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Universidade de Brasília
         Instituto de Relações Internacionais
         Programa de Educação Tutorial




      LARI
Laboratório de Análise em
 Relações Internacionais

         PET/REL
           UnB


Boletim de Conjuntura nº 15
       Junho de 2012
PET-REL
                               Análise de Conjuntura

Sumário

Introdução                                                     3


O Laboratório de Análise das Relações Internacionais           3


A conjuntura internacional entre janeiro e junho de 2012       5


O caso da YPF: na onda das nacionalizações sul-americanas?     7
           por Nuni Vieira Jorgensen

Irracionalidade econômica versus racionalidade política: uma   10
análise sobre as recentes nacionalizações na Argentina e
Bolívia
           por Erlene Maria Coelho Avelino

O Fenômeno do Intermestics e a Conjuntura da Política          13
Externa Argentina
           por Pedro Henrique de Souza Netto

Mali e o novo desenho africano: quem se importa?               15
           por Rodrigo de Sousa Araújo

The many Sudans: war, ethnic nationalisms and citizenship      17
           por Victória Monteiro da Silva Santos

Partnership Among Equals                                       20
           por Stefanos G. C. Drakoulakis

Tradição, descontinuidade e o futuro da Coreia do Norte        23
           por Patrícia Nabuco Martuscelli

Instabilidade e militarização crescentes na Ásia: mudanças e   26
continuidades na Coreia do Norte
           por Lucas Santiago Brasileiro

Contatos                                                       29




Junho de 2012                                                       2
PET-REL
                             Análise de Conjuntura

Introduçáo
Criado e implantado em 1979 pela            Programa foi coordenado pela CAPES.
Coordenação de Aperfeiçoamento de           A partir de 31 de dezembro de 1999, o
Pessoal de Nível Superior (CAPES), o        PET teve sua gestão transferida para a
PET – então Programa Especial de            Secretaria de Educação Superior, ficando
Treinamento e hoje Programa de              sob a responsabilidade do Departamento
Educação Tutorial – é um Programa           de Projetos Especiais de Modernização e
acadêmico     direcionado      a   alunos   Qualificação do Ensino Superior.
regularmente matriculados em cursos de              Desde     então,   vem     sendo
graduação.    Tais      estudantes    são   executado levando em conta as diretrizes
selecionados pelas instituições de ensino   e os interesses acadêmicos das
superior de que participam e se             universidades às quais se vincula, e que
organizam em grupos, recebendo              passaram a ser responsáveis por sua
orientação acadêmica de professores-        estruturação e coordenação.
tutores.
                                                    O PET/REL – Programa de
       O PET visa envolver os alunos        Educação      Tutorial    em     Relações
que dele participam num processo de         Internacionais – foi criado em 1993.
formação     integral, propiciando-lhes     Inserido    nos     grupos     PET      da
compreensão abrangente e aprofundada        Universidade de Brasília, orgulha-se por
de sua área de estudos. São objetivos       seu pioneirismo em levar o campo de
deste Programa: a melhoria do ensino de     estudos das relações internacionais para o
graduação, a formação acadêmica ampla       âmbito do Programa. O PET/REL hoje
do estudante, a interdisciplinaridade, a    conta com 14 alunos, que desenvolvem
atuação coletiva e o planejamento e a       atividades baseadas nas três funções
execução, em grupos sob tutoria, de uma     básicas da Universidade: ensino, pesquisa
gama     diversificada  de     atividades   e extensão.
acadêmicas. Até o ano de 1999, o




O Láborátorio de Análise dás Reláçoes
Internácionáis

No contexto do PET/REL, insere-se o                 O cerne das atividades do LARI
Laboratório de Análise de Relações          compõe-se de encontros mensais com
Internacionais (LARI), idealizado e         temas pré-definidos, nos quais os
organizado desde 2005. Concebido como       participantes são encorajados a indicar
atividade de pesquisa e extensão do         elementos de análise relevantes e a
trabalho do grupo a toda comunidade         identificar relações, explicações e
acadêmica, o LARI tem por objetivo          previsões relativas aos tópicos abordados,
observar a conjuntura internacional e       num esforço concertado e organizado.
produzir interpretações cientificamente     Após a discussão dos temas estabelecidos
embasadas acerca da mesma.                  nas reuniões mensais, os membros do


Junho de 2012                                                                    3
PET-REL
                            Análise de Conjuntura

PET/REL produzem análises de                  exercício intelectual de seleção dos temas
conjuntura, baseadas na premissa de que       tratados e da produção de análises. Seu
o estudo e a aplicação de metodologia e       intuito é eliminar arbitrariedade e
teoria científica permitem melhor             adquirir objetividade.       Desse modo,
compreensão acerca do comportamento           foram criados descritores para categorizar
dos atores internacionais.                    os temas selecionados e direcionar o
                                              exercício de produção das análises para
        O Laboratório de Análise de
                                              um foco mais acadêmico. Antes de expor
Relações Internacionais, desde sua
                                              os instrumentos de classificação, vale
concepção, constituiu-se num esforço
                                              ressaltar que as categorias não se esgotam
analítico que tem por meta capturar, de
                                              em si mesmas, podendo ser atualizadas à
forma clara e objetiva, os fatos da
                                              medida que houver necessidade de fazê-
conjuntura internacional que podem
                                              lo. A tabela a seguir lista os seis
engendrar-se com processos e dinâmicas
                                              descritores idealizados pelo PET/REL
mais amplos das Relações Internacionais.
                                              para classificação das análises de
Para tanto, buscam-se usar mecanismos
                                              conjuntura produzidas.
que possibilitem o enquadramento dos
fatos nas dinâmicas e que favoreçam o
             Descritor                                 Definição
Escalada ou estabilização         Vinculado à variável de aumento ou contenção da
de tensões e conflitos    violência, enquadrando dinâmicas tais como conflitos
                          interestatais, guerras civis e crises humanitárias;
Construção de governança            Desde a ótica multilateral, engloba processos
                            ligados a regimes internacionais e autoridade política para
                            gerenciar problemas e construir estabilidade no ambiente
                            internacional (no âmbito de ONU, OMC, organismos
                            regionais, G-8, etc.);
Exercício hegemônico ou         Aplicação da capacidade hegemônica para induzir a
contestação         anti- ordem internacional nos moldes e valores desejados, ou
hegemônica                movimentos inversos, de contestação dessa ordem e do
                          hegemon;
Integração                          Dinâmicas sistêmicas de desenvolvimento de laços
                            políticos, econômicos e sociais, que tenham por base
                            espaços interativos entre atores internacionais relevantes;
Transbordamento                     Processos de spillover, nos quais fenômenos
                            domésticos trazem repercussões para o âmbito regional ou
                            global: eleições, reivindicações por parte de grupos sociais,
                            etc.;
Mudanças e adaptações de         Dinâmicas influenciadas pelo nível de liquidez da
fluxos,      padrões   e economia ou capazes de causar modificações na liquidez,
estruturas econômicas    tais como taxas de juros, taxas de câmbio e fluxos de
                         capitais.




Junho de 2012                                                                        4
PET-REL
                             Análise de Conjuntura

A conjunturá internácionál entre jáneiro e junho
de 2012

A conjuntura internacional dos últimos      poder internacional, dadas interpretações
seis meses é o foco das análises aqui       sobre as intenções do país.
descritas. Em todo o mundo é perceptível            No      bloco    africano,   são
o     constante      rearranjo  político,   contrastados dois fenômenos que,
econômico, social e humanitário, que é      embora semelhantes em estrutura básica,
traduzido em novas demandas e               obtiveram resultados completamente
interesses internacionais. Comparando o     diferentes. O golpe de Estados anunciado
presente boletim com seus antecessores,     em março na República de Mali tornou
observa-se tal continuação que, embora      independente da região de Azawad, no
com novos elementos e atores, ainda         norte do país. Entretanto, a ruptura de
representa o ciclo de crises e suas
                                            Mali com aquela região ganhou destaque
repercussões em torno do cenário            pouco      gritante   na      comunidade
internacional.                              internacional em geral, apesar de apelos
        A renacionalizarão da empresa       remotos por parte de certos atores, que
petrolífera Yacimientos Petrolíferos        urgem pela importância da estabilização
Fiscales (YPF) pela presidente da           democrática no país e chamam atenção
Argentina, Cristina Kirchner, em abril de   para uma potencial crise humanitária no
2012, surge como agente de combustão        país.
para debates na América Latina acerca
                                                    Por outro lado, a nova conjuntura
das políticas econômicas recentemente       regional africana é colocada em primeira
adotadas na região. Com isso, a agenda      perspectiva com relação ao Sudão e ao
internacional é diretamente influenciada    recente Sudão do Sul, já reconhecido
por inquietações sobre a eficácia de        internacionalmente por diversos países e
intervenções estatais na dinâmica           organizações. Não obstante, perpetuam-
econômica internacional, representada       se silêncios entre as regiões que
não somente na Argentina, mas, também,      transcendem questões de identidade
em alguns de seus vizinhos e parceiros      nacional. Com eles, a sociedade
estratégicos, como Venezuela e Bolívia      internacional      vê-se     então       na
pela estatização de mercados-chave.         responsabilidade de observar e, acima de
         Ainda no cone latino-americano,    tudo, guiar a proteção internacional dos
a prospecção do Brasil na tela              direitos e da segurança de civis na região,
internacional assume cada vez mais          vítimas da crise que se iniciou ainda em
importância, o que é reforçado pela VI      2011.
Cúpula das Américas, acompanhada das               Já Coreia do Norte mantém-se
visitas de Dilma Rousseff e Barack          como objeto constante de análises
Obama nos Estados Unidos e no Brasil.       referentes à Ásia. Desta vez, a morte do
A diplomacia brasileira tem atraído         ditador Kim Jong-il e a ascensão de seu
holofotes em razão de seu lançamento        filho ao poder, Kim Jong-un, trazem
pragmático e, ao mesmo tempo, incisivo      novas      aflições    à     comunidade
no contexto internacional; porém, tal       internacional quanto ao futuro daquela.
status trouxe consigo ponderações acerca    Novas atividades nucleares alinhadas à
da real posição do Brasil no jogo de


Junho de 2012                                                                     5
PET-REL
                              Análise de Conjuntura

ainda incógnita das diretrizes políticas do   múltiplas fontes para crises, desde jogos
novo ditador são lidas com preocupação,       econômicos e políticos até rupturas na
colocando em xeque a segurança                segurança internacional representam a
internacional.                                instabilidade no cenário internacional,
                                              pontuada nas análises de conjuntura que
     Em geral, o contexto internacional
                                              se seguem.
em recorte tem-se caracterizado por




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PET-REL
                             Análise de Conjuntura

O cáso dá YPF: ná ondá dás nácionálizáçoes sul-
ámericánás?
                                                        por Nuni Vieira Jorgensen

A nacionalização da empresa de               permaneceriam          regidos        por
Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF),     multinacionais. Grande parte desse
que causou grande repercussão ao redor       movimento está relacionado às próprias
do mundo não é um fenômeno isolado.          preocupações de segurança energética
Ela faz parte de uma cadeia de medidas       que hoje permeiam as políticas de estado
que visam recuperar uma fração da            de todos os países. Os governos precisam
autonomia estatal perdida durante os         ter nas mãos as rédeas da produção de
anos do auge do paradigma das reformas       energia se não querem ver aumentada sua
para o mercado, do governo Menem.            vulnerabilidade perante as outras nações.
Entre suas semelhantes estão a                      Parece, entretanto, que esse
estatização dos fundos de pensão, das        movimento único com relação à falência
Aerolíneas         Argentinas,        das    do paradigma das reformas para o
telecomunicações e das empresas de           mercado é contornado por diversos
distribuição de água ao longo das            matizes. Como defendem muitos
administrações Kirchner.                     neoinstitucionalistas, cada Estado deverá
        O caso da empresa de petróleo        buscar a combinação mais adequada para
vem, no entanto, na sequência de outras      seus respectivos contextos políticos,
reformas latino-americanas levadas à cabo
                                             econômicos e sociais. Entretanto, alguns
por outros Estados, inclusive nas últimas    estudos, como o do Banco Mundial,
semanas, como é o exemplo da Bolívia.        pretendem            dar          contornos
Esta, bem como países como Venezuela         homogeneizantes a esses processos:
e Equador que também na década de 90         segundo eles as estatizações tenderiam a
tiveram seus hidrocarbonetos explorados
                                             ocorrer em países com instituições
por multinacionais, estatizaram não só       públicas deficientes, onde a recisão dos
esse setor, como também outras               contratos tem custo mínimo; e naqueles
dimensões chave da economia, tais como       com baixo nível educacional e economia
as de telecomunicações e eletrecidade. A     pouco diversificada.(CHANG, Roberto;
pergunta que se coloca, portanto, é de até   HEVIA,        Constantino;       LOAYZA,
que ponto seria pertinente incluir o caso    Norman.           “Privatization        and
da YPF em um contexto mais amplo de          Nationalization Cycles” (Banco Mundial,
nacionalizações na América do Sul.
                                             n.5029).
        Em um primeiro plano é                       Analisando o argumento para o
necessário colocar a aparente falência do    caso bolivariano, percebemos que as
modelo de reformas para o mercado.           recentes estatizações claramente se
Mesmo países como o Brasil, que as           enquadram nesse modelo. Em primeiro
levaram à cabo em uma proporção muito        lugar, estes são Estados com um modelo
menor do que a República Argentina,          de internacionalização abertamente anti-
defendem hoje um paradigma de                hegemônico – a ALBA, em seus
economia mista. Nesse caso, setores          príncipios constituintes se coloca
estratégicos da economia seriam públicos     categoricamente contra o modelo
ao menos em parte enquanto outros


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PET-REL
                              Análise de Conjuntura

neoliberal de organização. Os seus                    Em terceiro lugar, seria exagero
respectivos      riscos-países       sempre   afirmar que o país vizinho tenha uma
tenderam, além disso, a permanecer altos      economia pouco diversificada. A
e a própria política governamental não        Argentina produz tanto uma grande
parece tentar evitar essa classificação.      variedade de bens agrícolas quanto
                                              industrializados. Apesar do petróleo,
        Em segundo lugar, Venezuela,
                                              dessa forma, ser um setor estratégico para
Bolívia e Equador também apresentam
                                              a Argentina, tanto quanto para qualquer
baixa diversificação da economia, embora
                                              país do mundo, não se poderia afirmar
haja esforços recentes no sentido de
                                              que       sua     economia       depende
transformar essa situação. Na Venezuela
                                              majoritariamente desse hidrocarboneto,
e no Equador a maior parte das
                                              como acontece nos países da ALBA.
exportações ainda é de petróleo,
enquanto na Bolívia 30% destas são                    Finalmente, seria premeditado
formadas pelos hidrocarbonetos. A             dizer que a Argentina possui um projeto
estatização se coloca para esses países,      de     inserção    internacional   anti-
portanto,     como      uma    prioridade     hegemônico, como a Venezuela e a
governamental, dando para os Estado o         Bolívia por exemplo. Poder-se-ia
controle dos setores sustentadores de sua     argumentar, de outra maneira, que
economia.                                     semelhantemente ao Brasil, a Argentina
                                              almeja um modelo de economia mista,
        É importante colocar que no caso
                                              na qual setores privatizados conviverão
da Bolívia, Equador e Venezuela, a
                                              com ramos, geralmente estratégicos da
estatização tem como discurso principal a
                                              economia, nacionalizados. A estatização
recuperação dos recursos naturais, além
                                              da YPF se configuraria, nesse sentido,
de pretende abarcar diversos setores da
                                              como uma maneira de retomar parte da
economia. Na Venezuela, por exemplo,
                                              autonomia perdida durante os anos 90 e
essas medidas atingiram o setor de
                                              não um processo de estatização
minério, de petróleo, portos, aeroportos,
                                              generalizado.
siderúrgicas, meios de comunicação e
bancos. Na Bolívia, o presidente Evo                  Um indício dessa tendência é que
Morales estatizou setores de energia          o governo Argentino já pediu pelo
elétrica, petróleo, gás, serviços de          aumento dos investimentos da Petrobrás,
abastecimento      de água,       indústria   da Total, da Chevron, Apache, Exxon e
metalúrgica e telecomunicações. Em            Sinopec. O seu objetivo, portanto, é
menor proporção, Rafael Correa também         realizar uma joint venture entre empresas
estatizou o setor petrolífero e aumentou a    nacionais e estrangeiras que queiram
presença estatal na economia.                 investir no setor de petróleo do país. A
                                              intenção, dessa forma, não é financiar
        A Argentina, por outro lado,
                                              todos os investimentos com o dinheiro
parece possuir um perfil bastante
                                              do Estado e, muito menos, abrir mão da
diferente. Apesar do que se diz sobre a
                                              parceria privada. O próprio ministro
pouca credibilidade argentina com
                                              espanhol de Relações Exteriores ilustra
relação aos investidores internacionais
                                              bem esse fato – segundo ele: “nesse caso,
como consequência do calote da dívida
                                              teríamos sido expropriados para sermos
externa, é bom ter em mente que o seu
                                              substituídos por outro parceiro privado”.
risco país antes da nacionalização era
semelhante ao do Brasil, o que põe em                 Assim, o que à primeira vista
dúvida que o país não tivesse nada a          poderia parecer um nonsense ilustra bem
perder com a estatização.                     o fato de que a estatização da YPF, em si
                                              mesma, não faz parte de um plano


