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PATROCÍNIO
1000
CASAS
1000 241240 casas
O Projeto 1000 CASAS surgiu a partir de
mais de uma questão: o que as pessoas estão
fazendo em casa enquanto um espetáculo
acontece? Como um espetáculo poderia
vir a acontecer nessas CASAS como
inversão da situação público x privado?
Como poderíamos testar um tipo de
performatividade que embaralhasse os
papéis de artista e espectador, e que viesse a
operar na situação “estar em casa” como parte
determinante dessa performatividade? Foi
um tiro no escuro, mas com a determinação
de um tiro certeiro. O Ministério da Cultura
e a Petrobras aprovaram o projeto que nos
possibilitou entrar nessas CASAS, e talvez
como metáfora da situação “casa”, nos
permitiu a continuidade do projeto Núcleo
do Dirceu e a permanência do Galpão do
Dirceu, como lugar “casa” para muitos
artistas e espectadores da cidade. A impressão
acinzentada e grande de um Google Maps
do bairro do Dirceu foi afixada na parede.
Alfinetes coloridos marcavam os pontos
de exploração–as primeiras CASAS–como
pontos marcados em uma pele, um lugar-
corpo a ser dissecado lentamente. As escolhas
de abordagens e alvos se davam na mesa–
lugar tóxico onde nos afeta o outro–numa
convulsão de idéias e propósitos. Seriam
visitas marcadas por telefone ou “assaltos” de
corpo aberto, ou seja, bater de porta em porta
ou espreitar as casas a partir da mercearia
da esquina. Os alvos eram idosos, animais,
artistas, moto-taxistas, fronteiras e zonas
de risco, CASAS sem muro ou com muro de
azulejo, violência doméstica, fetiche sexual,
morte, engessamento, emergência. Falávamos
de uma “terceira performatividade” como
algo a ser buscado entre uma forma de
atuação mais estruturada e um tipo de visita
espontânea. Um lugar-margem para essas
performances que se dariam inevitavelmente
entre o que é público e o que é privado, e
quase sem distinção entre o artista e o
espectador, e sim como possibilidade de
inversão espontânea desses papéis durante
a ação performática. E isso virou piada entre
nós. A terceira performatividade passou a ser
a válvula de escape da situação desconhecida
a que nos propúnhamos enfrentar nessas
CASAS. Seguíamos com as discussões e
ideias vinham aos montes, mas pareciam
não ecoar no que conhecíamos como
modo de pensar e fazer. As abordagens se
complexificavam a medida que nos dávamos
conta de que essa era – de toda maneira e
felizmente – a performatividade do encontro.
A partir de nossos encontros em volta da
mesa essas mil CASAS foram se alastrando
como terreno de proximidade e urgência, de
estranheza e afeição, de embate com o que
não conhecíamos mas já estávamos fazendo.
O sol a pino lá fora e os artistas saindo para
trabalhar nas CASAS, voltando com as
primeiras estórias, os números, os inúmeros
“nãos” recebidos, os nomes, as idades, as
particularidades desses que foram os
verdadeiros protagonistas do projeto: o povo
do Dirceu. A minha ação com a “Catatônica”
surgiu da necessidade de parar para escutar
uma casa, decupar o tempo naquele espaço,
deixar que o sons, as pessoas, os cheiros, o
cotidiano daquele lugar fosse suspenso por
alguns instantes. Suspenso numa quase
imobilidade, numa quase invisibilidade
do que normalmente se dar a ver ali. Era
uma incorporação ao contrário, ao invés de
receber, o corpo destituía, e essa ausência
esvaziada no corpo buscava interceptar o
que quer que fosse daquelas CASAS, para
transfigurar a realidade daquele momento
comum. Era um desligar, um turn off, um
estar temporariamente fora de si, para
talvez assim permitir algum outro possível.
Elielson Pacheco me acompanhou nas ações
da Catatônica, catatônico ao meu lado. Podia
escutar a sua respiração, ver os dedos se
dobrando para abotoar o brinco pendente
da orelha, o quimono japonês levemente
brilhoso sendo tirado de uma bolsa de pano.
Flutuávamos ali juntos muitas vezes com
as caras contra o muro - mundos ausentes
paralelos em escuta - enquanto o movimento
seguia dentro e fora das CASAS. Era uma
dança ausente, quase desmaterializada,
no meio do material de construção de
um teatro domiciliar, na anti-sala de um
terreiro religioso, numa academia de ballet
ou debaixo das prateleiras dos produtos de
limpeza de uma cozinha, enquanto do lado
de fora um homem solitário ouvia trechos
entrecortados de músicas de amor a toda
altura no som do carro estacionado. Com
Elielson foi um dueto, um pás-des-deux
desfigurado, uma solidão compartilhada,
uma dança, uma dança, uma dança. O projeto
1000 CASAS aconteceu como um carrossel
disparado ou uma peste doce que se alastra
silenciosamente. Fomos nos dando conta
pouco a pouco, nos encharcando daquela
condição de artista domiciliar, daquela
troca de papéis entre o artista e o morador,
da criação de um ambiente performático –
sensível, ritualístico, político – possível, ali
naquelas mil CASAS distintas, mas tão
absolutamente comuns. O cheiro do feijão na
panela de pressão, o chiado tão particular, a
quase onipresença do feijão na panela em
tantas CASAS, marcou mais do que a fome,
deu a ver a vontade de comer. Deflagrou
mais do que a miséria institucionalizada
pelas imagens clichês de periferia de
terceiro mundo, mas uma rápida e dinâmica
subjetivação da própria realidade por parte
dos protagonistas-moradores-visitados-
artistas-espectadores em uma reafirmação
potente da vida.
MARCELO EVELIN IZABELLE FROTA
Sempre ouvi minha mãe dizendo que o lugar
onde ela mais se sente segura é na sua casa.
Ela diz que a pior coisa do mundo é adoecer
fora de casa e que, se ela viaja ou sai de casa
por um tempo, ela não consegue saciar
algumas de suas necessidades fisiológicas. O
caso da minha mãe pode até parecer exagero,
mas a casa é realmente o lugar onde nos
sentimos mais confortáveis, onde colocamos
nossos investimentos, nossa família, nossos
segredos, nossos planos, nossas lembranças.
Cada canto de uma casa tem milhões de
histórias com ele relacionadas. A casa muda
conforme a gente muda, às vezes nem nos
damos conta. Então vemos uma foto muito
antiga e percebemos que ela nem se parece
mais com o que era antes.
A arte também tem se tornado um
lugar de conforto. Desde o surgimento das
vanguardas modernistas até os dias de hoje
já se experimentou de quase tudo na arte.
Criamos como se estivéssemos inventando
algo novo. No entanto, na maioria das vezes
apenas copiamos padrões já existentes. Com
isso, criamos códigos de pertencimento para
a arte contemporânea, mas mantemos o
discurso de que nela tudo pode.
Performar dentro da casa de uma pessoa
que nem conhecemos é sair totalmente
do comum e do confortável, é fugir dos
padrões engessados da arte, é se abrir para
o inesperado. Por mais planejada que seja
a ação, nunca podemos prever o que vai
acontecer. A AÇÃO começa e o telefone toca,
o cachorro late, o menino chora, o feijão
queima, o homem faz cara feia, enfim, tudo
acontece. A obra perde seu caráter sublime
e distante pra virar parte daquele ambiente
cotidiano. Ao mesmo tempo, o ambiente
cotidiano se carrega de questões e relações
nunca antes experimentadas por nenhuma
das partes. A obra passa a ser sobre a
importância daquele instante.
Uma moça entra na casa de um
desconhecido com um estojo de maquiagem
e a foto de uma mulher espancada pelo
marido. Pede a quem a recebe que, usando
1000 243242 casas
a maquiagem, reproduza em seu rosto
hematomas semelhantes aos da foto.
Inicialmente as pessoas recuam, travam, mas
se dispõem a fazer. No decorrer da AÇÃO, a
conversa atravessa as experiências das pessoas
com esse tipo de violência. Muitas vezes elas
relatam fatos ocorridos com elas próprias ou
com pessoas bem próximas, como parentes e
amigos. Fiz essa AÇÃO dentro da minha casa,
com a minha mãe. A obra e a nossa vida não
tinham mais nenhuma distinção. A AÇÃO se
misturou com a nossa relação, com as nossas
lembranças, com o espelho que eu vejo nela,
com a criança que ela vê em mim.
O projeto 1000 casas mudou a nossa
maneira de entender a arte e a relação entre
artista e espectador. Vimos de outra maneira
o velho conceito que diz que quando criamos
uma obra ela não é mais nossa, é do mundo,
tem vida própria, aberta para a percepção de
quem a vê.
Cavaleiro contemporâneo
Oh MOTOBOY!
Ao entardecer tu me levas,
O farol do teu cavalo acende, brilha...
E o sobe e desce da lombada nos embala.
Às vezes, cavalgas devagarinho,
Enganas o tempo (que já não sei medir),
No sentimento de desfrutarmos nosso passeio.
Às vezes, colocas o pé e afunda,
O vento rasga mais forte,
Deixando embaraços e dúvidas para trás.
Oh MOTOBOY!
Tua rotina é arriscada, eu sei.
Corres com tua vida pela cidade,
Levando pessoas de carne e asas, desejo e
solidão.
