A nacionalização da empresa argentina YPF faz parte de uma tendência de medidas na América do Sul para recuperar o controle estatal de setores estratégicos como energia, que haviam sido privatizados nas décadas anteriores. Embora haja semelhanças, cada país busca a combinação mais adequada para seu contexto, equilibrando segurança energética e modelos econômicos. Análises mais aprofundadas são necessárias para entender os motivos e resultados destas mudanças.
1. Universidade de Brasília
Instituto de Relações Internacionais
Programa de Educação Tutorial
LARI
Laboratório de Análise em
Relações Internacionais
PET/REL
UnB
Boletim de Conjuntura nº 15
Junho de 2012
2. PET-REL
Análise de Conjuntura
Sumário
Introdução 3
O Laboratório de Análise das Relações Internacionais 3
A conjuntura internacional entre janeiro e junho de 2012 5
O caso da YPF: na onda das nacionalizações sul-americanas? 7
por Nuni Vieira Jorgensen
Irracionalidade econômica versus racionalidade política: uma 10
análise sobre as recentes nacionalizações na Argentina e
Bolívia
por Erlene Maria Coelho Avelino
O Fenômeno do Intermestics e a Conjuntura da Política 13
Externa Argentina
por Pedro Henrique de Souza Netto
Mali e o novo desenho africano: quem se importa? 15
por Rodrigo de Sousa Araújo
The many Sudans: war, ethnic nationalisms and citizenship 17
por Victória Monteiro da Silva Santos
Partnership Among Equals 20
por Stefanos G. C. Drakoulakis
Tradição, descontinuidade e o futuro da Coreia do Norte 23
por Patrícia Nabuco Martuscelli
Instabilidade e militarização crescentes na Ásia: mudanças e 26
continuidades na Coreia do Norte
por Lucas Santiago Brasileiro
Contatos 29
Junho de 2012 2
3. PET-REL
Análise de Conjuntura
Introduçáo
Criado e implantado em 1979 pela Programa foi coordenado pela CAPES.
Coordenação de Aperfeiçoamento de A partir de 31 de dezembro de 1999, o
Pessoal de Nível Superior (CAPES), o PET teve sua gestão transferida para a
PET – então Programa Especial de Secretaria de Educação Superior, ficando
Treinamento e hoje Programa de sob a responsabilidade do Departamento
Educação Tutorial – é um Programa de Projetos Especiais de Modernização e
acadêmico direcionado a alunos Qualificação do Ensino Superior.
regularmente matriculados em cursos de Desde então, vem sendo
graduação. Tais estudantes são executado levando em conta as diretrizes
selecionados pelas instituições de ensino e os interesses acadêmicos das
superior de que participam e se universidades às quais se vincula, e que
organizam em grupos, recebendo passaram a ser responsáveis por sua
orientação acadêmica de professores- estruturação e coordenação.
tutores.
O PET/REL – Programa de
O PET visa envolver os alunos Educação Tutorial em Relações
que dele participam num processo de Internacionais – foi criado em 1993.
formação integral, propiciando-lhes Inserido nos grupos PET da
compreensão abrangente e aprofundada Universidade de Brasília, orgulha-se por
de sua área de estudos. São objetivos seu pioneirismo em levar o campo de
deste Programa: a melhoria do ensino de estudos das relações internacionais para o
graduação, a formação acadêmica ampla âmbito do Programa. O PET/REL hoje
do estudante, a interdisciplinaridade, a conta com 14 alunos, que desenvolvem
atuação coletiva e o planejamento e a atividades baseadas nas três funções
execução, em grupos sob tutoria, de uma básicas da Universidade: ensino, pesquisa
gama diversificada de atividades e extensão.
acadêmicas. Até o ano de 1999, o
O Láborátorio de Análise dás Reláçoes
Internácionáis
No contexto do PET/REL, insere-se o O cerne das atividades do LARI
Laboratório de Análise de Relações compõe-se de encontros mensais com
Internacionais (LARI), idealizado e temas pré-definidos, nos quais os
organizado desde 2005. Concebido como participantes são encorajados a indicar
atividade de pesquisa e extensão do elementos de análise relevantes e a
trabalho do grupo a toda comunidade identificar relações, explicações e
acadêmica, o LARI tem por objetivo previsões relativas aos tópicos abordados,
observar a conjuntura internacional e num esforço concertado e organizado.
produzir interpretações cientificamente Após a discussão dos temas estabelecidos
embasadas acerca da mesma. nas reuniões mensais, os membros do
Junho de 2012 3
4. PET-REL
Análise de Conjuntura
PET/REL produzem análises de exercício intelectual de seleção dos temas
conjuntura, baseadas na premissa de que tratados e da produção de análises. Seu
o estudo e a aplicação de metodologia e intuito é eliminar arbitrariedade e
teoria científica permitem melhor adquirir objetividade. Desse modo,
compreensão acerca do comportamento foram criados descritores para categorizar
dos atores internacionais. os temas selecionados e direcionar o
exercício de produção das análises para
O Laboratório de Análise de
um foco mais acadêmico. Antes de expor
Relações Internacionais, desde sua
os instrumentos de classificação, vale
concepção, constituiu-se num esforço
ressaltar que as categorias não se esgotam
analítico que tem por meta capturar, de
em si mesmas, podendo ser atualizadas à
forma clara e objetiva, os fatos da
medida que houver necessidade de fazê-
conjuntura internacional que podem
lo. A tabela a seguir lista os seis
engendrar-se com processos e dinâmicas
descritores idealizados pelo PET/REL
mais amplos das Relações Internacionais.
para classificação das análises de
Para tanto, buscam-se usar mecanismos
conjuntura produzidas.
que possibilitem o enquadramento dos
fatos nas dinâmicas e que favoreçam o
Descritor Definição
Escalada ou estabilização Vinculado à variável de aumento ou contenção da
de tensões e conflitos violência, enquadrando dinâmicas tais como conflitos
interestatais, guerras civis e crises humanitárias;
Construção de governança Desde a ótica multilateral, engloba processos
ligados a regimes internacionais e autoridade política para
gerenciar problemas e construir estabilidade no ambiente
internacional (no âmbito de ONU, OMC, organismos
regionais, G-8, etc.);
Exercício hegemônico ou Aplicação da capacidade hegemônica para induzir a
contestação anti- ordem internacional nos moldes e valores desejados, ou
hegemônica movimentos inversos, de contestação dessa ordem e do
hegemon;
Integração Dinâmicas sistêmicas de desenvolvimento de laços
políticos, econômicos e sociais, que tenham por base
espaços interativos entre atores internacionais relevantes;
Transbordamento Processos de spillover, nos quais fenômenos
domésticos trazem repercussões para o âmbito regional ou
global: eleições, reivindicações por parte de grupos sociais,
etc.;
Mudanças e adaptações de Dinâmicas influenciadas pelo nível de liquidez da
fluxos, padrões e economia ou capazes de causar modificações na liquidez,
estruturas econômicas tais como taxas de juros, taxas de câmbio e fluxos de
capitais.
Junho de 2012 4
5. PET-REL
Análise de Conjuntura
A conjunturá internácionál entre jáneiro e junho
de 2012
A conjuntura internacional dos últimos poder internacional, dadas interpretações
seis meses é o foco das análises aqui sobre as intenções do país.
descritas. Em todo o mundo é perceptível No bloco africano, são
o constante rearranjo político, contrastados dois fenômenos que,
econômico, social e humanitário, que é embora semelhantes em estrutura básica,
traduzido em novas demandas e obtiveram resultados completamente
interesses internacionais. Comparando o diferentes. O golpe de Estados anunciado
presente boletim com seus antecessores, em março na República de Mali tornou
observa-se tal continuação que, embora independente da região de Azawad, no
com novos elementos e atores, ainda norte do país. Entretanto, a ruptura de
representa o ciclo de crises e suas
Mali com aquela região ganhou destaque
repercussões em torno do cenário pouco gritante na comunidade
internacional. internacional em geral, apesar de apelos
A renacionalizarão da empresa remotos por parte de certos atores, que
petrolífera Yacimientos Petrolíferos urgem pela importância da estabilização
Fiscales (YPF) pela presidente da democrática no país e chamam atenção
Argentina, Cristina Kirchner, em abril de para uma potencial crise humanitária no
2012, surge como agente de combustão país.
para debates na América Latina acerca
Por outro lado, a nova conjuntura
das políticas econômicas recentemente regional africana é colocada em primeira
adotadas na região. Com isso, a agenda perspectiva com relação ao Sudão e ao
internacional é diretamente influenciada recente Sudão do Sul, já reconhecido
por inquietações sobre a eficácia de internacionalmente por diversos países e
intervenções estatais na dinâmica organizações. Não obstante, perpetuam-
econômica internacional, representada se silêncios entre as regiões que
não somente na Argentina, mas, também, transcendem questões de identidade
em alguns de seus vizinhos e parceiros nacional. Com eles, a sociedade
estratégicos, como Venezuela e Bolívia internacional vê-se então na
pela estatização de mercados-chave. responsabilidade de observar e, acima de
Ainda no cone latino-americano, tudo, guiar a proteção internacional dos
a prospecção do Brasil na tela direitos e da segurança de civis na região,
internacional assume cada vez mais vítimas da crise que se iniciou ainda em
importância, o que é reforçado pela VI 2011.