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                             Análise de Conjuntura

francamente anti-neoliberal. Ela tem         ir em uma direção mais à brasileira,
como objetivo principal excluir do           necessitando para isso, entretanto, tomar
controle da exploração de um recurso         medidas muito mais drásticas, tendo em
estratégico uma empresa claramente           vista o seu passado de total venda do
ineficiente que se aproveita do              setor público à iniciativa privada – o que
monopólio e de práticas cartelísticas para   no nosso caso não teve as mesmas
atuar – ou seja, que é rent-seeking.         proporções.
        Obviamente, não se pode dizer                As repercussões nesse caso não
que a demanda de nacionalização nesse        são ainda claras, mas tendo em vista o seu
caso não é importante. Querer que os         caráter não tão revolucionário, devem ser
lucros da exploração de um produto           menores do que esperava-se logo após o
nacional sejam reivestidos no próprio        ocorrido. Para o Brasil, a Argentina já
país ao invés de remetidos em sua maior      assegurou os interesses do Petrobrás e,
parte ao exterior seria, no mínimo,          inclusive, pediu a participação mais ativa
bastante razoável – ainda mais quando o      da empresa. Tais garantias tendem a
argumento de maior eficiência da             diminuir o risco do processo ao longo do
inciativa privada não vem sendo              tempo tornando o país provavelmente
cumprido. A Argentina, que antes             mais      receptivo    aos    investidores
possuia praticamente auto-suficiência        internacionais.
energética, se via agora obrigada a                  Dessa forma, pode-se dizer que as
importar a maior parte do seu petróleo –     nacionalizações latino-americanas não
a dívida subia a velocidades assustadoras    compartilham necessariamente todas as
e indícios mostram que a empresa pouco       características. De modos diferentes,
fazia no sentido de prestar contas           entretanto, seja por meio de um plano
públicas de suas atividades.                 alter-mundialista ou de uma contestação
        O que se defende aqui, no            equilibrada, todos esses Estados tentam
entanto, é que, ao contrário das             agora retomar a autonomia perdida
nacionalizações dos países da ALBA, a        durante a década de 90. De uma maneira
expropriação da Repsol não faz parte de      ou de outra parece, assim, que as
um programa abertamente contra-              reformas para o mercado de 20 anos
sistêmico como a imprensa e a                atrás vem sendo revertidas seja em rumo
reclamações dos países hegemônicos às        a uma economia mista seja a um modelo
vezes fazem parecer. Ao contrário parece     amplamente estatizante.




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                                   Análise de Conjuntura

Irrácionálidáde economicá versus rácionálidáde
políticá: umá ánálise sobre ás recentes
nácionálizáçoes ná Argentiná e Bolíviá
                                                              por Erlene Maria Coelho Avelino

Considerando a existência das falhas de              de Eletricidade (TDE), afetando também a uma
mercado, o Estado pode intervir na economia de       empresa espanhola, agora a REE (Red Eléctrica
forma a minimizar tais falhas e assim, obter um      Española). O pretexto da falta de investimentos
resultado mais favorável em termos sociais do        foi o mesmo usado semanas antes pela
que aquele alcançado por agentes econômicos          Argentina.
independentes. No entanto, definir que o Estado               A proximidade entre os dois casos levou
pode melhorar os resultados de mercado não é         a reações temerosas no mercado internacional
equivalente a dizer que ele irá fazê-lo, pois de     quanto a um risco de uma onda estatizante na
maneira análoga às falhas de mercado, o Estado       América do Sul. Entretanto, se tratam de casos
possui suas próprias limitações que são              isolados, pois não se observa um movimento de
chamadas na literatura política de falhas de         nacionalizações nos países sul-americanos que
governo. No mercado político tal como no             leve a um efeito dominó na região. Cada governo
mercado privado, os indivíduos podem se              tem sua motivação particular para essa tomada
comportar de maneira auto-interessada,               de decisão, não sendo ações coordenadas ou
especialmente quando visam à conquista de            influenciadas. Isso não quer dizer que não há
votos. Dessa forma, constantemente observamos
                                                     qualquer correspondência entre as expropriações
agentes públicos utilizando a política econômica     na Argentina e Bolívia, pois há uma forte
em proveito próprio, o que gera desvios em           correlação em uma matriz ideológica nacional
relação ao que seria considerada uma conduta         populista.
ideal de Estado. Os últimos acontecimentos na
Argentina e na Bolívia exemplificam esse tipo de               Apesar das justificativas dadas pelos dois
comportamento.                                       presidentes, observa-se uma falta de
                                                     embasamento técnico-econômico nas propostas
         Em meados de abril, a presidente            de retomada dos ativos econômicos estratégicos.
argentina, Cristina Kirchner, decretou a             De fato, os governos são autônomos e podem
renacionalização da empresa YPF (Yacimientos         optar por administrar novamente um bem
Petrolíferos Fiscales), que era controlada pela      privatizado. Contudo, há várias formas de fazer
empresa espanhola Repsol desde 1999. A               isso.     Considerando que existem setores
presidente justificou a decisão diante da queda na   econômicos que são monopólios naturais, como
produtividade da petroleira, no aumento inédito      o de energia, no qual processo produtivo
das importações de combustíveis e no fato do         caracteriza-se pelos retornos crescentes de escala,
país ser um dos poucos no mundo que não tem          nesses setores é mais vantajoso ter apenas uma
o controle deste setor, ou seja, a decisão foi       empresa produtora do bem. Por isso, é
apresentada a população como uma operação            necessário que o Estado intervenha para que os
de soberania energética, do tipo “o petróleo é       preços não sejam abusivos. Nesses casos, a
nosso”. Depois da Argentina, foi a vez da Bolívia    intervenção do governo pode tomar duas
anunciar a expropriação de outra empresa. Neste      formas: a regulação ou a produção do bem.
1° de maio, o presidente boliviano, Evo Morales,     Argentina e Bolívia estão decidindo pela segunda
deu sequência a uma tradição do seu governo no       forma porque as empresas não estavam
dia do trabalhador e estatizou a Transportadora      investindo o suficiente, só que eles poderiam ter

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                                   Análise de Conjuntura

considerado a primeira alternativa e exercido        queda na popularidade de Cristina Kirchner, sua
melhor seu poder de regular.                         taxa de aprovação caiu de 70%, em dezembro,
                                                     para 50%, em abril. Nesse sentido, a luta pela
         Partindo de uma perspectiva histórica, a
                                                     soberania sobre o petróleo e a tentativa de
intervenção estatal tem um caráter cíclico sempre
                                                     redespertar movimentos nacionalistas com a
em transformação, ou seja, ela expande-se e
                                                     abertura do caso Malvinas parece indicar que a
contrai-se ciclicamente, e a cada novo ciclo o
                                                     Argentina evoca questões de soberania para tirar
modo de intervenção modifica, devendo ser
                                                     do foco esses problemas econômicos. Não
aplicados novos modelos. Dessa forma, há
                                                     demorou muito para a popularidade da senhora
muitas formas de intervir no tabuleiro
                                                     Kirchner subir, por meio de um discurso
econômico e tanto a Argentina como a Bolívia
                                                     peronista, bem ao estilo anos 50, atrelado a uma
optaram por um caminho circunstancialmente
                                                     estratégia política de longo prazo que passa pelo
indevido, pois as colocaram em choque com
                                                     fortalecimento do seu grupo político dentro do
outros países e quebraram a confiança de
                                                     peronismo é que a presidente conquista o apoio
investidores. Cristina Kirchner chegou a alegar o
                                                     popular, inclusive da oposição.
desejo de se equivaler a países como o Brasil que
tem 51% da Petrobrás e, sendo assim, é legítimo               Já na Bolívia, o presidente Evo Morales
um país querer tirar proveito de seus ativos         busca a reeleição para um terceiro mandato
econômicos naturais, especialmente um país           consecutivo em 2014. O contexto econômico
com as condições econômicas da Argentina.            boliviano é de grande crescimento da economia
Porém, se a soberania sobre o petróleo era o         informal. Além disso, em março, o país foi
maior objetivo, os argentinos poderiam ter           cenário de 123 conflitos sociais, em sua grande
comprado a empresa novamente de forma                maioria, protagonizados por setores da classe
negociada com seus investidores. Da mesma            média e baixa que demandam melhoras salariais
forma a Bolívia não precisava do espetáculo de       e de qualidade de vida. Um dos grupos mais
usar as Forças Armadas para ocupar a empresa         combativos é o de médicos que estão parados há
expropriada. Percebe-se então que não houve          quase dois meses. É com esse pano de fundo
uma        racionalidade       político-econômica    que Morales busca elevar sua popularidade, mas
consistente nesses governos, ambos prefeririam       as últimas medidas para elevar seu apoio popular
rasgar contratos e quebrar importantes regras do     não foram tão eficazes para ele quanto foram
comércio internacional em prol de um                 para Cristina.
verdadeiro exibicionismo político.                            Com isso, percebe-se que Argentina e
          Isso nos leva a crer que a justificativa   Bolívia apelam a sentimentos nacionalistas para
para tais ações foram mais políticas do que          recuperar parte do respaldo perdido e para não
econômicas e o contexto político e econômico         trazer à tona seus vazamentos econômicos,
desses países pode demonstrar isso melhor.           chegam até a limitar o acesso do cidadão a
Argentina e Bolívia já tem um histórico de           informação. Para exemplificar esse último fato é
dominância de racionalidade política de curto        só comparar as informações sobre a economia
prazo em detrimento de uma racionalidade             divulgadas pelos governos com os resultados de
econômica. Os dois países vem expropriando           uma análise econômica paralela mais
várias empresas nos últimos tempos e                 aprofundada. Os dados inflacionários publicados
instaurando crises diplomáticas que afetam suas      pelo governo argentino não são confiáveis, eles
economias. Na Argentina, tem-se uma situação         indicam uma inflação entre 5% e 11% ao ano,
de índices inflacionários de 24% ao ano,             mas outros estudos dobram as taxas oficiais.
desemprego próximo dos 7%, uso das reservas          Economistas argentinos independentes foram
cambiais para fazer pagamentos pontuais              obrigados a parar de publicar suas próprias
arbitrariamente, restrição a importação de           estimativas, sem contar com a relação nada
inúmeros produtos e forte desaceleração              amigável que a presidente tem com a imprensa.
econômica. Tudo isso veio juntamente com uma         Apesar de dados indicarem que a economia


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                                    Análise de Conjuntura

boliviana cresceu 5% nos últimos anos e a             irracionalidade econômica há uma racionalidade
inflação está entre 6% e 7%, há uma economia          política. Portanto, as recentes expropriações na
informal que envolve 85% dos trabalhadores,           Argentina e Bolívia se inserem em uma análise
falta de industrialização e diversificação da         das típicas falhas de governo, só que não se pode
indústria e total dependência das exportações de      esquecer que após o início da crise econômica
gás, minério e soja, o que torna o país vulnerável    houve uma grande abertura para ideias
às oscilações dos preços internacionais. A partir     intervencionistas, ocorrendo uma legitimação
disso, compreende-se o apoio das massas a             destas do ponto de vista ideológico, inclusive na
medidas nacionalistas. Devido a problemas de          Europa e Estados Unidos. Assim, tem-se que a
informação e vieses de percepção tem-se que           atuação do governo é solicitada e essencial no
nem sempre, o que o eleitor mediano deseja é          controle do mercado, mas da mesma forma que
compatível com o bem estar agregado da                é preciso tratar dos fracassos do mercado, deve-
sociedade. Por isso, pode-se pensar nesses            se lembrar que há os fracassos do governo,
governos agindo para implementar aquelas              porque as instituições públicas também são
políticas que maximizem os seus votos, fazendo,       imperfeitas, sendo completamente influenciadas
efetivamente, o que quer a maioria dos eleitores.     pelo jogo político. Não se deve por isso, abdicar
                                                      da presença do Estado nem reduzir sua atuação,
         Em última análise, observa-se que o que
                                                      mas sim desvendar qual a melhor maneira do
esses governos fizeram não foi uma loucura. De
                                                      governo intervir no mercado sem gerar grandes
um ponto de vista político, há um método, uma
                                                      distúrbios ou introduzir novos problemas.
lógica dos ganhos políticos táticos de curto prazo.
Ao mesmo tempo em que há uma




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                              Análise de Conjuntura

O Fenomeno do Intermestics e á Conjunturá dá
Políticá Externá Argentiná
                                              por Pedro Henrique de Souza Netto

Com a aproximação do dia 2 de abril de        Egito em 2011, na Grécia em 2008, e na
2012, quando se completou o 30º               Argentina em 2001. Vinda de um
aniversário da Guerra das Malvinas,           período de estagnação econômica e
notou-se      grande     movimentação         encorajada por medidas do Fundo
diplomática por parte da República            Monetário Internacional, a República
Argentina a fim de novamente inserir o        Argentina tomou diversas medidas
tema na agenda internacional. No dia 17       liberalizantes em sua economia na década
do mesmo mês, a presidência daquele           de 1990. Tais medidas, que consistiram,
país decretou a nacionalização da             por exemplo, na privatização da
petrolífera YPF, então subsidiária da         petrolífera YPF, e na adoção da plena
espanhola Repsol, medida que veio a ser,      conversibilidade do Peso em Dólar norte
em seguida, aprovada pelo parlamento.         americano a uma paridade fixa,
Tais ações coincidem com um                   significaram a renúncia de soberania e
crescimento da pressão inflacionária          poder estatais sobre a economia, na
naquela nação, que ainda se lembra            medida em que o poder decisório
amargamente dos episódios ocorridos em        relativo a um setor estratégico foi
2001. Essa situação remete a um               transferido a agentes externos e se abriu
recorrente fenômeno em nações do              mão da política monetária. Isso, contudo,
Oriente     Médio:    o     intermestics      não foi capaz de manter uma longa era de
(KORANY, 2008).                               crescimento econômico no país austral,
                                              levando a uma grave crise institucional e
        Observando as diversas realidades
                                              econômica que atingiu seu ápice em
presentes em nações do Oriente Médio e
                                              dezembro de 2001, quando o governo
Norte da África, o egípcio Bahgat Korany
                                              declarou a maior moratória de dívida
cunhou o termo intermestics. O
                                              soberana do mundo até então.
professor define o neologismo como um
conceito que “denota a próxima                        Desde a moratória declarada em
interconexão e sobreposição entre as          2001, é notável o interesse dos governos
dimensões internacional e doméstica de        argentinos em, reagindo ao processo
processos e interações sociopolíticos. […]    desencadeado        pela     globalização,
É, assim, o reflexo da globalização,          reafirmar sua soberania adotando
caracterizada pela retração do Estado [...]   políticas que muitas vezes unem as
e ascensão de intensas interconexões          dimensões doméstica e internacional.
sociais e rápida circulação de ideias”        Uma possível interpretação para esse
Dessa forma, o autor define um                movimento seria que, com a perda da
fenômeno que pode ser observado não           soberania estatal, o chefe de estado
apenas em seu campo de estudos                perderia     também       seu      poder,
original, mas também na atual Argentina.      contrariando o animus dominandi
                                              (desejo natural de todo ser humano pelo
       O processo de globalização
destacado pelo professor Korany pode          poder) proposto por Morgenthau.
claramente ser notado, por exemplo, no


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                              Análise de Conjuntura

        De qualquer forma, seguindo a         a nação sul-americana junto à
política de fortalecimento da soberania       Organização Mundial do Comércio. A
nacional, os últimos governos argentinos,     União Europeia e os Estados Unidos da
lançando mão de um discurso                   América      posicionaram-se     também
nacionalista, tomaram diversas medidas        contrários à nacionalização da companhia
internas que afetaram também a política       petrolífera, afirmando que tal medida
externa da república. A recente “batalha”     poderá influenciar negativamente os
pelas Ilhas Malvinas gerou certo mal estar    investimentos estrangeiros na nação
no ambiente internacional, chegando a         portenha. Domesticamente, entretanto, a
nação      sul-americana,   inclusive,    a   medida também encontrou grande apoio
apresentar sua reclamação de soberania        em numerosos setores da sociedade.
perante a ONU. Apesar dessa situação e                Em suma, pode-se constatar que,
do consequente enfraquecimento das
                                              no caso argentino, o governo, reagindo ao
relações entre Argentina e Reino Unido,       já registrado enfraquecimento de
entretanto,        as     movimentações       soberania nacional causado, em última
diplomáticas da nação austral obtiveram       instância, pela globalização, toma
maciço apoio popular doméstico. Outra         medidas     que      mesclam     políticas
medida        argentina,   ainda       mais   internacionais e domésticas, contando
característica do intermestics, foi a         sempre com o apoio de amplos setores
recente nacionalização da YPF. A ação,        da sociedade. É relevante destacar,
considerada pelo governo brasileiro           contudo, que a questão não se restringe à
como uma “questão interna” daquele            Argentina, já que existem evidências de
país, apresentou claramente grande            que o fenômeno esteja se manifestando
reação internacional, e, segundo certos       também na Bolívia, sem que se esqueça
governos, contrariou diversos acordos         da Venezuela. Assim, nota-se que, a
internacionais, entre tratados bilaterais
                                              despeito de ser inicialmente observado
entre Argentina e Espanha e demais            no Oriente Médio, é possível constatar
compromissos internacionais. Enquanto         que a ocorrência do intermestics
o México (acionista minoritário da            ultrapassa as fronteiras daquela região,
Repsol) acusou a Republica Argentina de       tornando o neologismo ainda mais
contrariar tais tratados, a Espanha           abrangente e relevante aos estudiosos das
declarou que prestaria uma queixa contra      Relações Internacionais.