Voando pela noite vazia,
Quando a velocidade nos esfria a pele,
Tuas palavras aquecem nosso encontro.
Emburacando por veredas de terra batida
Vais revelando caminhos que sacodem,
É onde meu corpo cola no teu.
Oh MOTO, meu querido BOY!
Quando me levas onde preciso ir,
Ninguém mais faz sentir o que você me traz.
Catas
Atônitas,
Esquecidas,
Nos Cantos,
Lentas,
Em casas de artista,
Sem função,
Não acompanhando o ritmo da vida,
Em estado de choque,
Contemplativas,
Incorporadas,
Perdidas,
Minimamente travestidas,
Companheiras de solidão,
Peruca berinjela e brincos tipo asteca,
Errantes,
Encontram:
Shana, um corpo mudo em chamas,
Leo, bailarino espacati do absurdo,
Seu toin, hacker pai de santo,
Izaká e seu vizinho a lonely boy
ELIELSON PACHECO ELIELSON PACHECO CLEYDE SILVA
O projeto 1000 Casas foi por dois anos meu
carro chefe artístico, onde pude trazer a tona
questões que há algum tempo me debatia
com elas.
No início não tive a percepção do quanto
esse projeto poderia se tornar tão complexo
e subjetivo, mas sempre tive a certeza de que
seria muito importante e urgente. 1000 Casas,
o que seria entrar em 1000 Casas? Como
seria entrar na intimidade dessas pessoas e
performar a partir de algo que você trouxe
pra compartilhar, pra deixar de ser seu e
passar a ser do outro? Muitas vezes ir com a
intenção de performar para os moradores
da casa e de repente passar a ser público e o
morador ser o performer, ou até mesmo criar
uma situação de troca imediata onde juntos
são público e performer ao mesmo tempo.
Quando se quebra essa barreira Artista/
Espectador é que a arte ganha intensidade
na sua expressão e realmente age. Para o
público: transforma o estranho/arte em
uma nova forma de percepção cotidiana, já
para o artista: ganha um amigo, um ouvinte,
um olhar, uma nova forma de agir em seus
conceitos de fazer/agir/criar.
Nos primeiros meses a proposta foi
trabalhar partindo de três eixos: a priori cada
artista teria que criar uma ação performática
que partisse do desejo artístico de cada um,
é como se nós tivéssemos que criar uma
situação para estar junto com o morador,
muitas vezes falávamos que ação era apenas
um pretexto para que o acontecimento
pudesse acontecer. A proposta que coloquei
na mesa surgiu da necessidade de dançar
BREAKING dialogando com os objetos da
casa visitada, trouxe como mais um elemento
pra se trabalhar a música do Roberto
Carlos – Todos Estão Surdos, a música estava
transformada, mixada com break beat* (é
uma técnica que trabalha com dois discos
iguais e um mixe que caracteriza pelos
samplers de ritmo base de rap, funk e eletro).
Percebia que tinha uma relação com o grande
Dirceu, pois todo o dia ao meio dia tocava
na rádio uma hora especial do REI Roberto
1000 245244 casas
Carlos (Clube do Rei). O mais potente pra mim
em trazer o Roberto Carlos não foi pra focar
nele nem mesmo seria interessante pra mim
naquele momento, mas apenas como relação
entre o momento de rei que ele obtinha
dentro da cidade e o GRANDE Dirceu como
lugar independente, autônomo. Rei de certa
forma porque o bairro tem um poder diante
dos outros por ser mais dinâmico, diverso, e
isso dava para as pessoas que moravam no
Grande Dirceu uma arrogância de como se
colocar diante dos outros bairros. E isso me
chamava atenção enquanto algo pra pensar.
Além dessas formas de poder entre o Rei
Roberto Carlos e o Grande Dirceu fiquei por
um bom tempo me questionando sobre só
dançar BREAKING. Pra mim só dançar não
era suficiente, talvez porque só dançar fosse
muito direto e “eficiente”, não conseguia
ver abertura pra ir pra outro lugar, pra
mergulhar na subjetividade da coisa. O
que eu não entendia é que a dança é por ela
mesma, ou seja, a dança como fisicalidade
não precisa necessariamente de alguma coisa
que legitime ela, a dança em si já é uma coisa.
Acredito também que nessa fisicalidade tem
uma energia, uma vibe, uma disponibilidade
em estar ali presente naquele momento.
Pensando nisso e revisitando uma das
maiores experiências durante o projeto
1000 Casas, que foi visitar minha própria
casa assistindo a ação do Marcelo Evelin a
Catatônica. Meu pai comentava sobre baiar
ele dizia que o estado que eles se encontravam
era sobre uma energia, ao terminar Marcelo
pediu que explicasse mais, ele disse que é
uma sessão de giros em volta da guna (tronco)
pra receber os guias (espíritos) e que tem um
entre, de ficar dividido em dois mundos: o
real e o espiritual e ficamos um bom tempo
questionando e relacionando sobre a energia
de baiar com a de performar, e esse estado
em que a pessoa se encontra é muito parecido
com o quando a pessoa está performando.
Passamos pelo segundo eixo que
chamamos de documentalidade, que sai do
lugar de registro e se concentra no assunto
do encontro entre o performer e o morador
da casa. Não era sobre a foto sair perfeita no
sentido de qualidade estética, mas era sobre
captar a fragilidade daquele único momento
que não tinha só um propositor. Todo esse
processo não cabia somente virtuosismo
porque parte de uma simplicidade subjetiva
do humano.
Acredito que muita coisa que fizemos de
material de vídeo, foto e texto do 1000 casas
não foi aproveitada como conceito, como algo
que realmente pudéssemos ter degustado e
não só colocado pra dentro da barriga.
Sempre achei a metáfora panela de
pressão perfeita para o momento que
estávamos vivendo no projeto 1000 Casas.
Na verdade se algum dia alguém me
perguntar qual imagem eu daria que mais
se aproxime com a cara do Núcleo do Dirceu
eu falaria panela de pressão, porque é muito
coerente com a forma como trabalhamos
e principalmente como vivíamos naquele
momento. Uma pressão de cada um com cada
um, e da gente com qualquer possibilidade
de respiração outra. E foi a partir disso que
instalação-performance surgiu, todo o processo
foi diretamente ligado a essa colocação, que pra
mim foi muito bom ter vivido e estar vivendo
essas experiências porque além de todas essas
pressões citadas tem uma pressão da gente
com a gente mesmo e isso é muito real. É uma
preparação para o mundo e com o mundo sem
superficialidade.
1000 casas: um pouco de minha experiência
lá!
Tocar “we are the champions” no 1000
casas me colocou num lugar de artista que
eu queria, me inspirou musicalmente, e a
música veio como um novo item que agora
também faz parte da minha experiência.
Fazer o que quer no lugar que quer é uma
possibilidade que me faz ter autonomia.
Os estudos desenvolvidos no inicio do
ano de 2011, afinação, performatividade,
abordagem, documentalidade, ação
performática, vejo como uma estrutura pra
se formalizar, projetar aquilo tudo que me
atravessa dentro desse contexto. É complicado
definir nomenclaturas pra construir esse
contexto artístico, mas escolher o que está
me instigando no momento é um norte, um
caminho. Assim, com algumas palavras,
plano de evacuação, evacuações, MARILYN
MONROE, extremidades, afunilei e procurei
transformar numa apresentação pra essas
casas.
MARILYN sentada suando esperando
seu marido no deserto. É uma cena que
eu não vi, mas talvez se a visse não teria o
mesmo caldo, as mesmas motivações que
me fizeram conectar, transformar, afinar
as imagens pra relacionar com o plano de
evacuação. Escolhi fazer a ação nas casas
das extremidades. As cinco primeiras com
exceção de uma, são exatamente na mais
ao norte, mais ao sul, mais ao leste, mais ao
oeste. Essa uma, a moradora, não autorizou
a feitura e fiz na casa ao lado, quebrando o
sistema que eu havia proposto como ponto
de partida. Não foi um grande problema.
Mas as extremidades me interessam pela
vulnerabilidade desse espaço que acaba se
tornando potente. Não sei explicar como se
dá, mas periferia vibra, as pessoas são vivas.
Talvez eu defenda esse contexto que me criei e
me crio, mas é isso. Em algum momento dessa
ação pergunto o que a pessoa salva de dentro
da casa se naquele momento acontecesse uma
catástrofe que destruísse sua casa. Escolhi
fazer essa pergunta por que acho coerente
com a situação de risco presente nessas casas
de extremidades. A priori queria saber quais
objetos seriam salvos, descobri que nessas
famílias existe um vinculo familiar muito
forte. Ou as pessoas salvavam filhos, o avô,
algum ente da família ou algo que tem haver
com elas, uma foto, etc. A MARILYN como
ícone subverte esse lugar, durante um tempo
busquei aprofundar, estudar o que gera essa
subversão performaticamente , esse contraste.
Tive abertura pra não tentar chegar a “uma”
conclusão, o que me deu muitas “outras”
conclusões.