Cúpula das Américas, acompanhada das Já Coreia do Norte mantém-se
visitas de Dilma Rousseff e Barack como objeto constante de análises
Obama nos Estados Unidos e no Brasil. referentes à Ásia. Desta vez, a morte do
A diplomacia brasileira tem atraído ditador Kim Jong-il e a ascensão de seu
holofotes em razão de seu lançamento filho ao poder, Kim Jong-un, trazem
pragmático e, ao mesmo tempo, incisivo novas aflições à comunidade
no contexto internacional; porém, tal internacional quanto ao futuro daquela.
status trouxe consigo ponderações acerca Novas atividades nucleares alinhadas à
da real posição do Brasil no jogo de
Junho de 2012 5
6. PET-REL
Análise de Conjuntura
ainda incógnita das diretrizes políticas do múltiplas fontes para crises, desde jogos
novo ditador são lidas com preocupação, econômicos e políticos até rupturas na
colocando em xeque a segurança segurança internacional representam a
internacional. instabilidade no cenário internacional,
pontuada nas análises de conjuntura que
Em geral, o contexto internacional
se seguem.
em recorte tem-se caracterizado por
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7. PET-REL
Análise de Conjuntura
O cáso dá YPF: ná ondá dás nácionálizáçoes sul-
ámericánás?
por Nuni Vieira Jorgensen
A nacionalização da empresa de permaneceriam regidos por
Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), multinacionais. Grande parte desse
que causou grande repercussão ao redor movimento está relacionado às próprias
do mundo não é um fenômeno isolado. preocupações de segurança energética
Ela faz parte de uma cadeia de medidas que hoje permeiam as políticas de estado
que visam recuperar uma fração da de todos os países. Os governos precisam
autonomia estatal perdida durante os ter nas mãos as rédeas da produção de
anos do auge do paradigma das reformas energia se não querem ver aumentada sua
para o mercado, do governo Menem. vulnerabilidade perante as outras nações.
Entre suas semelhantes estão a Parece, entretanto, que esse
estatização dos fundos de pensão, das movimento único com relação à falência
Aerolíneas Argentinas, das do paradigma das reformas para o
telecomunicações e das empresas de mercado é contornado por diversos
distribuição de água ao longo das matizes. Como defendem muitos
administrações Kirchner. neoinstitucionalistas, cada Estado deverá
O caso da empresa de petróleo buscar a combinação mais adequada para
vem, no entanto, na sequência de outras seus respectivos contextos políticos,
reformas latino-americanas levadas à cabo
econômicos e sociais. Entretanto, alguns
por outros Estados, inclusive nas últimas estudos, como o do Banco Mundial,
semanas, como é o exemplo da Bolívia. pretendem dar contornos
Esta, bem como países como Venezuela homogeneizantes a esses processos:
e Equador que também na década de 90 segundo eles as estatizações tenderiam a
tiveram seus hidrocarbonetos explorados
ocorrer em países com instituições
por multinacionais, estatizaram não só públicas deficientes, onde a recisão dos
esse setor, como também outras contratos tem custo mínimo; e naqueles
dimensões chave da economia, tais como com baixo nível educacional e economia
as de telecomunicações e eletrecidade. A pouco diversificada.(CHANG, Roberto;
pergunta que se coloca, portanto, é de até HEVIA, Constantino; LOAYZA,
que ponto seria pertinente incluir o caso Norman. “Privatization and
da YPF em um contexto mais amplo de Nationalization Cycles” (Banco Mundial,
nacionalizações na América do Sul.
n.5029).
Em um primeiro plano é Analisando o argumento para o
necessário colocar a aparente falência do caso bolivariano, percebemos que as
modelo de reformas para o mercado. recentes estatizações claramente se
Mesmo países como o Brasil, que as enquadram nesse modelo. Em primeiro
levaram à cabo em uma proporção muito lugar, estes são Estados com um modelo
menor do que a República Argentina, de internacionalização abertamente anti-
defendem hoje um paradigma de hegemônico – a ALBA, em seus
economia mista. Nesse caso, setores príncipios constituintes se coloca
estratégicos da economia seriam públicos categoricamente contra o modelo
ao menos em parte enquanto outros
Junho de 2012 7
8. PET-REL
Análise de Conjuntura
neoliberal de organização. Os seus Em terceiro lugar, seria exagero
respectivos riscos-países sempre afirmar que o país vizinho tenha uma
tenderam, além disso, a permanecer altos economia pouco diversificada. A
e a própria política governamental não Argentina produz tanto uma grande
parece tentar evitar essa classificação. variedade de bens agrícolas quanto
industrializados. Apesar do petróleo,
Em segundo lugar, Venezuela,
dessa forma, ser um setor estratégico para
Bolívia e Equador também apresentam
a Argentina, tanto quanto para qualquer
baixa diversificação da economia, embora
país do mundo, não se poderia afirmar
haja esforços recentes no sentido de
que sua economia depende
transformar essa situação. Na Venezuela
majoritariamente desse hidrocarboneto,
e no Equador a maior parte das
como acontece nos países da ALBA.
exportações ainda é de petróleo,
enquanto na Bolívia 30% destas são Finalmente, seria premeditado
formadas pelos hidrocarbonetos. A dizer que a Argentina possui um projeto
estatização se coloca para esses países, de inserção internacional anti-
portanto, como uma prioridade hegemônico, como a Venezuela e a
governamental, dando para os Estado o Bolívia por exemplo. Poder-se-ia
controle dos setores sustentadores de sua argumentar, de outra maneira, que
economia. semelhantemente ao Brasil, a Argentina
almeja um modelo de economia mista,
É importante colocar que no caso
na qual setores privatizados conviverão
da Bolívia, Equador e Venezuela, a
com ramos, geralmente estratégicos da
estatização tem como discurso principal a
economia, nacionalizados. A estatização
recuperação dos recursos naturais, além
da YPF se configuraria, nesse sentido,
de pretende abarcar diversos setores da
como uma maneira de retomar parte da
economia. Na Venezuela, por exemplo,
autonomia perdida durante os anos 90 e
essas medidas atingiram o setor de
não um processo de estatização
minério, de petróleo, portos, aeroportos,
generalizado.
siderúrgicas, meios de comunicação e
bancos. Na Bolívia, o presidente Evo Um indício dessa tendência é que
Morales estatizou setores de energia o governo Argentino já pediu pelo
elétrica, petróleo, gás, serviços de aumento dos investimentos da Petrobrás,
abastecimento de água, indústria da Total, da Chevron, Apache, Exxon e
metalúrgica e telecomunicações. Em Sinopec. O seu objetivo, portanto, é
menor proporção, Rafael Correa também realizar uma joint venture entre empresas
estatizou o setor petrolífero e aumentou a nacionais e estrangeiras que queiram
presença estatal na economia. investir no setor de petróleo do país. A
intenção, dessa forma, não é financiar
A Argentina, por outro lado,
todos os investimentos com o dinheiro
parece possuir um perfil bastante
do Estado e, muito menos, abrir mão da
diferente. Apesar do que se diz sobre a
parceria privada. O próprio ministro
pouca credibilidade argentina com
espanhol de Relações Exteriores ilustra
relação aos investidores internacionais
bem esse fato – segundo ele: “nesse caso,
como consequência do calote da dívida
teríamos sido expropriados para sermos
externa, é bom ter em mente que o seu
substituídos por outro parceiro privado”.
risco país antes da nacionalização era
semelhante ao do Brasil, o que põe em Assim, o que à primeira vista
dúvida que o país não tivesse nada a poderia parecer um nonsense ilustra bem
perder com a estatização. o fato de que a estatização da YPF, em si
mesma, não faz parte de um plano
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9. PET-REL
Análise de Conjuntura
francamente anti-neoliberal. Ela tem ir em uma direção mais à brasileira,
como objetivo principal excluir do necessitando para isso, entretanto, tomar
controle da exploração de um recurso medidas muito mais drásticas, tendo em
estratégico uma empresa claramente vista o seu passado de total venda do
ineficiente que se aproveita do setor público à iniciativa privada – o que
monopólio e de práticas cartelísticas para no nosso caso não teve as mesmas
atuar – ou seja, que é rent-seeking. proporções.
