadores, Nielson Modro e João Felipe, tendo uma vertente mais pop que o
Cinema no Ar e conseguindo assim atingir uma maior parcela de público.
Semanalmente o programa vai ao ar, tendo 30 minutos de duração, propondo
discussões acerca de um filme, priorizando ainda sua trilha sonora e os filmes
analisados são principalmente os lançamentos recentes e os clássicos do cinema.
Desde seu início faz parte da programação na grade fixa das sextas-feiras da Rádio
Udesc FM a partir das 18:20 h, tendo ainda uma reprise aos sábados às 11:00 h. A
cada ano são 50 programas inéditos, já que em janeiro é um período em que vai ao
ar a reprise de alguns programas apresentados durante o ano. O livro homônimo,
lançado em 2014, resgatou os primeiros 50 programas inéditos servindo não apenas
como registro do primeiro ano do programa como também uma boa referência sobre
os filmes trabalhados. Da mesma forma o livro Cinema no Ar, resgatou em 2013 os
dois anos de duração do programa antecessor.
Ainda há a possibilidade de ampliar em muito o trabalho até aqui realizado, já
que ainda há um número relativamente pequeno de trabalhos que colaboram nesse
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sentido. Mas o projeto tem buscado de forma contínua a colaborar na busca por uma
educação mais consistente e coerente com os recursos disponíveis na atualidade.
Referências:
ALMEIDA, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. 3. ed. São Paulo:
Cortez; 2004
BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema?. 2. ed. Sao Paulo, Brasiliense, 1980
COSTA, Antonio. Compreender o cinema. 3 ed. São Paulo: Globo, 2003.
MARCONDES, Beatriz; MENEZES, Gilda; TOSHIMITSU, Thaís. Como usar outras
linguagens na sala de aula. São Paulo:, Contexto, 2000.
METZ, Cristian. Linguagem e cinema. São Paulo: Perspectiva, 1971.
______. Cineducação 2: Usando o Cinema na Sala de Aula. Joinville: Univille,
2006.
______. Cineducação: Usando o Cinema na Sala de Aula. Joinville: Casamarca,
2005.
______. Cineducação em Quadrinhos. Joinville: Univille, 2006.
______. Cineducação para Crianças. Blumenau: Nova Letra, 2012.
______. Cinema no Ar. Blumenau: Nova Letra, 2013.
______. Nas Entrelinhas do Cinema. Joinville: Univille, 2008.
______. O Mundo Jurídico No Cinema. Blumenau: Nova Letra, 2009.
______. Papo e Cinema. Blumenau: Legere, 2014.
MOSCARIELLO, Angelo. Como ver um filme. Lisboa: Presença, 1971.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 2003.
SANTOS, Nelson Pereira dos. História do cinema mundial. Disponível em:
<http://www. br.geocities.com/cinescopiobr>. Acesso em 02 jul. 2013.
TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na educação, professores na atualidade.
São Paulo: Érica, 1998.
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HOJE É DIA DE CONCERTO: FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS A PARTIR DE
PARTITURAS PRODUZIDAS POR COMPOSITORES DE JOINVILLE
Pedro Romão Mickucz5
Taiza Mara Rauen Moraes6
Resumo: Estudar o legado musical de uma cidade pode parecer complexo e provido
de múltiplas abordagens e desafios. Quando se fala de um lugar povoado por
grupos étnicos de diferentes países, o desafio torna-se maior. A colonização do
norte de Santa Catarina é marcada por diferentes grupos de imigrantes europeus
que traziam com seus pertences, traços culturais e, por conseguinte suas práticas
musicais. Entretanto, sabe-se hoje que esses grupos de imigrantes dialogavam e
conflitavam entre si para legitimar suas heranças culturais. Discursos como uma
cidade germanizada ou tipicamente europeia, cai por terra, quando nos deparamos
com produções musicais que exaltam uma “brasilidade” antes mesmo do
nacionalismo de Getúlio Vargas. Busca-se assim, compreender como o campo
musical trabalhava essa diversidade cultural a partir de produções musicais em uma
Joinville do século XIX. A forma de análise torna-se estimulante no sentido de
vislumbrarmos a partir de partituras e registros musicais, o que havia soando nas
principais casas de espetáculos da antiga colônia Dona Francisca. A partir de
documentos primários disponibilizados por historiadores e registros catalogados no
Arquivo Histórico de Joinville, uma análise parcial sobre as produções musicais na
cidade pode ser observada. Os resultados parcialmente apresentados fazem parte
da pesquisa para o Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade – UNIVILLE,
intitulada “Música e Patrimônio: Entre linguagens e espaços musicais em uma
Joinville colonial”. Partindo-se do principio que o presente trabalho faz parte de um
grupo maior de pesquisa intitulada “Imbricamentos de Linguagens”, propõe-se
analisar as tensões do campo patrimonial partindo-se de produções artísticas e as
diferentes linguagens.
Palavras-chaves: Música, patrimônio cultural, história, linguagens.
5
Mestrando em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE –
Univille. Especialista em interdisciplinaridade em Práticas Pedagógicas - FURB, e licenciado em
História pela Univille.
6
Doutora em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, mestre em
Literatura pela UFSC e graduada em Letras pela Universidade do Contestado. Coordena o Comitê
Proler Joinville - Programa Institucional de Incentivo à Leitura - PROEX PROLER UNIVILLE e o
Núcleo de Pesquisa em atividades de leitura em meio eletrônico do projeto "Autores, obras e acervos
literários catarinenses em meio digital" - PRONEX FAPESC CNPq em parceria UFSC, UDESC,
UNIVILLE.
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42
Introdução
Quanto mais reflexos, menos propriedades tem um
objeto, menos ele se distingue dos demais. A
conclusão a que chegamos tem sabor de paradoxo:
quanto maior o número de reflexos, mais relações
um objeto produz e quanto mais relações,
semelhante ele se torna.
Nuno Ramos
A partir das palavras de Nuno Ramos, podemos perceber a multiplicidade que
um objeto pode refletir a partir das relações dos objetos entre si. Assim, o que
pretende-se discutir aqui são alguns fragmentos de relações sociais propiciadas
pelos dois principais teatros de Joinville – Harmonia Lyra e Theatro Nicodemus, no
início do século XX.
O presente trabalho faz parte da pesquisa “Hoje é dia de Concerto: Uma
análise do Theatro Nicodemus e da Sociedade Harmonia Lyra como espaços
fomentadores do patrimônio musical de Joinville”, viabilizada a partir de discussões
propiciadas no Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade, na Universidade da
Região de Joinville – UNIVILLE.
Na historiografia de Joinville, muito se escreve sobre os embates e os
conflitos enfrentados nas primeiras décadas de povoação na antiga Colônia Dona
Francisca. Historiadores como Coelho (2005), Guedes (2001) e Silva (2008) nos
exemplificam a partir de situações rotineiras as tensões de imigrantes, migrantes e
teuto-brasileiros que aportavam na colônia a partir de 1851.
O contexto histórico surge a partir de dois teatros que abriam espaços para a
música orquestral da cidade: Sociedade Harmonia Lyra e Theatro Nicodemus. Como
bem convida PEREIRA (2015, p. 211), “toma-se emprestado o palco como campo
que se presta também ao ensaio” para refletirmos sobre a produção musical em
Joinville.
Entendendo o conceito de patrimônio cultural e as produções musicais
Quando falamos em patrimônio, muitos têm um conceito cristalizado sobre o
que são bens patrimoniais e o que deve ser ou não preservado. Entretanto, assim
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como a sociedade, o patrimônio cultural é dinâmico e cabível de novas concepções
e interpretações sobre o conceito. Hoje
Entende-se por patrimônio cultural o conjunto de todos os bens
materiais ou imateriais que, pelo seu valor intrínseco, são
considerados de interesse e de relevância para a permanência e a
identificação da cultura da humanidade, de uma nação, de um grupo
étnico ou de um grupo social específico.
Etimologicamente, a palavra patrimônio deriva do latim e significa
herança paterna. Por decorrência, patrimônio cultural constitui uma
herança do passado com a qual os homens do presente convivem e
a qual pretendem transmitir às gerações futuras. (VOGT, 2008, p.14)
Compreendido o conceito de patrimônio cultural, partimos para análise de
produções musicais em Joinville, a partir de partituras digitalizadas por Fávero
(2013), que estão disponíveis no Arquivo Histórico de Joinville. Nesse material
podemos obter informações que extrapolam muito mais do que os acordes e as
melodias que os compositores imaginaram ao criar suas músicas. Entende-se assim
que
A música composta sobre um texto pode refleti-lo de várias
maneiras. Talvez as melhores e mais fascinantes composições
sejam aquelas em que a estrutura tonal e rítmica, a forma e o
desenho motivo criem correspondências que ressaltem aspectos do
texto: gramática e sintaxe, tipos de rima e outros padrões de som,
imagem, etc. (SCHACHTER, 1983, p. 61, apud AGAWU, 1992, p.34).
Ao nos defrontarmos com partituras de Kohlbach e Lopes, podemos articular
as leituras de música e patrimônio, no sentido de deixar para as próximas gerações,
as intencionalidades desses compositores em retratar uma Joinville do início do
século XX.
Dois compositores – Uma só paixão: A arte de musicar em Joinville
Estudar o patrimônio cultural da cidade a partir de dois espaços icônicos o
Theatro Nicodemus e a Sociedade Harmonia Lyra, lugares importantes para a
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44
música de concerto7
, serve apenas como pano de fundo para as inúmeras histórias
abrigadas dentro desses espaços.
Dentre as inúmeras memórias que se encontram nesses dois espaços, está a
produção musical de dois compositores que vieram de fora para produzir
composições e movimentar o meio cultural da cidade: Rudolfo Kohlbach (1866-1925)
e Ernani Lopes (1902-1979).
A escolha desses dois compositores se acontece por alguns motivos:
I) Um compositor é alemão e outro brasileiro;
II) As músicas escolhidas de nada reflete o local de origem dos
compositores;
III) Suas contribuições nos teatros Nicodemus e Harmonia Lyra;
Justificada então a escolha dos sujeitos, cabe aqui situar historicamente os
dois compositores:
Figura 1: Rudolfo Kohlbach (Fávero (2013, p.19))
Rudolfo Kohlbach nasceu em 1º de fevereiro de 1866, em
Münchernbensdoerf, Turíngia na Alemanha. Atuou na formação e regência de corais
7
O conceito de música de concerto é fundamentado nas discussões apresentadas por Santos (2013,
p.257), onde é estabelecido como concerto, “toda música ocidental escrita surgida, grosso modo, na
Idade Média através do cantochão”. Decorrendo de uma execução e apreciação ao vivo.
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e grupos de câmara. Em 1905 publicou o periódico “Harmonia”, um jornal mensal
com músicas de sua autoria e de outros autores. Kohlbach falece em dezembro de
1925 (FÁVERO, 2013, p.19).
Figura 2: Ernani Lopes (Fávero (2013, p. 15))
Já o músico Ernani Lopes nasceu em 26 de janeiro de 1902, em Florianópolis.
Aos 17 anos mudou-se para Joinville onde se destacou como flautista e oboísta. Sua
atuação na cidade abrangia desde festas particulares, à execuções em cinemas –
na época dos cinemas mudo – como o Cine Palácio (Theatro Nicodemus) e o Cine
Rex. Além disso foi presidente da Sociedade Harmonia (1942 à 1945). Lopes falece
em 1979.
Análise além da fonte material: Partituras que falam muito mais que seus
instrumentos
Ao selecionarmos partituras como fontes de um contexto histórico da cidade,
propõe-se deixar a análise linguística e gráfica (partituras), de lado, para analisar os
sujeitos (compositores) inseridos nos espaços ao qual representavam – Nicodemus
e Harmonia Lyra.
Quando optamos por apresentar as partituras “Lembranças” e “Eu não
Disse?”, a escolha não acontece ao acaso. Mas essas canções estão repletas de
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representatividades, assim como as representações aos quais seus criadores
trouxeram ao melodiar canções com uma certa nostalgia de um “tempo de
simplicidade”. Nesse sentido Piedade (2005) nos conceitua a “época de ouro” da
música brasileira
... onde reinam os maneirismos das antigas valsas e serestas
brasileiras, impera a nostalgia de um tempo de simplicidade e lirismo,
de ruralidade e frescura. Um pouco do mundo lusitano está presente
aqui, com evocações do fado e na singeleza das modinhas. Como
que mito, manifesta-se aqui um Brasil profundo do passado através
de volteios e floreios melódicos (vários tipos de apojaturas e
grupetos), padrões rítmicos (maxixado, polka estilo “banda”) e certos
padrões motívicos (escala cromática descendente atingindo a terça
do acorde em tempo forte) que estão fortemente presentes no mundo
do choro e em vários outros repertórios de música brasileira, tanto na
camada superficial quanto em estruturas mais profundas. (PIEDADE,
2005, p.6-7)
É nesse contexto, por exemplo, que Kohlbach compõe em 1905 a música
“Lembranças”, num estilo musical classificado como “mazurca”, que evoca a cultura
europeia, com a qual Kohlbach se identificava. Se lembrarmos qual teatro ele
chegou a trabalhar (Harmonia Lyra), muito se explica sua intenção em invocar um
estilo musical polonês (SOUZA, 2010, p.364), que se inspirava em canções como as
de Liszt e Chopin.
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Figura 3 e 4: Partituras “Lembranças” (Fávero (2013, p.109-110))
Se olharmos o lugar ao qual Kohlbach pertencia, a lógica em produzir
composição de uma cultura que está distante da brasileira é compreensível se
entendermos a Sociedade Harmonia Lyra como um teatro que abrigava e
patrocinava músicos e artistas que se inspiravam numa cultura “europeia” como a de
seus “antepassados”. Nesse sentido, era um lugar que priorizava a fomentação da
cultura de um grupo seleto.
A Sociedade Hamonia-Lyra nasceu em 31 de maio de 1858,
data da fundação Harmonie-Gesellshaft (Sociedade Harmonia),
que se fundiu com a Sociedade Musical Lyra (Musikverein
Lyra), a 28 de outubro de 1921, para dar a conformação
societária que perdura até os dias de hoje...
Famílias pagavam Rs. 1.000 (mil réis) para serem sócias,
solteiros Rs.500; o saldo final foi de Rs. 21.500 e, com isso, a
Sociedade se constituiu. Aos poucos, mais famílias e jovens se
associavam, após serem aceitos por exame. (MACHADO,
2010, p. 12-13)
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Em contrapartida a esse tipo de produção, vemos composições como as de
Ernani Lopes. Na composição “Eu não Disse?” de 1919, o músico procura utilizar da
polka como recurso de musicar para um público maior em Joinville.
Figura 5 e 6: Partituras “Eu Não Disse?” (Fávero (2013, p.86-87))
A polca vinha sendo difundida desde meados do século XIX. Embora também
seja um estilo musical europeu, surgido na República Tcheca, a música aliada à
dança, teve grande aceitação no Brasil, com a “brasileirização” desses estilos como
no choro, e na dança o maxixe.