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                             Análise de Conjuntura

Máli e o novo desenho áfricáno: quem se
importá?
                                                    por Rodrigo de Sousa Araújo

“Nulo e sem força legal”. Com essas                  Primeiramente,        sublinham-se
palavras a ECOWAS – Comunidade               questionamentos quanto à aceitação
Econômica para os Estados Africanos          legítima do novo Estado de Azawad. Em
Ocidentais – define o golpe militar de       primeiro nível, é difícil alcançar uma
Estado ocorrido na República de Mali         coerência interna ainda na própria região,
em 22 de março de 2012. Sob o                já que sua população é composta
comando do Capitão Amadou Sanogo,            principalmente por tuaregues, mas não
líder do Comitê Nacional de Restauração      em maioria absoluta. Assim, as
da Democracia e do Estado (CNRDR), o         disparidades de preferência entre o
Movimento Nacional de Libertação de          pastoril nômade, característica principal
Azawad (MNLA) declara de forma               daqueles tuaregues, e aqueles que vivem
unilateral a independência da região         da agricultura fixa na região, dependendo
norte de Mali, Azawad, acompanhada da        de forma direta do controle ou, ao
queda do então presidente maliano            menos, apoio de um governo estável. A
Toumani Touré.                               nova dinâmica, imprevisível, ilegítima e
                                             “crua”, coloca em xeque a durabilidade
        As linhas mestras do movimento
                                             de aceitação da própria população
independentista foram planejadas por
                                             habitante da parte norte de Mali.
insurgentes    do     povo     Tuaregue,
tipicamente nômade e que habita além                Ainda, o aspecto da ilegitimidade
do norte do país, grande parte da Argélia,   parte do plano interno e econômico para
Líbia, Niger e Burkina Faso, todas ex-       o internacional e político. Passados dois
colônias francesas. O objetivo dos           meses do golpe proferido, é irrefutável a
revoltosos era não somente tornar            não aceitação da separação de Mali e
independente Azawad, mas criar um            Azawad pela comunidade internacional.
novo Estado formado também por               Para tanto, ainda são mantidas políticas
tuaregues daqueles outros países.            de embargo e isolamento diplomático
                                             por parte de países próximos, como
        Entretanto, estranha-se o fato de
                                             Guiné-Bissau. O Conselho de Segurança
que pouca atenção vem sendo
                                             das Nações Unidas continua a reiterar o
direcionada ao novo cenário maliano, por
                                             não reconhecimento do novo Estado,
vezes reconhecido como um dos regimes
                                             assim como a União Africana e o
políticos mais estáveis da África, em
                                             ECOWAS, como acima mencionado.
níveis comparados aos da região. Tal
                                             Potências internacionais e regionais,
silêncio não se refere somente à
                                             como Estados Unidos, África do Sul e a
comunidade internacional política como
                                             Liga Árabe em geram também expressam
um todo, mas principalmente por parte
                                             repúdio à nova divisão.
da mídia, crucial na formação de opinião
pública transnacional. Desta forma, torna-           Estranha-se também o relativo
se necessário levantar a resposta chave      silêncio do governo brasileiro com
para a região.                               relação ao novo panorama observado no
                                             norte africano. O Ministro das Relações


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                              Análise de Conjuntura

Exteriores, Antonio Patriota, resumiu-se      Nações     Unidas     para     Refugiados
a manifestar apoio, caso necessário, às       (ACNUR). Tal situação recoloca em tela
atividades da União Africana no intuito       a “Primeira Revolução Tuaregue”, entre
de restaurar a ordem constitucional e a       os anos de 1962 e 1964, a qual se
democracia no país por meio da                traduziu na fuga de milhares de malianos.
moderação e do repúdio à força. A                      Num cenário no qual cálculos de
mesma indiferença foi tomada por              ganho neutros sobressarem a cultura de
Burkina Faso, Chad e Benin, que juntos        segurança humana, a prospecção mais
e Mali e apoiados pelo Brasil formam o        viável é a de uma negociação bilateral
Cotton-4 (C-4), recente programa de           para a reintegração da região de Azawad
apoio ao desenvolvimento do setor             no sistema de Mali, assim como antes.
cotonícola nestes países, com o objetivo      Devido à relutância em reconhecimento
de enfrentar os subsídios dos Estados
                                              e às sansões transnacionais e, ao mesmo
Unidos e da União Europeia a seus             tempo, a indiferença internacional
produtores, considerados “injustos” pelos     imposta, as chances de uma manutenção
membros do C-4.                               do novo status quo na região são
         O cenário mostrado ilustra o         improváveis. A falta de comércio
problema genérico causado pelo golpe de       internacional, instituições políticas e,
Estado maliano; entretanto, pouco se          ainda, apoio consensual da própria
lembra de que o desafio maior paira           população           traduzem-se         em
justamente na resposta internacional à        reversibilidade da dinâmica atual. Assim,
situação. A Human Rights Watch assinala       acredita-se que o próprio curso dos fatos
que ambas as regiões caminham para            responsabiliza-se por reunificar a região.
uma nova crise humanitária, em                Por outro lado, teme-se que tal rearranjo
consequência da falta de suprimentos          ocorra de forma tardia e, ainda, violenta.
alimentares, somada aos altos índices de      Desta maneira, a divisão de Mali não
violência no país. A imposição de             resultará tão cedo em uma remodelação
embargo e o corte de fornecimentos            do continente africano, adicionando em
básicos ao país contribuíram não para         sua geografia mais um Estado. Contudo,
estabilizar politicamente o país, mas, sim,   deve-se sublinhar que a instabilidade dos
para acentuar o caos humanitário no país.     interesses políticos é tão incerta quanto o
Como esperado, o número de refugiados         futuro maliano, podendo assumir novas
malianos para a Argélia aumentou em           rotas     de      forma      repentina    e
níveis preocupantes, como constam             incompreensível.
relatórios do Alto Comissariado das




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                               Análise de Conjuntura

The mány Sudáns: wár, ethnic nátionálisms ánd
citizenship
                                               por Victória Monteiro da Silva Santos

        Over six hundred ethnicities and        People‟s Liberation Movement/Army
sub-ethnicities. More than a hundred            (SPLM/A), since 1983. SPLM/A has
languages and dialects. That is the             played a major role in South Sudanese
miscellaneous which composes the two            independence and in its current politics,
countries we now call Sudan and South           and continues to pressure the Sudanese
Sudan.       Even        after    Sudanese      state in certain regions, such as South
independence from the Anglo-Egyptian            Kordofan.
domination in 1956, the history of former                One of the Sudanese regions
Sudan has been marked by more or less           claiming for autonomy was Darfur, in
violent attempts of cultural imposition         Western Sudan, where Omar al-Bashir‟s
and assimilation, leading to an untenable       government has been accused of
situation. Since 2011, the referendum in        negligence and of financing the Janjaweed
South Sudan and the establishment of the        militias to systematically murder the
new state, followed by its international        Darfuri        population.     Al-Bashir‟s
reconnaissance,         contributed     to      condemnation by the International
multiplying hopes around the future of          Criminal Court (ICC) in 2005 has
the countries. However, recent violent          contributed to bringing international
developments between the two states, as
                                                attention to the region. However, the
well as the continuing crisis in other          impunity in the case – as al-Bashir not
Sudanese regions such as South                  only walks freely but continues to be the
Kordofan, demonstrate that the problems         president of Sudan – compromises the
in the region are far from solved.              role of the ICC in bringing hope and
         As mentioned, the state of Sudan       justice to the region.
has become independent from Great                        Another „rebel‟ region was the
Britain and Egypt in 1956. The newly            South, with which the Sudanese central
constituted central Sudanese state has          government has signed agreements
then established the Arab as official           regarding political and cultural autonomy
language in the country, and the Islam as       which culminated at the 2005 Naivasha
official religion. Less than a decade later,    Treaty. This treaty determined the
in 1964, riots have gained dimension at         execution of the Januray 2011
the “October Revolution”. At the                referendum, in which over 98% of the
revolution, demonstrators protested             population in South Sudan has voted for
against the process of forced Islamization      the constitution of a new country. Rapidly
of regions where other beliefs, such as         recognized        by    the     international
Christianity and Animism, prevailed. The        community, the new state has been
next decades have been marked by claims         officially established in July 2011, with the
of various Sudanese regions for more            support of the United Nations Mission in
autonomy and for a more fair distribution       South Sudan (UNMISS). Many issues,
of national resources. The oppression of        though, were still to be solved, such as the
the central government on other regions         delimitation of boundaries, distribution of
has fueled the ascension of the Sudan


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                                Análise de Conjuntura

oil profits, and citizenship issues. This last   the two states have been dealing with the
problem has become more urgent on                problem, however, clearly reflect their
April 9, when a Sudanese law was passed          specific view on the meaning of
considering any Southerners in the               nationalism. Al-Bashir‟s government
country as “foreigners”; and on the next         struggles to keep its legitimacy in spite of
day, when South Sudan passed a similar           territorial losses, which motivates the
law regarding Northern persons. With             oppression of remaining rebel regions.
the major influx of returnees to South           Kiir‟s government in South Sudan tries to
Sudan – over 370,000 since October               construct a national identity from scratch,
2010 – reconnaissance as citizens                unifying people who pertain to different
becomes an urgent issue which has been           tribes around a common hatred towards
challenging the authorities in the newly-        the Sudanese Other. Struggles related to
formed country, putting thousands under          the reconnaissance of citizenship in both
risk of statelessness. Besides, the              countries reflect the attempts of
increasing tensions between the two states       constructing ethnic national identities,
regarding the extraction of oil in South         departing from the rejection of the
Sudan and its transport through Sudan            foreigner. At the same time, difficulties in
has contributed to spreading fear and            defining who should be a citizen from
despair among those living along the             each country, alongside the internal
border, or crossing it.                          problem of accommodating ethnic
                                                 groups in both states, demonstrate the
         Difficulties     in       obtaining
                                                 failure of such nationalism model for
citizenship rights have also been an issue
                                                 strengthening identities in the region. The
for other minorities in the Sudanese
                                                 continuation of such efforts may only lead
country, especially those living closer to
                                                 to the expansion of the current
the border with South Sudan. That is the
                                                 humanitarian crisis to unstoppable levels,
case of the inhabitants of the Nuba
                                                 turning the current „chicken game‟
Mountains, in South Kordofan. The
                                                 between al-Bashir and Kiir into no more
Nubans have fought alongside South
                                                 than a no-win situation.
Sudanese rebels in their secession
conflicts, but after the new country was                  Only when authorities in both
formed, South Kordofan has gone back             countries start perceiving their respective
to being a forgotten part of Sudan. The          national identities in civic terms, there will
oil reserves in the region fuel violent          be a possibility of true dialogue between
attacks perpetrated by al-Bashir‟s               the two and with representatives of
government on the region‟s civilians,            minority ethnicities. In such nationalism
leading to an overflow of Nubans to the          paradigm, people have the possibility of
contested territory where the Yida               acquiring a nationality, since this is not
refugees‟ camp is located. Rising levels of      defined around primordial characteristics.
orphanage and hard access to documents           Such right is especially crucial in times of
have increased the levels of statelessness       transition, where large groups have
in this region as well, depriving Sudanese       reasons to identify to more than one
people of their right to a nationality.          state. More than the granting of
                                                 citizenship rights, the promotion of a civic
       Those many conflicts in the
                                                 nationalism requires the strengthening of
region have an undeniable material basis,
                                                 democratic institutions, which are
as most of the oil reserves from former
                                                 inclusive of different ethnic groups, and
Sudan were concentrated in the South or
in other periphery regions, such as              not oppressive to those. We are certainly
                                                 speaking of a process which does not take
Darfur or the Nuba mountains. The way
                                                 place overnight. Such process, however,


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                           Análise de Conjuntura

has to be increasingly faced as a goal,   bring more suffering and destruction to
since the continuing promotion of         populations who have already had more
xenophobic nationalisms in the region,    than enough of it.
through the use of violence, can only




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                               Análise de Conjuntura

Pártnership Among Equáls
                                                    por Stefanos G. C. Drakoulakis

The recent movements observed in the           policy history, the bid for global insertion,
Brazil-United States relations could raise     nor when the national interest assumes
a wide range of questions. One of the          greater importance in Brazil, the relations
recent events, The VI Summit of the            with the United States were regarded as
Americas, is critical when we wonder how       unnecessary, nor that openly facing the
the government of Dilma Roussef                United States were an option.
conceptualizes such relations. Even                     So if the relations with the United
though the stated “partnership among           States are extremely important to the
equals” could mean nothing but a wish,         Brazilian government, what could this
this skeptical vision does not fully           movement, that has been taking place not
correspond to the facts. On the other          only for this government but since the
hand it is expected that the Brazilian         Lula‟s administration, mean? In this
movement aiming consolidating its global       article, what it‟s pursued is to show a
position will lead the country inevitably to   continuous movement in the Brazilian
some sort of clash with the United States.     foreign policy that does not break up with
In this brief analysis what is sought is to    the history of such relations. On the
reach a middle ground in between too far       contrary, it reaffirms the central position
pessimistic and optimistic views. Also it‟s    of the United States in our foreign policy,
formed a third option to this complex          but also shows that independence in
movement. Brazil is not necessarily            movements is also highly valued. First it is
rivaling with the United States, instead it    needed to dedicate some part of the
is competing.                                  argument analyzing the most common
        Concerning Brazilian relations         positions about the Brazilian global
with the rest of the world, United States      insertion concerning its relations with the
have been regarded as a major partner.         United States of America.
The Americanism paradigm has been                       To illuminate the skeptical
one of the paths that Brazil has used to       position it is necessary to look the way
enhance its position in the global context.    they do. Brazil has resorted to speech for
The “Barão do Rio Branco” has seen the         striving for its interests. In most of cases,
centralism that the relations with the         the Brazilian argumentation was bolstered
United States would assume in the long         by the international law and morality. In a
run. With some setbacks the United
                                               realistic view, these are the weapons of
States remained until the government of        the weak. Therefore, the phrase of Dilma
Jânio Quadros (1961) the central               Roussef would likely fit into this kind of
fundament of the Brazilian foreign policy.     discourse, even though it‟s acknowledged
But even in the 70s and 80s, especially        that Brazil has relatively gained
with the Ecumenical and Responsible            importance in the recent scenario. Brazil
Pragmatism (Pragmatismo Responsável e          does not possess the same bargaining
Ecumênico) the relations with United           powers that had had with Getúlio Vargas
States were taken as central. The major        and in the end of the day the diplomacy
point here is to state that neither with       would just cover another failed
changes during the Brazilian foreign           movement that has struggled for


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                               Análise de Conjuntura

constructing a reserved space in South         see that the confrontation will be open
America       for    Brazilian   influence.    and vast. These fraught views carry with
Therefore, Brazil would just be acting as      them some sort of misinterpretation both
a rational actor that finds ideas the only     of movements of the United States and
way to create an atmosphere that can           the history of Brazilian foreign policy.
favor its interests.                           First, the United States is seeking to
                                               guarantee the maximum of support it can
         A sort of “chicken fly” (it doesn‟t
                                               to regain socially and economically the
stay long in the air) would best describe
                                               South American region. As their
this kind of skepticism. But the recent
                                               leadership is being constantly questioned,
exchange of visits between the Brazil and
                                               the     necessity        of    the     Obama
United States, the signature of few
                                               administration giving another face to the
understandings        shows     that   more
                                               United States foreign policy is one of the
importance is given to these relations, not
                                               biggest issues of his government. On the
only by Brazil (as this vision would
                                               other hand, United States desires to fix an
certainly expect), but also by the United
                                               impression of its new features as the
States. The header of the State
                                               leader of the continent. The Obamas
Department has made clear the position
                                               administration since its beginning has
of the United States. The country wishes
                                               sought to get out of the traditional hard
to take a greater hole in the Brazilian
economy. It could be inferred that the         power way of conducting politics. So a
                                               United States interested in cooperation
United States also wants to regain the
                                               (even if it‟s for selfish reasons) has to have
position of primacy that once has held.
                                               a more flexible policy. On the other
So the notorious importance given to the
                                               hand, Brazilian foreign policy is walking
Brazilian economy could mean that
                                               on no new path. The same principles, the
Brazil actually has some sort of influence
                                               same view and most important, the same
in the path of these relations. Nothing
                                               position is given to United States in our
like the automatic alignment is observed
                                               foreign policy. But as the national interest
these days. Liking or not, when faced by
                                               has achieved a greater role in the
these facts, it doesn‟t matter the
                                               definition of how Brazil will behave at the
interpretation of the skeptics, it has to be
                                               international arena, then we could see
recognized that Brazil has changed and so
                                               some minor clashes in the long run.
does their relations. What it is very useful
                                               United States is way too important to the
of this kind of view is the possibility of
                                               Brazilian policy. So identifying a
questioning the boundaries of the
                                               confrontation policy in the planning of
Brazilian       position.      There     are
                                               Brazilian foreign policy is unlikely to
containments that make the “partnership
                                               happen. Brazilian government seeks to
among equals” to be an idealistic type of
                                               cooperate with the United States.
such relations. Whenever the United
                                               However there‟s a big difference between
States firmly decides to hold its ground,
                                               cooperation and bandwagoning, and the
it‟s unlikely that the relations among them
                                               Brazilian government won‟t just be a
hold any equality.
                                               follower of the United States, instead
        Now the second proposition is          Brazilian government seeks the place of a
taken under scrutiny. Will Brazil actually     partner.
clash with United States? This can be a
                                                       Finally, when both positions were
tricky question. Depending on how we
                                               questioned, it‟s possible to take advantage
expect to see the clash, there are multiple
interpretations. Here the argument aims        of the strong points of them and indicate
                                               the variables that will certainly have some
to restrict the most radical views which
                                               impacts in the future of these relations.