Obviamente, não se pode dizer As repercussões nesse caso não
que a demanda de nacionalização nesse são ainda claras, mas tendo em vista o seu
caso não é importante. Querer que os caráter não tão revolucionário, devem ser
lucros da exploração de um produto menores do que esperava-se logo após o
nacional sejam reivestidos no próprio ocorrido. Para o Brasil, a Argentina já
país ao invés de remetidos em sua maior assegurou os interesses do Petrobrás e,
parte ao exterior seria, no mínimo, inclusive, pediu a participação mais ativa
bastante razoável – ainda mais quando o da empresa. Tais garantias tendem a
argumento de maior eficiência da diminuir o risco do processo ao longo do
inciativa privada não vem sendo tempo tornando o país provavelmente
cumprido. A Argentina, que antes mais receptivo aos investidores
possuia praticamente auto-suficiência internacionais.
energética, se via agora obrigada a Dessa forma, pode-se dizer que as
importar a maior parte do seu petróleo – nacionalizações latino-americanas não
a dívida subia a velocidades assustadoras compartilham necessariamente todas as
e indícios mostram que a empresa pouco características. De modos diferentes,
fazia no sentido de prestar contas entretanto, seja por meio de um plano
públicas de suas atividades. alter-mundialista ou de uma contestação
O que se defende aqui, no equilibrada, todos esses Estados tentam
entanto, é que, ao contrário das agora retomar a autonomia perdida
nacionalizações dos países da ALBA, a durante a década de 90. De uma maneira
expropriação da Repsol não faz parte de ou de outra parece, assim, que as
um programa abertamente contra- reformas para o mercado de 20 anos
sistêmico como a imprensa e a atrás vem sendo revertidas seja em rumo
reclamações dos países hegemônicos às a uma economia mista seja a um modelo
vezes fazem parecer. Ao contrário parece amplamente estatizante.
Junho de 2012 9
10. PET-REL
Análise de Conjuntura
Irrácionálidáde economicá versus rácionálidáde
políticá: umá ánálise sobre ás recentes
nácionálizáçoes ná Argentiná e Bolíviá
por Erlene Maria Coelho Avelino
Considerando a existência das falhas de de Eletricidade (TDE), afetando também a uma
mercado, o Estado pode intervir na economia de empresa espanhola, agora a REE (Red Eléctrica
forma a minimizar tais falhas e assim, obter um Española). O pretexto da falta de investimentos
resultado mais favorável em termos sociais do foi o mesmo usado semanas antes pela
que aquele alcançado por agentes econômicos Argentina.
independentes. No entanto, definir que o Estado A proximidade entre os dois casos levou
pode melhorar os resultados de mercado não é a reações temerosas no mercado internacional
equivalente a dizer que ele irá fazê-lo, pois de quanto a um risco de uma onda estatizante na
maneira análoga às falhas de mercado, o Estado América do Sul. Entretanto, se tratam de casos
possui suas próprias limitações que são isolados, pois não se observa um movimento de
chamadas na literatura política de falhas de nacionalizações nos países sul-americanos que
governo. No mercado político tal como no leve a um efeito dominó na região. Cada governo
mercado privado, os indivíduos podem se tem sua motivação particular para essa tomada
comportar de maneira auto-interessada, de decisão, não sendo ações coordenadas ou
especialmente quando visam à conquista de influenciadas. Isso não quer dizer que não há
votos. Dessa forma, constantemente observamos
qualquer correspondência entre as expropriações
agentes públicos utilizando a política econômica na Argentina e Bolívia, pois há uma forte
em proveito próprio, o que gera desvios em correlação em uma matriz ideológica nacional
relação ao que seria considerada uma conduta populista.
ideal de Estado. Os últimos acontecimentos na
Argentina e na Bolívia exemplificam esse tipo de Apesar das justificativas dadas pelos dois
comportamento. presidentes, observa-se uma falta de
embasamento técnico-econômico nas propostas
Em meados de abril, a presidente de retomada dos ativos econômicos estratégicos.
argentina, Cristina Kirchner, decretou a De fato, os governos são autônomos e podem
renacionalização da empresa YPF (Yacimientos optar por administrar novamente um bem
Petrolíferos Fiscales), que era controlada pela privatizado. Contudo, há várias formas de fazer
empresa espanhola Repsol desde 1999. A isso. Considerando que existem setores
presidente justificou a decisão diante da queda na econômicos que são monopólios naturais, como
produtividade da petroleira, no aumento inédito o de energia, no qual processo produtivo
das importações de combustíveis e no fato do caracteriza-se pelos retornos crescentes de escala,
país ser um dos poucos no mundo que não tem nesses setores é mais vantajoso ter apenas uma
o controle deste setor, ou seja, a decisão foi empresa produtora do bem. Por isso, é
apresentada a população como uma operação necessário que o Estado intervenha para que os
de soberania energética, do tipo “o petróleo é preços não sejam abusivos. Nesses casos, a
nosso”. Depois da Argentina, foi a vez da Bolívia intervenção do governo pode tomar duas
anunciar a expropriação de outra empresa. Neste formas: a regulação ou a produção do bem.
1° de maio, o presidente boliviano, Evo Morales, Argentina e Bolívia estão decidindo pela segunda
deu sequência a uma tradição do seu governo no forma porque as empresas não estavam
dia do trabalhador e estatizou a Transportadora investindo o suficiente, só que eles poderiam ter
Junho de 2012 10
11. PET-REL
Análise de Conjuntura
considerado a primeira alternativa e exercido queda na popularidade de Cristina Kirchner, sua
melhor seu poder de regular. taxa de aprovação caiu de 70%, em dezembro,
para 50%, em abril. Nesse sentido, a luta pela
Partindo de uma perspectiva histórica, a
soberania sobre o petróleo e a tentativa de
intervenção estatal tem um caráter cíclico sempre
redespertar movimentos nacionalistas com a
em transformação, ou seja, ela expande-se e
abertura do caso Malvinas parece indicar que a
contrai-se ciclicamente, e a cada novo ciclo o
Argentina evoca questões de soberania para tirar
modo de intervenção modifica, devendo ser
do foco esses problemas econômicos. Não
aplicados novos modelos. Dessa forma, há
demorou muito para a popularidade da senhora
muitas formas de intervir no tabuleiro
Kirchner subir, por meio de um discurso
econômico e tanto a Argentina como a Bolívia
peronista, bem ao estilo anos 50, atrelado a uma
optaram por um caminho circunstancialmente
estratégia política de longo prazo que passa pelo
indevido, pois as colocaram em choque com
fortalecimento do seu grupo político dentro do
outros países e quebraram a confiança de
peronismo é que a presidente conquista o apoio
investidores. Cristina Kirchner chegou a alegar o
popular, inclusive da oposição.
desejo de se equivaler a países como o Brasil que
tem 51% da Petrobrás e, sendo assim, é legítimo Já na Bolívia, o presidente Evo Morales
um país querer tirar proveito de seus ativos busca a reeleição para um terceiro mandato
econômicos naturais, especialmente um país consecutivo em 2014. O contexto econômico
com as condições econômicas da Argentina. boliviano é de grande crescimento da economia
Porém, se a soberania sobre o petróleo era o informal. Além disso, em março, o país foi
maior objetivo, os argentinos poderiam ter cenário de 123 conflitos sociais, em sua grande
comprado a empresa novamente de forma maioria, protagonizados por setores da classe
negociada com seus investidores. Da mesma média e baixa que demandam melhoras salariais
forma a Bolívia não precisava do espetáculo de e de qualidade de vida. Um dos grupos mais
usar as Forças Armadas para ocupar a empresa combativos é o de médicos que estão parados há
expropriada. Percebe-se então que não houve quase dois meses. É com esse pano de fundo
uma racionalidade político-econômica que Morales busca elevar sua popularidade, mas
consistente nesses governos, ambos prefeririam as últimas medidas para elevar seu apoio popular
rasgar contratos e quebrar importantes regras do não foram tão eficazes para ele quanto foram
comércio internacional em prol de um para Cristina.