Tive muitas dúvidas em relação ao que
preciso mostrar como resultado, como obra,
pra quem assistia na casa, e no espetáculo
também. Busquei avaliar e reconhecer tudo
que foi gerado ali. Apostei em algo frágil
e subjetivo, por que minha juventude está
assim. A bola de sabão foi o que encontrei
como proposta de performatividade. Era bem
abstrato, sem clareza. Conversar com colegas
de trabalho sobre o que está passando, buscar
referência, saber escutar foi essencial pra
que eu pudesse confiar no meu instinto de
artista e tocar a coisa pra frente, descobrindo
pouco a pouco o que faz sentido. Autonomia
o tempo todo em transição, em dúvida, se
perguntando. É o ponto em que estou e quero
estar dentro desses 2 anos de 1000 casas. Isso
é o que consigo reconhecer.
Não ser bboy, nem músico, nem
guitarrista, mas estar em conexão com
tudo isso. Se for preciso, faço uma session
ou componho uma música, mas é uma
constante transição que te tira do eixo e te
faz produzir a partir da inutilidade presente
no contexto. A dita obra que eu preparei
pra apresentar nas casas, se fragiliza pela
desconvencionalidade do espaço, que não é
comum para se apresentar, como um teatro
com um palco. Nas primeiras experiências foi
impactante lidar com aquele público que era
também proprietário do lugar. O espectador
que naturalmente, sem uma prepotência,
confronta e questiona a obra e gera ali uma
situação que foge do controle, negociando
CESAR COSTA
1000 247246 casas
sempre, um princípio de movimentação
e complexidade tanto do artista como do
espectador, que foi importante de sentir pra
produzir ao longo do projeto subjetividade de
artista em transição.
Lembro-me de uma casa que eram três
casas dentro de um terreno, e tinha numa
rede preguiçosa um homem com mais ou
menos 60 anos, que me deu a entender que ele
era o chefe daquelas casas, e a dona da casa,
mesmo me autorizando a fazer a ação lá, teve
de pedir pra ele. E ele permaneceu deitado
na rede e autorizou a ação, que mesmo
antes já havia começado. Tinha pássaros em
gaiolas. A porta da frente estava trancada,
e fomos pro quintal. Ela se posicionou dentro
da casa de um jeito que queria que a ação
acontecesse fora da casa. Levei um tempo pra
ir pra dentro da casa, por que entendo que
faz sentido pro projeto estar lá dentro. Houve
esse tempo de negociação que é grande parte
da performance. A presença do artista ali é
vulnerável e potente como criação de/em arte.
Falar sobre 1000 casas é também se
lembrar de muito tempo perdido ou mal
aproveitado, não dá pra voltar atrás, mas dá
pra agir e fazer todo trabalho que tiver pra
fazer. Refletir ainda, fazer significar. É utópico,
temos preguiça, vaidade, ego, mas a vibração
dos perceptos e a possibilidade de o tempo
todo fazer conexões, exercitar a loucura.
Chamo de loucura, mas é na verdade uma
disposição pra ser artista. Acho maturidade
muito parecido com autonomia e a mente
divagante em meio a tanta informação me
deixa destontiado, com dificuldade de fazer
escolhas, fragmentando e fragilizando a
minha produção de artista.
1000 casas foi um projeto muito
importante e vou incorporar pra sempre tudo
que foi vivido lá.
Descobri que AZULEJO tem origem na
palavra árabe azzelij, que significa pequena
pedra polida. Eu achava que vinha de
Portugal, pois foi lá, nas suas grandes e
históricas construções que o azulejo deixou
de ser um simples elemento decorativo e é
considerado hoje como uma das produções
mais originais da cultura portuguesa. Isso
durou por cinco séculos e sua influencia
chegou ao Brasil como conseqüência natural
do processo de colonização.
AZULEJO sempre me lembra Athos
Bulcão e recentemente também a Adriana
Varejão.
Os grandes casarões revestidos de azulejos
(azuis) ainda são memória de um Brasil
colonial, marcam importantes momentos
da arquitetura brasileira, são cartão postal
de muitas cidades. Ainda hoje podemos
ver em cidades mais antigas como São Luís
as grandes casas dos senhores ricos com
fachadas azuis azulejadas.
O AZULEJO é um elemento de baixo
custo e com grande potencial de qualificar
esteticamente uma construção – estetizar a
existência! Ele não desbota como as tintas, é
impermeabilizante, previne a umidade, é um
revestimento “frio” (ótimo para o nosso calor)
e desde sempre vem com status embutido.
Status de casa de rico, coisa boa e chique,
influência européia. Tem a ver também com
assepsia, nosso velho hábito de banhar e lavar
a casa. Assim a fachada está sempre lavada e a
casa tá sempre bem apresentada.
Agora os AZULEJOS são outros: aqueles
antes feitos para cozinhas e banheiros agora
revestem muitas fachadas: padronagens
geométricas, ponto de cruz, o famoso
desenho das calçadas de Copacabana, textura
imitação de pedra. É um costume presente
em muitas cidades nordestinas, talvez mais
presentes nas áreas de classe média baixa. E
como não poderia deixar de ser, achei muitas
casas de azulejo no grande Dirceu.
Notei em todas as casas que entrei
que o azulejo tem a ver com um status de
melhora de vida, com uma situação que tem
acontecido cada vez mais neste “Brasil sem
pobreza”. Uma vontade de ser mostrar bonito
para os olhos dos outros, assim como fazemos
quando vamos escolher uma roupa para
sair. Um cartão de visita. Uma boa impressão.
Lembrando da arrogância presente nos
moradores do bairro, penso que deixar sua
casa bonita da porta pra fora tem muito a ver
com vaidade. Escolhi as casas vaidosas. Queria
saber o que tinha lá dentro. Que corpos se
constroem nestas casas?
A curiosidade e a estética destas casas me
fizeram escolhê-las como lugar de propor
uma performance e um encontro, dentre as
tantas moradias possíveis. Aquelas inúmeras
fachadas que eu nem conhecia me atraíam de
alguma forma.
Eram lugares – pequenos universos - para
me alimentar como artista, ser artista em
cada encontro, fazer pesquisa, conhecer
por dentro, entrar na intimidade, procurar
semelhanças, saciar a vontade de conhecer
o lugar mais íntimo das pessoas. Eu queria
criar/vestir/inventar o corpo daquelas casas. E
reinventar o meu também. Casa sempre tem
a ver com corpo assim como arquitetura tá
perto da dança. São relações co-dependentes
e co-influenciadas.
Fui também atrás de acúmulo e consumo.
Se o Google sabe quem a gente é pelos sites
que visitamos, imagina o tanto de informação
em forma de objetos tem no lugar em que
moramos? A cor da parede, a estampa da
xícara, os detalhes nas almofadas, a estante da
sala, a cor dos móveis da cozinha, os quadros
e pôsteres na parede, a cor do sofá e as plantas.
Fiquei espantada com a disponibilidade
encontrada nos moradores, que escancaravam
suas intimidades. Muita cor, alegria e espaço
naquelas casas. Tinha uma que era toda de
cerâmica preta na frente que eu não consegui
visitar. Mas ainda lembro-me dela no meio do
dia como uma fotografia.
Quando menos esperava, eu já estava
na cozinha, criando meu monstro com as
panelas recém lavadas e os bichos de pelúcia
das crianças (exercício de cara de pau
também, quando chegava alguém no meio
da visita). Depois de um tempo, os próprios
moradores entendiam a lógica e me ajudavam
na construção do corpobjeto. Tiravam
fotos, davam espaço para passar, ligavam o
ventilador, traziam a tesoura pra cortar e as
vezes um suco de cajá também. Ou ficavam
indiferentes. Talvez por não saber como agir,
talvez por não ter mesmo nada a ser feito. Era
a imprevisibilidade e a potência do encontro
real.
Dança feita de objetos recolhidos e
grudados no corpo ao som e com a ajuda de
fita crepe.
Sempre surgia uma conversa informal,
passeávamos por vários assuntos importantes
e desimportantes. As nossas visitas muitas
vezes não eram visitas de desconhecidos,
parecia mais visita de vizinho, de parente. Ser
recebido de toalha amarrada ou camisola era
comum. Chamar as crianças para ver também.
“A gente é evangélico, tem problema?” a
senhora perguntou para mim.
Muitos nãos também aconteceram. Muitos
mesmo. Não por falta de tempo era o mais
comum (mesmo você notando que a pessoa
não estava ocupada). Não por medo, por causa
da religião, porque o homem –marido e dono
da casa- não estava em casa e não iria gostar.
Mas quando tinha o não, tinha antes uma
conversa, um encontro, que às vezes era tão
importante quanto entrar na casa e realizar a
performance. Convencer um estranho a entrar
na casa dele e pegar seus objetos já era a
performance. Ela acontecia de alguma forma
mesmo com o não.
Era sempre o mesmo monstro de objetos.
Sempre tinha vassoura e bicho de pelúcia,
mas nunca era igual. Cada casa tinha uma
cor. Cada monstro tinha uma cor e uma
corporalidade. Mobilidade na imobilidade.
As possibilidades são mais interessantes
quando vêm da impossibilidade? Talvez
sejam mais gostosas.
Café Muller. Lembrança da última visita
numa casa que era também salão de beleza.
O artista que é visita e o morador que
JANAÍNA LOBO
1000 249248 casas
é anfitrião. O lugar do artista confrontado.
O lugar do espectador confrontado. Uma
peformatividade terceira. Não tem hora pra
começar nem terminar. Assim como a vida.
Receita para um bom FEIJÃO
Ingredientes:
Feijão, azeite, alho, sal, aguá, farinha
branca, pinta e uma panela de pressão
babadeira.