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                             Análise de Conjuntura

To say that Brazil will move                 depending on results of the American
independently from the United States         elections we should see the continuity
position it is equivocal. But stating that   conversation in different points of view.
Brazil will in some point turn to the        The difficulties will inevitably rise and
United States desires, even if those         there will be no compromise. But United
collides with the Brazilian ones, it‟s       States is consolidating in the Brazilian
childish. The major point is to see the      view not as a target, or a hated hegemon,
phrase of the Brazilian states woman not     but as good chance to promote Brazilian
as a radical change, but as the              interests. And everything indicates that
confirmation of a broader historical         the vision is reciprocal.
movement. Affirming this is to say that,




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                             Análise de Conjuntura

Trádiçáo, descontinuidáde e o futuro dá Coreiá
do Norte
                                                por Patrícia Nabuco Martuscelli

O lançamento do foguete norte-coreano       Sung (avô de Kim Jong-Un) participou da
Taepodong-2 no dia 13 de abril e sua        guerra que levou à expulsão japonesa e
queda após cerca de um minuto no Mar        fundou o país em 1948. Por isso, Kim Il-
Amarelo poderiam ser considerados           Sung é considerado o salvador e pai da
como uma outra tentativa fracassada da      pátria. Frente a esse histórico colonizador
Coreia de Norte de defender seu lugar       é interessante perceber a importância
como “potência mundial” a ser temida,       dada pelo governo de parecer um país
mas a repercussão desse caso foi maior.     forte que pode usar a força contra seus
Como em ocasiões anteriores, o país         inimigos     a     qualquer      momento,
anunciou suas intenções (colocar em         principalmente se for atacado.
órbita o satelite Kwangmyongsong-3)                 Os norte-coreanos são ensinados
rompendo         com       compromissos     desde pequenos que sua raça é a mais
previamente assumidos (no caso, um          pura e superior, que os outros países são
acordo com os Estados Unidos da             maus e que eles precisam de uma figura
América) e aumentando a tensão entre        poderosa para liderá-los. Além disso, eles
seus vizinhos. O Conselho de Segurança      acreditam que seu líder supremo tem
das Nações Unidas condenou essa             todas as qualidades essenciais para
atitude. Japão, Coreia do Sul e Estados
                                            governar e possui conhecimento sobre
Unidos apresentaram suspeitas quanto às     todos os assuntos. Para garantir tal
intenções pacíficas do país. A Coreia do    ideologia, o governo conta com um
Norte por sua vez alegou que era seu        aparato para exaltar o clã dos Kim
direito soberano desenvolver um             composto por propaganda, disciplina e
programa espacial pacifico. Por fim, com    repressão, inseridos em uma estrutura
o fracasso do lançamento, o que poderia     social. Contudo o grande número de
ter levado a maiores questões foi           mercados negros que estão se espalhando
percebido pela comunidade internacional     pelo país e os mecanismos para burlar a
como uma vergonha para o governo            censura (como o uso de aparelhos
norte-coreano.                              celulares perto da fronteira da Coreia do
        Não é a primeira vez que uma        Sul que realizam chamadas para a
tentativa norte-coreana falha, contudo      mesma) estão mostrando para uma parte
algumas posturas do país frente a isso      da população como vivem as pessoas fora
podem sinalizar possíveis mudanças em       do regime. Diferentemente do que é
suas estruturas internas. A Coreia do       defendido pelo governo, alguns norte-
Norte é um país extremamente fechado        coreanos passam a perceber a melhor
com uma forte ideologia que legitima os     qualidade de vida e as vantagens (tais
atos governamentais e garante o apoio       como       respeito     às      liberdades
populacional ao regime. A região das        fundamentais) existentes em outros
Coreias foi dominada de maneira brutal      países, o que inspira questionamentos
pelos japoneses de 1910 a 1945. Nesse       contra o governo e tentativas, muitas
período, foram reprimidas a cultura, o      vezes bem-sucedidas, de ir para esses
idioma e as identidades coreanas. Kim Il-   lugares.


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                             Análise de Conjuntura

        A população sofre com os efeitos     próspera. Isso pode ser visto devido ao
da crise de fome que atingiu o país e        modo como a população e o partido
matou cerca de 1 milhão de pessoas na        veem o novo líder de pouco idade,
década de 1990. O Programa Mundial de        experiência e falta de autoridade se
Alimentos das Nações Unidas acredita         comparado com seu antecessor. Assim, a
que dois terços da população do país         decisão do governante pode ser uma
vivem com o equivalente a cerca de 400       tentativa de legitimar seu poder para a
gramas de grãos diários, distribuídos pelo   população e o próprio partido além de
Estado em um sistema de cupons, a            mascarar a fraqueza do Estado para o
metade do mínimo necessário. Contudo,        plano interno e para comunidade
de junho de 2011 até a nova colheita, a      internacional, visto que a Coreia do
população deve receber 380 gramas por        Norte passa por uma estagnação
adulto, e durante os meses de entressafra    econômica e uma crise alimentar.
no verão do Hemisfério Norte 150                     Ao se tratar da Coreia do Norte
gramas. Por essas razões, um em cada         muitas são as contradições e mudanças
três coreanos tem baixo desenvolvimento      que podem ser vistas nessa transição de
físico e mental e aproximadamente            poder. A primeira delas é o fato de as
metade das crianças tem desnutrição          mídias estatais norte-coreanas terem
crônica, sendo que 23% estão abaixo          avisado o fracasso do lançamento do
peso.                                        foguete para a população, coisa nunca
         Sobre esse assunto, o acordo        antes observada na história do regime. A
assinado com os Estado Unidos da             segunda é o próprio acordo alimentar
América (EUA), em troca de 240 mil de        com os EUA que mostrou para a
toneladas de um mingau de milho e soja       comunidade internacional a fraqueza e
misturado com óleo vegetal para              situação precária do país. Além disso, foi
alimentar crianças abaixo de 10 anos e       priorizado, nesse momento, a população
mulheres grávidas, pode ser visto como       civil em detrimento de questões militares.
uma inflexão do governo norte-coreano e      Essa consideração poderá vir a ser
uma certa preocupação com as condições       observada      em     próximas      ações
de sua população interna. O acordo, que      governamentais. Contudo, Kim Jong-Un
poderia ter ajudado 2,4 milhões de           necessita se firmar no cargo como líder
pessoas, foi amplamente celebrado pela       supremo, principalmente para o partido,
comunidade internacional visto que a         dessa forma resolveu voltar atrás e
Coreia do Norte se comprometia a             retomar o discurso proferido por seu pai
suspender lançamentos de mísseis de          até então.
longo alcance e testes nucleares, além de             Muitas ações contraditórias da
aceitar     inspetores    da      Agência    Coreia do Norte poderão ser percebidas
Internacional de Energia Atômica em seu      no futuro. Isso porque o regime interno
território.                                  do país na pessoa da Kim Jong-Un está
        Contudo, o novo governante           oscilando entre desenvolver sua própria
preferiu desconsiderar o compromisso         política voltada para aspectos que ele
firmado em 29 de fevereiro e lançar o        considere importante e a necessidade de
foguete. Essa reviravolta no discurso de     justificar e legitimar seu poder para seus
Kim Jong-Un pode ser entendida como          pares do partido com uma continuação
uma forma de seguir as diretrizes de seu     da política de seu pai. Nessa balança,
pai (Kim Jong-Il) que priorizava as forças   deverão ser considerados ainda outros
armadas e o programa nuclear para            fatores como a entrada cada vez maior de
construir uma nação poderosa e               informações que vão contra e


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                            Análise de Conjuntura

descaracterizam o regime norte coreano e   internacional. Mesmo porque o fracasso
a possibilidade de mais uma onda           do lançamento do último foguete revelou
significativa de mortes causadas pela      as limitações tecnológicas da Coreia do
fome. Frente a esse cenário não é          Norte, o que não elimina as
provável que a ideologia apenas consiga    preocupações do mundo quanto às
manter o sistema sociopolítico norte       intenções e o poder nuclear norte
coreano.                                   coreanos. Mas mostra as fraquezas de um
                                           país que não consegue alimentar sua
       Nesse momento, o regime
                                           população por priorizar questões
devesse talvez primar o plano interno,
                                           militares e nem nessas obter pleno êxito.
especialmente as condições de vida de
sua população, do que tentar se firmar
como potência ameaçadora no plano




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                             Análise de Conjuntura

Instábilidáde e militárizáçáo crescentes ná Asiá:
mudánçás e continuidádes ná Coreiá do Norte
                                                    por Lucas Santiago Brasileiro

Há mudanças na Coreia do Norte. Desde        notável. De maneira similar como ocorre
a morte de Kim Jong-il, em 17 de             há anos, Kim Jong-un dá sinais de que a
dezembro de 2011, seu filho, Kim Jong-       Coreia da Norte continuará com sua
un assumiu o governo do país. Há dois        política de chantagem. Em termos curtos,
pontos-chave      que   se    pretendem      essa política consiste em promessas
desenvolver aqui: a relação contraditória    políticas à comunidade internacional,
entre o culto da imagem e a condução da      como desmilitarização e reformas
política externa no país. Pretende-se        econômicas e sociais, em troca de auxílio
também traçar brevemente a viabilidade       externo, principalmente alimentos. Com
de reformas de cunho político-               essas promessas, que nunca são
econômico no país, e repercussões            compridas, a Coreia do Norte assegura
futuras.                                     auxílio, principalmente dos Estados
                                             Unidos e das Nações Unidas.
         O culto à personalidade na
Coreia existe desde 1972. Bradley                     No entanto, a política acima
Martin, jornalista que visitou o país em     descrita dá sinais de desgaste: os Estados
1979, notou que quase todo tipo de arte      Unidos recentemente suspenderam o
glorificava o chamado Grande Líder,          envio de 240 mil toneladas de alimento
Kim Il-sung. Até hoje, a situação no país    ao país. Isso ocorreu devido à insistência
aparenta não ter se modificado muito.        da Coreia do Norte em lançar um
Seu filho Kim Jong-il propagou um culto      satélite, em abril desse ano, no
à imagem diferenciado. A imagem que          aniversário de 100 anos da nascimento de
transmitia à população era diferente: mais   Kim Il-sung. Por sinal, o lançamento do
reservado, mal fazia aparições, e deu        satélite foi um fracasso, e foi notório o
apenas um discurso público durante seus      fato do governo de Pyongyang divulgar
vinte anos no poder. Com sua morte, no       essa informação em rede pública.
fim do ano passado, características novas    Reforçando a noção de rompimento com
são perceptíveis no culto à imagem dos       a imagem do pai, Kim Jong-un, nesse dia,
Kim. O novo líder, Kim Jong-un, é            deu seu primeiro discurso público.
frequentemente é visto sorrindo em fotos,           O fato de Kim Jong-un se mostrar
próximo       aos   militares    e    seus   mais próximo da população do país, e a
subordinados. Esse tipo de atitude seria     mídia, ao contrário de previsões, divulgar
impensável por seu pai. A postura de         o fracasso do satélite, não representam
Kim Jon-un, por sua vez, é similar à de      uma nova política de abertura. Não é,
seu avô, que também se mostrava como         como podem afirmar alguns, o início de
uma       figura   paternalista,   sempre    uma Perestroika norte-coreana – a Coreia
abraçando e protegendo a nação norte-        do Norte não irá passar por reformas tão
coreana.                                     cedo. A continuidade do programa
       Apesar da modificação na forma        nuclear e do lançamento de mísseis é
como é conduzido o culto à imagem, a         necessária para relembrar à comunidade
continuidade na política externa do país é   internacional: apesar da imagem sátira


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PET-REL
                             Análise de Conjuntura

que muitas vezes tem-se da Coreia do         pode dizer que tudo o mais pode ser
Norte e de seus líderes, o país continua     mantido constante em relação ao
sendo a ditadura mais fechada do             ambiente externo. As atitudes da Coreia
planeta. Apesar de grave crise econômica     do Norte geram reações diferentes dos
e da fome que o país enfrenta, a             países da região, reações essas que
habilidade dos Kim de se manter no           mudam perceptivelmente em curto
poder é inquestionável. Não há brechas       espaço de tempo.
para contestação do regime: calcula-se               A necessidade da Coreia do
que entre 150 e 200 mil pessoas              Norte de insistir na política nuclear e no
continuam nas prisões do país.               envio de lançamentos e satélites está
        Caso     ocorressem,     reformas    estritamente     relacionada     com      a
econômicas e políticas certamente teriam     necessidade de legitimar-se como uma
duas consequências claras. A primeira,       ameaça e uma potência militar na região.
mais notória, é a de que algumas delas       Em relação a suas políticas, o Japão já
poderiam diminuir a gravidade de             afirmou que caso algum objeto norte-
problemas      socioeconômicos.        Um    coreano se aproxime de seus territórios,
exemplo claro é a crise de fome no país,     usará da força para se proteger. O país
que jamais deixou de assolar a Coreia do     tem até falado em reconstruir seu
Norte desde a década de 1990.                exército, uma instituição que não existe
Determinadas reformas provavelmente          desde sua derrota na Segunda Guerra. A
tornariam a distribuição de alimentos        China também vem demonstrando uma
essenciais mais igualitária e eficiente,     mudança em seu discurso em relação a
inclusive de recursos advindos de auxílio    Coreia do Norte – de apoiadora, a China
externo, como aqueles enviados pelas         passa a ver com cada vez mais
Nações Unidas. A segunda consequência        desconfiança as atitudes de seu vizinho na
de reformas econômicas e políticas seria,    península. Tal fato pode ser observado
por outro lado, admitir a falha no sistema   pela posição chinesa de condenar o
político que vem sendo conduzido há          lançamento do satélite norte-coreano no
décadas e, nesse sentido, admitir também     Conselho de Segurança. A China possuía
o sucesso da rival Coreia do Sul. Dessa      a tradição de abster-se, ou ser contrária a
maneira, a criação de reformas               condenações a Pyongyang.
implicaria, necessariamente, em perda de             A relação entre as Coreias, por
legitimidade do regime em relação ao         sua vez, é a que está mais deteriorada.
ambiente interno, algo impensável para o     Desde que Kim Jong-un subiu ao poder,
atual governo norte-coreano.                 a agência de notícias da Coreia do Norte
       Dessa maneira, é possível chegar      – Korean Central News Agency of DPRK
em algumas conclusões a respeito do          – tem feito várias ameaças ao presidente
futuro da Coreia do Norte. Tudo o mais       sul-coreano,       Lee       Myung-bak.
constante, não se pode inferir que           Comparando o líder a um rato, as sátiras
reformas ocorrerão a curto prazo. A          e provocações da agência, que muitas
probabilidade de que o regime acabe por      vezes parecem infantis, devem ser levadas
ruir por dentro nos próximos anos, por       a sério. Não se deve esquecer que o país
sua vez, é baixa, admitindo-se que o         é o mais militarizado do mundo. Lee
mesmo manteve-se razoavelmente estável       Myung-bak já admitiu que a política do
por décadas de crise. O culto à imagem,      governo anterior, de aproximação entre
apesar de apresentar aspectos diferentes,    as Coreias, foi extremamente mal
continua, assim como a política de           sucedida. Kim Dae Jung, o formulador
chantagem do país. Entretanto, não se        da Sunshine Policy, acreditava que