verdadeiro exibicionismo político. Com isso, percebe-se que Argentina e
Isso nos leva a crer que a justificativa Bolívia apelam a sentimentos nacionalistas para
para tais ações foram mais políticas do que recuperar parte do respaldo perdido e para não
econômicas e o contexto político e econômico trazer à tona seus vazamentos econômicos,
desses países pode demonstrar isso melhor. chegam até a limitar o acesso do cidadão a
Argentina e Bolívia já tem um histórico de informação. Para exemplificar esse último fato é
dominância de racionalidade política de curto só comparar as informações sobre a economia
prazo em detrimento de uma racionalidade divulgadas pelos governos com os resultados de
econômica. Os dois países vem expropriando uma análise econômica paralela mais
várias empresas nos últimos tempos e aprofundada. Os dados inflacionários publicados
instaurando crises diplomáticas que afetam suas pelo governo argentino não são confiáveis, eles
economias. Na Argentina, tem-se uma situação indicam uma inflação entre 5% e 11% ao ano,
de índices inflacionários de 24% ao ano, mas outros estudos dobram as taxas oficiais.
desemprego próximo dos 7%, uso das reservas Economistas argentinos independentes foram
cambiais para fazer pagamentos pontuais obrigados a parar de publicar suas próprias
arbitrariamente, restrição a importação de estimativas, sem contar com a relação nada
inúmeros produtos e forte desaceleração amigável que a presidente tem com a imprensa.
econômica. Tudo isso veio juntamente com uma Apesar de dados indicarem que a economia
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12. PET-REL
Análise de Conjuntura
boliviana cresceu 5% nos últimos anos e a irracionalidade econômica há uma racionalidade
inflação está entre 6% e 7%, há uma economia política. Portanto, as recentes expropriações na
informal que envolve 85% dos trabalhadores, Argentina e Bolívia se inserem em uma análise
falta de industrialização e diversificação da das típicas falhas de governo, só que não se pode
indústria e total dependência das exportações de esquecer que após o início da crise econômica
gás, minério e soja, o que torna o país vulnerável houve uma grande abertura para ideias
às oscilações dos preços internacionais. A partir intervencionistas, ocorrendo uma legitimação
disso, compreende-se o apoio das massas a destas do ponto de vista ideológico, inclusive na
medidas nacionalistas. Devido a problemas de Europa e Estados Unidos. Assim, tem-se que a
informação e vieses de percepção tem-se que atuação do governo é solicitada e essencial no
nem sempre, o que o eleitor mediano deseja é controle do mercado, mas da mesma forma que
compatível com o bem estar agregado da é preciso tratar dos fracassos do mercado, deve-
sociedade. Por isso, pode-se pensar nesses se lembrar que há os fracassos do governo,
governos agindo para implementar aquelas porque as instituições públicas também são
políticas que maximizem os seus votos, fazendo, imperfeitas, sendo completamente influenciadas
efetivamente, o que quer a maioria dos eleitores. pelo jogo político. Não se deve por isso, abdicar
da presença do Estado nem reduzir sua atuação,
Em última análise, observa-se que o que
mas sim desvendar qual a melhor maneira do
esses governos fizeram não foi uma loucura. De
governo intervir no mercado sem gerar grandes
um ponto de vista político, há um método, uma
distúrbios ou introduzir novos problemas.
lógica dos ganhos políticos táticos de curto prazo.
Ao mesmo tempo em que há uma
Junho de 2012 12
13. PET-REL
Análise de Conjuntura
O Fenomeno do Intermestics e á Conjunturá dá
Políticá Externá Argentiná
por Pedro Henrique de Souza Netto
Com a aproximação do dia 2 de abril de Egito em 2011, na Grécia em 2008, e na
2012, quando se completou o 30º Argentina em 2001. Vinda de um
aniversário da Guerra das Malvinas, período de estagnação econômica e
notou-se grande movimentação encorajada por medidas do Fundo
diplomática por parte da República Monetário Internacional, a República
Argentina a fim de novamente inserir o Argentina tomou diversas medidas
tema na agenda internacional. No dia 17 liberalizantes em sua economia na década
do mesmo mês, a presidência daquele de 1990. Tais medidas, que consistiram,
país decretou a nacionalização da por exemplo, na privatização da
petrolífera YPF, então subsidiária da petrolífera YPF, e na adoção da plena
espanhola Repsol, medida que veio a ser, conversibilidade do Peso em Dólar norte
em seguida, aprovada pelo parlamento. americano a uma paridade fixa,
Tais ações coincidem com um significaram a renúncia de soberania e
crescimento da pressão inflacionária poder estatais sobre a economia, na
naquela nação, que ainda se lembra medida em que o poder decisório
amargamente dos episódios ocorridos em relativo a um setor estratégico foi
2001. Essa situação remete a um transferido a agentes externos e se abriu
recorrente fenômeno em nações do mão da política monetária. Isso, contudo,
Oriente Médio: o intermestics não foi capaz de manter uma longa era de
(KORANY, 2008). crescimento econômico no país austral,
levando a uma grave crise institucional e
Observando as diversas realidades
econômica que atingiu seu ápice em
presentes em nações do Oriente Médio e
dezembro de 2001, quando o governo
Norte da África, o egípcio Bahgat Korany
declarou a maior moratória de dívida
cunhou o termo intermestics. O
soberana do mundo até então.
professor define o neologismo como um
conceito que “denota a próxima Desde a moratória declarada em
interconexão e sobreposição entre as 2001, é notável o interesse dos governos
dimensões internacional e doméstica de argentinos em, reagindo ao processo
processos e interações sociopolíticos. […] desencadeado pela globalização,
É, assim, o reflexo da globalização, reafirmar sua soberania adotando
caracterizada pela retração do Estado [...] políticas que muitas vezes unem as
e ascensão de intensas interconexões dimensões doméstica e internacional.
sociais e rápida circulação de ideias” Uma possível interpretação para esse
Dessa forma, o autor define um movimento seria que, com a perda da
fenômeno que pode ser observado não soberania estatal, o chefe de estado
apenas em seu campo de estudos perderia também seu poder,
original, mas também na atual Argentina. contrariando o animus dominandi
(desejo natural de todo ser humano pelo
O processo de globalização
destacado pelo professor Korany pode poder) proposto por Morgenthau.
claramente ser notado, por exemplo, no
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14. PET-REL
Análise de Conjuntura
De qualquer forma, seguindo a a nação sul-americana junto à
política de fortalecimento da soberania Organização Mundial do Comércio. A
nacional, os últimos governos argentinos, União Europeia e os Estados Unidos da
lançando mão de um discurso América posicionaram-se também
nacionalista, tomaram diversas medidas contrários à nacionalização da companhia
internas que afetaram também a política petrolífera, afirmando que tal medida
externa da república. A recente “batalha” poderá influenciar negativamente os
pelas Ilhas Malvinas gerou certo mal estar investimentos estrangeiros na nação
no ambiente internacional, chegando a portenha. Domesticamente, entretanto, a
nação sul-americana, inclusive, a medida também encontrou grande apoio
apresentar sua reclamação de soberania em numerosos setores da sociedade.
perante a ONU. Apesar dessa situação e Em suma, pode-se constatar que,
do consequente enfraquecimento das
no caso argentino, o governo, reagindo ao
relações entre Argentina e Reino Unido, já registrado enfraquecimento de
entretanto, as movimentações soberania nacional causado, em última
diplomáticas da nação austral obtiveram instância, pela globalização, toma
maciço apoio popular doméstico. Outra medidas que mesclam políticas
medida argentina, ainda mais internacionais e domésticas, contando
característica do intermestics, foi a sempre com o apoio de amplos setores
recente nacionalização da YPF. A ação, da sociedade. É relevante destacar,
considerada pelo governo brasileiro contudo, que a questão não se restringe à
como uma “questão interna” daquele Argentina, já que existem evidências de
país, apresentou claramente grande que o fenômeno esteja se manifestando
reação internacional, e, segundo certos também na Bolívia, sem que se esqueça
governos, contrariou diversos acordos da Venezuela. Assim, nota-se que, a
internacionais, entre tratados bilaterais
despeito de ser inicialmente observado
entre Argentina e Espanha e demais no Oriente Médio, é possível constatar
compromissos internacionais. Enquanto que a ocorrência do intermestics
o México (acionista minoritário da ultrapassa as fronteiras daquela região,
Repsol) acusou a Republica Argentina de tornando o neologismo ainda mais
contrariar tais tratados, a Espanha abrangente e relevante aos estudiosos das
declarou que prestaria uma queixa contra Relações Internacionais.