Ernani Lopes - brasileiro, se rendia assim aos ritmos daquele momento, do
início do século XIX. Se novamente olharmos o espaço ao qual ele se apresentava
(Theatro Nicodemos), entendemos os estilos mais populares, e não tão
europeizantes como o estilo de Kohlbach.
Entretanto, pode-se perguntar: Ernani Lopes também não tocou na Sociedade
Harmonia Lyra? Nomeado até mesmo presidente da Sociedade?
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Quando utilizamos do contexto histórico para entendermos as histórias dos
sujeitos, conseguimos vislumbrar exatamente o que acontecia no repertório musical
de Lopes, e na sua carreira profissional de igual forma.
O músico foi nomeado presidente da Sociedade Harmonia Lyra entre os anos
de 1942 à 1945, período esse em que estava implantado o Nacionalismo de Getúlio
Vargas. Joinville nesse sentido teve que adaptar alguns dos costumes e lideranças
tipicamente “germânicas” para se enquadrar na política de Vargas. Os presidentes
da Sociedade que até então eram nomeados pelos próprios membros, precisavam
de um representante brasileiro. Qual músico de expressivo trabalho cultural na
cidade, para dar uma cara de “brasilidade” no Harmonia Lyra? Isso mesmo, Ernani
Lopes.
Sob a tensão do regime de Vargas lemos
A exemplo de outras agremiações culturais a Harmonia-Lyra
também corria o risco de ter as portas cerradas, mesmo com
todo o seu portentoso patrimônio físico, cultural social e
histórico. Mas uma manobra interna evitou tal desfecho, sendo
nomeada uma nova diretoria forma em sua maioria por luso-
brasileiros, tendo como presidente o músico Ernani Lopes, um
dos integrantes da orquestra, que ficou no cargo até 1945. ”Era
uma pessoa excelente, isso salvou a Lyra”, afirma Adhemar
Trinks. A filha de Ernani, Odete Lopes Guimarães, confirma
que o pai resolveu assumir a presidência em uma reunião onde
se discutia o fechamento da sociedade: “Era o único espaço
cultural da cidade, ainda em atividade e, para mantê-lo,
sobrenomes brasileiros assumiram a diretoria” afirma ela.
(MACHADO, 2010, p.74)
Na década de 1940 o Theatro Nicodemos já não mais existia enquanto palco
para os músicos da cidade. Segundo Guedes
Em 1925, com a decretação de falência de Francisco
Nicodemus (sic), o prédio do teatro de 11.675 m² de área
construída e o respectivo terreno, avaliados em Rs
133.000$000 (cento e trinta e três contos de réis), foram
comprados por Alberto Van Biene. Em 1933, com a morte de
Alberto Van Biene, o imóvel passou a pertencer a sua viúva,
Dora Van Biene, e posteriormente a seus filhos Maurice,
Mathilde e Hanna. Por volta de 1965, Maurice Martinho Van
Biene construiu um prédio de pequenas lojas, anexo ao Cine
Palácio, as quais foram vendidas a diferentes pessoas. Isso
iniciava um processo de diversificação do edifício, que passava
a perder seu objetivo. (GUEDES, 2003, p. 37)
ISBN - 978-85-8209-048-0
50
Em 1939, o Nicodemus havia se transformado em Palace Theatro, onde
exibia filmes assim como o Cine Rex. No período Getulista, e pós II Guerra Mundial,
as sessões de cinema eram voltadas para empresas americanas, substituindo por
completo, qualquer apresentação de origem alemã (GUEDES, 2003, p. 40). As
apresentações musicais estavam agora restritas, onde alguns músicos ainda
tocavam nas sessões de cinema mudo, mas não no antigo palco que fora construído
em 1917.
Considerações finais
Procurou-se articular a partir de algumas reflexões sobre canções que podem
ser contextualizadas historicamente. Muito mais do que analisar os acordes, busca-
se honrar com o conceito de patrimônio cultural – na medida em que se propõe a
deixar para as próximas gerações, percepções de um tempo que não nos pertence
(uma Joinville do século XX), mas que pode ser relembrada a partir das
subjetividades de músicas compostas por contemporâneos daquele período - como
Rudolfo Kohlbach e Ernani Lopes.
O exercício realizado nesse artigo estava centrado na leitura de partituras.
Mas não uma leitura que envolvesse a métrica das músicas, mas o contexto em que
elas foram produzidas. Sobre essa múltipla abordagem na leitura, podemos
perceber que
Ler é uma operação de identificação e memorização sígnica,
que antecede a estruturação e a interpretação e envolve
variáveis cognitivas/afetivas. Os conhecimentos prévios do
leitor são ativados no ato de ler para que haja compreensão
textual. Os textos interpelam o leitor de forma explicita ou
implícita para que ele assuma ou não a argumentação
desenvolvida, fazendo com que ele interaja de modo simbólico
com o contexto cultural. O leitor não circula no espaço do autor
estabelecendo uma relação assimétrica construída pela e na
estrutura do texto, mas no jogo textual, que é gerador de
referencial linguístico e estético. A escrita, como uma ação
para pensar o mundo, provoca no leitor novas percepções
sobre ele que ampliam seu imaginário. (MORAES, 2010, p.131)
Que essas leituras provocadas sobre o patrimônio musical de Joinville,
possam servir como um estímulo para novas interpretações e novas pesquisas
ISBN - 978-85-8209-048-0
51
nesse campo que ainda merece estudo. Partituras e biografias de músicos estão em
inúmeras prateleiras da história, esperando novos “leitores” que interpretem o texto,
muito além do que os compositores imaginaram ao criar. Fazendo assim, novos
“concertos” ecoarem na sociedade, e não mais em lugares restritos como outrora
fora!
Referências:
AGAWU, Kofi. Theory and Practice in the Analysis of the Nineteenth-Century Lied.
In: Music Analysis v.11, n.1, pp. 3-36. Blackwell Publishing, 1992. Dispinivel em:
<http://www.jstor.org/stable/854301>
ALBUQUERQUE, Umbelino Peregrino de. Patrimônio Cultural: Uma construção da
cidadania. In: TOLENTINO, Átila Bezerra (Org.). Educação patrimonial: reflexões e
práticas. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2012. p. 4-5.
FÁVERO, Claudenor; BERNARDES, Raimundo (orgs.). Nossos compositores
pioneiros: antologia joinvillense: coleção de 40 peças para piano de autores de
Joinville. Blumenanu, SC: Nova Letra, 2013.
GUEDES, Sandra P. L. de Camargo. Cine Palácio: Fragmentos da história do
cinema em Joinville – curso de História/2001. Joinville: Univille, 2003.
LLERENA, Rosenete Marlene Eberhardt. A memória do patrimônio musical de
Joinville: uma abordagem sócio-histórica e cultural. Joinville, 2014.
MACHADO, Edson Bush. (Org,) Harmonia-Lyra: palco das musas, desde 1858. São
Francisco do Sul, SC: PapelMaça Ed., 2010.
MORAES, Taiza Mara Rauen, Literatura pós-moderna: espaço de hibridismo formal.
In: LAMAS, Nadja de C; MORAES, Taiza M. R. (orgs.). (Pro)Posições Culturais.
Joinville: Ed. Univille, 2010, p.125-138.
PEREIRA, Sandra. Um olhar memorialístico sobre o teatro joinvilense produzido no
período 1900 a 1950. IN: Anais do II Encontro Internacional Interdisciplinar em
Patrimônio Cultural – ENIPAC e do III Workshop Catarinense de Indicação
Geográfica. Joinville, SC: UNIVILLE,2015. p. 210-229.
PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo. Música popular, expressão e sentido:
comentários sobre as tópicas na análise da música brasileira. DAPesquisa, v. 1, p. 3,
2005.
SANTOS, Jorge Luiz de Lima. Considerações sobre a Sala de Concerto na
Atualidade. Revista Música Hodie, Goiânia, v.13 – n.1, 2013, p.257-265.
ISBN - 978-85-8209-048-0
52
SOUZA, Willian Fernandes de. Chopin, Liszt e Lange As Mazurkas Brillantes.
Revista do Centro de Artes da UDESC. Florianópolis, n. 7, p.363-377, ago. 2009 a
jul. 2010
VOGT, Olgário Paulo. Patrimônio cultural: um conceito em construção. Métis:
História & Cultura. Caxias do Sul, v.7, n.13, p.13-41, jan./jun.2008.
ISBN - 978-85-8209-048-0
53
LIMA BARRETO – O RETRATISTA DE ALMAS DO RIO DE JANEIRO
Agostinho Stringhini1
Resumo: O objetivo deste ensaio foi mostrar como o escritor e jornalista Lima
Barreto registrou o processo de reurbanização e modernização da cidade do Rio de
Janeiro, ocorridos na primeira década do século XX. Do ponto de vista do lugar
social e literário ele foi um agudo observador da cidade e sua contradição nesse
momento histórico. Nesse sentido, elevou-se a ideia de que o Rio de Janeiro
consistia em síntese da realidade social brasileira, de modo que as reflexões da obra
barretiana permitiram pensar, sobretudo, a condição do país. Secundariamente
foram apresentadas as relações deste escritor fluminense e os suburbanos: como o
cotidiano foi traçado em linhas afetivas no decorrer de suas obras. A metodologia
para a realização deste trabalho foi a Pesquisa Bibliográfica. A partir de uma leitura
apurada e reflexiva de “Triste fim de Policarpo Quaresma” e mediante as
perspectivas de diversos autores, as bases teóricas deste ensaio foram sendo
construídas. Levando-se em consideração esses diversos olhares, pode-se concluir
que era a percepção de Lima Barreto que conduzia sua escrita, sua produção, o
autor não escreve sobre a realidade propriamente dita, mas sobre as múltiplas
possibilidades e sobre o que poderia vir a ser real em seus espaços de
representação.
Palavras-chave: Lima Barreto, Rio de Janeiro, suburbanos.
Introdução
Lima Barreto apresentou uma forma inusitada de escrita e dispôs em algumas
de suas obras uma maneira de “educar” os leitores para a observação das várias
cidades existentes na cidade do Rio de Janeiro. Isso é possível de ser percebido
durante os passeios dos personagens pela cidade carioca, além de,
concomitantemente trazerem reflexões sobre determinados locais e assuntos.
Assim, a escrita de Lima Barreto vai além da transmissão de um mero saber estrito,
pois se articula com a cultura cotidiana, como Morin discorre: “A missão de educar é
transmitir não o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa
condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar
aberto e livre” (MORIN, 2000, p. 8).
A educação é uma parte integrante das nossas vidas, uma instancia que
forma seres humanos, seja no âmbito de uma instituição escolar, familiar ou
religiosa. Nessa ótica, a educação assume uma função integral, pois atua no
desenvolvimento pessoal, interfere na maneira que vivemos, amamos, pensamos,
ISBN - 978-85-8209-048-0
54
etc. Entretanto, ao levarmos em consideração estas proposições poderemos ampliá-
la se considerarmos que o objetivo de educar não é o de transmitir apenas
conhecimentos sempre mais numerosos ao educando, ao invés disso, deve-se “criar
nele um estado interior e profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o
oriente em um sentido definido”, não apenas durante uma fase no seu
desenvolvimento, “mas por toda a vida”. (DURKHEIM,1890, p.38). Deste modo
podemos observar nas obras desse retratista de almas a maneira de viver, através
de seus personagens, a parte poética e assumir a parte prosaica da vida.
Lima Barreto: um breve histórico
Afonso Henriques de Lima Barreto foi um jornalista e escritor, que nasceu em
1881 no Rio de Janeiro. Era filho de João Henriques de Lima Barreto (mulato
nascido liberto) e de Amália Augusta Barreto (filha de escrava liberta da família
Pereira de Carvalho). Seu pai foi tipógrafo talentoso. Aprendeu a profissão no
Imperial Instituto Artístico, que imprimia o famoso periódico “A semana ilustrada”.
Sua mãe foi educada com esmero, tendo obtido diploma de professora, porém, ela
morreu cedo, e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do
casal, como tipógrafo e como paginador no jornal “Tribuna Liberal”. João Henriques
era monarquista, ligado ao Visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor.
Lima Barreto, negro e, portanto vítima do racismo num Brasil que mal acabara
de abolir oficialmente a escravatura teve oportunidade de boa instrução escolar.
Seus primeiros estudos foram realizados na cidade de Niterói. Logo depois se
transferiu para a única instituição pública de ensino secundário da época, o
conceituado Colégio Pedro II, no centro do Rio de Janeiro, cujos estudantes eram
oriundos basicamente da elite econômica. No ano de 1897, aluno acima da média,
foi admitido no curso de engenharia da Escola Politécnica, no Largo de São
Francisco, porém foi obrigado a abandoná-lo em 1902 para assumir o sustento dos
irmãos, já que seu pai enlouquecera. Data dessa época, sua entrada no serviço
público, exercendo a função de amanuense na Secretaria da Guerra. O cargo,
somado às muitas colaborações em diversos órgãos da imprensa escrita, garantia-
lhe algum sustento financeiro. Contudo, isso não o impediu de se dedicar também a
sua grande paixão: a literatura (BARBOSA, 1975, p. 117-120).