Modo de preparo:
Vá para frente de um espelho, de
preferência que não esteja quebrado, pois
segundo supersticiosos dá azar, não que eu
acredite, mas pra prevenir evito, pois beleza é
fundamental.
Passe um pó compacto e logo em seguida
um lápis de olho pra dar uma realçada no
olhar! Coloque seu salto, ponha um picumã
e diga: eu sou bonita! Pra quem não precisa,
uma chapinha e uma escova já resolve (a loka
rsrs).
Va pra frente do fogão, dê uma generosa
batida de cabelo pra aquecer. Baixou a
bonita? Agora ligue seu fogão, ponha o
azeite na panela de pressão, em seguida o
alho, deixe dourar. Delicadamente sensual
segurando uma vasilha retire o FEIJÃO do
saco e refolgue junto ao alho. Ponha umas
pitadinhas de sal e vá mexendo, mexendo,
mexendo, vai que de repente, do nada, surge
marilyn monroe peladinho, ai você foca o
olhar em sua bundinha roliça... Biiiicha olha
o FEIJÃO!
Ponha água, de preferência quente, pra
acelerar o cozimento, tampe a panela com
muita atenção para não causar nenhum
acidente ou sair ar.
Dê uma olhada no relógio, perceba e
escute o que acontece a sua volta: sempre tem
aquela pessoa tesoura que passa o dia todo
falando, a gatita solitária se consolando com
sua cadeira e seu estojo de maquiagem, a
menininha miúda brincando de ser grande,
o que dá cambalhotas super aguniado, a que
roda, roda que você cansa, o que adora tirar
um retrato sem pedir licença, o apaixonado
por um corpo artificial, a bonita que você não
entende e que adora uma calcinha diferente, a
bicha cabeluda, a que só pega se for fardado, a
mãe de todos, a quenga chefe e por aí vai.
Sente-se em cima de uma mesa, se joga na
Físicos e artistas podem ter muita coisa em
comum. Essencialmente eles lidam com
o que ainda não foi visto, dito, imaginado,
com as possibilidades do real. Alguns físicos
estudam a infância do universo, eles estão
de alguma maneira coletando “material” e
buscando pistas do que fomos (cosmologia).
A verdade é que eles estão em grande parte
na construção do que é incerto, do duvidoso,
do talvez. Imaginando e propondo ao mundo
um corpo a partir de um osso ou dois, uma
estrela a partir de um registro de frequência
ou feixezinho de luz. Gosto de pensar que
eles não estão apenas descobrindo algo, eles
estão mesmo é inventando, CRIANDO o que
existiu…. re-construindo o que literalmente
nós sequer supomos. E só porque eles
imaginam com poderia ter sido, é que pode
pode passar a “vir a ser de fato”.
Tem um físico no youtube, que afirma que
a cosmologia precisa entender o pequeno pra
só depois entender o grande . E o Dirceu é
mesmo um planeta.
A gente começou assim, da menor casa, a
nossa, para a imensidão macro do «Grande
Dirceu». Nos primeiros meses alguns artistas
passaram simplesmente a morar aqui, na casa
001, o Galpão. Uma ocupação permanente
de algumas semanas. O espaço nem era mais
público, nem privado, nem era mais só o
lugar de trabalho e ao mesmo tempo não era
o «meu lugar». A gente pensava numa obra
que surgisse de um acontecimento, de um
encontro, sem uma autoria, que emergisse da
incerteza e da potência de uma relação, de um
confronto, de uma mistura. E esse imput foi
nos levando a muitos lugares. Foi me levando
há muitos lugares. Foi me levando para um
desejo despretensioso e simples: performar
para cinco homens do Dirceu. E assim eu
cheguei em alguns quintais.
O quintal de uma casa é o lugar do fundo,
do que muitas vezes está escondido, do
entulho, do que eu não uso com freqüência,
do que está quebrado, danificado, ou mesmo,
onde estão as coisas que podem ir ao lixo,
onde geralmente colocamos o que “não serve
pinta e arraze no vogue da madonna! Com a
amiga que você adora gongar e azucrinar o
juízo.
Os minutos passam... Bicha se toque!
Volte a si, a panela de pressão está truando, tá
na hora de abri-la. Vá retirando o vapor aos
poucos, imagine seu leonardo de caprio e
você no titanic, cabelos ao vapor se sentindo
realizada.
Ponha o FEIJÃO em uma cumbuca com
um punhado de farinha branca e, pra quem
preferir, complemente com gostas de pimenta
vermelha, e sirva rapidamente (antes do
tempo esgotar) para não esfriar.
Alguém quer um feijãozinho aí?
YANG DALLAS LAYANE HOLANDA
1000 251250 casas
tanto”. Um lugar de acúmulo e memória. É
um lugar cheio de AUSÊNCIA onde não se vai
nem com tanta frequência, onde não estamos
a maior parte do tempo, é quase de uma
não-permanência. Quintal é a parte externa
da casa, é mais vulnerável, é o cú. Tem outra
topografia, geralmente um outro chão, e
na maior parte do tempo nem é tão limpo
e organizado como a parte de dentro …. é
assim aberto, não está tão normalizado “para”
funcionar ou “receber” como uma sala. No
quintal existe menos controle, lá é por onde
se foge ou se invade é onde a gente se esconde
quando brinca.
Penso que a arte opera muito aí, no
quintal da gente.
Durante dois anos “peguei algum” sol e
me aproximei de histórias, figuras, corpos,
objetos, imagens, hábitos, bichos, posturas,
dizeres, porta-retratos e calçadas…. Ainda
que mediada pela câmera, pela tela branca do
computador, pelo mouse da edição, capturar
essas experiências, entrar nessas casas
sempre foi como entrar em outros lugares
dentro de mim mesma. Que eu nem sabia que
existiam antes.
No princípio foi complicado propor uma
ação artística para esse projeto pelo tamanho
dele e por ser uma coisa tão nova e complexa
para criar naquele momento e ir às casas das
pessoas pra performar, não foi tarefa fácil.
Interessei-me em trabalhar na proposta
que o Jacob Alves trouxe - o plano de
evacuação - de ter que sair de um local
como casa, apartamento, escola em uma
situação de EMERGÊNCIA. A partir disso eu
propus visitar casas que foram construídas
muito próximas a linha do metrô, onde os
moradores estão sujeitos a qualquer momento
a um acidente, que seria o metrô invadir a
casa porque o bairro não tem boas ferrovias
e nem manutenção adequada para garantir
uma segurança.
Eu me coloquei a criar uma ação
performática que trabalhasse partindo
dessa idéia de EMERGÊNCIA e pensando na
terceira performatividade (que nós artistas
do núcleo pesquisamos quando falamos em
criar ação), é um estado que se dá a partir
do momento que estamos organizando os
materiais pra ir visitar as casas até o momento
em que estamos performando.
Passamos por três abordagens, servia
como estratégia pra entrar nas casas: visita
- a gente agendava antes, marcava a ação na
casa; assalto - escolhíamos o bairro, a rua e
fazíamos a ação imediatamente; e arrastão
- combinávamos com todos e cada pessoa
fazia sua ação em uma casa da mesma rua,
fechávamos a rua.
A performance já se dava na simples ação
de bater na porta da casa, é uma negociação
com o morador, ter que oferecer uma ação
performática e de conseguir fazer que ele
aceite, não é sobre convencer o morador mas
apenas tentar seduzir e ter abertura pra que
ele possa dizer que não quer que a ação seja
feita lá. Tudo isso já era um trabalho incrível,
uma sensação de vitória, principalmente
para mim que peguei muitos nãos, mas
quem aceitava a ação na casa se colocava
muito disponível de estar presente ali, atento,
ansioso, curioso e com desejo de fazer muitas
perguntas. Percebia também que muitas
pessoas se sentiam importantes por ser
uma dessas casas que o projeto visitou e que
receberam uma apresentação exclusiva de
artistas.
O Projeto 1000 casas trabalha bastante no
conhecimento das pessoas sobre o que elas
pensam que seja arte ou qual imagem que
elas têm de um espetáculo de dança. Além
disso, vejo como uma grande formação de
platéia e também de artista, principalmente
porque me senti em vários conflitos com
relação à performance: o que é real e não
real, o que seria realmente fazer uma ação
artística para pessoas e vivenciar momentos
únicos com essas pessoas dentro da casa delas
e poder deixar essas pessoas confortáveis
para comentar e fazer perguntas. Tudo
isso era muito bom porque alimentava e
me dava muito motivação para que a ação
pudesse ficar aberta. A performance foi se
transformando a cada casa que eu visitava, eu
sempre estava colocando questões pra a partir
dali os materiais pudessem fazer sentido .