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PET-REL
                             Análise de Conjuntura

concessões e auxílio poderiam impedir a     quase certo, também, que em breve o
política nuclear da Coreia do Norte, ou     país fará seu terceiro teste nuclear – a
ao menos tornar mais amistosa a             legitimidade perante a comunidade
percepção de sua vizinha. Os resultados     internacional, e também interna, depende
não foram positivos. Caso a Coreia do       disso. E caso a política de chantagem se
Sul não lide com seriedade com as           mostre     realmente     desgastada,  tal
provocações, as relações podem se           performance será necessária para
deteriorar muito mais, levando a Coreia     manutenção da imagem que a Coreia do
do Norte a fazer outras demonstrações de    Norte possui como ameaça. A volta à
poder, ou pior, a quebrar o armistício      guerra continua uma aposta alta. Mas a
assinado em 1953.                           ausência de reformas e de mudanças
                                            estruturais em instituições e política
        Uma conclusão é certa: a política
                                            externa preveem maus sinais: a
de chantagem não irá parar tão cedo.
                                            militarização do Extremo Oriente, e sua
Essa política sempre teve custos
                                            crescente instabilidade.
baixíssimos para a Coreia do Norte. É




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                              Análise de Conjuntura


Contátos

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Bárbara Sabadin Bueno                                       ba.bueno@gmail.com
Carolina Thaines Moreira de Souza                         carolthaines@gmail.com
Erlene Maria Coelho Avelino                             erlenemaria@hotmail.com
Jamerson Samy Albuquerque Oliveira             jamersonalbuquerque@gmail.com
Lucas Santiago Brasileiro                             lucasbrasileiro15@gmail.com
Luiz Artur Costa do Valle Junior                           lacvjunior@gmail.com
Mariana Barros Nóbrega Gomes                      marianabngomes@gmail.com
Nuni Vieira Jorgensen                                          nunivj@gmail.com
Patrícia Nabuco Martuscelli                                patnabuco@gmail.com
Pedro Henrique de Souza Netto                           pedro.hsnetto@gmail.com
Raíssa Vitório Pereira                                   raissa.vitorio@gmail.com
Ricardo Prata Filho                              ricardopratafilho@hotmail.com
Rodrigo de Sousa Araújo                                 rsousa.rodrigo@gmail.com
Rodrigo Guerra Bergmann                                rodrigo.guerrab@gmail.com
Stefanos Georgios C. Drakoulakis                        stefanosjustos@yahoo.com
Victor de Sá Neves                                       victorsaneves@gmail.com
Victória Monteiro da Silva Santos                  victoria.mssantos@gmail.com