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Anais 6º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura

  • 2. ISBN - 978-85-8209-048-0 2 Anais Organizadores: Taiza Mara Rauen Moraes Realização Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE Programa Institucional de Incentivo à Leitura – PROLER UNIVILLE Reitora Sandra Aparecida Furlan Vice-Reitor Alexandre Cidral Pró-Reitora de Ensino Sirlei de Souza Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação Denise Abatti Kasper Silva Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Claiton Emilio do Amaral Pró-Reitor de Administração Cleiton Vaz Joinville, 2015
  • 3. ISBN - 978-85-8209-048-0 3 Comitê PROLER Joinville Alcione Pauli Bento de Oliveira Borges Eliana Aparecida de Quadra Corrêa Guilherme Gassenferth Luciane Piai Marilene Gerent Milton Maciel Rita de Cássia Alves Barraca Gomes Sandra Checruski Souza Taiza Mara Rauen Moraes Valéria Alves Comissão Científica Adair de Aguiar Neitzel (UNIVALI-SC) Eliane Santana Dias Debus (UFSC-SC) Ilanil Coelho (UNIVILLE-SC) Roselete F. de A. Souza (UDESC-SC) Taiza Mara Rauen Moraes (PROLER UNIVILLE-SC) Diagramação João Marcos da Silva Revisão Felipe João Dutra (PROLER) Jade Grosskopf (PROLER) João Marcos da Silva (PROLER) Campus Joinville - Rua Paulo Malschitzki, nº 10 Campus Universitário - Zona Industrial Joinville SC - CEP: 89219-710 Fone: (47) 3461-9000 | Fax: (47) 3473-0131
  • 5. ISBN - 978-85-8209-048-0 5 APRESENTAÇÃO Comitê Interinstitucional, PROLER - Joinville, sediado na UNIVILLE e integrado por instituições públicas e privadas, Secretaria Municipal de Educação, UNIMED - Joinville, Gerência Educação - GERED- Joinville, Fundação Cultural de Joinville; à Biblioteca Pública Municipal Rolf Colin; Colégio UNIVILLE, Programa Institucional de Literatura Infantil Juvenil - PROLIJ, Confraria dos Escritores Joinvilenses, comungam a crença difundida por Daniel Pennac (1995) de que “o verbo ler não aceita imperativo. [...] a toda leitura preside o prazer de ler” e que “se, em vez de exigir a leitura, o professor decidisse de repente partilhar sua própria felicidade de ler?” Portanto, ecoando a voz de Daniel Pennac, a edição de 21 anos do Encontro do PROLER Joinville - A leitura como patrimônio Humano e 6º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura, foi articulada com seis mini-cursos, palestra da escritora Cléo Busatto, lançamento dos livros Contar histórias: uns passarão e outros passarinhos, organizado por Taiza M. Rauen Moraes, Fábio H. N. Medeiros e Maurício Biscaia Veiga e mesa redonda com os organizadores, e do livro Cidade da Chuva, de Humberto Soares com apresentação cultural, mini maratona de Contação de História e a projeção do filme A menina que roubava livros – Projeto Salve o Cinema, buscando partilhar a felicidade de ler. O tema, A leitura como patrimônio Humano, foi escolhido por avaliarmos que a prática da leitura potencializa as três matrizes da linguagem: visual, sonora e verbal para disseminar valores construídos sobre a humanidade. A palestra da escritora curitibana Cléo Busatto, denominada Um olhar transdisciplinar para a arte de contar histórias, teve como foco a abordagem transdisciplinar na arte de contar histórias, considerando que esta prática milenar reconhece e abraça os diferentes níveis de realidade, que se abrem para diferentes níveis de percepção. A minimaratona propôs um espaço de troca de experiências, momento em que foi apresentado o projeto Era uma vez... O faz de conta que encanta, do Centro de Educação Infantil Bem Me Quer da Rede Municipal de Joinville, turma: berçário II, diretora: Maria Helena da Rosa Dame, auxiliar de direção: Janete Libardo, coordenadora pedagógica: Geuza Torres Livramento, professora: Cheila Maria de Souza Baumert, auxiliar de educador: Rosangela de Medeiros Rank e Roseni Ferrari Tino. O Projeto com os bebês do berçário II, objetiva constituir um espaço leitor para o início da vida, na primeira infância, onde o ler, o acesso aos livros, o contato são práticas primordiais e permanentes
  • 6. ISBN - 978-85-8209-048-0 6 com os bebês de 11 meses a 24 meses. Criar momentos para que as crianças envolvidas adquiram o gosto e o hábito de ler a partir de vivências nos primeiros anos de vida. O 6º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura se constituiu como um espaço de difusão da pesquisa por intermédio de comunicações orais de cunho teórico-metodológico de pesquisadores e instituições que contemplem os estudos de linguagens, leitura e cultura. Contou com a participação de pesquisadores de Joinville e de Santa Catarina, que realizaram comunicações de pesquisas. O evento teve como público alvo: professores de Letras, Pedagogia e Artes, professores atuantes nas redes pública e privada, bibliotecários, agentes de leitura / culturais e acadêmicos de Letras/Pedagogia, pesquisadores de universidades próximas, e atingiu um público regional: Joinville, São Francisco do Sul, Itapoá, Balneário de Barra do Sul, Balneário de Barra Velha, Balneário de Piçarras, São João de Itaperiú, São Bento do Sul, Jaraguá do Sul, Guaramirim, Garuva, Araquari, Blumenau e Florianópolis.
  • 7. ISBN - 978-85-8209-048-0 7 6º SEMINÁRIO DE PESQUISA EM LINGUAGENS, LEITURA E CULTURA ÍNDICE A FOTOGRAFIA EM SEU AVESSO: UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE UMA PRODUÇÃO POÉTICA...............................................................................................7 A LINGUAGEM DAS LENDAS: REGISTROS DE MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS................................................................................22 CINEDUCAÇÃO E PAPO E CINEMA ......................................................................35 HOJE É DIA DE CONCERTO: FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS A PARTIR DE PARTITURAS PRODUZIDAS POR COMPOSITORES DE JOINVILLE ..................41 LIMA BARRETO – O RETRATISTA DE ALMAS DO RIO DE JANEIRO ................53 MÚSICA UNDERGROUND: PATRIMÔNIO, MÚSICA E LIBERDADE ....................69 NAS FRESTAS DA CASA LAR: DELEITES E ANGÚSTIAS NAS ESPREITAS DA LEITURA...................................................................................................................82 PELAS LENTES DO PINCE-NEZ: OS OLHOS E O OLHAR EM “TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA” .....................................................................................87 VÉSPERAS TECENDO UMA TEIA LITERÁRIA, DE ADRIANA LUNARDI ..........101 VESTÍGIOS PROFANOS: UMA LEITURA POÉTICA DAS DISSONÂNCIAS DE UMA CIDADE .........................................................................................................114 RESUMOS ..............................................................................................................129 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS EM "TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA" ..................129 CONTAR E ENCANTAR... OS PEQUENOS NARRADORES DO CA-UFSC ......130 LETRAMENTO DIGITAL ENTRE BOLSISTAS DO PIBID DE LETRAS: UM ESTUDO DIRECIONADO....................................................................................131 REPRESENTAÇÕES DA VELHICE EM ALGUNS ESCRITOS POÉTICOS........132 UM MUSEU, MÚLTIPLAS REPRESENTAÇÕES: A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O MUSEU NACIONAL DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO..................133 UMA RETROSPECTIVA APÓS UMA DÉCADA: ESPAÇO LITERÁRIO - CONTANDO HISTÓRIAS, FORMANDO LEITORES...........................................134 A FOTOGRAFIA EM SEU AVESSO: UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE UMA PRODUÇÃO POÉTICA
  • 8. ISBN - 978-85-8209-048-0 8 Fábio Salun1 Resumo: O presente trabalho é uma tentativa de refletir teoricamente sobre conceitos e problemas que aparecem em minha produção artística e os caminhos aos quais ela parece apontar, mais especificamente do deslocamento que ela faz dentro do campo da fotografia, distorcendo a realidade a partir de elementos específicos dessa linguagem. Para Dubois a fotografia é um fragmento de mundo, é a captação de uma determinada quantidade de luz por meio de um recorte do espaço e do tempo. Contudo, e apesar dessa sua ligação indiciária com o real, a linguagem fotográfica se faz mais no campo da encenação. Seja pelas várias possibilidades de produção diante da câmera ou mesmo pelos seus aspectos técnicos como recorte e a composição, a fotografia não registra a realidade de uma maneira neutra, mas a recria a partir das escolhas feitas pelo fotografo. A fotografia é assim, um lance, uma jogada questão essa que não é específica do campo da fotografia, mas característica do campo da arte, a lógica do ato proposta por Duchamp eleva o simples objeto cotidiano a forma de arte e passa o trabalho do artista ao campo da reflexão intelectual. O ponto que pretendo refletir nesse trabalho é que, a relação que minha poética estabelece com a fotografia, deslocando-a do campo fotográfico refletindo sobre as possiblidades que ela apresenta de distorce e a problematizar imagens. Palavras-Chave: fotografia; poética; arte contemporânea; distorção de imagens. Nesse trabalho, me proponho a fazer uma reflexão sobre minha produção artística. Meu objetivo é levantar alguns problemas e conceitos que ela apresenta e tentar refletir teoricamente sobre eles. O ponto que me chama a atenção e que vai basear toda essa reflexão é o deslocamento que ela faz dentro do campo da fotografia, utilizando elementos e processos típicos dessa linguagem para distorcer a realidade. O problema da realidade é frequente dentro das reflexões sobre fotografia, isso acontece porque é parte integrante de seu processo extrair uma imagem por meio da captação de uma determinada quantidade de luz do espaço real, é desse ponto fundamental que parte a doutrina do “isso foi” de Roland Barthes: O noema da fotografia é simples, banal; nenhuma profundidade: “isso foi”... A fotografia é uma evidencia intensificada, carregada, como se caricaturasse, não a figura do que ela representa (é exatamente o contrário), mas sua própria existência. A imagem, diz a fenomenologia, é um nada de objeto. Ora, na fotografia, o que coloco não é somente a ausência do objeto; é também, de um mesmo 1 Artista plástico, pesquisador e mestrando em teoria e história da arte pela UDESC.
  • 9. ISBN - 978-85-8209-048-0 9 movimento, no mesmo nível, que esse objeto realmente existiu e que ele esteve onde eu o vejo. (BARTHES, 1984 p. 168) A fotografia envolve um processo de construção mecânico, é uma imagem criada de forma automática, o que ela exige da ação humana não é a perícia na feitura de traços e linhas, mas apenas a atitude de apertar um botão. Conquanto essa simples atitude possa parecer inofensiva, essa captação do real não se dá de uma maneira neutra e isenta de sentido, veremos que a imagem fotográfica reside mais no campo do ato, do jogo do que da representação fiel da realidade: Com a fotografia, não nos é mais possível pensar a imagem fora do ato que a faz ser. A foto não é apenas uma imagem [...], é também, em primeiro lugar, um verdadeiro ato-icônico, uma imagem se quisermos, mas em trabalho, algo que não se pode conceber fora de suas circunstâncias. (DUBOIS. 1993. p. 15) Na fotografia as lentes, o ISO, abertura de diafragma, tempo de exposição, tudo isso interfere na imagem registrada cabendo ao fotografo articular esses elementos de acordo com sua intenção, isso sem falar nas várias possibilidades de encenação que podem ser feitas diante das câmeras tais como poses, cenários, figurinos entre outros. François Soulage (2010), por exemplo, ao indagar sobre a relação da imagem fotográfica com o objeto fotografado propõe que pensemos o “isso foi” de Rolland Barthes como um “isso foi encenado”. Contudo, o fato é que a característica de registrar os raios luminosos dos objetos em um papel sensível trouxe à fotografia a complexidade de ter de lidar com a visibilidade do mundo real. Ao longo de sua história os discursos foram muitos, primeiro opôs-se arte e técnica, retirando da ação do fotografo toda a potência sensível que permeava a mão do artista, depois o mundo das artes a incorporou, e seus artifícios foram experimentados nas mais diversas expressões, hoje ela é ato, suporte, documento, experimento e seu uso se dilui nas mais variadas manifestações. Porém, sua ligação com o real é, ainda hoje, o sentido de seu uso. Seja na manipulação de seus dados para criar cenas fictícias, na documentação das produções conceituais, ou mesmo no seu uso como suporte de outras matérias, técnicas e conceitos, ela sempre estará envolvida com o homem por sua relação física com o mundo real, não como registro, não como imitação, mas, sobretudo como um traço, um índice, um sinal:
  • 10. ISBN - 978-85-8209-048-0 10 O ponto de partida é portanto a natureza técnica do processo fotográfico, o principio elementar da impressão luminosa regida pelas leias da física e da química. Em primeiro lugar o traço, a marca, o deposito. Em termos tipológicos, isso significa que a fotografia aparenta-se com a categoria de “signos” em que encontramos igualmente a fumaça (indicio de fogo), a sombra (indicio de uma presença), a cicatriz (marca de um ferimento), a ruina (traço do que havia ali), o sintoma (de uma doença), a marca de passos etc. (DUBOIS. 2005. p. 50) A série paisagens marítimas de Hiroshi Sugimoto (figura 1) me parece ilustrar bem essa relação. Sugimoto é uma artista japonês que mora e atua nos Estados Unidos. Estudou Política, Sociologia, Arquitetura e Zen Budismo, e sua série de paisagens marítimas nasce de uma comparação que o artista faz dos horizontes terrestres (em constante transformação), e o horizonte dos oceanos (que permanecem sempre os mesmos), essa percepção levou o fotografo a registras os limites dos mares e oceanos e ao redor do mundo. A figura do céu e do mar aparecem presentes, contudo são escondidas por meio do enquadramento e composição do fotógrafo, o contraste entre os elementos nos remetem mais a uma imagem abstrata do que ao registro de uma cena de mundo, pode-se também perceber toda uma influência do zen budismo na exata centralização da linha do horizonte, os objetos não possuem valores diferentes, se igualam e se equivalem remetendo, de certa forma, ao equilíbrio de forças colocada no símbolo do Ying- Yang.
  • 11. ISBN - 978-85-8209-048-0 11 Fig 01 - Hiroshi Sugimoto, Yellow Sea, Cheju, 1992 A fotografia faz, portanto, emergir uma lógica que se expressa no ato, na experiência, na situação, mas seria essa lógica exclusiva da linguagem fotográfica? não seria também essa lógica que vai fundamentar toda a produção de arte atual? Se Duchamp é a referencia principal para a produção contemporânea não é justamente pelo fato de ele ter abandonado toda a relação com a arte da retina em proveito de uma concepção de arte baseada também na lógica do ato, da experiência, do sujeito, da situação, da implicação referencial? A arte de Duchamp e a fotografia tem em comum funcionarem em seu principio constitutivo, não tanto como uma imagem mimética, mas uma simples impressão de uma presença, uma marca, um sinal, um traço físico de um estar ai, uma impressão que não encontra seu sentido em si mesma mas antes da relação existencial que a une ou que a provocou. (op. cit. p. 254). Nas mãos de Duchamp, o objeto não busca aparecer, também não é traço físico de um objeto exterior, mas é ele próprio tornado obra “por um ato de decisão artística, por simples operação de seleção, de levantamento no interior do contínuo do real e de inscrição no universo da arte.” (DUBOIS. 1993. p. 257) É o que nos mostra trabalhos que decorrem desse pensamento como o de Joseph Kosuth, por exemplo, em “uma e três cadeiras” (Figura 2), o artista apresenta uma cadeira real, a imagem de uma cadeira e sua definição no dicionário trazendo a tona uma reflexão sobre significante e significado, mas mais do que isso a proposta de um ato, de uma ação, de um fazer que resignifica e recontextualiza os objetos apresentados.
  • 12. ISBN - 978-85-8209-048-0 12 Fig 02 - Joseph Kosuth, Uma e três cadeiras, 1965 Se até agora me detive nas reflexões sobre a fotografia e aonde ela se situa no mundo contemporâneo, pretendo agora partir para minha própria produção fotográfica, que também é traço e apontamento, mas que, a partir disso, se propõe a brincar e distorcer seu espaço referencial, não utilizando técnicas de edição laboratoriais ou digitais, mas por meio de singularidades e especificidades características da própria linguagem. O primeiro momento de minha produção parece se caracterizar por uma coleta de “imagens problema”, o que me chamava a atenção e que me motivava fotografar não eram as belas cenas do cotidiano ou a montagem e encenação, mas sobretudo aonde as imagens apareciam problemáticas. O trabalho “sem título” (Figura 03),traz a imagem de uma série de balaústres, contudo o sentido do objeto em sí parece descartável diante da importância do desenho criado pela sua forma e sua repetição que são valorizadas por meio do enquadramento e do ponto de vista utilizados.