Eu perguntava para o morador o que ele
salvaria se ele estivesse em uma situação de
risco de ter que sair de casa urgentemente
se tivesse poucos segundos para evacuar. A
resposta deles era o ponto de partida para
eu dançar e improvisar no espaço apertado
ou grande da casa, eu trabalhava a partir do
que eles salvariam disso na minha dança,
como álbum de fotografias do casamento
da família, quadros, os filhos, a mãe, violão,
geladeira. Numa casa que visitei, perguntei
para Rosário, moradora do bairro Alto da
Ressurreição, ela me respondeu que não
salvaria nada, só ela mesma, e também
falou um ditado – vão-se os anéis e ficam-se
os dedos. Outra casa que visitei tinha um
quadro gigante da atriz Daniela Perez, que
foi assinada brutalmente com 18 golpes
de punhal pelo ator Guilherme de Pádua e
sua esposa Paula Nogueira Thomaz. A dona
Albertina salvaria o quadro, que ela era
muito fã, e isso tudo dava o gás e a energia
para fazer e como a audiência se colocasse
dentro da ação. É diferente de qualquer outro
ambiente como palco, rua, estúdio porque
não é um espaço previsível. O morador se
apropriava da ação e o melhor é que o artista
não estava em uma posição maior do que a
audiência, os dois estavam no mesmo lugar
de se confrontar. O mais interessante é que
mesmo que você tivesse algo já pronto para
fazer tinha a possibilidade de algo ou alguém
interferir e a ação era quebrada por alguma
coisa que acontecia. Alguém chegava a casa,
o cachorro, o pedreiro passava, realmente a
performance trabalhava aqui e agora. Isso
potencializa o indivíduo como espectador na
própria casa dele.
ALEXANDRE SANTOS
1000 253252 casas
Só me interessa o que não é meu.
¡Viva Oswald de Andrade!
Nesse momento essa frase me parece
completamente diferente do que eu já tinha
imaginado na vida. Nesse exato momento a
frase da primeira linha é um convite para um
encontro, mas quem convida é você! Como a
gente se faz agente?
A Gente
Agente
Eu
Você
Ela
Ele
Tu
Nós
Vós
Elas
Eles
A rapaziada toda
Eu sinto que o processo de trabalho do
1000 casas foi temperado por uma questão, e
que fez toda a diferença no feijão. A questão
é: como produzir uma performatividade do
encontro?
Na verdade isso não foi discutido teórica-
filosófica-cientificamente, eu inventei essa
pergunta agora. Mas sinto que vivemos essa
pergunta, discutimos corpo a corpo da
maneira que podemos. Foi surpreendente
ver os artistas que faziam as ações nas casas
dos moradores do Dirceu chegando cansados,
muitas vezes putos, muitas vezes exauridos
tendo que ir de volta para suas casas
descansar o resto do dia. Essa exaustão não
era produzida apenas pela movimentação
aeróbica dos artistas, pois essa em geral
era muito simples, mas também pelos
«nãos» recebidos de moradores do Dirceu
e a dificuldade de lidar com o contexto da
casa. Nós estávamos exaustos SUBJETIVA-
OBJETIVAMENTE, ou seja, era visível pra
gente, a rapaziada toda que conjuga o verbo,
que estávamos cansados. Será se estamos
disponíveis para a certeza de um «não» em
nosso dia? De ser impedido de trabalhar?
Como lidar com o fato de que a TV adormece
Entrei em casas de pessoas de 70 anos
durante dois anos no projeto 1000casas, e me
embrulhava de papel para falar de MORTE.
Não que eu entenda que só pessoas de 70
anos possam morrer, mas porque nessa idade
as pessoas costumam dizer que o relógio tá
contando mais rápido. Era sobre banalizar a
MORTE, tornando-a um assunto comum, na
verdade, a morte era o pretexto pra falar de
vida, e do que ainda é possível fazer diante do
corpo coagido pela única verdade absoluta do
homem (morte),do corpo que está no presente
e não pára,que continua e recria o próprio
percurso.
A Performance,era o encontro ,a
abordagem,e todo movimento da casa. Tudo
que viesse acontecer se diluía numa ação
performática, não apenas num entendimento
do ordinário virando arte, mas como a liga
do artista e do espectador que se reforça
principalmente quando o lugar deixa de
ser de um ou do outro, e passa a acontecer a
partir de um objeto, de um assunto ou mesmo
do silêncio desse encontro.
Quanto menos preparado ou cheio de
saber você como artista está, a dança vibra e
vibra!
O entendimento de dança apenas pelo
movimento despenca.
Por que dançar/perfomar não está movido
apenas por embasamentos teóricos e pelo
corpo treinado do performer, mas pela zona
frágil do encontro, do quanto as pessoas
estão disponíveis em estar juntas, nem que
seja por pouco tempo, do enfrentamento
do risco do que pode acontecer, daquilo
que não estamos preparados. Falo do corpo
poroso, da necessidade de se apropriar da
realidade, de sair do que é seguro, ou seja,
é a vulnerabilidade de estar no lugar não
convencional, no lugar do outro e de como
se utilizar disso para criar o espaço que
você precisa para existir, para um público
que não espera na cadeira de um teatro,
que não lhe conhece e abre a porta da casa,
mesmo cercado pelo medo que a violência
gera, na incerteza de estar sendo enganado
CAIO CÉSAR SORAYA PORTELA
a gente? [O que aliás faz da TV uma delicia!]
Como não querer saber novidade da Avenida
Brasil? Como propor para o morador um
encontro artístico?
A pergunta do Marcelo é maravilhosa,
qual é a sua posição de artista? Nessa casa?
Nesse exato momento. ¡Agora! Qual é a
posição do espectador? Como lidar com um
sujeito te confidenciando que batia na mulher
dele? E você sozinha com ele!
Quem é o espectador e o artista?
Como acreditar numa bolinha de sabão?
Como lidar com um corpo em chamas na
sua frente?
Como propor um acontecimento na casa?
Como encontrar o homem da sua vida
num quintal alheio?
A gente tem casa! GALPÃO DO DIRCEU
Como propor um encontro para alguém
que não te quer?
Ou que você não quer ver agora?
Como lidar com o encontro?
Como propor um momento de delírio
diante da aridez da vida cotidiana?
Entende? Por isso, acho que, meio ao deus
dará, fomos construindo um treinamento
do encontro. Por todas essas perguntas e
afirmações, que parecem perguntas genéricas
ou intrínsecas a nós os artistas, Oh, tragédia!
Mas também porque o ambiente de uma casa
grita as dificuldades cotidianas.
1000 casas
Caminhando
O sol pelando
Urubu voando
De 1 a 1000
TV, comida pra fazer, sofá, foto de família,
bichos de pelúcia, animal de estimação, pai,
mãe, vó, vô, os mino, conta pra pagar, uns
livros, a bíblia, arrumar a sala, lavar a cozinha,
ir trabalhar, o conforto do sonho da casa
própria, salário no fim do mês, desdobro, um
teto seguro, cadeados, assalto, casais, amor,
amigos, a pessoa que você ama, pessoas que
você precisa tolerar, artista dentro de casa etc
e tal...
pelo artista que quer lhe dar uma dança de
presente, e isso até pode ser confundido como
tática de vendedores ambulantes.
Portanto, dançar numa casa pode ter
um público no início e outro no final, e
a sala de estar vira o camarote, com uma
dança particular, tipo marcação homem a
homem. A dança acontecia no lugar da TV,
no meio da faxina, no meio dos santos, do
cisco pra apanhar, tendo a panela de pressão
como fundo musical e as roupas caídas no
chão. Embora o teatro fosse nossa ligação,
dissolviam-se as barreiras entre artista e
espectador, o público e o privado.
A permissão de performar é nesse caso
quase como a vontade de gritar, de vomitar, é
construir a partir do que você tem, de provar
do risco do não saber o que encontrar e ver
quanto e quão poroso você é ou se permite
ser, de ficcionar a sua realidade e a do outro.
Perfomar só é possível no momento em que
não há algo a ser revelado, ou quando me dá,
como artista, propriedade de dizer para as
pessoas o que não tenho coragem de dizer,
como eu ando pensando as coisas do mundo.
Não entrei em algumas casas porque
jesus/religião não permite.
Não entrei porque alguém da casa tinha
MORRIDO assassinado e a dor era grande.
Não entrei porque a dona da casa tava
ocupada naquele momento.
Não entrei porque certo senhor estava
sentado na calçada, fica pra próxima - me
disse ele.
Não entrei numa casa vizinha do galpão
de uma senhora porque o filho dela disse que
ela não tinha interesse.
Não entrei porque esse negócio de arte
não era com eles.
Não entrei porque as pessoas não me
conheciam.
Não entrei porque não tinha serventia.
1000 casas
1000 255254 casas
A Sharon é um brinquedo sexual e
“companheira” de um artista solitário, que
conversa e cuida da boneca como se ela fosse
uma artista, com direito a banho de shampoo
de luxo e passeios noturnos na coroa da curva
São Paulo (praia artificial tipo piscinão de
ramos do bairro Dirceu). Em troca, a boneca
cumpre a função para a qual foi fabricada:
servir como substituta para suprir os desejos
artísticos de seu dono.
À medida que vai tomando consciência de
que está viva, e aproveitando a ausência do
seu dono até a noite, a bela de plástico lança-
se em caminhadas exploratórias pelo bairro
descobrindo pessoas e uma existência que
jamais imaginou.
O artista de Sharon precisa da
artificialidade do seu corpo para suprir a
necessidade que tem de corpos de carne que,
artisticamente, não o satisfazem mais. Corpos
de carne não satisfazem mais ninguém nesse
mundo. O corpo de Sharon é uma morada,
moradia de desejo, moradia de um corpo
possível. É uma mulher artista que demora
quarenta e cinco segundos quando inspira
e um minuto e trinta e sete segundos para
suspirar. Ela é eficiente e cruel como as
mulheres de Jodorowsky. « Joga pedra na
Sharon que ela é feita para apanhar, ela é boa
de cuspir». É hora de matar Sharon!