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15. PET-REL
Análise de Conjuntura
Máli e o novo desenho áfricáno: quem se
importá?
por Rodrigo de Sousa Araújo
“Nulo e sem força legal”. Com essas Primeiramente, sublinham-se
palavras a ECOWAS – Comunidade questionamentos quanto à aceitação
Econômica para os Estados Africanos legítima do novo Estado de Azawad. Em
Ocidentais – define o golpe militar de primeiro nível, é difícil alcançar uma
Estado ocorrido na República de Mali coerência interna ainda na própria região,
em 22 de março de 2012. Sob o já que sua população é composta
comando do Capitão Amadou Sanogo, principalmente por tuaregues, mas não
líder do Comitê Nacional de Restauração em maioria absoluta. Assim, as
da Democracia e do Estado (CNRDR), o disparidades de preferência entre o
Movimento Nacional de Libertação de pastoril nômade, característica principal
Azawad (MNLA) declara de forma daqueles tuaregues, e aqueles que vivem
unilateral a independência da região da agricultura fixa na região, dependendo
norte de Mali, Azawad, acompanhada da de forma direta do controle ou, ao
queda do então presidente maliano menos, apoio de um governo estável. A
Toumani Touré. nova dinâmica, imprevisível, ilegítima e
“crua”, coloca em xeque a durabilidade
As linhas mestras do movimento
de aceitação da própria população
independentista foram planejadas por
habitante da parte norte de Mali.
insurgentes do povo Tuaregue,
tipicamente nômade e que habita além Ainda, o aspecto da ilegitimidade
do norte do país, grande parte da Argélia, parte do plano interno e econômico para
Líbia, Niger e Burkina Faso, todas ex- o internacional e político. Passados dois
colônias francesas. O objetivo dos meses do golpe proferido, é irrefutável a
revoltosos era não somente tornar não aceitação da separação de Mali e
independente Azawad, mas criar um Azawad pela comunidade internacional.
novo Estado formado também por Para tanto, ainda são mantidas políticas
tuaregues daqueles outros países. de embargo e isolamento diplomático
por parte de países próximos, como
Entretanto, estranha-se o fato de
Guiné-Bissau. O Conselho de Segurança
que pouca atenção vem sendo
das Nações Unidas continua a reiterar o
direcionada ao novo cenário maliano, por
não reconhecimento do novo Estado,
vezes reconhecido como um dos regimes
assim como a União Africana e o
políticos mais estáveis da África, em
ECOWAS, como acima mencionado.
níveis comparados aos da região. Tal
Potências internacionais e regionais,
silêncio não se refere somente à
como Estados Unidos, África do Sul e a
comunidade internacional política como
Liga Árabe em geram também expressam
um todo, mas principalmente por parte
repúdio à nova divisão.
da mídia, crucial na formação de opinião
pública transnacional. Desta forma, torna- Estranha-se também o relativo
se necessário levantar a resposta chave silêncio do governo brasileiro com
para a região. relação ao novo panorama observado no
norte africano. O Ministro das Relações
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16. PET-REL
Análise de Conjuntura
Exteriores, Antonio Patriota, resumiu-se Nações Unidas para Refugiados
a manifestar apoio, caso necessário, às (ACNUR). Tal situação recoloca em tela
atividades da União Africana no intuito a “Primeira Revolução Tuaregue”, entre
de restaurar a ordem constitucional e a os anos de 1962 e 1964, a qual se
democracia no país por meio da traduziu na fuga de milhares de malianos.
moderação e do repúdio à força. A Num cenário no qual cálculos de
mesma indiferença foi tomada por ganho neutros sobressarem a cultura de
Burkina Faso, Chad e Benin, que juntos segurança humana, a prospecção mais
e Mali e apoiados pelo Brasil formam o viável é a de uma negociação bilateral
Cotton-4 (C-4), recente programa de para a reintegração da região de Azawad
apoio ao desenvolvimento do setor no sistema de Mali, assim como antes.
cotonícola nestes países, com o objetivo Devido à relutância em reconhecimento
de enfrentar os subsídios dos Estados
e às sansões transnacionais e, ao mesmo
Unidos e da União Europeia a seus tempo, a indiferença internacional
produtores, considerados “injustos” pelos imposta, as chances de uma manutenção
membros do C-4. do novo status quo na região são
O cenário mostrado ilustra o improváveis. A falta de comércio
problema genérico causado pelo golpe de internacional, instituições políticas e,
Estado maliano; entretanto, pouco se ainda, apoio consensual da própria
lembra de que o desafio maior paira população traduzem-se em
justamente na resposta internacional à reversibilidade da dinâmica atual. Assim,
situação. A Human Rights Watch assinala acredita-se que o próprio curso dos fatos
que ambas as regiões caminham para responsabiliza-se por reunificar a região.
uma nova crise humanitária, em Por outro lado, teme-se que tal rearranjo
consequência da falta de suprimentos ocorra de forma tardia e, ainda, violenta.
alimentares, somada aos altos índices de Desta maneira, a divisão de Mali não
violência no país. A imposição de resultará tão cedo em uma remodelação
embargo e o corte de fornecimentos do continente africano, adicionando em
básicos ao país contribuíram não para sua geografia mais um Estado. Contudo,
estabilizar politicamente o país, mas, sim, deve-se sublinhar que a instabilidade dos
para acentuar o caos humanitário no país. interesses políticos é tão incerta quanto o
Como esperado, o número de refugiados futuro maliano, podendo assumir novas
malianos para a Argélia aumentou em rotas de forma repentina e
níveis preocupantes, como constam incompreensível.
relatórios do Alto Comissariado das
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17. PET-REL
Análise de Conjuntura
The mány Sudáns: wár, ethnic nátionálisms ánd
citizenship
por Victória Monteiro da Silva Santos
Over six hundred ethnicities and People‟s Liberation Movement/Army
sub-ethnicities. More than a hundred (SPLM/A), since 1983. SPLM/A has
languages and dialects. That is the played a major role in South Sudanese
miscellaneous which composes the two independence and in its current politics,
countries we now call Sudan and South and continues to pressure the Sudanese
Sudan. Even after Sudanese state in certain regions, such as South
independence from the Anglo-Egyptian Kordofan.
domination in 1956, the history of former One of the Sudanese regions
Sudan has been marked by more or less claiming for autonomy was Darfur, in
violent attempts of cultural imposition Western Sudan, where Omar al-Bashir‟s
and assimilation, leading to an untenable government has been accused of
situation. Since 2011, the referendum in negligence and of financing the Janjaweed
South Sudan and the establishment of the militias to systematically murder the
new state, followed by its international Darfuri population. Al-Bashir‟s
reconnaissance, contributed to condemnation by the International
multiplying hopes around the future of Criminal Court (ICC) in 2005 has
the countries. However, recent violent contributed to bringing international
developments between the two states, as
attention to the region. However, the
well as the continuing crisis in other impunity in the case – as al-Bashir not
Sudanese regions such as South only walks freely but continues to be the
Kordofan, demonstrate that the problems president of Sudan – compromises the
in the region are far from solved. role of the ICC in bringing hope and
As mentioned, the state of Sudan justice to the region.