  • 13. ISBN - 978-85-8209-048-0 13 Fig 03 - Fábio Salun, sem título, 2002 O mesmo podemos perceber de outro trabalho, uma tríptico (Figura 4) que traz uma imagem do sol e das nuvens, contudo esses elementos não são vistos a um “modo comum”, topológico, costumeiro, mas por meio de seu reflexo nas aguas de um rio. A reflexão da imagem no rio não passa pura e despercebida, se mistura aos efeitos visuais do céu e acaba por aquarelar a imagem trazendo uma cena não comum de ser observada. Fig 04 - Fábio Salun, sem título, 2003 Uma ultima imagem da qual eu gostaria de refletir aqui é uma imagem produzida nas paredes de um hotel em Joinville (Figura 5), todo o hotel é repleto de vidros convexos e esse volume acabava por desconstruir a imagem refletida nele, além disso, o dia bem iluminado fazia com que a imagem da persiana na parte de traz se misturasse com a composição, assim reflexos, sobreposições, texturas se tornaram o objeto de meu olhar.
  • 14. ISBN - 978-85-8209-048-0 14 Fig 05 - Fábio Salun, sem título, 2003 Por volta de 2005, começo a perceber que estas imagens envolviam um discurso do olhar, os reflexos no rio, por exemplo, fala de um olho que vê por meio de outra coisa, a fotografia dos balaústres é outro exemplo, questiona como se vê aquilo de um determinado ponto de vista. Esse aprofundamento também não acontece gratuitamente, em 2004 iniciei a graduação em artes visuais e pude começar a conhecer um pouco mais sobre o universo que eu estava me propondo a ingressar. Nesse momento pude reparar que as reflexões do olhar se encontravam principalmente nas linhas que envolviam a arte construtiva e abstrata. O que me parece é que passei a entender os objetos do mundo como elementos de composição e o uso da forma como possibilidade de estudo visual. O trabalho também “sem título” (Figura 6) apresentado na exposição “Abstrações- um reflexo plástico do comportamento humano ante o mundo” ilustra bem algumas dessas relações. A imagem é na verdade um pedaço do painel do carro Picasso, na parte em que se encontra o computador de bordo, a textura do painel com a concavidade da área do computador cria uma imagem que dificilmente podemos identificar o que é. A iluminação que se dá principalmente na parte baixa e direita reforça a diferença entre as duas formas.
  • 15. ISBN - 978-85-8209-048-0 15 Fig 06 - Fábio Salun, fotografia, 2006 Esse jogo com as formas do dia-a-dia acabou por revelar algumas “possibilidades de distorção em fotografia”, e nesse sentido, não só o recorte, como na imagem acima, mas também o uso da planificação, do ponto de vista e do espelhamento. A figura 7 por exemplo é a imagem de uma escada que de um determinado ponto de vista reúne os cantos dos degraus com o corrimão trazendo a toda uma composição formal produzida pelos espaços vazios. A figura 8 é um lustre visto de baixo pra cima, sua forma ovalada reforçada pela luz tende a confundir nossa percepção do objeto, e por ultimo, o jogo de espelhos que permite inserir uma cena externa, diferente, dentro do espaço de composição, na figura 9 o espelho está dentro de um banheiro todo azulejado em cinza, os azulejos da parede oposta ficavam distantes da parede em que estava o espelho pois, visualmente, portanto ficavam menores na imagem refletida no espelho o que me permitiu contrastar os tamanho deles.
  • 16. ISBN - 978-85-8209-048-0 16 Fig 07 - Fábio Salun, fotografia, 2007 Fig 08 - Fábio Salun, fotografia, 2005
  • 17. ISBN - 978-85-8209-048-0 17 Fig 09 - Fábio Salun, fotografia, 2008 Se até aqui minha produção se apresentava como um jogo entre o referente e as condições do aparelho (sua possibilidade de recortar, planificar, e do ponto de vista) hoje ela parece incorporar as possibilidades técnicas da fotografia, não como construção poética em cima dos objetos, ou melhor, além disso, agindo também como meio a distorção de imagens. A figura 10 abaixo é a imagem de uma colher comum com uma iluminação dura e direta sobre um de seus lados, o efeito causado entrega o volume da colher, contudo apesar de revelar esse volume, não define se ele está para cima ou para baixo, criando uma ambiguidade na identificação da imagem.
  • 18. ISBN - 978-85-8209-048-0 18 Fig 10 - Fábio Salun, fotografia, 2014 Outro caminho que vem aparecendo dentro dessa produção é o uso da sombra projetada, no qual André Kertèsz é pra mim o grande mestre, se nas mãos dele a sombra tem valor de poesia, pra mim também é possibilidade de distrair e de brincar com o olhar. A figura 11 é a fotografia de uma grelha de churrasco, uma luz forte, colocada em diagonal com o objeto, acabou por criar todo um jogo que mais parece um exercício de Gestalt do que uma imagem fotográfica. Fig 11 - Fábio Salun, fotografia, 2014 Outra tendência que vem aparecendo,e a ultima que vou tratar aqui, é o contra luz. Tecnicamente ele é usado para ressaltar os perfis, tirando a cor e a
  • 19. ISBN - 978-85-8209-048-0 19 volumetria dos objetos para registrar e identificar seus contornos, mas para minha poética ele também tem demonstrado potência como possibilidade de distorção de imagens. A imagem apresentada (Figura 12), e que fez parte da exposição “coletiva além do 3x 4” na AAPLAJ, é um bom exemplo disso, na verdade é a imagem de uma folha de palmeira vista a contraluz, como a iluminação vinha do lado oposto, pude retirar alguns valores que identificavam o objeto para enfatizar os contornos e seus desenhos em seu contraste com o azul do céu. Fig 12 - Fábio Salun, fotografia, 2015 Hoje começo a pensar essa nova produção e se posso falar de um diálogo com questões e problemas da história da arte, começo a crer ser possível pensa-la como um Trompe l´oeil. Tal ideia remete a uma aula que tive recentemente com a Profª Rosangela Cherem e de um fato que aconteceu na exposição anteriormente citada. Na exposição “Além do 3 x 4” pude notar um fator que me pareceu interessante, no dia da abertura algumas pessoas diante de meu trabalho pareciam passar reto, olhavam, viam a imagem e achavam que a entendiam, algumas poucas se detiveram a realmente olha-la, ou até mesmo me perguntar o que era, essas pessoas, quando “caia a ficha” se animava e se entusiasmavam com o jogo, para as outras foi apenas mais uma imagem, quando pude conversava com elas percebi que elas não se atentaram em compreender o que havia sido fotografado, muitos se contentaram em compreende-la como desenho, pintura ou mesmo uma imagem digitalmente editada. Não pretendo aqui discutir o valor artístico de meu trabalho,
  • 20. ISBN - 978-85-8209-048-0 20 questionar se é bom ou não, não é essa a questão, o que é instigante é que de certa maneira essas fotografias atuam em duas dimensões do ver, um primeiro plano que ele é o que parece e nada mais, e em um segundo que depende da atitude do observador de desvenda-lo, É o que acontece nas obras do Trompe l´oiel, a obra “retrato de mulher da família Hofer” (Figura 13) de um artista anônimo mostra uma pintura que nada tem de especial, é uma senhora com um grande turbante branco, contudo existe algo que atrapalha nossa atenção, em um primeiro momento pensamos haver uma mosca pousada na parte branca sobre o turbante, a vontade é de enxota-la dali, mas um olhar mais atento nos revela que a mosca também é parte da pintura. Fig 13 - Anônimo, Retrato de mulher da familia Hofer, 1470, The National Gallery London Outro fator que me leva a remeter a esse diálogo com o Trompe l´oeil é a perspectiva rasa, próxima, muitas vezes caracterizada por sombras curtas que trazem o efeito de sobreposição de objetos característica esta que, como já mostrei na imagem da grelha também tem aparecido em minha produção. Assim, nessa breve reflexão tentei colocar em xeque alguns conceitos e problemas que aparecem em minha produção artística que percorre o campo da fotografia e que tem como principal objeto de trabalho o uso dos elementos
  • 21. ISBN - 978-85-8209-048-0 21 fundamentais da linguagem como meio a distorção da realidade, portanto ela parte de sua relação com o real para refletir sobre o irreal problematizando não apenas o objeto de sua representação, mas também sua própria linguagem. Referencias: ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. Tradução de Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992 BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre fotografia. Tradução de Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e politica: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasilience, 2012 CHEREM, Rosângela Miranda. No campo das semelhanças deslocadas e das proximidades empáticas. In: Revista Crítica Cultural. Universidade do Sul de Santa Catarina, Santa Catarina, ISSN 1980-6493. Dossiê Simpósio de Fotografia e Cultura Visual – Arquivo e Imagem. 2009. Disponível em < http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/critica/0402/040212.pdf>. Acessado em 10 Out. 2011 DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Tradução de Marina Appenzer. Campinas – SP: Papirus, 1993. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo – SP: Hucitec, 1985 FUSCO, Renato de. História da arte contemporânea. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Editora Presença, 1988. GOMBRICH, Ernst H. História da arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. HACKING, Juliet. Tudo sobre fotografia. Tradução de Fabiano Morais, Fernanda Abreu e Ivo Kortowski. Rio de Janeiro: Sextante, 2012. ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. Tradução de Constância Egrejas. São Paulo, SP: Editora Senac São Paulo, 2009. SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. Tradução de Iraci D. Poleti e Regina Salgado Campos. São Paulo: Editora Senac, 2010.
  • 22. ISBN - 978-85-8209-048-0 22 A LINGUAGEM DAS LENDAS: REGISTROS DE MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Paulo Santos da Silva2 Resumo: Este estudo A Linguagem Das Lendas: registros de memórias e representações sociais enfoca como a linguagem discursiva das lendas, por ser dialógica e dispersa em seus enunciados, pode ter registros de memórias e de representações sociais, uma vez que está relacionada com o contexto histórico e com o discurso no qual estão situados o eu e o outro. Como o discurso presente na linguagem das lendas é atravessado por uma extensa gama de valores sociais, culturais, ideológicos, que apontam para rastros de memória e representações, surgidas a partir de interpretações várias que um grupo social faz de sua realidade, permite-se pensar que a linguagem lendária também serve de estudo e análise de memórias e representações sociais, afinal através do jogo da enunciação discursiva e da necessidade de interação, cada grupo vê, reflete e interpreta a realidade na qual vive. Objetivando a compreensão de como isso se dá, são tecidas breves considerações sobre memória coletiva e sobre representações sociais que podem estar presentes na linguagem discursiva de lendas. Nesse intuito, sobre linguagem discursiva e enunciação, parte-se de pesquisas de Bakhtin (1997) e Foucault (2008), respectivamente; no que se refere aos registros de memórias e representações sociais apoia-se em Candau (2009; 2011), Nora (1993), Ricoeur (2007), entre outros. Palavras-chave: Linguagem do lendário; Discurso; Memória social; Representações sociais. Introdução A linguagem discursiva que está presente nas lendas, que transitam nos grupos sociais, pode servir como viés de compreensão das memórias e das representações sociais que estão imbricadas nos grupos em que essas narrativas circulam, já que as lendas, ao partir do contexto histórico ou do imaginário de uma coletividade, são interpretadas por essa mesma coletividade, refletindo passagens de um tempo vivido. Quando se pensa na linguagem de um grupo e das memórias ou representações que nela são percebidas, pensa-se em um processo comunicativo 2 Mestrando em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVILLE, Joinville, SC. Pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, pela Pontifícia Universidade do Paraná – PUC, Curitiba/PR, e é professor de Oficina de Literatura Infanto-Juvenil no ISEPE – Faculdade do Litoral Paranaense.
  • 23. ISBN - 978-85-8209-048-0 23 dialógico que envolve a relação entre os atores sociais desse grupo social e que a partir dessa convivência possuem modos distintos de ver, sentir, pensar e interpretar a realidade vivenciada por eles e de perceber o universo simbólico que essa realidade lhes proporciona. A linguagem é preenchida pela palavra do discurso que, por sua vez, é atravessado por uma extensa gama de valores sociais, culturais, ideológicos, afinal a linguagem está relacionada com o contexto e com o processo histórico-discursivo em que estão situados o eu e o outro, fazendo parte da experiência de vida dos atores sociais, que ao virem à luz passam a habitar e partilhar o espaço do seu grupo social, a linguagem do outro. Essa linguagem, uma vez que já fazia parte do grupo, foi imposta ao ser que nasceu e dela se apropriou mediante a necessidade que ele sentiu de se comunicar com os demais participantes do seu grupo, ora apenas para expor seu discurso, ora para se defender dos discursos dos outros, ora para mediar discursos de outrem, ou expressar-se livremente em sentimentos, desejos, ações individuais e coletivas através do discurso verbal ou não verbal. A linguagem, de acordo com Bakhtin (1997, p. 113), revela-se de forma dialógica, em duas faces, sendo uma dessas faces voltada para o sujeito e a outra voltada para o exterior dele, definindo tanto este quanto aquele. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A linguagem serve de expressão para os atores sociais, uns em relação aos outros, e através dela e da vivência coletiva, que está intrínseca na formação social, é que esses atores realizam de forma ampla e plenamente as suas necessidades de comunicação. Nesse sentido, a linguagem “é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor” (BAKHTIN, 1997, p.113). Por ser dialógica, a linguagem se apoia na palavra para a construção do discurso e, nesse sentido, cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra revela-se, no momento de sua expressão como o produto da interação viva das forças sociais. (BAKHTIN, 1997, p. 63)
  • 24. ISBN - 978-85-8209-048-0 24 Assim como a palavra é definida por Bakhtin (1997, p. 113), a linguagem não somente das lendas, mas no seu sentido geral, também pode ser pensada como algo que é extraída pelo falante de um estoque social de signos disponíveis, cuja realização deste signo na enunciação concreta é inteiramente determinada pelas relações sociais, constituindo-se por meio destas o reflexo da inter-relação social, em cujo contexto se constrói uma determinada enunciação. A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação. Um enunciado, conforme Foucault (2008, p. 31-32) é sempre um acontecimento que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente e pode ser entendido como um acontecimento dispersivo. Inicialmente porque está ligado, de um lado, a um gesto de escrita ou à articulação de uma palavra, mas, por outro lado, abre para si mesmo uma existência remanescente no campo de uma memória, ou na materialidade dos manuscritos, dos livros e de qualquer forma de registro; em seguida, porque é único como todo acontecimento, mas está aberto à repetição, à transformação, à reativação; finalmente, porque está ligado não apenas a situações que o provocam, e a consequências por ele ocasionadas, mas, ao mesmo tempo, e segundo uma modalidade inteiramente diferente, a enunciados que o precedem e o seguem. É a partir do jogo da enunciação que os atores sociais constroem a sua formação discursiva. Portanto quando se busca o discurso de alguém, deve-se pensar que o discurso não é estagnado em si mesmo, mas se submete a alterações dependendo do tempo, do espaço e do contexto em que é instaurado e proferido pelos atores sociais. No que se refere à linguagem das lendas, deve considerar que é preciso “estar pronto para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores traços, escondido bem longe de todos os olhares” (FOUCAULT, 2008, p. 28), analisando-o sempre no jogo de sua instância contextual, ou seja, de como as lendas são recuperadas no tempo presente.