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Boletim nº 15 junho de 2012

  • 1. Universidade de Brasília Instituto de Relações Internacionais Programa de Educação Tutorial LARI Laboratório de Análise em Relações Internacionais PET/REL UnB Boletim de Conjuntura nº 15 Junho de 2012
  • 2. PET-REL Análise de Conjuntura Sumário Introdução 3 O Laboratório de Análise das Relações Internacionais 3 A conjuntura internacional entre janeiro e junho de 2012 5 O caso da YPF: na onda das nacionalizações sul-americanas? 7 por Nuni Vieira Jorgensen Irracionalidade econômica versus racionalidade política: uma 10 análise sobre as recentes nacionalizações na Argentina e Bolívia por Erlene Maria Coelho Avelino O Fenômeno do Intermestics e a Conjuntura da Política 13 Externa Argentina por Pedro Henrique de Souza Netto Mali e o novo desenho africano: quem se importa? 15 por Rodrigo de Sousa Araújo The many Sudans: war, ethnic nationalisms and citizenship 17 por Victória Monteiro da Silva Santos Partnership Among Equals 20 por Stefanos G. C. Drakoulakis Tradição, descontinuidade e o futuro da Coreia do Norte 23 por Patrícia Nabuco Martuscelli Instabilidade e militarização crescentes na Ásia: mudanças e 26 continuidades na Coreia do Norte por Lucas Santiago Brasileiro Contatos 29 Junho de 2012 2
  • 3. PET-REL Análise de Conjuntura Introduçáo Criado e implantado em 1979 pela Programa foi coordenado pela CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de A partir de 31 de dezembro de 1999, o Pessoal de Nível Superior (CAPES), o PET teve sua gestão transferida para a PET – então Programa Especial de Secretaria de Educação Superior, ficando Treinamento e hoje Programa de sob a responsabilidade do Departamento Educação Tutorial – é um Programa de Projetos Especiais de Modernização e acadêmico direcionado a alunos Qualificação do Ensino Superior. regularmente matriculados em cursos de Desde então, vem sendo graduação. Tais estudantes são executado levando em conta as diretrizes selecionados pelas instituições de ensino e os interesses acadêmicos das superior de que participam e se universidades às quais se vincula, e que organizam em grupos, recebendo passaram a ser responsáveis por sua orientação acadêmica de professores- estruturação e coordenação. tutores. O PET/REL – Programa de O PET visa envolver os alunos Educação Tutorial em Relações que dele participam num processo de Internacionais – foi criado em 1993. formação integral, propiciando-lhes Inserido nos grupos PET da compreensão abrangente e aprofundada Universidade de Brasília, orgulha-se por de sua área de estudos. São objetivos seu pioneirismo em levar o campo de deste Programa: a melhoria do ensino de estudos das relações internacionais para o graduação, a formação acadêmica ampla âmbito do Programa. O PET/REL hoje do estudante, a interdisciplinaridade, a conta com 14 alunos, que desenvolvem atuação coletiva e o planejamento e a atividades baseadas nas três funções execução, em grupos sob tutoria, de uma básicas da Universidade: ensino, pesquisa gama diversificada de atividades e extensão. acadêmicas. Até o ano de 1999, o O Láborátorio de Análise dás Reláçoes Internácionáis No contexto do PET/REL, insere-se o O cerne das atividades do LARI Laboratório de Análise de Relações compõe-se de encontros mensais com Internacionais (LARI), idealizado e temas pré-definidos, nos quais os organizado desde 2005. Concebido como participantes são encorajados a indicar atividade de pesquisa e extensão do elementos de análise relevantes e a trabalho do grupo a toda comunidade identificar relações, explicações e acadêmica, o LARI tem por objetivo previsões relativas aos tópicos abordados, observar a conjuntura internacional e num esforço concertado e organizado. produzir interpretações cientificamente Após a discussão dos temas estabelecidos embasadas acerca da mesma. nas reuniões mensais, os membros do Junho de 2012 3
  • 4. PET-REL Análise de Conjuntura PET/REL produzem análises de exercício intelectual de seleção dos temas conjuntura, baseadas na premissa de que tratados e da produção de análises. Seu o estudo e a aplicação de metodologia e intuito é eliminar arbitrariedade e teoria científica permitem melhor adquirir objetividade. Desse modo, compreensão acerca do comportamento foram criados descritores para categorizar dos atores internacionais. os temas selecionados e direcionar o exercício de produção das análises para O Laboratório de Análise de um foco mais acadêmico. Antes de expor Relações Internacionais, desde sua os instrumentos de classificação, vale concepção, constituiu-se num esforço ressaltar que as categorias não se esgotam analítico que tem por meta capturar, de em si mesmas, podendo ser atualizadas à forma clara e objetiva, os fatos da medida que houver necessidade de fazê- conjuntura internacional que podem lo. A tabela a seguir lista os seis engendrar-se com processos e dinâmicas descritores idealizados pelo PET/REL mais amplos das Relações Internacionais. para classificação das análises de Para tanto, buscam-se usar mecanismos conjuntura produzidas. que possibilitem o enquadramento dos fatos nas dinâmicas e que favoreçam o Descritor Definição Escalada ou estabilização Vinculado à variável de aumento ou contenção da de tensões e conflitos violência, enquadrando dinâmicas tais como conflitos interestatais, guerras civis e crises humanitárias; Construção de governança Desde a ótica multilateral, engloba processos ligados a regimes internacionais e autoridade política para gerenciar problemas e construir estabilidade no ambiente internacional (no âmbito de ONU, OMC, organismos regionais, G-8, etc.); Exercício hegemônico ou Aplicação da capacidade hegemônica para induzir a contestação anti- ordem internacional nos moldes e valores desejados, ou hegemônica movimentos inversos, de contestação dessa ordem e do hegemon; Integração Dinâmicas sistêmicas de desenvolvimento de laços políticos, econômicos e sociais, que tenham por base espaços interativos entre atores internacionais relevantes; Transbordamento Processos de spillover, nos quais fenômenos domésticos trazem repercussões para o âmbito regional ou global: eleições, reivindicações por parte de grupos sociais, etc.; Mudanças e adaptações de Dinâmicas influenciadas pelo nível de liquidez da fluxos, padrões e economia ou capazes de causar modificações na liquidez, estruturas econômicas tais como taxas de juros, taxas de câmbio e fluxos de capitais. Junho de 2012 4
  • 5. PET-REL Análise de Conjuntura A conjunturá internácionál entre jáneiro e junho de 2012 A conjuntura internacional dos últimos poder internacional, dadas interpretações seis meses é o foco das análises aqui sobre as intenções do país. descritas. Em todo o mundo é perceptível No bloco africano, são o constante rearranjo político, contrastados dois fenômenos que, econômico, social e humanitário, que é embora semelhantes em estrutura básica, traduzido em novas demandas e obtiveram resultados completamente interesses internacionais. Comparando o diferentes. O golpe de Estados anunciado presente boletim com seus antecessores, em março na República de Mali tornou observa-se tal continuação que, embora independente da região de Azawad, no com novos elementos e atores, ainda norte do país. Entretanto, a ruptura de representa o ciclo de crises e suas Mali com aquela região ganhou destaque repercussões em torno do cenário pouco gritante na comunidade internacional. internacional em geral, apesar de apelos A renacionalizarão da empresa remotos por parte de certos atores, que petrolífera Yacimientos Petrolíferos urgem pela importância da estabilização Fiscales (YPF) pela presidente da democrática no país e chamam atenção Argentina, Cristina Kirchner, em abril de para uma potencial crise humanitária no 2012, surge como agente de combustão país. para debates na América Latina acerca Por outro lado, a nova conjuntura das políticas econômicas recentemente regional africana é colocada em primeira adotadas na região. Com isso, a agenda perspectiva com relação ao Sudão e ao internacional é diretamente influenciada recente Sudão do Sul, já reconhecido por inquietações sobre a eficácia de internacionalmente por diversos países e intervenções estatais na dinâmica organizações. Não obstante, perpetuam- econômica internacional, representada se silêncios entre as regiões que não somente na Argentina, mas, também, transcendem questões de identidade em alguns de seus vizinhos e parceiros nacional. Com eles, a sociedade estratégicos, como Venezuela e Bolívia internacional vê-se então na pela estatização de mercados-chave. responsabilidade de observar e, acima de Ainda no cone latino-americano, tudo, guiar a proteção internacional dos a prospecção do Brasil na tela direitos e da segurança de civis na região, internacional assume cada vez mais vítimas da crise que se iniciou ainda em importância, o que é reforçado pela VI 2011. Cúpula das Américas, acompanhada das Já Coreia do Norte mantém-se visitas de Dilma Rousseff e Barack como objeto constante de análises Obama nos Estados Unidos e no Brasil. referentes à Ásia. Desta vez, a morte do A diplomacia brasileira tem atraído ditador Kim Jong-il e a ascensão de seu holofotes em razão de seu lançamento filho ao poder, Kim Jong-un, trazem pragmático e, ao mesmo tempo, incisivo novas aflições à comunidade no contexto internacional; porém, tal internacional quanto ao futuro daquela. status trouxe consigo ponderações acerca Novas atividades nucleares alinhadas à da real posição do Brasil no jogo de Junho de 2012 5
  • 6. PET-REL Análise de Conjuntura ainda incógnita das diretrizes políticas do múltiplas fontes para crises, desde jogos novo ditador são lidas com preocupação, econômicos e políticos até rupturas na colocando em xeque a segurança segurança internacional representam a internacional. instabilidade no cenário internacional, pontuada nas análises de conjuntura que Em geral, o contexto internacional se seguem. em recorte tem-se caracterizado por Junho de 2012 6
  • 7. PET-REL Análise de Conjuntura O cáso dá YPF: ná ondá dás nácionálizáçoes sul- ámericánás? por Nuni Vieira Jorgensen A nacionalização da empresa de permaneceriam regidos por Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), multinacionais. Grande parte desse que causou grande repercussão ao redor movimento está relacionado às próprias do mundo não é um fenômeno isolado. preocupações de segurança energética Ela faz parte de uma cadeia de medidas que hoje permeiam as políticas de estado que visam recuperar uma fração da de todos os países. Os governos precisam autonomia estatal perdida durante os ter nas mãos as rédeas da produção de anos do auge do paradigma das reformas energia se não querem ver aumentada sua para o mercado, do governo Menem. vulnerabilidade perante as outras nações. Entre suas semelhantes estão a Parece, entretanto, que esse estatização dos fundos de pensão, das movimento único com relação à falência Aerolíneas Argentinas, das do paradigma das reformas para o telecomunicações e das empresas de mercado é contornado por diversos distribuição de água ao longo das matizes. Como defendem muitos administrações Kirchner. neoinstitucionalistas, cada Estado deverá O caso da empresa de petróleo buscar a combinação mais adequada para vem, no entanto, na sequência de outras seus respectivos contextos políticos, reformas latino-americanas levadas à cabo econômicos e sociais. Entretanto, alguns por outros Estados, inclusive nas últimas estudos, como o do Banco Mundial, semanas, como é o exemplo da Bolívia. pretendem dar contornos Esta, bem como países como Venezuela homogeneizantes a esses processos: e Equador que também na década de 90 segundo eles as estatizações tenderiam a tiveram seus hidrocarbonetos explorados ocorrer em países com instituições por multinacionais, estatizaram não só públicas deficientes, onde a recisão dos esse setor, como também outras contratos tem custo mínimo; e naqueles dimensões chave da economia, tais como com baixo nível educacional e economia as de telecomunicações e eletrecidade. A pouco diversificada.(CHANG, Roberto; pergunta que se coloca, portanto, é de até HEVIA, Constantino; LOAYZA, que ponto seria pertinente incluir o caso Norman. “Privatization and da YPF em um contexto mais amplo de Nationalization Cycles” (Banco Mundial, nacionalizações na América do Sul. n.5029). Em um primeiro plano é Analisando o argumento para o necessário colocar a aparente falência do caso bolivariano, percebemos que as modelo de reformas para o mercado. recentes estatizações claramente se Mesmo países como o Brasil, que as enquadram nesse modelo. Em primeiro levaram à cabo em uma proporção muito lugar, estes são Estados com um modelo menor do que a República Argentina, de internacionalização abertamente anti- defendem hoje um paradigma de hegemônico – a ALBA, em seus economia mista. Nesse caso, setores príncipios constituintes se coloca estratégicos da economia seriam públicos categoricamente contra o modelo ao menos em parte enquanto outros Junho de 2012 7
  • 8. PET-REL Análise de Conjuntura neoliberal de organização. Os seus Em terceiro lugar, seria exagero respectivos riscos-países sempre afirmar que o país vizinho tenha uma tenderam, além disso, a permanecer altos economia pouco diversificada. A e a própria política governamental não Argentina produz tanto uma grande parece tentar evitar essa classificação. variedade de bens agrícolas quanto industrializados. Apesar do petróleo, Em segundo lugar, Venezuela, dessa forma, ser um setor estratégico para Bolívia e Equador também apresentam a Argentina, tanto quanto para qualquer baixa diversificação da economia, embora país do mundo, não se poderia afirmar haja esforços recentes no sentido de que sua economia depende transformar essa situação. Na Venezuela majoritariamente desse hidrocarboneto, e no Equador a maior parte das como acontece nos países da ALBA. exportações ainda é de petróleo, enquanto na Bolívia 30% destas são Finalmente, seria premeditado formadas pelos hidrocarbonetos. A dizer que a Argentina possui um projeto estatização se coloca para esses países, de inserção internacional anti- portanto, como uma prioridade hegemônico, como a Venezuela e a governamental, dando para os Estado o Bolívia por exemplo. Poder-se-ia controle dos setores sustentadores de sua argumentar, de outra maneira, que economia. semelhantemente ao Brasil, a Argentina almeja um modelo de economia mista, É importante colocar que no caso na qual setores privatizados conviverão da Bolívia, Equador e Venezuela, a com ramos, geralmente estratégicos da estatização tem como discurso principal a economia, nacionalizados. A estatização recuperação dos recursos naturais, além da YPF se configuraria, nesse sentido, de pretende abarcar diversos setores da como uma maneira de retomar parte da economia. Na Venezuela, por exemplo, autonomia perdida durante os anos 90 e essas medidas atingiram o setor de não um processo de estatização minério, de petróleo, portos, aeroportos, generalizado. siderúrgicas, meios de comunicação e bancos. Na Bolívia, o presidente Evo Um indício dessa tendência é que Morales estatizou setores de energia o governo Argentino já pediu pelo elétrica, petróleo, gás, serviços de aumento dos investimentos da Petrobrás, abastecimento de água, indústria da Total, da Chevron, Apache, Exxon e metalúrgica e telecomunicações. Em Sinopec. O seu objetivo, portanto, é menor proporção, Rafael Correa também realizar uma joint venture entre empresas estatizou o setor petrolífero e aumentou a nacionais e estrangeiras que queiram presença estatal na economia. investir no setor de petróleo do país. A intenção, dessa forma, não é financiar A Argentina, por outro lado, todos os investimentos com o dinheiro parece possuir um perfil bastante do Estado e, muito menos, abrir mão da diferente. Apesar do que se diz sobre a parceria privada. O próprio ministro pouca credibilidade argentina com espanhol de Relações Exteriores ilustra relação aos investidores internacionais bem esse fato – segundo ele: “nesse caso, como consequência do calote da dívida teríamos sido expropriados para sermos externa, é bom ter em mente que o seu substituídos por outro parceiro privado”. risco país antes da nacionalização era semelhante ao do Brasil, o que põe em Assim, o que à primeira vista dúvida que o país não tivesse nada a poderia parecer um nonsense ilustra bem perder com a estatização. o fato de que a estatização da YPF, em si mesma, não faz parte de um plano Junho de 2012 8
  • 9. PET-REL Análise de Conjuntura francamente anti-neoliberal. Ela tem ir em uma direção mais à brasileira, como objetivo principal excluir do necessitando para isso, entretanto, tomar controle da exploração de um recurso medidas muito mais drásticas, tendo em estratégico uma empresa claramente vista o seu passado de total venda do ineficiente que se aproveita do setor público à iniciativa privada – o que monopólio e de práticas cartelísticas para no nosso caso não teve as mesmas atuar – ou seja, que é rent-seeking. proporções. Obviamente, não se pode dizer As repercussões nesse caso não que a demanda de nacionalização nesse são ainda claras, mas tendo em vista o seu caso não é importante. Querer que os caráter não tão revolucionário, devem ser lucros da exploração de um produto menores do que esperava-se logo após o nacional sejam reivestidos no próprio ocorrido. Para o Brasil, a Argentina já país ao invés de remetidos em sua maior assegurou os interesses do Petrobrás e, parte ao exterior seria, no mínimo, inclusive, pediu a participação mais ativa bastante razoável – ainda mais quando o da empresa. Tais garantias tendem a argumento de maior eficiência da diminuir o risco do processo ao longo do inciativa privada não vem sendo tempo tornando o país provavelmente cumprido. A Argentina, que antes mais receptivo aos investidores possuia praticamente auto-suficiência internacionais. energética, se via agora obrigada a Dessa forma, pode-se dizer que as importar a maior parte do seu petróleo – nacionalizações latino-americanas não a dívida subia a velocidades assustadoras compartilham necessariamente todas as e indícios mostram que a empresa pouco características. De modos diferentes, fazia no sentido de prestar contas entretanto, seja por meio de um plano públicas de suas atividades. alter-mundialista ou de uma contestação O que se defende aqui, no equilibrada, todos esses Estados tentam entanto, é que, ao contrário das agora retomar a autonomia perdida nacionalizações dos países da ALBA, a durante a década de 90. De uma maneira expropriação da Repsol não faz parte de ou de outra parece, assim, que as um programa abertamente contra- reformas para o mercado de 20 anos sistêmico como a imprensa e a atrás vem sendo revertidas seja em rumo reclamações dos países hegemônicos às a uma economia mista seja a um modelo vezes fazem parecer. Ao contrário parece amplamente estatizante. Junho de 2012 9
  • 10. PET-REL Análise de Conjuntura Irrácionálidáde economicá versus rácionálidáde políticá: umá ánálise sobre ás recentes nácionálizáçoes ná Argentiná e Bolíviá por Erlene Maria Coelho Avelino Considerando a existência das falhas de de Eletricidade (TDE), afetando também a uma mercado, o Estado pode intervir na economia de empresa espanhola, agora a REE (Red Eléctrica forma a minimizar tais falhas e assim, obter um Española). O pretexto da falta de investimentos resultado mais favorável em termos sociais do foi o mesmo usado semanas antes pela que aquele alcançado por agentes econômicos Argentina. independentes. No entanto, definir que o Estado A proximidade entre os dois casos levou pode melhorar os resultados de mercado não é a reações temerosas no mercado internacional equivalente a dizer que ele irá fazê-lo, pois de quanto a um risco de uma onda estatizante na maneira análoga às falhas de mercado, o Estado América do Sul. Entretanto, se tratam de casos possui suas próprias limitações que são isolados, pois não se observa um movimento de chamadas na literatura política de falhas de nacionalizações nos países sul-americanos que governo. No mercado político tal como no leve a um efeito dominó na região. Cada governo mercado privado, os indivíduos podem se tem sua motivação particular para essa tomada comportar de maneira auto-interessada, de decisão, não sendo ações coordenadas ou especialmente quando visam à conquista de influenciadas. Isso não quer dizer que não há votos. Dessa forma, constantemente observamos qualquer correspondência entre as expropriações agentes públicos utilizando a política econômica na Argentina e Bolívia, pois há uma forte em proveito próprio, o que gera desvios em correlação em uma matriz ideológica nacional relação ao que seria considerada uma conduta populista. ideal de Estado. Os últimos acontecimentos na Argentina e na Bolívia exemplificam esse tipo de Apesar das justificativas dadas pelos dois comportamento. presidentes, observa-se uma falta de embasamento técnico-econômico nas propostas Em meados de abril, a presidente de retomada dos ativos econômicos estratégicos. argentina, Cristina Kirchner, decretou a De fato, os governos são autônomos e podem renacionalização da empresa YPF (Yacimientos optar por administrar novamente um bem Petrolíferos Fiscales), que era controlada pela privatizado. Contudo, há várias formas de fazer empresa espanhola Repsol desde 1999. A isso. Considerando que existem setores presidente justificou a decisão diante da queda na econômicos que são monopólios naturais, como produtividade da petroleira, no aumento inédito o de energia, no qual processo produtivo das importações de combustíveis e no fato do caracteriza-se pelos retornos crescentes de escala, país ser um dos poucos no mundo que não tem nesses setores é mais vantajoso ter apenas uma o controle deste setor, ou seja, a decisão foi empresa produtora do bem. Por isso, é apresentada a população como uma operação necessário que o Estado intervenha para que os de soberania energética, do tipo “o petróleo é preços não sejam abusivos. Nesses casos, a nosso”. Depois da Argentina, foi a vez da Bolívia intervenção do governo pode tomar duas anunciar a expropriação de outra empresa. Neste formas: a regulação ou a produção do bem. 1° de maio, o presidente boliviano, Evo Morales, Argentina e Bolívia estão decidindo pela segunda deu sequência a uma tradição do seu governo no forma porque as empresas não estavam dia do trabalhador e estatizou a Transportadora investindo o suficiente, só que eles poderiam ter Junho de 2012 10