has become independent from Great Another „rebel‟ region was the
Britain and Egypt in 1956. The newly South, with which the Sudanese central
constituted central Sudanese state has government has signed agreements
then established the Arab as official regarding political and cultural autonomy
language in the country, and the Islam as which culminated at the 2005 Naivasha
official religion. Less than a decade later, Treaty. This treaty determined the
in 1964, riots have gained dimension at execution of the Januray 2011
the “October Revolution”. At the referendum, in which over 98% of the
revolution, demonstrators protested population in South Sudan has voted for
against the process of forced Islamization the constitution of a new country. Rapidly
of regions where other beliefs, such as recognized by the international
Christianity and Animism, prevailed. The community, the new state has been
next decades have been marked by claims officially established in July 2011, with the
of various Sudanese regions for more support of the United Nations Mission in
autonomy and for a more fair distribution South Sudan (UNMISS). Many issues,
of national resources. The oppression of though, were still to be solved, such as the
the central government on other regions delimitation of boundaries, distribution of
has fueled the ascension of the Sudan
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18. PET-REL
Análise de Conjuntura
oil profits, and citizenship issues. This last the two states have been dealing with the
problem has become more urgent on problem, however, clearly reflect their
April 9, when a Sudanese law was passed specific view on the meaning of
considering any Southerners in the nationalism. Al-Bashir‟s government
country as “foreigners”; and on the next struggles to keep its legitimacy in spite of
day, when South Sudan passed a similar territorial losses, which motivates the
law regarding Northern persons. With oppression of remaining rebel regions.
the major influx of returnees to South Kiir‟s government in South Sudan tries to
Sudan – over 370,000 since October construct a national identity from scratch,
2010 – reconnaissance as citizens unifying people who pertain to different
becomes an urgent issue which has been tribes around a common hatred towards
challenging the authorities in the newly- the Sudanese Other. Struggles related to
formed country, putting thousands under the reconnaissance of citizenship in both
risk of statelessness. Besides, the countries reflect the attempts of
increasing tensions between the two states constructing ethnic national identities,
regarding the extraction of oil in South departing from the rejection of the
Sudan and its transport through Sudan foreigner. At the same time, difficulties in
has contributed to spreading fear and defining who should be a citizen from
despair among those living along the each country, alongside the internal
border, or crossing it. problem of accommodating ethnic
groups in both states, demonstrate the
Difficulties in obtaining
failure of such nationalism model for
citizenship rights have also been an issue
strengthening identities in the region. The
for other minorities in the Sudanese
continuation of such efforts may only lead
country, especially those living closer to
to the expansion of the current
the border with South Sudan. That is the
humanitarian crisis to unstoppable levels,
case of the inhabitants of the Nuba
turning the current „chicken game‟
Mountains, in South Kordofan. The
between al-Bashir and Kiir into no more
Nubans have fought alongside South
than a no-win situation.
Sudanese rebels in their secession
conflicts, but after the new country was Only when authorities in both
formed, South Kordofan has gone back countries start perceiving their respective
to being a forgotten part of Sudan. The national identities in civic terms, there will
oil reserves in the region fuel violent be a possibility of true dialogue between
attacks perpetrated by al-Bashir‟s the two and with representatives of
government on the region‟s civilians, minority ethnicities. In such nationalism
leading to an overflow of Nubans to the paradigm, people have the possibility of
contested territory where the Yida acquiring a nationality, since this is not
refugees‟ camp is located. Rising levels of defined around primordial characteristics.
orphanage and hard access to documents Such right is especially crucial in times of
have increased the levels of statelessness transition, where large groups have
in this region as well, depriving Sudanese reasons to identify to more than one
people of their right to a nationality. state. More than the granting of
citizenship rights, the promotion of a civic
Those many conflicts in the
nationalism requires the strengthening of
region have an undeniable material basis,
democratic institutions, which are
as most of the oil reserves from former
inclusive of different ethnic groups, and
Sudan were concentrated in the South or
in other periphery regions, such as not oppressive to those. We are certainly
speaking of a process which does not take
Darfur or the Nuba mountains. The way
place overnight. Such process, however,
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19. PET-REL
Análise de Conjuntura
has to be increasingly faced as a goal, bring more suffering and destruction to
since the continuing promotion of populations who have already had more
xenophobic nationalisms in the region, than enough of it.
through the use of violence, can only
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20. PET-REL
Análise de Conjuntura
Pártnership Among Equáls
por Stefanos G. C. Drakoulakis
The recent movements observed in the policy history, the bid for global insertion,
Brazil-United States relations could raise nor when the national interest assumes
a wide range of questions. One of the greater importance in Brazil, the relations
recent events, The VI Summit of the with the United States were regarded as
Americas, is critical when we wonder how unnecessary, nor that openly facing the
the government of Dilma Roussef United States were an option.
conceptualizes such relations. Even So if the relations with the United
though the stated “partnership among States are extremely important to the
equals” could mean nothing but a wish, Brazilian government, what could this
this skeptical vision does not fully movement, that has been taking place not
correspond to the facts. On the other only for this government but since the
hand it is expected that the Brazilian Lula‟s administration, mean? In this
movement aiming consolidating its global article, what it‟s pursued is to show a
position will lead the country inevitably to continuous movement in the Brazilian
some sort of clash with the United States. foreign policy that does not break up with
In this brief analysis what is sought is to the history of such relations. On the
reach a middle ground in between too far contrary, it reaffirms the central position
pessimistic and optimistic views. Also it‟s of the United States in our foreign policy,
formed a third option to this complex but also shows that independence in
movement. Brazil is not necessarily movements is also highly valued. First it is
rivaling with the United States, instead it needed to dedicate some part of the
is competing. argument analyzing the most common
Concerning Brazilian relations positions about the Brazilian global
with the rest of the world, United States insertion concerning its relations with the
have been regarded as a major partner. United States of America.
The Americanism paradigm has been To illuminate the skeptical
one of the paths that Brazil has used to position it is necessary to look the way
enhance its position in the global context. they do. Brazil has resorted to speech for
The “Barão do Rio Branco” has seen the striving for its interests. In most of cases,
centralism that the relations with the the Brazilian argumentation was bolstered
United States would assume in the long by the international law and morality. In a
run. With some setbacks the United
realistic view, these are the weapons of
States remained until the government of the weak. Therefore, the phrase of Dilma
Jânio Quadros (1961) the central Roussef would likely fit into this kind of
fundament of the Brazilian foreign policy. discourse, even though it‟s acknowledged
But even in the 70s and 80s, especially that Brazil has relatively gained
with the Ecumenical and Responsible importance in the recent scenario. Brazil
Pragmatism (Pragmatismo Responsável e does not possess the same bargaining
Ecumênico) the relations with United powers that had had with Getúlio Vargas
States were taken as central. The major and in the end of the day the diplomacy
point here is to state that neither with would just cover another failed
changes during the Brazilian foreign movement that has struggled for
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21. PET-REL
Análise de Conjuntura
constructing a reserved space in South see that the confrontation will be open
America for Brazilian influence. and vast. These fraught views carry with
Therefore, Brazil would just be acting as them some sort of misinterpretation both
a rational actor that finds ideas the only of movements of the United States and
way to create an atmosphere that can the history of Brazilian foreign policy.
favor its interests. First, the United States is seeking to
guarantee the maximum of support it can
A sort of “chicken fly” (it doesn‟t
to regain socially and economically the
stay long in the air) would best describe
South American region. As their
this kind of skepticism. But the recent
leadership is being constantly questioned,
exchange of visits between the Brazil and
the necessity of the Obama
United States, the signature of few
administration giving another face to the
understandings shows that more
United States foreign policy is one of the
importance is given to these relations, not
biggest issues of his government. On the
only by Brazil (as this vision would
other hand, United States desires to fix an
certainly expect), but also by the United
impression of its new features as the
States. The header of the State
leader of the continent. The Obamas
Department has made clear the position
administration since its beginning has
of the United States. The country wishes
sought to get out of the traditional hard
to take a greater hole in the Brazilian
economy. It could be inferred that the power way of conducting politics. So a
United States interested in cooperation
United States also wants to regain the
(even if it‟s for selfish reasons) has to have
position of primacy that once has held.
a more flexible policy. On the other
So the notorious importance given to the
hand, Brazilian foreign policy is walking
Brazilian economy could mean that
on no new path. The same principles, the
Brazil actually has some sort of influence
same view and most important, the same
in the path of these relations. Nothing
position is given to United States in our
like the automatic alignment is observed
foreign policy. But as the national interest
these days. Liking or not, when faced by
has achieved a greater role in the
these facts, it doesn‟t matter the
definition of how Brazil will behave at the
interpretation of the skeptics, it has to be
international arena, then we could see
recognized that Brazil has changed and so
some minor clashes in the long run.
does their relations. What it is very useful
United States is way too important to the
of this kind of view is the possibility of
Brazilian policy. So identifying a
questioning the boundaries of the
confrontation policy in the planning of
Brazilian position. There are
Brazilian foreign policy is unlikely to
containments that make the “partnership
happen. Brazilian government seeks to
among equals” to be an idealistic type of
cooperate with the United States.
such relations. Whenever the United
However there‟s a big difference between
States firmly decides to hold its ground,
cooperation and bandwagoning, and the
it‟s unlikely that the relations among them
Brazilian government won‟t just be a
hold any equality.
follower of the United States, instead
Now the second proposition is Brazilian government seeks the place of a
taken under scrutiny. Will Brazil actually partner.
clash with United States? This can be a
Finally, when both positions were
tricky question. Depending on how we
questioned, it‟s possible to take advantage
expect to see the clash, there are multiple
interpretations. Here the argument aims of the strong points of them and indicate
the variables that will certainly have some
to restrict the most radical views which
impacts in the future of these relations.