  • 25. ISBN - 978-85-8209-048-0 25 Ainda segundo Foucault (2008, p. 139) os discursos construídos e depois pronunciados em outros tempos tornam-se “marcas que remetem à instância de sua enunciação e essas marcas, uma vez decifradas, podem liberar, por uma espécie de memória que atravessa o tempo, significações, pensamentos, desejos, fantasmas sepultados”. Assim sendo, o discurso coletivo de um grupo, diante da leitura e análise da linguagem do lendário, por exemplo, pode oferecer traços da memória social que permitem, consequentemente, ver o passado, não da sua inércia de algo escrito e sepultado na história, mas a partir da sua vivacidade social no presente, já que por meio da formação discursiva está “uma série de acontecimentos discursivos e outras séries de acontecimentos, transformações, mutações e processos (FOUCAULT, 2008, 83). É nesse âmbito discursivo que está a linguagem presente nas lendas. Como estão atravessadas de valores, há nelas um discurso que arrasta a tradição do grupo no qual elas circulam e que possibilita a formação da memória social e das representações contidas nele. Isto permite pensar que essa mesma linguagem presente nas lendas pode servir de estudo e análise de registros de memórias e representações sociais. Os registros de memória nas lendas No que se refere a registros de memórias sociais na linguagem das lendas, eles estão presentes em determinados momentos em que atores sociais se encontram e buscam rever, pensar, analisar o seu passado. São pais, avós e até mesmo jovens e crianças lembrando-se de si mesmos ou do que foram os seus ancestrais. Ao redor de uma fogueira, ou simplesmente numa varanda de casa, ou em qualquer outro lugar que propicie uma boa lenda, por exemplo, há memórias, há um retorno a uma identidade que o tempo, podendo até questioná-la, não apaga. Ricoeur (2007, p. 159) considera que “na ação entre o tempo “narrado” e o espaço “construído”, as analogias e as interferências abundam, já que o ato de configuração intervém de uma e de outra parte no ponto de ruptura e de sutura dos níveis de apreensão”. Nestes dois tempos distintos, valores sociais se entrecruzam e são agregados pelo grupo social e são eles que possibilitam o sentido da orientação na passagem do tempo; orientação em mão dupla, do passado para o futuro, de trás para frente, por assim dizer,
  • 26. ISBN - 978-85-8209-048-0 26 segundo a flecha do tempo da mudança, mas também do futuro para o passado [...] através do presente vivo” (RICOEUR, 2007, p. 108). O passado é revivido no presente quando se recupera memórias, sejam recentes ou aquelas do tempo pueril, em que havia fogueira acessa em noites de festas, no qual os mais velhos desfiavam inúmeras histórias cujos personagens populacionam o universo lendário, como lobisomens, noivas fantasmas, seres de uma perna só, animal sem cabeça que solta labaredas de fogo, botijas de ouro enterradas e tantas outras. Em minha infância, memórias como essas traziam à tona o fantástico que permeia o imaginário social, construindo um mundo de antíteses entre o querer e o não querer; aflição e alegria; medo e coragem. Memórias nas quais o antagonismo bailava entre o desejo de ouvir as narrativas, mas o não querer que elas se tornassem realidades; entre a aflição das pausas e das formas orais da linguagem dos mais velhos, repleta de entonações macabras, e do narrar que só eles possuem, e que proporcionavam a imensa alegria em ouvir mais e mais as histórias. Era o meu presente em uma infância no lendário. As lendas são narrativas do presente e suas enunciações discursivas são capazes de propiciar novas interpretações do passado àqueles que as partilham. Por isso elas podem indicar a memória de um povo e, como ressalta Câmara Cascudo3 , tornam-se o caminho que leva ao encantamento do passado. Geralmente orais, as lendas são atravessadas por fios de memórias, que se entrelaçam em textos criados pela tradição cultural em histórias do imaginário, articuladas pela memória social. Para Cascudo (1984. p. 52), “a caracterização (da memória) é compreendida quando uma tradição é evocada”. A narrativa, assim, não é mais somente uma lenda, mas também a compreensão de como viveram os antepassados, já que, narradas pelo viés da linguagem oral, as lendas possuem informações de vida, de memória a partir de enredos, ora simples ora complexos, que caracterizam a relação contextual na qual estão inseridas. “sempre se inicia pela frase: os antigos diziam... 3 Luís da Câmara Cascudo recriou a atmosfera da sua meninice, revelando os interesses que desde então o levariam a se tomar dos mais respeitáveis pesquisadores do folclore e da etnografia de nosso país. É dele o “Dicionário do Folclore Brasileiro", obra de referência no mundo inteiro. CASCUDO, Luis da Câmara. Biografias. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/biogra-fias/luis-da-camara-cascudo.jhtm Acesso em: 30 abr. 2014.
  • 27. ISBN - 978-85-8209-048-0 27 Não é uma lenda, nem um mito, fábula ou conto. É uma informação, um dado, um elemento indispensável” (CASCUDO, 1984. p. 52), uma memória. A memória, segundo alguns estudiosos, nunca esteve tão em voga como agora. CANDAU (2009, p. 43-44), por exemplo, ressalta que hoje as nossas sociedades vivem em uma compulsão pela memória, “Em vários países, se não todos, manifestam-se os sinais de uma inflação de memória e uma febre comemorativa, às vezes até a saturação, e cita Nora para complementar que há “uma “vaga memorial” que rebenta sobre o mundo inteiro”. Nora (1993. p. 7), considera que a “curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia está ligada a este momento particular da nossa história”. Essa busca pela memória é uma forma de entender o presente a partir do estranhamento do próprio passado, ressignificando aquele por este. Ante um mundo moderno, o sujeito pensa sobre sua vivência social, criando representações de si e do mundo que o circunda. Há uma necessidade de ter um passado, uma identidade que o arrasta às memórias que parece empurrar o sujeito moderno “algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele "tempo perdido", [...] a restaurar as identidades passadas” (HALL, 2006. p. 15). Em busca dessa restauração, não há ao que recorrer senão à memória, pois, conforme Nora (1993. p. 18) "Ela obriga cada um a se relembrar e a reencontrar o pertencimento, princípio - e segredo da identidade. Esse pertencimento, em troca, o engaja inteiramente”. Ainda no que se refere à memória, ela se estende até onde atinge a memória dos grupos de que ela se compõe e que não para de se transformar quando esses mesmos grupos passam a ressignificá-la e adaptá-la para atender a novas perspectivas do presente em que se situam. Diante disso, a memória por estar inserida em um novo contexto sofrerá influência tanto do tempo presente, no qual foi reativada a partir das questões contemporâneas, como também sofre variações e simbologias no tempo e espaço, já que depende de como, quando, quem vai lembrá-la e por que e para que ela é lembrada. Candau (2011) ressalta que a memória modela-se de acordo com os grupos ou sociedades dos quais ela provém e é entendida de três formas: protomemória, tida por ele como memória social, em que estão os gestos do corpo, como o falar, o sentir, o pensar, e se dá sem que o sujeito tenha tomado de consciência da mesma;
  • 28. ISBN - 978-85-8209-048-0 28 a memória propriamente dita, que é uma memória de recordação ou reconhecimento, evocação deliberada ou invocação involuntária de lembranças autobiográficas ou pertencentes a uma memória enciclopédica e está presente nos saberes, nas crenças, nas sensações e sentimentos; e a metamemória, uma representação que cada indivíduo faz de sua própria memória reivindicada. Todavia a memória, segundo Ricoeur (2007, p. 26), “é passado, independentemente do que possa significar a preteridade do passado” e recorremos à memória porque “não temos nada melhor que a memória para significar que algo aconteceu, ocorreu, se passou antes que declarássemos nos lembrar dela” (RICOEUR, 2007, p. 40). Mesmo sendo passado, não se deve pensar a memória como estagnada, fechada e acorrentada em um passado, afinal ela revive ao ser carregada por grupos do tempo presente. Nora (1993) comenta que a memória é sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, logo passa a ser vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações, o que gera inconscientemente suas deformações sucessivas. Deste modo, percebe-se a memória como é um fenômeno sempre atual, um elo entre o vivido e o tempo presente. E mediante a isso, “a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções” (NORA, 1993. p. 9). Vendo por essas vertentes, pode-se pensar a linguagem das lendas como uma fonte de memória imanente dos indivíduos, grupos ou sociedade e que serve referenciar o passado deles. Ela, a linguagem lendária também está relacionada com as lembranças da vida de outrora, que os ancestrais viveram, partindo do individual e completando-se no coletivo. Isso se dá porque a linguagem lendária está imbricada às tradições do povo e quando pensada passa a ser uma representação do passado a partir do que se julga ter visto e vivido; por isso as lendas são memória, isto é, “um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; [...] uma representação do passado” (NORA, 1993. p. 9). Como uma forma de memória, as lendas também não são completas, já que sua linguagem e seus discursos trazem lacunas. Mesmo incompletas, nelas estão enunciados que apontam para valores sociais, dos quais pode ser extraído o
  • 29. ISBN - 978-85-8209-048-0 29 estoque social de signos disponíveis, cuja realização deste signo na enunciação concreta é inteiramente determinada pelas relações sociais, como ressalta Bakhtin (1997, p. 113). A linguagem e o discurso direcionam a coletividade ao pertencimento do passado e sentimento em relação também ao passado social e “para que haja um sentimento do passado, é necessário que ocorra uma brecha entre o presente e o passado, que apareça um antes e um depois” (NORA, 1993. p.19). Assim sendo, toda vez que uma lenda é contada, pode passar a atender a novas perspectivas tantos de quem a conta quanto dos ouvintes, afinal elas são “reescritas, mesmo que inconscientemente” (EAGLETON, 2001. p. 17) em cada releitura feita pelos atores sociais. À medida que se faz essa releitura através das lendas, podemos deixar “de lado suposições, revemos crenças, fazemos deduções e previsões cada vez mais complexas; cada frase abre um horizonte que é confirmado, questionado ou destruído pela frase seguinte” (EAGLETON, 2001. p.106). Nas lendas, a linguagem discursiva revela-se dialogicamente e também é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. Percebe-se que os atores sociais definem-se em relação ao outro, em relação à coletividade, revelando-se de forma dialógica, “em duas faces, sendo que uma dessas faces está voltada para o sujeito e a outra voltada para o exterior dele” (BAKHTIN, 1997, p. 113). Por essa interação discursiva, o homem se faz como um ser eminentemente social e cultural cujo viés que conduz e estabiliza a sua memória propriamente dita, que é uma memória de recordação ou reconhecimento, torna-o parte integrante da sua coletividade e lhe permite renovar no presente o seu próprio passado mesmo que esse passado venha como representações. Nesse caso, quando a linguagem discursiva oriunda das lendas aponta para representações sociais, torna-se vestígios pelos quais é possível encontrar a simbologia que advém das crenças, das ideologias, dos modos de pensar as ideias ou vivências, das formas de conhecimento, que são elaboradas, interpretadas e partilhadas pelos atores sociais de um determinado grupo em seu contexto. Isso se dá mediante a todo um processo que direciona o grupo à compreensão, à interiorização, à interpretação do seu mundo transformando-o em imagens simbólicas daquilo que é representado socialmente pelo indivíduo ou pelo próprio grupo onde este se insere. Nesse processo, quando se busca as representações
  • 30. ISBN - 978-85-8209-048-0 30 criadas por este ou pelo grupo em si, buscam-se por explicações, por modos de ver e interpretar o mundo e a realidade que dà aos atores sociais as possibilidades da evocação de acontecimentos, de registros simbólicos em um contexto social. Assim entendido, as representações passam a serem conjuntos de valores sociais que, quando assimilados e aceitos pelos atores sociais, ganham vida dentro do contexto de vida em grupo, passando a ter vida própria até o momento em que a representação simbólica permanece no grupo ou se esvanece, definhando aos poucos, podendo até morrer ou dar lugar a novas representações. Nascidas que são de um determinado contexto, as representações presentes nas lendas tomam forma a partir da linguagem promovida pelo discurso da própria interação social, daquilo que se é comum aos atores sociais de um mesmo grupo em que as lendas circulam. Assim sendo, elas servem como registros do simbólico dos grupos sociais onde estão e também como registros que oferecem enunciados dispersos, mas que conduzem à compreensão do modo pelo qual o significado é atribuído à realidade vivida pelo grupo, como se interpreta essa mesma realidade e como modos de ver e estar no universo em que grupo e seus atores sociais estão inseridos. Como essas representações enunciativas estão integradas ao sistema de vida dos grupos sociais, o que permite entender os processos de participação social e até cultural deles, é possível pensá-las a partir da linguagem discursiva do lendário também, já que nas lendas valores se entrecruzam nos enunciados discursivos: valores que apontam para memórias que resultaram de sucessivas gerações e para modos de ver o passado no tempo presente, o que faz surgir novas interpretações sociais nos grupos pelos quais elas circulam. Cascudo (1984, p. 16) salienta que embora os temas circulantes sejam preservados, todavia há modificações e adaptações das lendas aos espaços em que são contadas havendo, inclusive, adaptação às condições ambientais, fauna, flora, costumes, mentalidade. Elas sofrem mudanças conforme o tempo e o espaço em que circulam e, por isso, podem até influenciar o comportamento e levar mudanças aos participantes do grupo. Quando há essas mudanças nas lendas, mudam-se também os valores e até seres do imaginário: um lobisomem que em um lugar representa o fado maldito de um homem, que não maltrata ninguém e só assusta ao ser visto, em outro é
  • 31. ISBN - 978-85-8209-048-0 31 representação ampla do mal; uma noiva fantasma em um lugar provoca mortes e em outro, apenas sustinhos; uma casa assombrada pode ser representação de sofrimento da alma que ali permanece vagando, ou de crueldade; e até mesmo um pelourinho pode ser diferente – o que foi erguido em Guaratuba4 , por exemplo, ficou como sinal de castigo aos negros “cansados” da lida. Todavia, essas mudanças não eliminam a importância social das lendas, que devem ser vistas “como enormes repositórios da informação cultural, abrangendo costumes, leis e propriedades sociais, que também foram armazenados” (ALBERTI, 2005, p. 19). Além disso, enquanto representações, ao serem partilhadas e compartilhadas como os outros, as lendas passam a representar uma realidade comum ao grupo, situando-se nelas um conjunto de conhecimento socialmente elaborado, compartilhado que, além de contribuir para a construção de uma realidade comum ao grupo como um todo, faz parte da formação dos atores sociais e dos grupos em que eles estão inseridos. Compartilham-se, deste modo, não apenas as lendas, mas também as verdades que provêm do imaginário e que serve de apoio a eles, seja pelo conflito ou pela convergência social. É deste modo que a linguagem das lendas pode conduzir às representações sociais e ainda ser vista como registros de memórias: nelas estão elementos “Afetivos, mentais, e sociais, integrando – ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação – a consideração das relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas têm de intervir” (JODELET, 2001, p. 26). Nota-se ainda que é a partir da linguagem, especificamente, que as representações circulam nos discursos. Ademais, a linguagem do lendário “é mais do que uma indicação, um gesto, um dedo apontado para alguém; em certa medida, é o equivalente a uma descrição” (FOUCAULT, 1992, p. 42). E mesmo que a lenda nasça de um fato, não importa mais o fato preso em si mesmo, o que vale são as representações imbricadas na linguagem no momento da fala: falas que surgem como recortes de memórias do grupo social, um texto fragmentado pelo tempo e pelo espaço (e não de forma linear, esgotado pela ação do tempo cronológico) e 4 O Pelourinho, símbolo da justiça e da República, devia ser de madeira chamada maçaranduba, em boa grossura, de quatro faces até a altura de dez palmos, e daí para cima oitavado, com quatro argolas de ferro, quatro aspas e um cutelo no alto, muito bem feito, e que, posto em seu lugar em 30 de abril de 1771, serviria para castigar os que fugissem das normas estabelecidas. Disponível in: http://www.guaratuba.pr.gov.br/portal/index.php/guaratuba.html. Acesso em: 29 jul. de 2015.