  • 11. PET-REL Análise de Conjuntura considerado a primeira alternativa e exercido queda na popularidade de Cristina Kirchner, sua melhor seu poder de regular. taxa de aprovação caiu de 70%, em dezembro, para 50%, em abril. Nesse sentido, a luta pela Partindo de uma perspectiva histórica, a soberania sobre o petróleo e a tentativa de intervenção estatal tem um caráter cíclico sempre redespertar movimentos nacionalistas com a em transformação, ou seja, ela expande-se e abertura do caso Malvinas parece indicar que a contrai-se ciclicamente, e a cada novo ciclo o Argentina evoca questões de soberania para tirar modo de intervenção modifica, devendo ser do foco esses problemas econômicos. Não aplicados novos modelos. Dessa forma, há demorou muito para a popularidade da senhora muitas formas de intervir no tabuleiro Kirchner subir, por meio de um discurso econômico e tanto a Argentina como a Bolívia peronista, bem ao estilo anos 50, atrelado a uma optaram por um caminho circunstancialmente estratégia política de longo prazo que passa pelo indevido, pois as colocaram em choque com fortalecimento do seu grupo político dentro do outros países e quebraram a confiança de peronismo é que a presidente conquista o apoio investidores. Cristina Kirchner chegou a alegar o popular, inclusive da oposição. desejo de se equivaler a países como o Brasil que tem 51% da Petrobrás e, sendo assim, é legítimo Já na Bolívia, o presidente Evo Morales um país querer tirar proveito de seus ativos busca a reeleição para um terceiro mandato econômicos naturais, especialmente um país consecutivo em 2014. O contexto econômico com as condições econômicas da Argentina. boliviano é de grande crescimento da economia Porém, se a soberania sobre o petróleo era o informal. Além disso, em março, o país foi maior objetivo, os argentinos poderiam ter cenário de 123 conflitos sociais, em sua grande comprado a empresa novamente de forma maioria, protagonizados por setores da classe negociada com seus investidores. Da mesma média e baixa que demandam melhoras salariais forma a Bolívia não precisava do espetáculo de e de qualidade de vida. Um dos grupos mais usar as Forças Armadas para ocupar a empresa combativos é o de médicos que estão parados há expropriada. Percebe-se então que não houve quase dois meses. É com esse pano de fundo uma racionalidade político-econômica que Morales busca elevar sua popularidade, mas consistente nesses governos, ambos prefeririam as últimas medidas para elevar seu apoio popular rasgar contratos e quebrar importantes regras do não foram tão eficazes para ele quanto foram comércio internacional em prol de um para Cristina. verdadeiro exibicionismo político. Com isso, percebe-se que Argentina e Isso nos leva a crer que a justificativa Bolívia apelam a sentimentos nacionalistas para para tais ações foram mais políticas do que recuperar parte do respaldo perdido e para não econômicas e o contexto político e econômico trazer à tona seus vazamentos econômicos, desses países pode demonstrar isso melhor. chegam até a limitar o acesso do cidadão a Argentina e Bolívia já tem um histórico de informação. Para exemplificar esse último fato é dominância de racionalidade política de curto só comparar as informações sobre a economia prazo em detrimento de uma racionalidade divulgadas pelos governos com os resultados de econômica. Os dois países vem expropriando uma análise econômica paralela mais várias empresas nos últimos tempos e aprofundada. Os dados inflacionários publicados instaurando crises diplomáticas que afetam suas pelo governo argentino não são confiáveis, eles economias. Na Argentina, tem-se uma situação indicam uma inflação entre 5% e 11% ao ano, de índices inflacionários de 24% ao ano, mas outros estudos dobram as taxas oficiais. desemprego próximo dos 7%, uso das reservas Economistas argentinos independentes foram cambiais para fazer pagamentos pontuais obrigados a parar de publicar suas próprias arbitrariamente, restrição a importação de estimativas, sem contar com a relação nada inúmeros produtos e forte desaceleração amigável que a presidente tem com a imprensa. econômica. Tudo isso veio juntamente com uma Apesar de dados indicarem que a economia Junho de 2012 11
  • 12. PET-REL Análise de Conjuntura boliviana cresceu 5% nos últimos anos e a irracionalidade econômica há uma racionalidade inflação está entre 6% e 7%, há uma economia política. Portanto, as recentes expropriações na informal que envolve 85% dos trabalhadores, Argentina e Bolívia se inserem em uma análise falta de industrialização e diversificação da das típicas falhas de governo, só que não se pode indústria e total dependência das exportações de esquecer que após o início da crise econômica gás, minério e soja, o que torna o país vulnerável houve uma grande abertura para ideias às oscilações dos preços internacionais. A partir intervencionistas, ocorrendo uma legitimação disso, compreende-se o apoio das massas a destas do ponto de vista ideológico, inclusive na medidas nacionalistas. Devido a problemas de Europa e Estados Unidos. Assim, tem-se que a informação e vieses de percepção tem-se que atuação do governo é solicitada e essencial no nem sempre, o que o eleitor mediano deseja é controle do mercado, mas da mesma forma que compatível com o bem estar agregado da é preciso tratar dos fracassos do mercado, deve- sociedade. Por isso, pode-se pensar nesses se lembrar que há os fracassos do governo, governos agindo para implementar aquelas porque as instituições públicas também são políticas que maximizem os seus votos, fazendo, imperfeitas, sendo completamente influenciadas efetivamente, o que quer a maioria dos eleitores. pelo jogo político. Não se deve por isso, abdicar da presença do Estado nem reduzir sua atuação, Em última análise, observa-se que o que mas sim desvendar qual a melhor maneira do esses governos fizeram não foi uma loucura. De governo intervir no mercado sem gerar grandes um ponto de vista político, há um método, uma distúrbios ou introduzir novos problemas. lógica dos ganhos políticos táticos de curto prazo. Ao mesmo tempo em que há uma Junho de 2012 12
  • 13. PET-REL Análise de Conjuntura O Fenomeno do Intermestics e á Conjunturá dá Políticá Externá Argentiná por Pedro Henrique de Souza Netto Com a aproximação do dia 2 de abril de Egito em 2011, na Grécia em 2008, e na 2012, quando se completou o 30º Argentina em 2001. Vinda de um aniversário da Guerra das Malvinas, período de estagnação econômica e notou-se grande movimentação encorajada por medidas do Fundo diplomática por parte da República Monetário Internacional, a República Argentina a fim de novamente inserir o Argentina tomou diversas medidas tema na agenda internacional. No dia 17 liberalizantes em sua economia na década do mesmo mês, a presidência daquele de 1990. Tais medidas, que consistiram, país decretou a nacionalização da por exemplo, na privatização da petrolífera YPF, então subsidiária da petrolífera YPF, e na adoção da plena espanhola Repsol, medida que veio a ser, conversibilidade do Peso em Dólar norte em seguida, aprovada pelo parlamento. americano a uma paridade fixa, Tais ações coincidem com um significaram a renúncia de soberania e crescimento da pressão inflacionária poder estatais sobre a economia, na naquela nação, que ainda se lembra medida em que o poder decisório amargamente dos episódios ocorridos em relativo a um setor estratégico foi 2001. Essa situação remete a um transferido a agentes externos e se abriu recorrente fenômeno em nações do mão da política monetária. Isso, contudo, Oriente Médio: o intermestics não foi capaz de manter uma longa era de (KORANY, 2008). crescimento econômico no país austral, levando a uma grave crise institucional e Observando as diversas realidades econômica que atingiu seu ápice em presentes em nações do Oriente Médio e dezembro de 2001, quando o governo Norte da África, o egípcio Bahgat Korany declarou a maior moratória de dívida cunhou o termo intermestics. O soberana do mundo até então. professor define o neologismo como um conceito que “denota a próxima Desde a moratória declarada em interconexão e sobreposição entre as 2001, é notável o interesse dos governos dimensões internacional e doméstica de argentinos em, reagindo ao processo processos e interações sociopolíticos. […] desencadeado pela globalização, É, assim, o reflexo da globalização, reafirmar sua soberania adotando caracterizada pela retração do Estado [...] políticas que muitas vezes unem as e ascensão de intensas interconexões dimensões doméstica e internacional. sociais e rápida circulação de ideias” Uma possível interpretação para esse Dessa forma, o autor define um movimento seria que, com a perda da fenômeno que pode ser observado não soberania estatal, o chefe de estado apenas em seu campo de estudos perderia também seu poder, original, mas também na atual Argentina. contrariando o animus dominandi (desejo natural de todo ser humano pelo O processo de globalização destacado pelo professor Korany pode poder) proposto por Morgenthau. claramente ser notado, por exemplo, no Junho de 2012 13
  • 14. PET-REL Análise de Conjuntura De qualquer forma, seguindo a a nação sul-americana junto à política de fortalecimento da soberania Organização Mundial do Comércio. A nacional, os últimos governos argentinos, União Europeia e os Estados Unidos da lançando mão de um discurso América posicionaram-se também nacionalista, tomaram diversas medidas contrários à nacionalização da companhia internas que afetaram também a política petrolífera, afirmando que tal medida externa da república. A recente “batalha” poderá influenciar negativamente os pelas Ilhas Malvinas gerou certo mal estar investimentos estrangeiros na nação no ambiente internacional, chegando a portenha. Domesticamente, entretanto, a nação sul-americana, inclusive, a medida também encontrou grande apoio apresentar sua reclamação de soberania em numerosos setores da sociedade. perante a ONU. Apesar dessa situação e Em suma, pode-se constatar que, do consequente enfraquecimento das no caso argentino, o governo, reagindo ao relações entre Argentina e Reino Unido, já registrado enfraquecimento de entretanto, as movimentações soberania nacional causado, em última diplomáticas da nação austral obtiveram instância, pela globalização, toma maciço apoio popular doméstico. Outra medidas que mesclam políticas medida argentina, ainda mais internacionais e domésticas, contando característica do intermestics, foi a sempre com o apoio de amplos setores recente nacionalização da YPF. A ação, da sociedade. É relevante destacar, considerada pelo governo brasileiro contudo, que a questão não se restringe à como uma “questão interna” daquele Argentina, já que existem evidências de país, apresentou claramente grande que o fenômeno esteja se manifestando reação internacional, e, segundo certos também na Bolívia, sem que se esqueça governos, contrariou diversos acordos da Venezuela. Assim, nota-se que, a internacionais, entre tratados bilaterais despeito de ser inicialmente observado entre Argentina e Espanha e demais no Oriente Médio, é possível constatar compromissos internacionais. Enquanto que a ocorrência do intermestics o México (acionista minoritário da ultrapassa as fronteiras daquela região, Repsol) acusou a Republica Argentina de tornando o neologismo ainda mais contrariar tais tratados, a Espanha abrangente e relevante aos estudiosos das declarou que prestaria uma queixa contra Relações Internacionais. Junho de 2012 14
  • 15. PET-REL Análise de Conjuntura Máli e o novo desenho áfricáno: quem se importá? por Rodrigo de Sousa Araújo “Nulo e sem força legal”. Com essas Primeiramente, sublinham-se palavras a ECOWAS – Comunidade questionamentos quanto à aceitação Econômica para os Estados Africanos legítima do novo Estado de Azawad. Em Ocidentais – define o golpe militar de primeiro nível, é difícil alcançar uma Estado ocorrido na República de Mali coerência interna ainda na própria região, em 22 de março de 2012. Sob o já que sua população é composta comando do Capitão Amadou Sanogo, principalmente por tuaregues, mas não líder do Comitê Nacional de Restauração em maioria absoluta. Assim, as da Democracia e do Estado (CNRDR), o disparidades de preferência entre o Movimento Nacional de Libertação de pastoril nômade, característica principal Azawad (MNLA) declara de forma daqueles tuaregues, e aqueles que vivem unilateral a independência da região da agricultura fixa na região, dependendo norte de Mali, Azawad, acompanhada da de forma direta do controle ou, ao queda do então presidente maliano menos, apoio de um governo estável. A Toumani Touré. nova dinâmica, imprevisível, ilegítima e “crua”, coloca em xeque a durabilidade As linhas mestras do movimento de aceitação da própria população independentista foram planejadas por habitante da parte norte de Mali. insurgentes do povo Tuaregue, tipicamente nômade e que habita além Ainda, o aspecto da ilegitimidade do norte do país, grande parte da Argélia, parte do plano interno e econômico para Líbia, Niger e Burkina Faso, todas ex- o internacional e político. Passados dois colônias francesas. O objetivo dos meses do golpe proferido, é irrefutável a revoltosos era não somente tornar não aceitação da separação de Mali e independente Azawad, mas criar um Azawad pela comunidade internacional. novo Estado formado também por Para tanto, ainda são mantidas políticas tuaregues daqueles outros países. de embargo e isolamento diplomático por parte de países próximos, como Entretanto, estranha-se o fato de Guiné-Bissau. O Conselho de Segurança que pouca atenção vem sendo das Nações Unidas continua a reiterar o direcionada ao novo cenário maliano, por não reconhecimento do novo Estado, vezes reconhecido como um dos regimes assim como a União Africana e o políticos mais estáveis da África, em ECOWAS, como acima mencionado. níveis comparados aos da região. Tal Potências internacionais e regionais, silêncio não se refere somente à como Estados Unidos, África do Sul e a comunidade internacional política como Liga Árabe em geram também expressam um todo, mas principalmente por parte repúdio à nova divisão. da mídia, crucial na formação de opinião pública transnacional. Desta forma, torna- Estranha-se também o relativo se necessário levantar a resposta chave silêncio do governo brasileiro com para a região. relação ao novo panorama observado no norte africano. O Ministro das Relações Junho de 2012 15
  • 16. PET-REL Análise de Conjuntura Exteriores, Antonio Patriota, resumiu-se Nações Unidas para Refugiados a manifestar apoio, caso necessário, às (ACNUR). Tal situação recoloca em tela atividades da União Africana no intuito a “Primeira Revolução Tuaregue”, entre de restaurar a ordem constitucional e a os anos de 1962 e 1964, a qual se democracia no país por meio da traduziu na fuga de milhares de malianos. moderação e do repúdio à força. A Num cenário no qual cálculos de mesma indiferença foi tomada por ganho neutros sobressarem a cultura de Burkina Faso, Chad e Benin, que juntos segurança humana, a prospecção mais e Mali e apoiados pelo Brasil formam o viável é a de uma negociação bilateral Cotton-4 (C-4), recente programa de para a reintegração da região de Azawad apoio ao desenvolvimento do setor no sistema de Mali, assim como antes. cotonícola nestes países, com o objetivo Devido à relutância em reconhecimento de enfrentar os subsídios dos Estados e às sansões transnacionais e, ao mesmo Unidos e da União Europeia a seus tempo, a indiferença internacional produtores, considerados “injustos” pelos imposta, as chances de uma manutenção membros do C-4. do novo status quo na região são O cenário mostrado ilustra o improváveis. A falta de comércio problema genérico causado pelo golpe de internacional, instituições políticas e, Estado maliano; entretanto, pouco se ainda, apoio consensual da própria lembra de que o desafio maior paira população traduzem-se em justamente na resposta internacional à reversibilidade da dinâmica atual. Assim, situação. A Human Rights Watch assinala acredita-se que o próprio curso dos fatos que ambas as regiões caminham para responsabiliza-se por reunificar a região. uma nova crise humanitária, em Por outro lado, teme-se que tal rearranjo consequência da falta de suprimentos ocorra de forma tardia e, ainda, violenta. alimentares, somada aos altos índices de Desta maneira, a divisão de Mali não violência no país. A imposição de resultará tão cedo em uma remodelação embargo e o corte de fornecimentos do continente africano, adicionando em básicos ao país contribuíram não para sua geografia mais um Estado. Contudo, estabilizar politicamente o país, mas, sim, deve-se sublinhar que a instabilidade dos para acentuar o caos humanitário no país. interesses políticos é tão incerta quanto o Como esperado, o número de refugiados futuro maliano, podendo assumir novas malianos para a Argélia aumentou em rotas de forma repentina e níveis preocupantes, como constam incompreensível. relatórios do Alto Comissariado das Junho de 2012 16
  • 17. PET-REL Análise de Conjuntura The mány Sudáns: wár, ethnic nátionálisms ánd citizenship por Victória Monteiro da Silva Santos Over six hundred ethnicities and People‟s Liberation Movement/Army sub-ethnicities. More than a hundred (SPLM/A), since 1983. SPLM/A has languages and dialects. That is the played a major role in South Sudanese miscellaneous which composes the two independence and in its current politics, countries we now call Sudan and South and continues to pressure the Sudanese Sudan. Even after Sudanese state in certain regions, such as South independence from the Anglo-Egyptian Kordofan. domination in 1956, the history of former One of the Sudanese regions Sudan has been marked by more or less claiming for autonomy was Darfur, in violent attempts of cultural imposition Western Sudan, where Omar al-Bashir‟s and assimilation, leading to an untenable government has been accused of situation. Since 2011, the referendum in negligence and of financing the Janjaweed South Sudan and the establishment of the militias to systematically murder the new state, followed by its international Darfuri population. Al-Bashir‟s reconnaissance, contributed to condemnation by the International multiplying hopes around the future of Criminal Court (ICC) in 2005 has the countries. However, recent violent contributed to bringing international developments between the two states, as attention to the region. However, the well as the continuing crisis in other impunity in the case – as al-Bashir not Sudanese regions such as South only walks freely but continues to be the Kordofan, demonstrate that the problems president of Sudan – compromises the in the region are far from solved. role of the ICC in bringing hope and As mentioned, the state of Sudan justice to the region. has become independent from Great Another „rebel‟ region was the Britain and Egypt in 1956. The newly South, with which the Sudanese central constituted central Sudanese state has government has signed agreements then established the Arab as official regarding political and cultural autonomy language in the country, and the Islam as which culminated at the 2005 Naivasha official religion. Less than a decade later, Treaty. This treaty determined the in 1964, riots have gained dimension at execution of the Januray 2011 the “October Revolution”. At the referendum, in which over 98% of the revolution, demonstrators protested population in South Sudan has voted for against the process of forced Islamization the constitution of a new country. Rapidly of regions where other beliefs, such as recognized by the international Christianity and Animism, prevailed. The community, the new state has been next decades have been marked by claims officially established in July 2011, with the of various Sudanese regions for more support of the United Nations Mission in autonomy and for a more fair distribution South Sudan (UNMISS). Many issues, of national resources. The oppression of though, were still to be solved, such as the the central government on other regions delimitation of boundaries, distribution of has fueled the ascension of the Sudan Junho de 2012 17
  • 18. PET-REL Análise de Conjuntura oil profits, and citizenship issues. This last the two states have been dealing with the problem has become more urgent on problem, however, clearly reflect their April 9, when a Sudanese law was passed specific view on the meaning of considering any Southerners in the nationalism. Al-Bashir‟s government country as “foreigners”; and on the next struggles to keep its legitimacy in spite of day, when South Sudan passed a similar territorial losses, which motivates the law regarding Northern persons. With oppression of remaining rebel regions. the major influx of returnees to South Kiir‟s government in South Sudan tries to Sudan – over 370,000 since October construct a national identity from scratch, 2010 – reconnaissance as citizens unifying people who pertain to different becomes an urgent issue which has been tribes around a common hatred towards challenging the authorities in the newly- the Sudanese Other. Struggles related to formed country, putting thousands under the reconnaissance of citizenship in both risk of statelessness. Besides, the countries reflect the attempts of increasing tensions between the two states constructing ethnic national identities, regarding the extraction of oil in South departing from the rejection of the Sudan and its transport through Sudan foreigner. At the same time, difficulties in has contributed to spreading fear and defining who should be a citizen from despair among those living along the each country, alongside the internal border, or crossing it. problem of accommodating ethnic groups in both states, demonstrate the Difficulties in obtaining failure of such nationalism model for citizenship rights have also been an issue strengthening identities in the region. The for other minorities in the Sudanese continuation of such efforts may only lead country, especially those living closer to to the expansion of the current the border with South Sudan. That is the humanitarian crisis to unstoppable levels, case of the inhabitants of the Nuba turning the current „chicken game‟ Mountains, in South Kordofan. The between al-Bashir and Kiir into no more Nubans have fought alongside South than a no-win situation. Sudanese rebels in their secession conflicts, but after the new country was Only when authorities in both formed, South Kordofan has gone back countries start perceiving their respective to being a forgotten part of Sudan. The national identities in civic terms, there will oil reserves in the region fuel violent be a possibility of true dialogue between attacks perpetrated by al-Bashir‟s the two and with representatives of government on the region‟s civilians, minority ethnicities. In such nationalism leading to an overflow of Nubans to the paradigm, people have the possibility of contested territory where the Yida acquiring a nationality, since this is not refugees‟ camp is located. Rising levels of defined around primordial characteristics. orphanage and hard access to documents Such right is especially crucial in times of have increased the levels of statelessness transition, where large groups have in this region as well, depriving Sudanese reasons to identify to more than one people of their right to a nationality. state. More than the granting of citizenship rights, the promotion of a civic Those many conflicts in the nationalism requires the strengthening of region have an undeniable material basis, democratic institutions, which are as most of the oil reserves from former inclusive of different ethnic groups, and Sudan were concentrated in the South or in other periphery regions, such as not oppressive to those. We are certainly speaking of a process which does not take Darfur or the Nuba mountains. The way place overnight. Such process, however, Junho de 2012 18
  • 19. PET-REL Análise de Conjuntura has to be increasingly faced as a goal, bring more suffering and destruction to since the continuing promotion of populations who have already had more xenophobic nationalisms in the region, than enough of it. through the use of violence, can only Junho de 2012 19