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22. PET-REL
Análise de Conjuntura
To say that Brazil will move depending on results of the American
independently from the United States elections we should see the continuity
position it is equivocal. But stating that conversation in different points of view.
Brazil will in some point turn to the The difficulties will inevitably rise and
United States desires, even if those there will be no compromise. But United
collides with the Brazilian ones, it‟s States is consolidating in the Brazilian
childish. The major point is to see the view not as a target, or a hated hegemon,
phrase of the Brazilian states woman not but as good chance to promote Brazilian
as a radical change, but as the interests. And everything indicates that
confirmation of a broader historical the vision is reciprocal.
movement. Affirming this is to say that,
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Análise de Conjuntura
Trádiçáo, descontinuidáde e o futuro dá Coreiá
do Norte
por Patrícia Nabuco Martuscelli
O lançamento do foguete norte-coreano Sung (avô de Kim Jong-Un) participou da
Taepodong-2 no dia 13 de abril e sua guerra que levou à expulsão japonesa e
queda após cerca de um minuto no Mar fundou o país em 1948. Por isso, Kim Il-
Amarelo poderiam ser considerados Sung é considerado o salvador e pai da
como uma outra tentativa fracassada da pátria. Frente a esse histórico colonizador
Coreia de Norte de defender seu lugar é interessante perceber a importância
como “potência mundial” a ser temida, dada pelo governo de parecer um país
mas a repercussão desse caso foi maior. forte que pode usar a força contra seus
Como em ocasiões anteriores, o país inimigos a qualquer momento,
anunciou suas intenções (colocar em principalmente se for atacado.
órbita o satelite Kwangmyongsong-3) Os norte-coreanos são ensinados
rompendo com compromissos desde pequenos que sua raça é a mais
previamente assumidos (no caso, um pura e superior, que os outros países são
acordo com os Estados Unidos da maus e que eles precisam de uma figura
América) e aumentando a tensão entre poderosa para liderá-los. Além disso, eles
seus vizinhos. O Conselho de Segurança acreditam que seu líder supremo tem
das Nações Unidas condenou essa todas as qualidades essenciais para
atitude. Japão, Coreia do Sul e Estados
governar e possui conhecimento sobre
Unidos apresentaram suspeitas quanto às todos os assuntos. Para garantir tal
intenções pacíficas do país. A Coreia do ideologia, o governo conta com um
Norte por sua vez alegou que era seu aparato para exaltar o clã dos Kim
direito soberano desenvolver um composto por propaganda, disciplina e
programa espacial pacifico. Por fim, com repressão, inseridos em uma estrutura
o fracasso do lançamento, o que poderia social. Contudo o grande número de
ter levado a maiores questões foi mercados negros que estão se espalhando
percebido pela comunidade internacional pelo país e os mecanismos para burlar a
como uma vergonha para o governo censura (como o uso de aparelhos
norte-coreano. celulares perto da fronteira da Coreia do
Não é a primeira vez que uma Sul que realizam chamadas para a
tentativa norte-coreana falha, contudo mesma) estão mostrando para uma parte
algumas posturas do país frente a isso da população como vivem as pessoas fora
podem sinalizar possíveis mudanças em do regime. Diferentemente do que é
suas estruturas internas. A Coreia do defendido pelo governo, alguns norte-
Norte é um país extremamente fechado coreanos passam a perceber a melhor
com uma forte ideologia que legitima os qualidade de vida e as vantagens (tais
atos governamentais e garante o apoio como respeito às liberdades
populacional ao regime. A região das fundamentais) existentes em outros
Coreias foi dominada de maneira brutal países, o que inspira questionamentos
pelos japoneses de 1910 a 1945. Nesse contra o governo e tentativas, muitas
período, foram reprimidas a cultura, o vezes bem-sucedidas, de ir para esses
idioma e as identidades coreanas. Kim Il- lugares.
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24. PET-REL
Análise de Conjuntura
A população sofre com os efeitos próspera. Isso pode ser visto devido ao
da crise de fome que atingiu o país e modo como a população e o partido
matou cerca de 1 milhão de pessoas na veem o novo líder de pouco idade,
década de 1990. O Programa Mundial de experiência e falta de autoridade se
Alimentos das Nações Unidas acredita comparado com seu antecessor. Assim, a
que dois terços da população do país decisão do governante pode ser uma
vivem com o equivalente a cerca de 400 tentativa de legitimar seu poder para a
gramas de grãos diários, distribuídos pelo população e o próprio partido além de
Estado em um sistema de cupons, a mascarar a fraqueza do Estado para o
metade do mínimo necessário. Contudo, plano interno e para comunidade
de junho de 2011 até a nova colheita, a internacional, visto que a Coreia do
população deve receber 380 gramas por Norte passa por uma estagnação
adulto, e durante os meses de entressafra econômica e uma crise alimentar.
no verão do Hemisfério Norte 150 Ao se tratar da Coreia do Norte
gramas. Por essas razões, um em cada muitas são as contradições e mudanças
três coreanos tem baixo desenvolvimento que podem ser vistas nessa transição de
físico e mental e aproximadamente poder. A primeira delas é o fato de as
metade das crianças tem desnutrição mídias estatais norte-coreanas terem
crônica, sendo que 23% estão abaixo avisado o fracasso do lançamento do
peso. foguete para a população, coisa nunca
Sobre esse assunto, o acordo antes observada na história do regime. A
assinado com os Estado Unidos da segunda é o próprio acordo alimentar
América (EUA), em troca de 240 mil de com os EUA que mostrou para a
toneladas de um mingau de milho e soja comunidade internacional a fraqueza e
misturado com óleo vegetal para situação precária do país. Além disso, foi
alimentar crianças abaixo de 10 anos e priorizado, nesse momento, a população
mulheres grávidas, pode ser visto como civil em detrimento de questões militares.
uma inflexão do governo norte-coreano e Essa consideração poderá vir a ser
uma certa preocupação com as condições observada em próximas ações
de sua população interna. O acordo, que governamentais. Contudo, Kim Jong-Un
poderia ter ajudado 2,4 milhões de necessita se firmar no cargo como líder
pessoas, foi amplamente celebrado pela supremo, principalmente para o partido,
comunidade internacional visto que a dessa forma resolveu voltar atrás e
Coreia do Norte se comprometia a retomar o discurso proferido por seu pai
suspender lançamentos de mísseis de até então.
longo alcance e testes nucleares, além de Muitas ações contraditórias da
aceitar inspetores da Agência Coreia do Norte poderão ser percebidas
Internacional de Energia Atômica em seu no futuro. Isso porque o regime interno
território. do país na pessoa da Kim Jong-Un está
Contudo, o novo governante oscilando entre desenvolver sua própria
preferiu desconsiderar o compromisso política voltada para aspectos que ele
firmado em 29 de fevereiro e lançar o considere importante e a necessidade de
foguete. Essa reviravolta no discurso de justificar e legitimar seu poder para seus
Kim Jong-Un pode ser entendida como pares do partido com uma continuação
uma forma de seguir as diretrizes de seu da política de seu pai. Nessa balança,
pai (Kim Jong-Il) que priorizava as forças deverão ser considerados ainda outros
armadas e o programa nuclear para fatores como a entrada cada vez maior de
construir uma nação poderosa e informações que vão contra e
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25. PET-REL
Análise de Conjuntura
descaracterizam o regime norte coreano e internacional. Mesmo porque o fracasso
a possibilidade de mais uma onda do lançamento do último foguete revelou
significativa de mortes causadas pela as limitações tecnológicas da Coreia do
fome. Frente a esse cenário não é Norte, o que não elimina as
provável que a ideologia apenas consiga preocupações do mundo quanto às
manter o sistema sociopolítico norte intenções e o poder nuclear norte
coreano. coreanos. Mas mostra as fraquezas de um
país que não consegue alimentar sua
Nesse momento, o regime
população por priorizar questões
devesse talvez primar o plano interno,
militares e nem nessas obter pleno êxito.