  • 32. ISBN - 978-85-8209-048-0 32 nele se entrecruzam os discursos do passado e do presente; um discurso selecionado, delimitado pela própria finitude de suas ações no tempo, em que se encontram, “independentemente de seu titular, todas as prerrogativas da memória: continuidade, polaridade passado-futuro” (RICOEUR, 2007, p. 129). Assim sendo, as representações sociais presentes na linguagem das lendas se inserem num grupo ou numa relação cotidiana de trocas, pelas quais liberam o poder da sua imaginação (Moscovici, 1961). Considerações A linguagem discursiva presente nas lendas, parte da vida social dos grupos nos quais circulam, aponta para a relação entre o eu e os outros em um mundo do presente, ora orientando condutas e comunicações sociais, que intervêm em processos variados da difusão e a assimilação dos conhecimentos, ora atuando no desenvolvimento individual e coletivo, na definição das identidades dos grupos sociais, na expressão e no modo de esses grupos verem o mundo e as transformações sociais que deles advêm. Por isso, através da linguagem lendária, torna-se, então, possível saber a intenção dos atores sociais que falam, de onde falam, a atividade consciente deles, isto é, o que pretenderam dizer e o que disseram ou dizem, ou ainda “o jogo inconsciente que emergiu involuntariamente do que disse ou da quase imperceptível fratura de suas palavras manifestas” (FOUCAULT, 2008, p. 30). Enquanto ato de manifestação discursiva, as lendas falam o que os atores sociais viram e sua narração o impele ao poder falar, mostrar a sua forma de ver as coisas, já que esses atores, através de sua formação discursiva e ao narrar as lendas, contam sobre si e seu grupo, recortando-o, representando-o, delimitando-o, produzindo um manifesto de valores sociais em que estão presentes o seu modo de ser ou, pelo menos, caracterizando sua vida e a do seu grupo. Portanto, é possível pensar que nas lendas há registros de memória próprios dos indivíduos, grupos ou sociedade e de representações sociais que servem para referenciar o passado deles ao mesmo tempo em que lhes propiciam identidade social. Além disso, a linguagem das lendas pode ser vista como registros de memória porque pelas lendas são relacionadas também lembranças da vida de
  • 33. ISBN - 978-85-8209-048-0 33 outrora, que os atores sociais do presente e os seus ancestrais viveram e que servem para contextualizá-los em um espaço, mesmo que essas lendas tenham sido criadas noutros tempos e presentificadas a partir de lembranças vagas, não totalmente completas. É que nelas e por elas, as lendas, estão imbricadas as formas de o grupos ver, interpretar, situar-se no tempo presente. Portanto, através da linguagem, as lendas passam memórias e representações. E isso, porque em cada lenda há possibilidades de retirar experiências vividas e incorporar “as coisas narradas à experiência de seus ouvintes” (BENJAMIN, 1994, p.201). Ademais, o discurso do lendário deste ou daquele indivíduo ou grupo social pode ser visto como uma indicação de valores, um gesto social de interpretar a realidade do grupo no qual elas circulam, como uma seta apontada para um texto que descreve oralmente representações dos inúmeros objetos, pessoas, acontecimentos ou ideias do seu próprio grupo. Além disso, as memórias e representações provenientes das lendas levam os indivíduos a compartilharem o imaginário que compõe o mundo do seu grupo social com os outros, e que serve de apoio a eles, às vezes, de forma convergente, outras pelo conflito, porém, de fato, é algo importante na vida cotidiana deles, afinal, a partir do imaginário das lendas, eles nomeiam e definem em conjunto os diferentes aspectos de realidade cotidiana que compartilham. E em um mundo em que velhas representações definham e até morrem, é preciso pensar como as novas representações podem conduzir à compreensão dos modos de ver, de interpretar, de partilhar a realidade pelos atores sociais em seus determinados grupos. Referências: ALBERTI, Verena. Tradição oral e história oral: proximidades e fronteiras. In: História Oral: Revista da Associação Brasileira de História Oral. São Paulo: Associação Brasileira de História Oral. v. 8. n. 1, jan. – jun. 2005. BAKHTIN, Mikhail. A interação verbal. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais no método sociológico da linguagem. Prefácio de Roman Jakobson. Tradução: Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sergio Paulo Rouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
  • 34. ISBN - 978-85-8209-048-0 34 CANDAU, Joel. Bases Antropológicas e expressões mundanas da busca patrimonial: memória, tradição e identidade. In: Revista Memória em Rede, v.1, nº 1, dez. 2009/mar. 2010, p. 43 – 57. CANDAU, Joel. Memória e Identidade: do indivíduo às retóricas holistas. Tradução Maria Leticia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2011. CASCUDO, Luis da Câmara. Biografias. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/biogra-fias/luis-da-camara-cascudo.jhtm Acesso em: 30 abr. 2014. CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3. Ed. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo. 1984 EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. __________. O que é um autor? Portugal: Vega, 1992. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio da Janeiro: DP&A, 2006. Disponibilizado em doc. In: www.cefetsp.br/edu/geo/identidade_cultural _posmodernidade.doc. Acesso em 20 abr. 2014. JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. p. 17- 44. MOSCOVICI, Serge. La Psychanalyse, son image, son public. Paris: PUF, 1961. (Disponibilizado em pdf) NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Khoury. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993. RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François et al. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
  • 35. ISBN - 978-85-8209-048-0 35 CINEDUCAÇÃO E PAPO E CINEMA Nielson Ribeiro Modro Resumo: O projeto de extensão “Cineducação: Site de Apoio Didático, para Professores, para Utilização de Filmes em Sala de Aula” é desenvolvido desde 2003 e objetiva pesquisar filmes que possam ser utilizados com finalidade didática. As informações sistematizadas são disponibilizadas em http://www.modro.com.br/cinema. Atualmente há mais de 500 filmes já analisados, oito livros publicados e dezenas de capacitações, cursos e palestras já realizadas. Houve entre 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2014 um total de 85.054 (oitenta e cinco mil, cinquenta e quatro) visitantes e foram feitos um total de 5.446 (cinco mil quatrocentos e quarenta e seis) downloads dos livros disponibilizados no site. Os livros lançados foram: Cineducação: Usando o Cinema na Sala de Aula (2005); Cineducação 2: Usando o Cinema na Sala de Aula (2006); Cineducação em Quadrinhos (2006); Nas Entrelinhas do Cinema (2008); O Mundo Jurídico No Cinema (2009); Cineducação para Crianças (2012), Cinema no Ar (2013) e Papo e Cinema (2014). O programa radiofônico Papo e Cinema tem dois anos de vida, substituiu seu antecessor: Cinema no Ar, e é um dos frutos do projeto Cineducação. É produzido pelos seus apresentadores, Nielson Modro e João Felipe, tendo uma vertente mais pop que o Cinema no Ar e atingindo uma maior parcela de público. Os filmes focados são principalmente lançamentos recentes e clássicos do cinema. O programa semanal, parte da grade fixa das sextas-feiras da Rádio Udesc FM às 18:20 h e reprise sábados às 11:00 h, tem 30 minutos de duração, propõe discussões acerca de um filme e prioriza sua trilha sonora. O livro lançado em 2014 foi um resgate dos primeiros 50 programas inéditos, servindo não apenas como registro do programa, mas também como uma referência sobre os filmes trabalhados." Palavras-chave: Cineducação, Papo e Cinema, Rádio Udesc FM As recentes transformações tecnológicas têm modificado o dia-a-dia das pessoas fazendo com que desde as rotineiras tarefas simples até as mais sofisticadas tenham a presença da evolução tecnológica, cada vez mais nítida. Apesar disto a escola ainda é um dos poucos espaços cuja configuração ainda mantém na sua maioria praticamente a mesma de séculos atrás: um professor na frente de dezenas de alunos, alinhadamente sentados e ouvindo os conteúdos a serem trabalhados. Há o uso de novas tecnologias, buscando-se uma modernização e atualização de suas metodologias e recursos de ensino, mas a única certeza é de que a figura do professor não será transformada em algo obsoleto. Na realidade, a busca é pela inovação, pela inclusão de aparatos tecnológicos que possam auxiliar o professor no seu trabalho de ensinar, tornando o processo de aprendizagem por
  • 36. ISBN - 978-85-8209-048-0 36 parte do aluno em algo mais perto de sua realidade e consequentemente mais agradável. A grande ressalva é que ainda se encontram professores despreparados e em outra sintonia do que a encontrada nas novas gerações, devido não conseguir acompanhar os interesses dos alunos e por vezes por não conseguir utilizar adequadamente os recursos de que dispõem. Como consequência, o que se vê é um aluno alheio às poucas tentativas que são propostas em sala de aula. Nessa perspectiva de utilizar recursos complementares às aulas tradicionais existe a possibilidade da utilização de filmes, desde que sejam corretamente utilizados. Trata-se de um recurso atrativo, agradável e que, se bem empregado, rende bons resultados quanto à aprendizagem. O aluno tem maior participação, passa a ter um novo olhar a respeito dos recursos e ferramentas que dispõe no seu dia-a-dia. Elementos que são aparentemente banais e sem propósito podem passar a serem vistos de forma crítica, com a possibilidade de utilizá-los em praticamente qualquer assunto ou disciplina. Dependendo do recorte feito, pode-se aliar ainda a quaisquer outras disciplinas, por vezes possibilitando um trabalho interdisciplinar, de forma complementar, focalizando temas que podem englobar os vários campos de saber da sociedade. O fato de a imagem ser muito mais rapidamente percebida e recebida permite que o processo de assimilação por parte do receptor possa ser também mais rápido, mesmo porque hoje se vive numa sociedade imagética, em que a base das informações é por meio visual, e deve-se, portanto, aproveitar o que há de melhor nesse meio. O filme pode ser um estímulo para uma aprendizagem mais ampla de determinado assunto, nunca seu substituto, mas sim uma referência ficcional que leva a uma interpretação da realidade circundante. Pode-se trabalhar a linguagem visual dos filmes explorando as possibilidades de interpretação de suas imagens, diálogos, reconstrução de períodos históricos, as marcas enunciativas, as relações pessoais e sociais, os possíveis valores morais, éticos, educacionais e didáticos. Caso o professor saiba como utilizar essa linguagem a mesma torna-se uma ferramenta poderosíssima em suas mãos, enquanto auxílio didático. Há vários trabalhos que têm sido desenvolvidos aproveitando esta nova ferramenta, entre elas existe desde 2003 o projeto de Extensão “Cineducação: Site de Apoio Didático, para Professores, para Utilização de Filmes em Sala de Aula” que busca ser uma fonte de pesquisa e auxílio principalmente a professores de ensino de níveis fundamental e médio. Entre os fundamentos do projeto encontra-se a
  • 37. ISBN - 978-85-8209-048-0 37 busca por difundir a ideia de que o uso de filmes em sala de aula não pode ser como normalmente se constata, já que em muitos casos são utilizados filmes em sala de aula com o único propósito de “preencher tempo”, “substituir o professor”, “ocupar os alunos”, entre outras opções. O filme tapa-buraco é utilizado quando há algum problema inesperado, como a falta de um professor. Isto causa um problema que é a banalização do ato de assistir ao filme, que passa a ser algo como “não ter aula”, “matar aula”, “ocupar tempo”. Não há qualquer objetivo e, pior ainda, pode vir a se tornar algo maçante e repetitivo. Também há o caso em que se pode usar o filme como um substituto do professor. Em outras palavras, o professor passa um filme apenas para ocupar o tempo da aula. Porém deve-se atentar que, se não houver ligação com a matéria, com o conteúdo que está sendo desenvolvido, o aluno pode perceber isso facilmente e até pode concordar num primeiro momento, mas a médio ou longo prazo isso poderá reverter-se de forma negativa em relação ao professor e sua prática. Apenas passar um filme, sem discuti-lo, sem propor tarefas em relação ao mesmo, sem questioná-lo, sem buscar novas referências, sem estabelecer relações com conteúdos estudados em sala de aula é cair no vazio. Desnecessário dizer que não acrescenta nada ao trabalho desenvolvido. Há ainda casos em que o professor se vê deslumbrado com a possibilidade de ter um recurso audiovisual poderosíssimo em suas mãos e lança mão do mesmo a todo o momento. Esquece que ele, professor, é o principal elemento numa sala de aula e passa a apenas utilizar os recursos de que pode dispor. Usar exageradamente os recursos adicionais também pode ter um efeito negativo, já que acaba por empobrecer as aulas, banalizar os recursos audiovisuais e assim diminuir sua eficácia. O professor ainda é o principal elemento numa sala de aula e os recursos de que pode dispor devem ser auxiliares, nunca substitutos. Também cabe citar que ainda hoje há professores que não aceitam nenhuma inovação. Veem defeitos em tudo e em todas as possibilidades de uso. Especificamente no caso de filmes reclamam que um filme é maçante, que outro não condiz com a realidade, outro é ficcional demais, outro ainda não é esteticamente adequado, enfim, qualquer desculpa para que não tenha que utilizar este recurso. Fica a critério de cada um decidir o que é melhor em suas aulas, porém é nítido
  • 38. ISBN - 978-85-8209-048-0 38 também que a aceitação de um professor que procura inovar suas aulas é inversamente proporcional em relação a um professor totalmente tradicional e que apenas usa o método quadro, giz e cuspe. Assim, o objetivo do projeto é fomentar a utilização de filmes em sala de aula, mas tendo claro que se trata de um recurso auxiliar e complementar em relação às aulas, tanto como complementação de estudos realizados como quanto à proposta de atividades posteriores à sua apresentação. Mas em nenhuma hipótese apenas como forma de ocupar espaços vazios. O projeto Cineducação não é uma ideia inédita, afinal a utilização de filmes como recurso didático já é bastante antiga. Mas a tecnologia atual facilitou muito o trabalho de localizar e mesmo poder utilizar este recurso em sala de aula. Em 2002 foi ofertada uma disciplina eletiva no curso de Letras da UNIVILLE: Literatura e Cinema. A princípio tratava-se de uma disciplina optativa, oferecida aos alunos e caso fosse fechada alguma turma seria então viabilizada. Em 2003 formou- se uma turma e o trabalho foi principalmente voltado para a análise de aspectos de produção cinematográfica, crítica e a ligação entre cinema e literatura, como, por exemplo, as adaptações literárias. Um dos trabalhos desenvolvidos na parte final do curso era a busca por filmes que pudessem ser utilizados em sala de aula com finalidade didática, fosse para introduzir, explicitar ou complementar algum assunto que por ventura viesse a ser trabalhado com os alunos. A partir da dificuldade em localizar material teórico surgiu a ideia de um site que tivesse como finalidade ofertar algumas análises de filmes. Após a aprovação do projeto em 2003, no final de 2004 foi ao ar a primeira versão do Cineducação, tendo então disponível a análise de 50 filmes. Seu enfoque inicial foi quanto a conteúdos das disciplinas de literatura e história, mas num momento imediatamente posterior o objetivo foi o de ampliar ainda mais a gama de possibilidades didáticas, sugerindo filmes que possam ser utilizados em aulas de variadas disciplinas, proporcionando ainda uma possibilidade de interação entre os vários e diferentes campos de conhecimento. No site do projeto (http://www.modro.com.br/cinema) podem ser encontradas algumas possíveis linhas de trabalho e sugestões de como trabalhar com filmes em sala de aula. O projeto tem alcançado resultados e números significativos desde a sua criação. Atualmente há no site mais de 500 filmes já analisados, foram publicados