  • 20. PET-REL Análise de Conjuntura Pártnership Among Equáls por Stefanos G. C. Drakoulakis The recent movements observed in the policy history, the bid for global insertion, Brazil-United States relations could raise nor when the national interest assumes a wide range of questions. One of the greater importance in Brazil, the relations recent events, The VI Summit of the with the United States were regarded as Americas, is critical when we wonder how unnecessary, nor that openly facing the the government of Dilma Roussef United States were an option. conceptualizes such relations. Even So if the relations with the United though the stated “partnership among States are extremely important to the equals” could mean nothing but a wish, Brazilian government, what could this this skeptical vision does not fully movement, that has been taking place not correspond to the facts. On the other only for this government but since the hand it is expected that the Brazilian Lula‟s administration, mean? In this movement aiming consolidating its global article, what it‟s pursued is to show a position will lead the country inevitably to continuous movement in the Brazilian some sort of clash with the United States. foreign policy that does not break up with In this brief analysis what is sought is to the history of such relations. On the reach a middle ground in between too far contrary, it reaffirms the central position pessimistic and optimistic views. Also it‟s of the United States in our foreign policy, formed a third option to this complex but also shows that independence in movement. Brazil is not necessarily movements is also highly valued. First it is rivaling with the United States, instead it needed to dedicate some part of the is competing. argument analyzing the most common Concerning Brazilian relations positions about the Brazilian global with the rest of the world, United States insertion concerning its relations with the have been regarded as a major partner. United States of America. The Americanism paradigm has been To illuminate the skeptical one of the paths that Brazil has used to position it is necessary to look the way enhance its position in the global context. they do. Brazil has resorted to speech for The “Barão do Rio Branco” has seen the striving for its interests. In most of cases, centralism that the relations with the the Brazilian argumentation was bolstered United States would assume in the long by the international law and morality. In a run. With some setbacks the United realistic view, these are the weapons of States remained until the government of the weak. Therefore, the phrase of Dilma Jânio Quadros (1961) the central Roussef would likely fit into this kind of fundament of the Brazilian foreign policy. discourse, even though it‟s acknowledged But even in the 70s and 80s, especially that Brazil has relatively gained with the Ecumenical and Responsible importance in the recent scenario. Brazil Pragmatism (Pragmatismo Responsável e does not possess the same bargaining Ecumênico) the relations with United powers that had had with Getúlio Vargas States were taken as central. The major and in the end of the day the diplomacy point here is to state that neither with would just cover another failed changes during the Brazilian foreign movement that has struggled for Junho de 2012 20
  • 21. PET-REL Análise de Conjuntura constructing a reserved space in South see that the confrontation will be open America for Brazilian influence. and vast. These fraught views carry with Therefore, Brazil would just be acting as them some sort of misinterpretation both a rational actor that finds ideas the only of movements of the United States and way to create an atmosphere that can the history of Brazilian foreign policy. favor its interests. First, the United States is seeking to guarantee the maximum of support it can A sort of “chicken fly” (it doesn‟t to regain socially and economically the stay long in the air) would best describe South American region. As their this kind of skepticism. But the recent leadership is being constantly questioned, exchange of visits between the Brazil and the necessity of the Obama United States, the signature of few administration giving another face to the understandings shows that more United States foreign policy is one of the importance is given to these relations, not biggest issues of his government. On the only by Brazil (as this vision would other hand, United States desires to fix an certainly expect), but also by the United impression of its new features as the States. The header of the State leader of the continent. The Obamas Department has made clear the position administration since its beginning has of the United States. The country wishes sought to get out of the traditional hard to take a greater hole in the Brazilian economy. It could be inferred that the power way of conducting politics. So a United States interested in cooperation United States also wants to regain the (even if it‟s for selfish reasons) has to have position of primacy that once has held. a more flexible policy. On the other So the notorious importance given to the hand, Brazilian foreign policy is walking Brazilian economy could mean that on no new path. The same principles, the Brazil actually has some sort of influence same view and most important, the same in the path of these relations. Nothing position is given to United States in our like the automatic alignment is observed foreign policy. But as the national interest these days. Liking or not, when faced by has achieved a greater role in the these facts, it doesn‟t matter the definition of how Brazil will behave at the interpretation of the skeptics, it has to be international arena, then we could see recognized that Brazil has changed and so some minor clashes in the long run. does their relations. What it is very useful United States is way too important to the of this kind of view is the possibility of Brazilian policy. So identifying a questioning the boundaries of the confrontation policy in the planning of Brazilian position. There are Brazilian foreign policy is unlikely to containments that make the “partnership happen. Brazilian government seeks to among equals” to be an idealistic type of cooperate with the United States. such relations. Whenever the United However there‟s a big difference between States firmly decides to hold its ground, cooperation and bandwagoning, and the it‟s unlikely that the relations among them Brazilian government won‟t just be a hold any equality. follower of the United States, instead Now the second proposition is Brazilian government seeks the place of a taken under scrutiny. Will Brazil actually partner. clash with United States? This can be a Finally, when both positions were tricky question. Depending on how we questioned, it‟s possible to take advantage expect to see the clash, there are multiple interpretations. Here the argument aims of the strong points of them and indicate the variables that will certainly have some to restrict the most radical views which impacts in the future of these relations. Junho de 2012 21
  • 22. PET-REL Análise de Conjuntura To say that Brazil will move depending on results of the American independently from the United States elections we should see the continuity position it is equivocal. But stating that conversation in different points of view. Brazil will in some point turn to the The difficulties will inevitably rise and United States desires, even if those there will be no compromise. But United collides with the Brazilian ones, it‟s States is consolidating in the Brazilian childish. The major point is to see the view not as a target, or a hated hegemon, phrase of the Brazilian states woman not but as good chance to promote Brazilian as a radical change, but as the interests. And everything indicates that confirmation of a broader historical the vision is reciprocal. movement. Affirming this is to say that, Junho de 2012 22
  • 23. PET-REL Análise de Conjuntura Trádiçáo, descontinuidáde e o futuro dá Coreiá do Norte por Patrícia Nabuco Martuscelli O lançamento do foguete norte-coreano Sung (avô de Kim Jong-Un) participou da Taepodong-2 no dia 13 de abril e sua guerra que levou à expulsão japonesa e queda após cerca de um minuto no Mar fundou o país em 1948. Por isso, Kim Il- Amarelo poderiam ser considerados Sung é considerado o salvador e pai da como uma outra tentativa fracassada da pátria. Frente a esse histórico colonizador Coreia de Norte de defender seu lugar é interessante perceber a importância como “potência mundial” a ser temida, dada pelo governo de parecer um país mas a repercussão desse caso foi maior. forte que pode usar a força contra seus Como em ocasiões anteriores, o país inimigos a qualquer momento, anunciou suas intenções (colocar em principalmente se for atacado. órbita o satelite Kwangmyongsong-3) Os norte-coreanos são ensinados rompendo com compromissos desde pequenos que sua raça é a mais previamente assumidos (no caso, um pura e superior, que os outros países são acordo com os Estados Unidos da maus e que eles precisam de uma figura América) e aumentando a tensão entre poderosa para liderá-los. Além disso, eles seus vizinhos. O Conselho de Segurança acreditam que seu líder supremo tem das Nações Unidas condenou essa todas as qualidades essenciais para atitude. Japão, Coreia do Sul e Estados governar e possui conhecimento sobre Unidos apresentaram suspeitas quanto às todos os assuntos. Para garantir tal intenções pacíficas do país. A Coreia do ideologia, o governo conta com um Norte por sua vez alegou que era seu aparato para exaltar o clã dos Kim direito soberano desenvolver um composto por propaganda, disciplina e programa espacial pacifico. Por fim, com repressão, inseridos em uma estrutura o fracasso do lançamento, o que poderia social. Contudo o grande número de ter levado a maiores questões foi mercados negros que estão se espalhando percebido pela comunidade internacional pelo país e os mecanismos para burlar a como uma vergonha para o governo censura (como o uso de aparelhos norte-coreano. celulares perto da fronteira da Coreia do Não é a primeira vez que uma Sul que realizam chamadas para a tentativa norte-coreana falha, contudo mesma) estão mostrando para uma parte algumas posturas do país frente a isso da população como vivem as pessoas fora podem sinalizar possíveis mudanças em do regime. Diferentemente do que é suas estruturas internas. A Coreia do defendido pelo governo, alguns norte- Norte é um país extremamente fechado coreanos passam a perceber a melhor com uma forte ideologia que legitima os qualidade de vida e as vantagens (tais atos governamentais e garante o apoio como respeito às liberdades populacional ao regime. A região das fundamentais) existentes em outros Coreias foi dominada de maneira brutal países, o que inspira questionamentos pelos japoneses de 1910 a 1945. Nesse contra o governo e tentativas, muitas período, foram reprimidas a cultura, o vezes bem-sucedidas, de ir para esses idioma e as identidades coreanas. Kim Il- lugares. Junho de 2012 23
  • 24. PET-REL Análise de Conjuntura A população sofre com os efeitos próspera. Isso pode ser visto devido ao da crise de fome que atingiu o país e modo como a população e o partido matou cerca de 1 milhão de pessoas na veem o novo líder de pouco idade, década de 1990. O Programa Mundial de experiência e falta de autoridade se Alimentos das Nações Unidas acredita comparado com seu antecessor. Assim, a que dois terços da população do país decisão do governante pode ser uma vivem com o equivalente a cerca de 400 tentativa de legitimar seu poder para a gramas de grãos diários, distribuídos pelo população e o próprio partido além de Estado em um sistema de cupons, a mascarar a fraqueza do Estado para o metade do mínimo necessário. Contudo, plano interno e para comunidade de junho de 2011 até a nova colheita, a internacional, visto que a Coreia do população deve receber 380 gramas por Norte passa por uma estagnação adulto, e durante os meses de entressafra econômica e uma crise alimentar. no verão do Hemisfério Norte 150 Ao se tratar da Coreia do Norte gramas. Por essas razões, um em cada muitas são as contradições e mudanças três coreanos tem baixo desenvolvimento que podem ser vistas nessa transição de físico e mental e aproximadamente poder. A primeira delas é o fato de as metade das crianças tem desnutrição mídias estatais norte-coreanas terem crônica, sendo que 23% estão abaixo avisado o fracasso do lançamento do peso. foguete para a população, coisa nunca Sobre esse assunto, o acordo antes observada na história do regime. A assinado com os Estado Unidos da segunda é o próprio acordo alimentar América (EUA), em troca de 240 mil de com os EUA que mostrou para a toneladas de um mingau de milho e soja comunidade internacional a fraqueza e misturado com óleo vegetal para situação precária do país. Além disso, foi alimentar crianças abaixo de 10 anos e priorizado, nesse momento, a população mulheres grávidas, pode ser visto como civil em detrimento de questões militares. uma inflexão do governo norte-coreano e Essa consideração poderá vir a ser uma certa preocupação com as condições observada em próximas ações de sua população interna. O acordo, que governamentais. Contudo, Kim Jong-Un poderia ter ajudado 2,4 milhões de necessita se firmar no cargo como líder pessoas, foi amplamente celebrado pela supremo, principalmente para o partido, comunidade internacional visto que a dessa forma resolveu voltar atrás e Coreia do Norte se comprometia a retomar o discurso proferido por seu pai suspender lançamentos de mísseis de até então. longo alcance e testes nucleares, além de Muitas ações contraditórias da aceitar inspetores da Agência Coreia do Norte poderão ser percebidas Internacional de Energia Atômica em seu no futuro. Isso porque o regime interno território. do país na pessoa da Kim Jong-Un está Contudo, o novo governante oscilando entre desenvolver sua própria preferiu desconsiderar o compromisso política voltada para aspectos que ele firmado em 29 de fevereiro e lançar o considere importante e a necessidade de foguete. Essa reviravolta no discurso de justificar e legitimar seu poder para seus Kim Jong-Un pode ser entendida como pares do partido com uma continuação uma forma de seguir as diretrizes de seu da política de seu pai. Nessa balança, pai (Kim Jong-Il) que priorizava as forças deverão ser considerados ainda outros armadas e o programa nuclear para fatores como a entrada cada vez maior de construir uma nação poderosa e informações que vão contra e Junho de 2012 24
  • 25. PET-REL Análise de Conjuntura descaracterizam o regime norte coreano e internacional. Mesmo porque o fracasso a possibilidade de mais uma onda do lançamento do último foguete revelou significativa de mortes causadas pela as limitações tecnológicas da Coreia do fome. Frente a esse cenário não é Norte, o que não elimina as provável que a ideologia apenas consiga preocupações do mundo quanto às manter o sistema sociopolítico norte intenções e o poder nuclear norte coreano. coreanos. Mas mostra as fraquezas de um país que não consegue alimentar sua Nesse momento, o regime população por priorizar questões devesse talvez primar o plano interno, militares e nem nessas obter pleno êxito. especialmente as condições de vida de sua população, do que tentar se firmar como potência ameaçadora no plano Junho de 2012 25
  • 26. PET-REL Análise de Conjuntura Instábilidáde e militárizáçáo crescentes ná Asiá: mudánçás e continuidádes ná Coreiá do Norte por Lucas Santiago Brasileiro Há mudanças na Coreia do Norte. Desde notável. De maneira similar como ocorre a morte de Kim Jong-il, em 17 de há anos, Kim Jong-un dá sinais de que a dezembro de 2011, seu filho, Kim Jong- Coreia da Norte continuará com sua un assumiu o governo do país. Há dois política de chantagem. Em termos curtos, pontos-chave que se pretendem essa política consiste em promessas desenvolver aqui: a relação contraditória políticas à comunidade internacional, entre o culto da imagem e a condução da como desmilitarização e reformas política externa no país. Pretende-se econômicas e sociais, em troca de auxílio também traçar brevemente a viabilidade externo, principalmente alimentos. Com de reformas de cunho político- essas promessas, que nunca são econômico no país, e repercussões compridas, a Coreia do Norte assegura futuras. auxílio, principalmente dos Estados Unidos e das Nações Unidas. O culto à personalidade na Coreia existe desde 1972. Bradley No entanto, a política acima Martin, jornalista que visitou o país em descrita dá sinais de desgaste: os Estados 1979, notou que quase todo tipo de arte Unidos recentemente suspenderam o glorificava o chamado Grande Líder, envio de 240 mil toneladas de alimento Kim Il-sung. Até hoje, a situação no país ao país. Isso ocorreu devido à insistência aparenta não ter se modificado muito. da Coreia do Norte em lançar um Seu filho Kim Jong-il propagou um culto satélite, em abril desse ano, no à imagem diferenciado. A imagem que aniversário de 100 anos da nascimento de transmitia à população era diferente: mais Kim Il-sung. Por sinal, o lançamento do reservado, mal fazia aparições, e deu satélite foi um fracasso, e foi notório o apenas um discurso público durante seus fato do governo de Pyongyang divulgar vinte anos no poder. Com sua morte, no essa informação em rede pública. fim do ano passado, características novas Reforçando a noção de rompimento com são perceptíveis no culto à imagem dos a imagem do pai, Kim Jong-un, nesse dia, Kim. O novo líder, Kim Jong-un, é deu seu primeiro discurso público. frequentemente é visto sorrindo em fotos, O fato de Kim Jong-un se mostrar próximo aos militares e seus mais próximo da população do país, e a subordinados. Esse tipo de atitude seria mídia, ao contrário de previsões, divulgar impensável por seu pai. A postura de o fracasso do satélite, não representam Kim Jon-un, por sua vez, é similar à de uma nova política de abertura. Não é, seu avô, que também se mostrava como como podem afirmar alguns, o início de uma figura paternalista, sempre uma Perestroika norte-coreana – a Coreia abraçando e protegendo a nação norte- do Norte não irá passar por reformas tão coreana. cedo. A continuidade do programa Apesar da modificação na forma nuclear e do lançamento de mísseis é como é conduzido o culto à imagem, a necessária para relembrar à comunidade continuidade na política externa do país é internacional: apesar da imagem sátira Junho de 2012 26
  • 27. PET-REL Análise de Conjuntura que muitas vezes tem-se da Coreia do pode dizer que tudo o mais pode ser Norte e de seus líderes, o país continua mantido constante em relação ao sendo a ditadura mais fechada do ambiente externo. As atitudes da Coreia planeta. Apesar de grave crise econômica do Norte geram reações diferentes dos e da fome que o país enfrenta, a países da região, reações essas que habilidade dos Kim de se manter no mudam perceptivelmente em curto poder é inquestionável. Não há brechas espaço de tempo. para contestação do regime: calcula-se A necessidade da Coreia do que entre 150 e 200 mil pessoas Norte de insistir na política nuclear e no continuam nas prisões do país. envio de lançamentos e satélites está Caso ocorressem, reformas estritamente relacionada com a econômicas e políticas certamente teriam necessidade de legitimar-se como uma duas consequências claras. A primeira, ameaça e uma potência militar na região. mais notória, é a de que algumas delas Em relação a suas políticas, o Japão já poderiam diminuir a gravidade de afirmou que caso algum objeto norte- problemas socioeconômicos. Um coreano se aproxime de seus territórios, exemplo claro é a crise de fome no país, usará da força para se proteger. O país que jamais deixou de assolar a Coreia do tem até falado em reconstruir seu Norte desde a década de 1990. exército, uma instituição que não existe Determinadas reformas provavelmente desde sua derrota na Segunda Guerra. A tornariam a distribuição de alimentos China também vem demonstrando uma essenciais mais igualitária e eficiente, mudança em seu discurso em relação a inclusive de recursos advindos de auxílio Coreia do Norte – de apoiadora, a China externo, como aqueles enviados pelas passa a ver com cada vez mais Nações Unidas. A segunda consequência desconfiança as atitudes de seu vizinho na de reformas econômicas e políticas seria, península. Tal fato pode ser observado por outro lado, admitir a falha no sistema pela posição chinesa de condenar o político que vem sendo conduzido há lançamento do satélite norte-coreano no décadas e, nesse sentido, admitir também Conselho de Segurança. A China possuía o sucesso da rival Coreia do Sul. Dessa a tradição de abster-se, ou ser contrária a maneira, a criação de reformas condenações a Pyongyang. implicaria, necessariamente, em perda de A relação entre as Coreias, por legitimidade do regime em relação ao sua vez, é a que está mais deteriorada. ambiente interno, algo impensável para o Desde que Kim Jong-un subiu ao poder, atual governo norte-coreano. a agência de notícias da Coreia do Norte Dessa maneira, é possível chegar – Korean Central News Agency of DPRK em algumas conclusões a respeito do – tem feito várias ameaças ao presidente futuro da Coreia do Norte. Tudo o mais sul-coreano, Lee Myung-bak. constante, não se pode inferir que Comparando o líder a um rato, as sátiras reformas ocorrerão a curto prazo. A e provocações da agência, que muitas probabilidade de que o regime acabe por vezes parecem infantis, devem ser levadas ruir por dentro nos próximos anos, por a sério. Não se deve esquecer que o país sua vez, é baixa, admitindo-se que o é o mais militarizado do mundo. Lee mesmo manteve-se razoavelmente estável Myung-bak já admitiu que a política do por décadas de crise. O culto à imagem, governo anterior, de aproximação entre apesar de apresentar aspectos diferentes, as Coreias, foi extremamente mal continua, assim como a política de sucedida. Kim Dae Jung, o formulador chantagem do país. Entretanto, não se da Sunshine Policy, acreditava que Junho de 2012 27
  • 28. PET-REL Análise de Conjuntura concessões e auxílio poderiam impedir a quase certo, também, que em breve o política nuclear da Coreia do Norte, ou país fará seu terceiro teste nuclear – a ao menos tornar mais amistosa a legitimidade perante a comunidade percepção de sua vizinha. Os resultados internacional, e também interna, depende não foram positivos. Caso a Coreia do disso. E caso a política de chantagem se Sul não lide com seriedade com as mostre realmente desgastada, tal provocações, as relações podem se performance será necessária para deteriorar muito mais, levando a Coreia manutenção da imagem que a Coreia do do Norte a fazer outras demonstrações de Norte possui como ameaça. A volta à poder, ou pior, a quebrar o armistício guerra continua uma aposta alta. Mas a assinado em 1953. ausência de reformas e de mudanças estruturais em instituições e política Uma conclusão é certa: a política externa preveem maus sinais: a de chantagem não irá parar tão cedo. militarização do Extremo Oriente, e sua Essa política sempre teve custos crescente instabilidade. baixíssimos para a Coreia do Norte. É Junho de 2012 28
  • 29. PET-REL Análise de Conjuntura Contátos PET REL petrel@unb.br Bárbara Sabadin Bueno ba.bueno@gmail.com Carolina Thaines Moreira de Souza carolthaines@gmail.com Erlene Maria Coelho Avelino erlenemaria@hotmail.com Jamerson Samy Albuquerque Oliveira jamersonalbuquerque@gmail.com Lucas Santiago Brasileiro lucasbrasileiro15@gmail.com Luiz Artur Costa do Valle Junior lacvjunior@gmail.com Mariana Barros Nóbrega Gomes marianabngomes@gmail.com Nuni Vieira Jorgensen nunivj@gmail.com Patrícia Nabuco Martuscelli patnabuco@gmail.com Pedro Henrique de Souza Netto pedro.hsnetto@gmail.com Raíssa Vitório Pereira raissa.vitorio@gmail.com Ricardo Prata Filho ricardopratafilho@hotmail.com Rodrigo de Sousa Araújo rsousa.rodrigo@gmail.com Rodrigo Guerra Bergmann rodrigo.guerrab@gmail.com Stefanos Georgios C. Drakoulakis stefanosjustos@yahoo.com Victor de Sá Neves victorsaneves@gmail.com Victória Monteiro da Silva Santos victoria.mssantos@gmail.com Junho de 2012 29