especialmente as condições de vida de
sua população, do que tentar se firmar
como potência ameaçadora no plano
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26. PET-REL
Análise de Conjuntura
Instábilidáde e militárizáçáo crescentes ná Asiá:
mudánçás e continuidádes ná Coreiá do Norte
por Lucas Santiago Brasileiro
Há mudanças na Coreia do Norte. Desde notável. De maneira similar como ocorre
a morte de Kim Jong-il, em 17 de há anos, Kim Jong-un dá sinais de que a
dezembro de 2011, seu filho, Kim Jong- Coreia da Norte continuará com sua
un assumiu o governo do país. Há dois política de chantagem. Em termos curtos,
pontos-chave que se pretendem essa política consiste em promessas
desenvolver aqui: a relação contraditória políticas à comunidade internacional,
entre o culto da imagem e a condução da como desmilitarização e reformas
política externa no país. Pretende-se econômicas e sociais, em troca de auxílio
também traçar brevemente a viabilidade externo, principalmente alimentos. Com
de reformas de cunho político- essas promessas, que nunca são
econômico no país, e repercussões compridas, a Coreia do Norte assegura
futuras. auxílio, principalmente dos Estados
Unidos e das Nações Unidas.
O culto à personalidade na
Coreia existe desde 1972. Bradley No entanto, a política acima
Martin, jornalista que visitou o país em descrita dá sinais de desgaste: os Estados
1979, notou que quase todo tipo de arte Unidos recentemente suspenderam o
glorificava o chamado Grande Líder, envio de 240 mil toneladas de alimento
Kim Il-sung. Até hoje, a situação no país ao país. Isso ocorreu devido à insistência
aparenta não ter se modificado muito. da Coreia do Norte em lançar um
Seu filho Kim Jong-il propagou um culto satélite, em abril desse ano, no
à imagem diferenciado. A imagem que aniversário de 100 anos da nascimento de
transmitia à população era diferente: mais Kim Il-sung. Por sinal, o lançamento do
reservado, mal fazia aparições, e deu satélite foi um fracasso, e foi notório o
apenas um discurso público durante seus fato do governo de Pyongyang divulgar
vinte anos no poder. Com sua morte, no essa informação em rede pública.
fim do ano passado, características novas Reforçando a noção de rompimento com
são perceptíveis no culto à imagem dos a imagem do pai, Kim Jong-un, nesse dia,
Kim. O novo líder, Kim Jong-un, é deu seu primeiro discurso público.
frequentemente é visto sorrindo em fotos, O fato de Kim Jong-un se mostrar
próximo aos militares e seus mais próximo da população do país, e a
subordinados. Esse tipo de atitude seria mídia, ao contrário de previsões, divulgar
impensável por seu pai. A postura de o fracasso do satélite, não representam
Kim Jon-un, por sua vez, é similar à de uma nova política de abertura. Não é,
seu avô, que também se mostrava como como podem afirmar alguns, o início de
uma figura paternalista, sempre uma Perestroika norte-coreana – a Coreia
abraçando e protegendo a nação norte- do Norte não irá passar por reformas tão
coreana. cedo. A continuidade do programa
Apesar da modificação na forma nuclear e do lançamento de mísseis é
como é conduzido o culto à imagem, a necessária para relembrar à comunidade
continuidade na política externa do país é internacional: apesar da imagem sátira
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que muitas vezes tem-se da Coreia do pode dizer que tudo o mais pode ser
Norte e de seus líderes, o país continua mantido constante em relação ao
sendo a ditadura mais fechada do ambiente externo. As atitudes da Coreia
planeta. Apesar de grave crise econômica do Norte geram reações diferentes dos
e da fome que o país enfrenta, a países da região, reações essas que
habilidade dos Kim de se manter no mudam perceptivelmente em curto
poder é inquestionável. Não há brechas espaço de tempo.
para contestação do regime: calcula-se A necessidade da Coreia do
que entre 150 e 200 mil pessoas Norte de insistir na política nuclear e no
continuam nas prisões do país. envio de lançamentos e satélites está
Caso ocorressem, reformas estritamente relacionada com a
econômicas e políticas certamente teriam necessidade de legitimar-se como uma
duas consequências claras. A primeira, ameaça e uma potência militar na região.
mais notória, é a de que algumas delas Em relação a suas políticas, o Japão já
poderiam diminuir a gravidade de afirmou que caso algum objeto norte-
problemas socioeconômicos. Um coreano se aproxime de seus territórios,
exemplo claro é a crise de fome no país, usará da força para se proteger. O país
que jamais deixou de assolar a Coreia do tem até falado em reconstruir seu
Norte desde a década de 1990. exército, uma instituição que não existe
Determinadas reformas provavelmente desde sua derrota na Segunda Guerra. A
tornariam a distribuição de alimentos China também vem demonstrando uma
essenciais mais igualitária e eficiente, mudança em seu discurso em relação a
inclusive de recursos advindos de auxílio Coreia do Norte – de apoiadora, a China
externo, como aqueles enviados pelas passa a ver com cada vez mais
Nações Unidas. A segunda consequência desconfiança as atitudes de seu vizinho na
de reformas econômicas e políticas seria, península. Tal fato pode ser observado
por outro lado, admitir a falha no sistema pela posição chinesa de condenar o
político que vem sendo conduzido há lançamento do satélite norte-coreano no
décadas e, nesse sentido, admitir também Conselho de Segurança. A China possuía
o sucesso da rival Coreia do Sul. Dessa a tradição de abster-se, ou ser contrária a
maneira, a criação de reformas condenações a Pyongyang.
implicaria, necessariamente, em perda de A relação entre as Coreias, por
legitimidade do regime em relação ao sua vez, é a que está mais deteriorada.
ambiente interno, algo impensável para o Desde que Kim Jong-un subiu ao poder,
atual governo norte-coreano. a agência de notícias da Coreia do Norte
Dessa maneira, é possível chegar – Korean Central News Agency of DPRK
em algumas conclusões a respeito do – tem feito várias ameaças ao presidente
futuro da Coreia do Norte. Tudo o mais sul-coreano, Lee Myung-bak.
constante, não se pode inferir que Comparando o líder a um rato, as sátiras
reformas ocorrerão a curto prazo. A e provocações da agência, que muitas
probabilidade de que o regime acabe por vezes parecem infantis, devem ser levadas
ruir por dentro nos próximos anos, por a sério. Não se deve esquecer que o país
sua vez, é baixa, admitindo-se que o é o mais militarizado do mundo. Lee
mesmo manteve-se razoavelmente estável Myung-bak já admitiu que a política do
por décadas de crise. O culto à imagem, governo anterior, de aproximação entre
apesar de apresentar aspectos diferentes, as Coreias, foi extremamente mal
continua, assim como a política de sucedida. Kim Dae Jung, o formulador
chantagem do país. Entretanto, não se da Sunshine Policy, acreditava que
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concessões e auxílio poderiam impedir a quase certo, também, que em breve o
política nuclear da Coreia do Norte, ou país fará seu terceiro teste nuclear – a
ao menos tornar mais amistosa a legitimidade perante a comunidade
percepção de sua vizinha. Os resultados internacional, e também interna, depende
não foram positivos. Caso a Coreia do disso. E caso a política de chantagem se
Sul não lide com seriedade com as mostre realmente desgastada, tal
provocações, as relações podem se performance será necessária para
deteriorar muito mais, levando a Coreia manutenção da imagem que a Coreia do
do Norte a fazer outras demonstrações de Norte possui como ameaça. A volta à
poder, ou pior, a quebrar o armistício guerra continua uma aposta alta. Mas a
assinado em 1953. ausência de reformas e de mudanças
estruturais em instituições e política
Uma conclusão é certa: a política
externa preveem maus sinais: a
de chantagem não irá parar tão cedo.
militarização do Extremo Oriente, e sua
Essa política sempre teve custos
crescente instabilidade.
baixíssimos para a Coreia do Norte. É
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