Ela deita e esvazia sobre meu corpo, que
tem dificuldades de respirar, que sente dores
no peito, que sofre de apnéia, que sofre por
amores que nunca perdeu e nunca existiram,
que é corpo de homem, grande, que chora
pelo cachorro que morreu, pela hora da
morte, pela antropofagia do cú, que guarda
segredo em si. Ela está sobre o olhar de quem
tenta ser público, mas se incomoda por
entender que é cúmplice.
Depois Sharon é devorada por um
cachorro qualquer e esquartejada em um
chuveiro que lava o sangue que nunca existiu.
É hora de falar de Carem. Carem já foi
comprada morta. Ao contrário de Sharon,
que me ensinou a criar, Carem me ensinou a
fazer. Mas o problema com Carem era porque
Câmera sujeitada, corporizada(corporificada),
viva!
O que dizer de um artista que propõe ir
de encontro ao espectador, sair da passiva
e confortável espera da coxia ou daquele
enquadramento que vai se 'completar' e mais
ainda, dispor-se a promover a ele (espectador)
entrada a esse dispositivo mágico chamado
câmera. Na ação esse se torna o objeto comum
a ambos. E agora quem é o artista? O atirador
ou o alvo? ambos estão performando, a
câmera provoca e influencia o movimento
de ambos. A revelação do cosmo privado,
da vida alheia, daquilo que ainda não foi
visto pelo olhar de um outro, a fragilidade
e a instabilidade desse lugar que não é tão
somente de um nem de outro. Esses disparos
insistentes da fotográfica instauram um
ritmo na ação, uma metralhadora que ao
invés de lançar projeteis, captura frames
daquilo que reluz no ambiente. A câmera
revelando diversas nuances de si, para além
da mera função de captar o visível, mas
também servindo de amplificador de idéias,
como prótese desse olhar moderno, que pela
liquidez da vida tenta a todo custo registrar,
documentar aquilo que amanha será ontem.
JACOB ALVES JELL CARONE
ela já tinha profissão (empregada doméstica)
e por mais que estivesse nua, nunca tirava o
típico lenço da cabeça. Com ela brinquei de
ser homem e a espanquei na mesa de madeira
do lado do feijão, que rugia descontrolado e
era sensível com as batidas. O feijão era o grito
de Carem. A cada batida a pele de Carem se
confundia com a mesa. Foi com ela que gritei
e, como artista, bati por amor, o amor que
tínhamos um pelo outro e pela necessidade
e a inquietação de criar algo. Foi a primeira
violência, linda, que era dança, que era nossa,
dançamos tanto que ela partiu, e ainda hoje
dançamos, como gigantes nas casinhas, agora
todas são Carem.
As Carens presentes não se espantavam
com tal violência. Os homens sim, eles
julgavam.
Elas entendiam, talvez até se apaixonavam.
Ironicamente tinha uma ligação entre as
Carens, as Paulistas, Cariocas, Teresinenses, as
do mundo. Na verdade percebi que todos são
Carem, mas ninguém e tão Carem quanto eu,
que de tanto ser Carem nao sou nem metade
do quando gostaria de ser, porque meu corpo
é artificial e eu, como ser humano, sempre
o julguei como melhor. Foi isso que entendi
de Carem. Até o dia em que Carem me beijou,
disse palavras secas e passou a mandar em
mim. Agora sou o corpo artificial de Carem.
1000256
NÚCLEO DO DIRCEU É
allexandre santos, caio césar, césar costa,
cleyde silva, elielson pacheco, izabelle frota,
jell carone, jacob alves, janaína lobo, layane
holanda, marcelo evelin, regina veloso, soraya
portela e yang dallas.
TAMBÉM PARTICIPARAM DESTE
PROJETO
cipó alvarenga, danielle soares, datan izaká,
juliana frança, leo nabuco.
AGRADECIMENTOS
andrez lean guizze, associação panorama/
dança pra cacilda, bomber crew, café e
família, cristina espírito santo, danielzinho,
deborah moraes, eduardo bonito, eduardo
saron, espedito sobrinho, fábio pitombeira,
fernanda porto, heldon tajra/1a. classe
turismo, isabel zarzuela, itaú cultural, josé
adécio, josé elias tajra, kayo arruda, layo
bulhão, luana vasconcelos, luiz veloso,
maria humilde, maria alves, mark deputter,
marquim moto-táxi, mavi veloso, moradores
das casas visitadas, nayse lopez, reginaldo
carvalho, renata fernandes, sérgio matos/
agência de músicos, shana de sousa, silva
neto/luz & arte, sônia sobral, suely rolnik,
teatro maria matos, theo francia, thelma
bonavita, vitor cesar, weyla carvalho.
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Patrocínio e performatividade nas casas

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  • 121. 1000 241240 casas O Projeto 1000 CASAS surgiu a partir de mais de uma questão: o que as pessoas estão fazendo em casa enquanto um espetáculo acontece? Como um espetáculo poderia vir a acontecer nessas CASAS como inversão da situação público x privado? Como poderíamos testar um tipo de performatividade que embaralhasse os papéis de artista e espectador, e que viesse a operar na situação “estar em casa” como parte determinante dessa performatividade? Foi um tiro no escuro, mas com a determinação de um tiro certeiro. O Ministério da Cultura e a Petrobras aprovaram o projeto que nos possibilitou entrar nessas CASAS, e talvez como metáfora da situação “casa”, nos permitiu a continuidade do projeto Núcleo do Dirceu e a permanência do Galpão do Dirceu, como lugar “casa” para muitos artistas e espectadores da cidade. A impressão acinzentada e grande de um Google Maps do bairro do Dirceu foi afixada na parede. Alfinetes coloridos marcavam os pontos de exploração–as primeiras CASAS–como pontos marcados em uma pele, um lugar- corpo a ser dissecado lentamente. As escolhas de abordagens e alvos se davam na mesa– lugar tóxico onde nos afeta o outro–numa convulsão de idéias e propósitos. Seriam visitas marcadas por telefone ou “assaltos” de corpo aberto, ou seja, bater de porta em porta ou espreitar as casas a partir da mercearia da esquina. Os alvos eram idosos, animais, artistas, moto-taxistas, fronteiras e zonas de risco, CASAS sem muro ou com muro de azulejo, violência doméstica, fetiche sexual, morte, engessamento, emergência. Falávamos de uma “terceira performatividade” como algo a ser buscado entre uma forma de atuação mais estruturada e um tipo de visita espontânea. Um lugar-margem para essas performances que se dariam inevitavelmente entre o que é público e o que é privado, e quase sem distinção entre o artista e o espectador, e sim como possibilidade de inversão espontânea desses papéis durante a ação performática. E isso virou piada entre nós. A terceira performatividade passou a ser a válvula de escape da situação desconhecida a que nos propúnhamos enfrentar nessas CASAS. Seguíamos com as discussões e ideias vinham aos montes, mas pareciam não ecoar no que conhecíamos como modo de pensar e fazer. As abordagens se complexificavam a medida que nos dávamos conta de que essa era – de toda maneira e felizmente – a performatividade do encontro. A partir de nossos encontros em volta da mesa essas mil CASAS foram se alastrando como terreno de proximidade e urgência, de estranheza e afeição, de embate com o que não conhecíamos mas já estávamos fazendo. O sol a pino lá fora e os artistas saindo para trabalhar nas CASAS, voltando com as primeiras estórias, os números, os inúmeros “nãos” recebidos, os nomes, as idades, as particularidades desses que foram os verdadeiros protagonistas do projeto: o povo do Dirceu. A minha ação com a “Catatônica” surgiu da necessidade de parar para escutar uma casa, decupar o tempo naquele espaço, deixar que o sons, as pessoas, os cheiros, o cotidiano daquele lugar fosse suspenso por alguns instantes. Suspenso numa quase imobilidade, numa quase invisibilidade do que normalmente se dar a ver ali. Era uma incorporação ao contrário, ao invés de receber, o corpo destituía, e essa ausência esvaziada no corpo buscava interceptar o que quer que fosse daquelas CASAS, para transfigurar a realidade daquele momento comum. Era um desligar, um turn off, um estar temporariamente fora de si, para talvez assim permitir algum outro possível. Elielson Pacheco me acompanhou nas ações da Catatônica, catatônico ao meu lado. Podia escutar a sua respiração, ver os dedos se dobrando para abotoar o brinco pendente da orelha, o quimono japonês levemente brilhoso sendo tirado de uma bolsa de pano. Flutuávamos ali juntos muitas vezes com as caras contra o muro - mundos ausentes paralelos em escuta - enquanto o movimento seguia dentro e fora das CASAS. Era uma dança ausente, quase desmaterializada, no meio do material de construção de um teatro domiciliar, na anti-sala de um terreiro religioso, numa academia de ballet ou debaixo das prateleiras dos produtos de limpeza de uma cozinha, enquanto do lado de fora um homem solitário ouvia trechos entrecortados de músicas de amor a toda altura no som do carro estacionado. Com Elielson foi um dueto, um pás-des-deux desfigurado, uma solidão compartilhada, uma dança, uma dança, uma dança. O projeto 1000 CASAS aconteceu como um carrossel disparado ou uma peste doce que se alastra silenciosamente. Fomos nos dando conta pouco a pouco, nos encharcando daquela condição de artista domiciliar, daquela troca de papéis entre o artista e o morador, da criação de um ambiente performático – sensível, ritualístico, político – possível, ali naquelas mil CASAS distintas, mas