  • 39. ISBN - 978-85-8209-048-0 39 oito livros e realizadas dezenas de capacitações, cursos e palestras buscando fomentar as ideias do projeto. Os livros lançados foram: Cineducação: Usando o Cinema na Sala de Aula (2005); Cineducação 2: Usando o Cinema na Sala de Aula (2006); Cineducação em Quadrinhos (2006); Nas Entrelinhas do Cinema (2008); O Mundo Jurídico No Cinema (2009); Cineducação para Crianças (2012), Cinema no Ar (2013) e Papo e Cinema (2014). Deve-se destacar que os livros têm sido bastante utilizados como fonte de pesquisa e referência sobre o assunto. Prova disto é que houve entre 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2014 um total de 85.054 (oitenta e cinco mil, cinquenta e quatro) visitantes e foram feitos um total de 5.446 (cinco mil quatrocentos e quarenta e seis) downloads dos livros disponibilizados no site. Um dos desdobramentos do projeto é um programa radiofônico sobre cinema, que faz parte da grade fixa da Rádio UDESC FM 91.9, rádio educativa da UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina, em Joinville. Por dois anos foi desenvolvido o Cinema no Ar, sendo substituído em 2013 pelo Papo e Cinema. O programa radiofônico Papo e Cinema completou em 2014 dois anos, após substituir o antecessor Cinema no Ar. O programa é produzido pelos seus apresentadores, Nielson Modro e João Felipe, tendo uma vertente mais pop que o Cinema no Ar e conseguindo assim atingir uma maior parcela de público. Semanalmente o programa vai ao ar, tendo 30 minutos de duração, propondo discussões acerca de um filme, priorizando ainda sua trilha sonora e os filmes analisados são principalmente os lançamentos recentes e os clássicos do cinema. Desde seu início faz parte da programação na grade fixa das sextas-feiras da Rádio Udesc FM a partir das 18:20 h, tendo ainda uma reprise aos sábados às 11:00 h. A cada ano são 50 programas inéditos, já que em janeiro é um período em que vai ao ar a reprise de alguns programas apresentados durante o ano. O livro homônimo, lançado em 2014, resgatou os primeiros 50 programas inéditos servindo não apenas como registro do primeiro ano do programa como também uma boa referência sobre os filmes trabalhados. Da mesma forma o livro Cinema no Ar, resgatou em 2013 os dois anos de duração do programa antecessor. Ainda há a possibilidade de ampliar em muito o trabalho até aqui realizado, já que ainda há um número relativamente pequeno de trabalhos que colaboram nesse
  • 40. ISBN - 978-85-8209-048-0 40 sentido. Mas o projeto tem buscado de forma contínua a colaborar na busca por uma educação mais consistente e coerente com os recursos disponíveis na atualidade. Referências: ALMEIDA, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. 3. ed. São Paulo: Cortez; 2004 BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema?. 2. ed. Sao Paulo, Brasiliense, 1980 COSTA, Antonio. Compreender o cinema. 3 ed. São Paulo: Globo, 2003. MARCONDES, Beatriz; MENEZES, Gilda; TOSHIMITSU, Thaís. Como usar outras linguagens na sala de aula. São Paulo:, Contexto, 2000. METZ, Cristian. Linguagem e cinema. São Paulo: Perspectiva, 1971. ______. Cineducação 2: Usando o Cinema na Sala de Aula. Joinville: Univille, 2006. ______. Cineducação: Usando o Cinema na Sala de Aula. Joinville: Casamarca, 2005. ______. Cineducação em Quadrinhos. Joinville: Univille, 2006. ______. Cineducação para Crianças. Blumenau: Nova Letra, 2012. ______. Cinema no Ar. Blumenau: Nova Letra, 2013. ______. Nas Entrelinhas do Cinema. Joinville: Univille, 2008. ______. O Mundo Jurídico No Cinema. Blumenau: Nova Letra, 2009. ______. Papo e Cinema. Blumenau: Legere, 2014. MOSCARIELLO, Angelo. Como ver um filme. Lisboa: Presença, 1971. NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003. SANTOS, Nelson Pereira dos. História do cinema mundial. Disponível em: <http://www. br.geocities.com/cinescopiobr>. Acesso em 02 jul. 2013. TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na educação, professores na atualidade. São Paulo: Érica, 1998.
  • 41. ISBN - 978-85-8209-048-0 41 HOJE É DIA DE CONCERTO: FRAGMENTOS DE HISTÓRIAS A PARTIR DE PARTITURAS PRODUZIDAS POR COMPOSITORES DE JOINVILLE Pedro Romão Mickucz5 Taiza Mara Rauen Moraes6 Resumo: Estudar o legado musical de uma cidade pode parecer complexo e provido de múltiplas abordagens e desafios. Quando se fala de um lugar povoado por grupos étnicos de diferentes países, o desafio torna-se maior. A colonização do norte de Santa Catarina é marcada por diferentes grupos de imigrantes europeus que traziam com seus pertences, traços culturais e, por conseguinte suas práticas musicais. Entretanto, sabe-se hoje que esses grupos de imigrantes dialogavam e conflitavam entre si para legitimar suas heranças culturais. Discursos como uma cidade germanizada ou tipicamente europeia, cai por terra, quando nos deparamos com produções musicais que exaltam uma “brasilidade” antes mesmo do nacionalismo de Getúlio Vargas. Busca-se assim, compreender como o campo musical trabalhava essa diversidade cultural a partir de produções musicais em uma Joinville do século XIX. A forma de análise torna-se estimulante no sentido de vislumbrarmos a partir de partituras e registros musicais, o que havia soando nas principais casas de espetáculos da antiga colônia Dona Francisca. A partir de documentos primários disponibilizados por historiadores e registros catalogados no Arquivo Histórico de Joinville, uma análise parcial sobre as produções musicais na cidade pode ser observada. Os resultados parcialmente apresentados fazem parte da pesquisa para o Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade – UNIVILLE, intitulada “Música e Patrimônio: Entre linguagens e espaços musicais em uma Joinville colonial”. Partindo-se do principio que o presente trabalho faz parte de um grupo maior de pesquisa intitulada “Imbricamentos de Linguagens”, propõe-se analisar as tensões do campo patrimonial partindo-se de produções artísticas e as diferentes linguagens. Palavras-chaves: Música, patrimônio cultural, história, linguagens. 5 Mestrando em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – Univille. Especialista em interdisciplinaridade em Práticas Pedagógicas - FURB, e licenciado em História pela Univille. 6 Doutora em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, mestre em Literatura pela UFSC e graduada em Letras pela Universidade do Contestado. Coordena o Comitê Proler Joinville - Programa Institucional de Incentivo à Leitura - PROEX PROLER UNIVILLE e o Núcleo de Pesquisa em atividades de leitura em meio eletrônico do projeto "Autores, obras e acervos literários catarinenses em meio digital" - PRONEX FAPESC CNPq em parceria UFSC, UDESC, UNIVILLE.
  • 42. ISBN - 978-85-8209-048-0 42 Introdução Quanto mais reflexos, menos propriedades tem um objeto, menos ele se distingue dos demais. A conclusão a que chegamos tem sabor de paradoxo: quanto maior o número de reflexos, mais relações um objeto produz e quanto mais relações, semelhante ele se torna. Nuno Ramos A partir das palavras de Nuno Ramos, podemos perceber a multiplicidade que um objeto pode refletir a partir das relações dos objetos entre si. Assim, o que pretende-se discutir aqui são alguns fragmentos de relações sociais propiciadas pelos dois principais teatros de Joinville – Harmonia Lyra e Theatro Nicodemus, no início do século XX. O presente trabalho faz parte da pesquisa “Hoje é dia de Concerto: Uma análise do Theatro Nicodemus e da Sociedade Harmonia Lyra como espaços fomentadores do patrimônio musical de Joinville”, viabilizada a partir de discussões propiciadas no Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade, na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. Na historiografia de Joinville, muito se escreve sobre os embates e os conflitos enfrentados nas primeiras décadas de povoação na antiga Colônia Dona Francisca. Historiadores como Coelho (2005), Guedes (2001) e Silva (2008) nos exemplificam a partir de situações rotineiras as tensões de imigrantes, migrantes e teuto-brasileiros que aportavam na colônia a partir de 1851. O contexto histórico surge a partir de dois teatros que abriam espaços para a música orquestral da cidade: Sociedade Harmonia Lyra e Theatro Nicodemus. Como bem convida PEREIRA (2015, p. 211), “toma-se emprestado o palco como campo que se presta também ao ensaio” para refletirmos sobre a produção musical em Joinville. Entendendo o conceito de patrimônio cultural e as produções musicais Quando falamos em patrimônio, muitos têm um conceito cristalizado sobre o que são bens patrimoniais e o que deve ser ou não preservado. Entretanto, assim
  • 43. ISBN - 978-85-8209-048-0 43 como a sociedade, o patrimônio cultural é dinâmico e cabível de novas concepções e interpretações sobre o conceito. Hoje Entende-se por patrimônio cultural o conjunto de todos os bens materiais ou imateriais que, pelo seu valor intrínseco, são considerados de interesse e de relevância para a permanência e a identificação da cultura da humanidade, de uma nação, de um grupo étnico ou de um grupo social específico. Etimologicamente, a palavra patrimônio deriva do latim e significa herança paterna. Por decorrência, patrimônio cultural constitui uma herança do passado com a qual os homens do presente convivem e a qual pretendem transmitir às gerações futuras. (VOGT, 2008, p.14) Compreendido o conceito de patrimônio cultural, partimos para análise de produções musicais em Joinville, a partir de partituras digitalizadas por Fávero (2013), que estão disponíveis no Arquivo Histórico de Joinville. Nesse material podemos obter informações que extrapolam muito mais do que os acordes e as melodias que os compositores imaginaram ao criar suas músicas. Entende-se assim que A música composta sobre um texto pode refleti-lo de várias maneiras. Talvez as melhores e mais fascinantes composições sejam aquelas em que a estrutura tonal e rítmica, a forma e o desenho motivo criem correspondências que ressaltem aspectos do texto: gramática e sintaxe, tipos de rima e outros padrões de som, imagem, etc. (SCHACHTER, 1983, p. 61, apud AGAWU, 1992, p.34). Ao nos defrontarmos com partituras de Kohlbach e Lopes, podemos articular as leituras de música e patrimônio, no sentido de deixar para as próximas gerações, as intencionalidades desses compositores em retratar uma Joinville do início do século XX. Dois compositores – Uma só paixão: A arte de musicar em Joinville Estudar o patrimônio cultural da cidade a partir de dois espaços icônicos o Theatro Nicodemus e a Sociedade Harmonia Lyra, lugares importantes para a
  • 44. ISBN - 978-85-8209-048-0 44 música de concerto7 , serve apenas como pano de fundo para as inúmeras histórias abrigadas dentro desses espaços. Dentre as inúmeras memórias que se encontram nesses dois espaços, está a produção musical de dois compositores que vieram de fora para produzir composições e movimentar o meio cultural da cidade: Rudolfo Kohlbach (1866-1925) e Ernani Lopes (1902-1979). A escolha desses dois compositores se acontece por alguns motivos: I) Um compositor é alemão e outro brasileiro; II) As músicas escolhidas de nada reflete o local de origem dos compositores; III) Suas contribuições nos teatros Nicodemus e Harmonia Lyra; Justificada então a escolha dos sujeitos, cabe aqui situar historicamente os dois compositores: Figura 1: Rudolfo Kohlbach (Fávero (2013, p.19)) Rudolfo Kohlbach nasceu em 1º de fevereiro de 1866, em Münchernbensdoerf, Turíngia na Alemanha. Atuou na formação e regência de corais 7 O conceito de música de concerto é fundamentado nas discussões apresentadas por Santos (2013, p.257), onde é estabelecido como concerto, “toda música ocidental escrita surgida, grosso modo, na Idade Média através do cantochão”. Decorrendo de uma execução e apreciação ao vivo.
  • 45. ISBN - 978-85-8209-048-0 45 e grupos de câmara. Em 1905 publicou o periódico “Harmonia”, um jornal mensal com músicas de sua autoria e de outros autores. Kohlbach falece em dezembro de 1925 (FÁVERO, 2013, p.19). Figura 2: Ernani Lopes (Fávero (2013, p. 15)) Já o músico Ernani Lopes nasceu em 26 de janeiro de 1902, em Florianópolis. Aos 17 anos mudou-se para Joinville onde se destacou como flautista e oboísta. Sua atuação na cidade abrangia desde festas particulares, à execuções em cinemas – na época dos cinemas mudo – como o Cine Palácio (Theatro Nicodemus) e o Cine Rex. Além disso foi presidente da Sociedade Harmonia (1942 à 1945). Lopes falece em 1979. Análise além da fonte material: Partituras que falam muito mais que seus instrumentos Ao selecionarmos partituras como fontes de um contexto histórico da cidade, propõe-se deixar a análise linguística e gráfica (partituras), de lado, para analisar os sujeitos (compositores) inseridos nos espaços ao qual representavam – Nicodemus e Harmonia Lyra. Quando optamos por apresentar as partituras “Lembranças” e “Eu não Disse?”, a escolha não acontece ao acaso. Mas essas canções estão repletas de
  • 46. ISBN - 978-85-8209-048-0 46 representatividades, assim como as representações aos quais seus criadores trouxeram ao melodiar canções com uma certa nostalgia de um “tempo de simplicidade”. Nesse sentido Piedade (2005) nos conceitua a “época de ouro” da música brasileira ... onde reinam os maneirismos das antigas valsas e serestas brasileiras, impera a nostalgia de um tempo de simplicidade e lirismo, de ruralidade e frescura. Um pouco do mundo lusitano está presente aqui, com evocações do fado e na singeleza das modinhas. Como que mito, manifesta-se aqui um Brasil profundo do passado através de volteios e floreios melódicos (vários tipos de apojaturas e grupetos), padrões rítmicos (maxixado, polka estilo “banda”) e certos padrões motívicos (escala cromática descendente atingindo a terça do acorde em tempo forte) que estão fortemente presentes no mundo do choro e em vários outros repertórios de música brasileira, tanto na camada superficial quanto em estruturas mais profundas. (PIEDADE, 2005, p.6-7) É nesse contexto, por exemplo, que Kohlbach compõe em 1905 a música “Lembranças”, num estilo musical classificado como “mazurca”, que evoca a cultura europeia, com a qual Kohlbach se identificava. Se lembrarmos qual teatro ele chegou a trabalhar (Harmonia Lyra), muito se explica sua intenção em invocar um estilo musical polonês (SOUZA, 2010, p.364), que se inspirava em canções como as de Liszt e Chopin.