tão absolutamente comuns. O cheiro do feijão na panela de pressão, o chiado tão particular, a quase onipresença do feijão na panela em tantas CASAS, marcou mais do que a fome, deu a ver a vontade de comer. Deflagrou mais do que a miséria institucionalizada pelas imagens clichês de periferia de terceiro mundo, mas uma rápida e dinâmica subjetivação da própria realidade por parte dos protagonistas-moradores-visitados- artistas-espectadores em uma reafirmação potente da vida. MARCELO EVELIN IZABELLE FROTA Sempre ouvi minha mãe dizendo que o lugar onde ela mais se sente segura é na sua casa. Ela diz que a pior coisa do mundo é adoecer fora de casa e que, se ela viaja ou sai de casa por um tempo, ela não consegue saciar algumas de suas necessidades fisiológicas. O caso da minha mãe pode até parecer exagero, mas a casa é realmente o lugar onde nos sentimos mais confortáveis, onde colocamos nossos investimentos, nossa família, nossos segredos, nossos planos, nossas lembranças. Cada canto de uma casa tem milhões de histórias com ele relacionadas. A casa muda conforme a gente muda, às vezes nem nos damos conta. Então vemos uma foto muito antiga e percebemos que ela nem se parece mais com o que era antes. A arte também tem se tornado um lugar de conforto. Desde o surgimento das vanguardas modernistas até os dias de hoje já se experimentou de quase tudo na arte. Criamos como se estivéssemos inventando algo novo. No entanto, na maioria das vezes apenas copiamos padrões já existentes. Com isso, criamos códigos de pertencimento para a arte contemporânea, mas mantemos o discurso de que nela tudo pode. Performar dentro da casa de uma pessoa que nem conhecemos é sair totalmente do comum e do confortável, é fugir dos padrões engessados da arte, é se abrir para o inesperado. Por mais planejada que seja a ação, nunca podemos prever o que vai acontecer. A AÇÃO começa e o telefone toca, o cachorro late, o menino chora, o feijão queima, o homem faz cara feia, enfim, tudo acontece. A obra perde seu caráter sublime e distante pra virar parte daquele ambiente cotidiano. Ao mesmo tempo, o ambiente cotidiano se carrega de questões e relações nunca antes experimentadas por nenhuma das partes. A obra passa a ser sobre a importância daquele instante. Uma moça entra na casa de um desconhecido com um estojo de maquiagem e a foto de uma mulher espancada pelo marido. Pede a quem a recebe que, usando
  • 122. 1000 243242 casas a maquiagem, reproduza em seu rosto hematomas semelhantes aos da foto. Inicialmente as pessoas recuam, travam, mas se dispõem a fazer. No decorrer da AÇÃO, a conversa atravessa as experiências das pessoas com esse tipo de violência. Muitas vezes elas relatam fatos ocorridos com elas próprias ou com pessoas bem próximas, como parentes e amigos. Fiz essa AÇÃO dentro da minha casa, com a minha mãe. A obra e a nossa vida não tinham mais nenhuma distinção. A AÇÃO se misturou com a nossa relação, com as nossas lembranças, com o espelho que eu vejo nela, com a criança que ela vê em mim. O projeto 1000 casas mudou a nossa maneira de entender a arte e a relação entre artista e espectador. Vimos de outra maneira o velho conceito que diz que quando criamos uma obra ela não é mais nossa, é do mundo, tem vida própria, aberta para a percepção de quem a vê. Cavaleiro contemporâneo Oh MOTOBOY! Ao entardecer tu me levas, O farol do teu cavalo acende, brilha... E o sobe e desce da lombada nos embala. Às vezes, cavalgas devagarinho, Enganas o tempo (que já não sei medir), No sentimento de desfrutarmos nosso passeio. Às vezes, colocas o pé e afunda, O vento rasga mais forte, Deixando embaraços e dúvidas para trás. Oh MOTOBOY! Tua rotina é arriscada, eu sei. Corres com tua vida pela cidade, Levando pessoas de carne e asas, desejo e solidão. Voando pela noite vazia, Quando a velocidade nos esfria a pele, Tuas palavras aquecem nosso encontro. Emburacando por veredas de terra batida Vais revelando caminhos que sacodem, É onde meu corpo cola no teu. Oh MOTO, meu querido BOY! Quando me levas onde preciso ir, Ninguém mais faz sentir o que você me traz. Catas Atônitas, Esquecidas, Nos Cantos, Lentas, Em casas de artista, Sem função, Não acompanhando o ritmo da vida, Em estado de choque, Contemplativas, Incorporadas, Perdidas, Minimamente travestidas, Companheiras de solidão, Peruca berinjela e brincos tipo asteca, Errantes, Encontram: Shana, um corpo mudo em chamas, Leo, bailarino espacati do absurdo, Seu toin, hacker pai de santo, Izaká e seu vizinho a lonely boy ELIELSON PACHECO ELIELSON PACHECO CLEYDE SILVA O projeto 1000 Casas foi por dois anos meu carro chefe artístico, onde pude trazer a tona questões que há algum tempo me debatia com elas. No início não tive a percepção do quanto esse projeto poderia se tornar tão complexo e subjetivo, mas sempre tive a certeza de que seria muito importante e urgente. 1000 Casas, o que seria entrar em 1000 Casas? Como seria entrar na intimidade dessas pessoas e performar a partir de algo que você trouxe pra compartilhar, pra deixar de ser seu e passar a ser do outro? Muitas vezes ir com a intenção de performar para os moradores da casa e de repente passar a ser público e o morador ser o performer, ou até mesmo criar uma situação de troca imediata onde juntos são público e performer ao mesmo tempo. Quando se quebra essa barreira Artista/ Espectador é que a arte ganha intensidade na sua expressão e realmente age. Para o público: transforma o estranho/arte em uma nova forma de percepção cotidiana, já para o artista: ganha um amigo, um ouvinte, um olhar, uma nova forma de agir em seus conceitos de fazer/agir/criar. Nos primeiros meses a proposta foi trabalhar partindo de três eixos: a priori cada artista teria que criar uma ação performática que partisse do desejo artístico de cada um, é como se nós tivéssemos que criar uma situação para estar junto com o morador, muitas vezes falávamos que ação era apenas um pretexto para que o acontecimento pudesse acontecer. A proposta que coloquei na mesa surgiu da necessidade de dançar BREAKING dialogando com os objetos da casa visitada, trouxe como mais um elemento pra se trabalhar a música do Roberto Carlos – Todos Estão Surdos, a música estava transformada, mixada com break beat* (é uma técnica que trabalha com dois discos iguais e um mixe que caracteriza pelos samplers de ritmo base de rap, funk e eletro). Percebia que tinha uma relação com o grande Dirceu, pois todo o dia ao meio dia tocava na rádio uma hora especial do REI Roberto
  • 123. 1000 245244 casas Carlos (Clube do Rei). O mais potente pra mim em trazer o Roberto Carlos não foi pra focar nele nem mesmo seria interessante pra mim naquele momento, mas apenas como relação entre o momento de rei que ele obtinha dentro da cidade e o GRANDE Dirceu como lugar independente, autônomo. Rei de certa forma porque o bairro tem um poder diante dos outros por ser mais dinâmico, diverso, e isso dava para as pessoas que moravam no Grande Dirceu uma arrogância de como se colocar diante dos outros bairros. E isso me chamava atenção enquanto algo pra pensar. Além dessas formas de poder entre o Rei Roberto Carlos e o Grande Dirceu fiquei por um bom tempo me questionando sobre só dançar BREAKING. Pra mim só dançar não era suficiente, talvez porque só dançar fosse muito direto e “eficiente”, não conseguia ver abertura pra ir pra outro lugar, pra mergulhar na subjetividade da coisa. O que eu não entendia é que a dança é por ela mesma, ou seja, a dança como fisicalidade não precisa necessariamente de alguma coisa que legitime ela, a dança em si já é uma coisa. Acredito também que nessa fisicalidade tem uma energia, uma vibe, uma disponibilidade em estar ali presente naquele momento. Pensando nisso e revisitando uma das maiores experiências durante o projeto 1000 Casas, que foi visitar minha própria casa assistindo a ação do Marcelo Evelin a Catatônica. Meu pai comentava sobre baiar ele dizia que o estado que eles se encontravam era sobre uma energia, ao terminar Marcelo pediu que explicasse mais, ele disse que é uma sessão de giros em volta da guna (tronco) pra receber os guias (espíritos) e que tem um entre, de ficar dividido em dois mundos: o real e o espiritual e ficamos um bom tempo questionando e relacionando sobre a energia de baiar com a de performar, e esse estado em que a pessoa se encontra é muito parecido com o quando a pessoa está performando. Passamos pelo segundo eixo que chamamos de documentalidade, que sai do lugar de registro e se concentra no assunto do encontro entre o performer e o morador da casa. Não era sobre a foto sair perfeita no sentido de qualidade estética, mas era sobre captar a fragilidade daquele único momento que não tinha só um propositor. Todo esse processo não cabia somente virtuosismo porque parte de uma simplicidade subjetiva do humano. Acredito que muita coisa que fizemos de material de vídeo, foto e texto do 1000 casas não foi aproveitada como conceito, como algo que realmente pudéssemos ter degustado e não só colocado pra dentro da barriga. Sempre achei a metáfora panela de pressão perfeita para o momento que estávamos vivendo no projeto 1000 Casas. Na verdade se algum dia alguém me perguntar qual imagem eu daria que mais se aproxime com a cara do Núcleo do Dirceu eu falaria panela de pressão, porque é muito coerente com a forma como trabalhamos e principalmente como vivíamos naquele momento. Uma pressão de cada um com cada um, e da gente com qualquer possibilidade de respiração outra. E foi a partir disso que instalação-performance surgiu, todo o processo foi diretamente ligado a essa colocação, que pra mim foi muito bom ter vivido e estar vivendo essas experiências porque além de todas essas pressões citadas tem uma pressão da gente com a gente mesmo e isso é muito real. É uma preparação para o mundo e com o mundo sem superficialidade. 