  • 47. ISBN - 978-85-8209-048-0 47 Figura 3 e 4: Partituras “Lembranças” (Fávero (2013, p.109-110)) Se olharmos o lugar ao qual Kohlbach pertencia, a lógica em produzir composição de uma cultura que está distante da brasileira é compreensível se entendermos a Sociedade Harmonia Lyra como um teatro que abrigava e patrocinava músicos e artistas que se inspiravam numa cultura “europeia” como a de seus “antepassados”. Nesse sentido, era um lugar que priorizava a fomentação da cultura de um grupo seleto. A Sociedade Hamonia-Lyra nasceu em 31 de maio de 1858, data da fundação Harmonie-Gesellshaft (Sociedade Harmonia), que se fundiu com a Sociedade Musical Lyra (Musikverein Lyra), a 28 de outubro de 1921, para dar a conformação societária que perdura até os dias de hoje... Famílias pagavam Rs. 1.000 (mil réis) para serem sócias, solteiros Rs.500; o saldo final foi de Rs. 21.500 e, com isso, a Sociedade se constituiu. Aos poucos, mais famílias e jovens se associavam, após serem aceitos por exame. (MACHADO, 2010, p. 12-13)
  • 48. ISBN - 978-85-8209-048-0 48 Em contrapartida a esse tipo de produção, vemos composições como as de Ernani Lopes. Na composição “Eu não Disse?” de 1919, o músico procura utilizar da polka como recurso de musicar para um público maior em Joinville. Figura 5 e 6: Partituras “Eu Não Disse?” (Fávero (2013, p.86-87)) A polca vinha sendo difundida desde meados do século XIX. Embora também seja um estilo musical europeu, surgido na República Tcheca, a música aliada à dança, teve grande aceitação no Brasil, com a “brasileirização” desses estilos como no choro, e na dança o maxixe. Ernani Lopes - brasileiro, se rendia assim aos ritmos daquele momento, do início do século XIX. Se novamente olharmos o espaço ao qual ele se apresentava (Theatro Nicodemos), entendemos os estilos mais populares, e não tão europeizantes como o estilo de Kohlbach. Entretanto, pode-se perguntar: Ernani Lopes também não tocou na Sociedade Harmonia Lyra? Nomeado até mesmo presidente da Sociedade?
  • 49. ISBN - 978-85-8209-048-0 49 Quando utilizamos do contexto histórico para entendermos as histórias dos sujeitos, conseguimos vislumbrar exatamente o que acontecia no repertório musical de Lopes, e na sua carreira profissional de igual forma. O músico foi nomeado presidente da Sociedade Harmonia Lyra entre os anos de 1942 à 1945, período esse em que estava implantado o Nacionalismo de Getúlio Vargas. Joinville nesse sentido teve que adaptar alguns dos costumes e lideranças tipicamente “germânicas” para se enquadrar na política de Vargas. Os presidentes da Sociedade que até então eram nomeados pelos próprios membros, precisavam de um representante brasileiro. Qual músico de expressivo trabalho cultural na cidade, para dar uma cara de “brasilidade” no Harmonia Lyra? Isso mesmo, Ernani Lopes. Sob a tensão do regime de Vargas lemos A exemplo de outras agremiações culturais a Harmonia-Lyra também corria o risco de ter as portas cerradas, mesmo com todo o seu portentoso patrimônio físico, cultural social e histórico. Mas uma manobra interna evitou tal desfecho, sendo nomeada uma nova diretoria forma em sua maioria por luso- brasileiros, tendo como presidente o músico Ernani Lopes, um dos integrantes da orquestra, que ficou no cargo até 1945. ”Era uma pessoa excelente, isso salvou a Lyra”, afirma Adhemar Trinks. A filha de Ernani, Odete Lopes Guimarães, confirma que o pai resolveu assumir a presidência em uma reunião onde se discutia o fechamento da sociedade: “Era o único espaço cultural da cidade, ainda em atividade e, para mantê-lo, sobrenomes brasileiros assumiram a diretoria” afirma ela. (MACHADO, 2010, p.74) Na década de 1940 o Theatro Nicodemos já não mais existia enquanto palco para os músicos da cidade. Segundo Guedes Em 1925, com a decretação de falência de Francisco Nicodemus (sic), o prédio do teatro de 11.675 m² de área construída e o respectivo terreno, avaliados em Rs 133.000$000 (cento e trinta e três contos de réis), foram comprados por Alberto Van Biene. Em 1933, com a morte de Alberto Van Biene, o imóvel passou a pertencer a sua viúva, Dora Van Biene, e posteriormente a seus filhos Maurice, Mathilde e Hanna. Por volta de 1965, Maurice Martinho Van Biene construiu um prédio de pequenas lojas, anexo ao Cine Palácio, as quais foram vendidas a diferentes pessoas. Isso iniciava um processo de diversificação do edifício, que passava a perder seu objetivo. (GUEDES, 2003, p. 37)
  • 50. ISBN - 978-85-8209-048-0 50 Em 1939, o Nicodemus havia se transformado em Palace Theatro, onde exibia filmes assim como o Cine Rex. No período Getulista, e pós II Guerra Mundial, as sessões de cinema eram voltadas para empresas americanas, substituindo por completo, qualquer apresentação de origem alemã (GUEDES, 2003, p. 40). As apresentações musicais estavam agora restritas, onde alguns músicos ainda tocavam nas sessões de cinema mudo, mas não no antigo palco que fora construído em 1917. Considerações finais Procurou-se articular a partir de algumas reflexões sobre canções que podem ser contextualizadas historicamente. Muito mais do que analisar os acordes, busca- se honrar com o conceito de patrimônio cultural – na medida em que se propõe a deixar para as próximas gerações, percepções de um tempo que não nos pertence (uma Joinville do século XX), mas que pode ser relembrada a partir das subjetividades de músicas compostas por contemporâneos daquele período - como Rudolfo Kohlbach e Ernani Lopes. O exercício realizado nesse artigo estava centrado na leitura de partituras. Mas não uma leitura que envolvesse a métrica das músicas, mas o contexto em que elas foram produzidas. Sobre essa múltipla abordagem na leitura, podemos perceber que Ler é uma operação de identificação e memorização sígnica, que antecede a estruturação e a interpretação e envolve variáveis cognitivas/afetivas. Os conhecimentos prévios do leitor são ativados no ato de ler para que haja compreensão textual. Os textos interpelam o leitor de forma explicita ou implícita para que ele assuma ou não a argumentação desenvolvida, fazendo com que ele interaja de modo simbólico com o contexto cultural. O leitor não circula no espaço do autor estabelecendo uma relação assimétrica construída pela e na estrutura do texto, mas no jogo textual, que é gerador de referencial linguístico e estético. A escrita, como uma ação para pensar o mundo, provoca no leitor novas percepções sobre ele que ampliam seu imaginário. (MORAES, 2010, p.131) Que essas leituras provocadas sobre o patrimônio musical de Joinville, possam servir como um estímulo para novas interpretações e novas pesquisas
  • 51. ISBN - 978-85-8209-048-0 51 nesse campo que ainda merece estudo. Partituras e biografias de músicos estão em inúmeras prateleiras da história, esperando novos “leitores” que interpretem o texto, muito além do que os compositores imaginaram ao criar. Fazendo assim, novos “concertos” ecoarem na sociedade, e não mais em lugares restritos como outrora fora! Referências: AGAWU, Kofi. Theory and Practice in the Analysis of the Nineteenth-Century Lied. In: Music Analysis v.11, n.1, pp. 3-36. Blackwell Publishing, 1992. Dispinivel em: <http://www.jstor.org/stable/854301> ALBUQUERQUE, Umbelino Peregrino de. Patrimônio Cultural: Uma construção da cidadania. In: TOLENTINO, Átila Bezerra (Org.). Educação patrimonial: reflexões e práticas. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2012. p. 4-5. FÁVERO, Claudenor; BERNARDES, Raimundo (orgs.). Nossos compositores pioneiros: antologia joinvillense: coleção de 40 peças para piano de autores de Joinville. Blumenanu, SC: Nova Letra, 2013. GUEDES, Sandra P. L. de Camargo. Cine Palácio: Fragmentos da história do cinema em Joinville – curso de História/2001. Joinville: Univille, 2003. LLERENA, Rosenete Marlene Eberhardt. A memória do patrimônio musical de Joinville: uma abordagem sócio-histórica e cultural. Joinville, 2014. MACHADO, Edson Bush. (Org,) Harmonia-Lyra: palco das musas, desde 1858. São Francisco do Sul, SC: PapelMaça Ed., 2010. MORAES, Taiza Mara Rauen, Literatura pós-moderna: espaço de hibridismo formal. In: LAMAS, Nadja de C; MORAES, Taiza M. R. (orgs.). (Pro)Posições Culturais. Joinville: Ed. Univille, 2010, p.125-138. PEREIRA, Sandra. Um olhar memorialístico sobre o teatro joinvilense produzido no período 1900 a 1950. IN: Anais do II Encontro Internacional Interdisciplinar em Patrimônio Cultural – ENIPAC e do III Workshop Catarinense de Indicação Geográfica. Joinville, SC: UNIVILLE,2015. p. 210-229. PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo. Música popular, expressão e sentido: comentários sobre as tópicas na análise da música brasileira. DAPesquisa, v. 1, p. 3, 2005. SANTOS, Jorge Luiz de Lima. Considerações sobre a Sala de Concerto na Atualidade. Revista Música Hodie, Goiânia, v.13 – n.1, 2013, p.257-265.
  • 52. ISBN - 978-85-8209-048-0 52 SOUZA, Willian Fernandes de. Chopin, Liszt e Lange As Mazurkas Brillantes. Revista do Centro de Artes da UDESC. Florianópolis, n. 7, p.363-377, ago. 2009 a jul. 2010 VOGT, Olgário Paulo. Patrimônio cultural: um conceito em construção. Métis: História & Cultura. Caxias do Sul, v.7, n.13, p.13-41, jan./jun.2008.
  • 53. ISBN - 978-85-8209-048-0 53 LIMA BARRETO – O RETRATISTA DE ALMAS DO RIO DE JANEIRO Agostinho Stringhini1 Resumo: O objetivo deste ensaio foi mostrar como o escritor e jornalista Lima Barreto registrou o processo de reurbanização e modernização da cidade do Rio de Janeiro, ocorridos na primeira década do século XX. Do ponto de vista do lugar social e literário ele foi um agudo observador da cidade e sua contradição nesse momento histórico. Nesse sentido, elevou-se a ideia de que o Rio de Janeiro consistia em síntese da realidade social brasileira, de modo que as reflexões da obra barretiana permitiram pensar, sobretudo, a condição do país. Secundariamente foram apresentadas as relações deste escritor fluminense e os suburbanos: como o cotidiano foi traçado em linhas afetivas no decorrer de suas obras. A metodologia para a realização deste trabalho foi a Pesquisa Bibliográfica. A partir de uma leitura apurada e reflexiva de “Triste fim de Policarpo Quaresma” e mediante as perspectivas de diversos autores, as bases teóricas deste ensaio foram sendo construídas. Levando-se em consideração esses diversos olhares, pode-se concluir que era a percepção de Lima Barreto que conduzia sua escrita, sua produção, o autor não escreve sobre a realidade propriamente dita, mas sobre as múltiplas possibilidades e sobre o que poderia vir a ser real em seus espaços de representação. Palavras-chave: Lima Barreto, Rio de Janeiro, suburbanos. Introdução Lima Barreto apresentou uma forma inusitada de escrita e dispôs em algumas de suas obras uma maneira de “educar” os leitores para a observação das várias cidades existentes na cidade do Rio de Janeiro. Isso é possível de ser percebido durante os passeios dos personagens pela cidade carioca, além de, concomitantemente trazerem reflexões sobre determinados locais e assuntos. Assim, a escrita de Lima Barreto vai além da transmissão de um mero saber estrito, pois se articula com a cultura cotidiana, como Morin discorre: “A missão de educar é transmitir não o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre” (MORIN, 2000, p. 8). A educação é uma parte integrante das nossas vidas, uma instancia que forma seres humanos, seja no âmbito de uma instituição escolar, familiar ou religiosa. Nessa ótica, a educação assume uma função integral, pois atua no desenvolvimento pessoal, interfere na maneira que vivemos, amamos, pensamos,
  • 54. ISBN - 978-85-8209-048-0 54 etc. Entretanto, ao levarmos em consideração estas proposições poderemos ampliá- la se considerarmos que o objetivo de educar não é o de transmitir apenas conhecimentos sempre mais numerosos ao educando, ao invés disso, deve-se “criar nele um estado interior e profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido”, não apenas durante uma fase no seu desenvolvimento, “mas por toda a vida”. (DURKHEIM,1890, p.38). Deste modo podemos observar nas obras desse retratista de almas a maneira de viver, através de seus personagens, a parte poética e assumir a parte prosaica da vida. Lima Barreto: um breve histórico Afonso Henriques de Lima Barreto foi um jornalista e escritor, que nasceu em 1881 no Rio de Janeiro. Era filho de João Henriques de Lima Barreto (mulato nascido liberto) e de Amália Augusta Barreto (filha de escrava liberta da família Pereira de Carvalho). Seu pai foi tipógrafo talentoso. Aprendeu a profissão no Imperial Instituto Artístico, que imprimia o famoso periódico “A semana ilustrada”. Sua mãe foi educada com esmero, tendo obtido diploma de professora, porém, ela morreu cedo, e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do casal, como tipógrafo e como paginador no jornal “Tribuna Liberal”. João Henriques era monarquista, ligado ao Visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor. Lima Barreto, negro e, portanto vítima do racismo num Brasil que mal acabara de abolir oficialmente a escravatura teve oportunidade de boa instrução escolar. Seus primeiros estudos foram realizados na cidade de Niterói. Logo depois se transferiu para a única instituição pública de ensino secundário da época, o conceituado Colégio Pedro II, no centro do Rio de Janeiro, cujos estudantes eram oriundos basicamente da elite econômica. No ano de 1897, aluno acima da média, foi admitido no curso de engenharia da Escola Politécnica, no Largo de São Francisco, porém foi obrigado a abandoná-lo em 1902 para assumir o sustento dos irmãos, já que seu pai enlouquecera. Data dessa época, sua entrada no serviço público, exercendo a função de amanuense na Secretaria da Guerra. O cargo, somado às muitas colaborações em diversos órgãos da imprensa escrita, garantia- lhe algum sustento financeiro. Contudo, isso não o impediu de se dedicar também a sua grande paixão: a literatura (BARBOSA, 1975, p. 117-120).