1000 casas: um pouco de minha experiência lá! Tocar “we are the champions” no 1000 casas me colocou num lugar de artista que eu queria, me inspirou musicalmente, e a música veio como um novo item que agora também faz parte da minha experiência. Fazer o que quer no lugar que quer é uma possibilidade que me faz ter autonomia. Os estudos desenvolvidos no inicio do ano de 2011, afinação, performatividade, abordagem, documentalidade, ação performática, vejo como uma estrutura pra se formalizar, projetar aquilo tudo que me atravessa dentro desse contexto. É complicado definir nomenclaturas pra construir esse contexto artístico, mas escolher o que está me instigando no momento é um norte, um caminho. Assim, com algumas palavras, plano de evacuação, evacuações, MARILYN MONROE, extremidades, afunilei e procurei transformar numa apresentação pra essas casas. MARILYN sentada suando esperando seu marido no deserto. É uma cena que eu não vi, mas talvez se a visse não teria o mesmo caldo, as mesmas motivações que me fizeram conectar, transformar, afinar as imagens pra relacionar com o plano de evacuação. Escolhi fazer a ação nas casas das extremidades. As cinco primeiras com exceção de uma, são exatamente na mais ao norte, mais ao sul, mais ao leste, mais ao oeste. Essa uma, a moradora, não autorizou a feitura e fiz na casa ao lado, quebrando o sistema que eu havia proposto como ponto de partida. Não foi um grande problema. Mas as extremidades me interessam pela vulnerabilidade desse espaço que acaba se tornando potente. Não sei explicar como se dá, mas periferia vibra, as pessoas são vivas. Talvez eu defenda esse contexto que me criei e me crio, mas é isso. Em algum momento dessa ação pergunto o que a pessoa salva de dentro da casa se naquele momento acontecesse uma catástrofe que destruísse sua casa. Escolhi fazer essa pergunta por que acho coerente com a situação de risco presente nessas casas de extremidades. A priori queria saber quais objetos seriam salvos, descobri que nessas famílias existe um vinculo familiar muito forte. Ou as pessoas salvavam filhos, o avô, algum ente da família ou algo que tem haver com elas, uma foto, etc. A MARILYN como ícone subverte esse lugar, durante um tempo busquei aprofundar, estudar o que gera essa subversão performaticamente , esse contraste. Tive abertura pra não tentar chegar a “uma” conclusão, o que me deu muitas “outras” conclusões. Tive muitas dúvidas em relação ao que preciso mostrar como resultado, como obra, pra quem assistia na casa, e no espetáculo também. Busquei avaliar e reconhecer tudo que foi gerado ali. Apostei em algo frágil e subjetivo, por que minha juventude está assim. A bola de sabão foi o que encontrei como proposta de performatividade. Era bem abstrato, sem clareza. Conversar com colegas de trabalho sobre o que está passando, buscar referência, saber escutar foi essencial pra que eu pudesse confiar no meu instinto de artista e tocar a coisa pra frente, descobrindo pouco a pouco o que faz sentido. Autonomia o tempo todo em transição, em dúvida, se perguntando. É o ponto em que estou e quero estar dentro desses 2 anos de 1000 casas. Isso é o que consigo reconhecer. Não ser bboy, nem músico, nem guitarrista, mas estar em conexão com tudo isso. Se for preciso, faço uma session ou componho uma música, mas é uma constante transição que te tira do eixo e te faz produzir a partir da inutilidade presente no contexto. A dita obra que eu preparei pra apresentar nas casas, se fragiliza pela desconvencionalidade do espaço, que não é comum para se apresentar, como um teatro com um palco. Nas primeiras experiências foi impactante lidar com aquele público que era também proprietário do lugar. O espectador que naturalmente, sem uma prepotência, confronta e questiona a obra e gera ali uma situação que foge do controle, negociando CESAR COSTA
  • 124. 1000 247246 casas sempre, um princípio de movimentação e complexidade tanto do artista como do espectador, que foi importante de sentir pra produzir ao longo do projeto subjetividade de artista em transição. Lembro-me de uma casa que eram três casas dentro de um terreno, e tinha numa rede preguiçosa um homem com mais ou menos 60 anos, que me deu a entender que ele era o chefe daquelas casas, e a dona da casa, mesmo me autorizando a fazer a ação lá, teve de pedir pra ele. E ele permaneceu deitado na rede e autorizou a ação, que mesmo antes já havia começado. Tinha pássaros em gaiolas. A porta da frente estava trancada, e fomos pro quintal. Ela se posicionou dentro da casa de um jeito que queria que a ação acontecesse fora da casa. Levei um tempo pra ir pra dentro da casa, por que entendo que faz sentido pro projeto estar lá dentro. Houve esse tempo de negociação que é grande parte da performance. A presença do artista ali é vulnerável e potente como criação de/em arte. Falar sobre 1000 casas é também se lembrar de muito tempo perdido ou mal aproveitado, não dá pra voltar atrás, mas dá pra agir e fazer todo trabalho que tiver pra fazer. Refletir ainda, fazer significar. É utópico, temos preguiça, vaidade, ego, mas a vibração dos perceptos e a possibilidade de o tempo todo fazer conexões, exercitar a loucura. Chamo de loucura, mas é na verdade uma disposição pra ser artista. Acho maturidade muito parecido com autonomia e a mente divagante em meio a tanta informação me deixa destontiado, com dificuldade de fazer escolhas, fragmentando e fragilizando a minha produção de artista. 1000 casas foi um projeto muito importante e vou incorporar pra sempre tudo que foi vivido lá. Descobri que AZULEJO tem origem na palavra árabe azzelij, que significa pequena pedra polida. Eu achava que vinha de Portugal, pois foi lá, nas suas grandes e históricas construções que o azulejo deixou de ser um simples elemento decorativo e é considerado hoje como uma das produções mais originais da cultura portuguesa. Isso durou por cinco séculos e sua influencia chegou ao Brasil como conseqüência natural do processo de colonização. AZULEJO sempre me lembra Athos Bulcão e recentemente também a Adriana Varejão. Os grandes casarões revestidos de azulejos (azuis) ainda são memória de um Brasil colonial, marcam importantes momentos da arquitetura brasileira, são cartão postal de muitas cidades. Ainda hoje podemos ver em cidades mais antigas como São Luís as grandes casas dos senhores ricos com fachadas azuis azulejadas. O AZULEJO é um elemento de baixo custo e com grande potencial de qualificar esteticamente uma construção – estetizar a existência! Ele não desbota como as tintas, é impermeabilizante, previne a umidade, é um revestimento “frio” (ótimo para o nosso calor) e desde sempre vem com status embutido. Status de casa de rico, coisa boa e chique, influência européia. Tem a ver também com assepsia, nosso velho hábito de banhar e lavar a casa. Assim a fachada está sempre lavada e a casa tá sempre bem apresentada. Agora os AZULEJOS são outros: aqueles antes feitos para cozinhas e banheiros agora revestem muitas fachadas: padronagens geométricas, ponto de cruz, o famoso desenho das calçadas de Copacabana, textura imitação de pedra. É um costume presente em muitas cidades nordestinas, talvez mais presentes nas áreas de classe média baixa. E como não poderia deixar de ser, achei muitas casas de azulejo no grande Dirceu. Notei em todas as casas que entrei que o azulejo tem a ver com um status de melhora de vida, com uma situação que tem acontecido cada vez mais neste “Brasil sem pobreza”. Uma vontade de ser mostrar bonito para os olhos dos outros, assim como fazemos quando vamos escolher uma roupa para sair. Um cartão de visita. Uma boa impressão. Lembrando da arrogância presente nos moradores do bairro, penso que deixar sua casa bonita da porta pra fora tem muito a ver com vaidade. Escolhi as casas vaidosas. Queria saber o que tinha lá dentro. Que corpos se constroem nestas casas? A curiosidade e a estética destas casas me fizeram escolhê-las como lugar de propor uma performance e um encontro, dentre as tantas moradias possíveis. Aquelas inúmeras fachadas que eu nem conhecia me atraíam de alguma forma. Eram lugares – pequenos universos - para me alimentar como artista, ser artista em cada encontro, fazer pesquisa, conhecer por dentro, entrar na intimidade, procurar semelhanças, saciar a vontade de conhecer o lugar mais íntimo das pessoas. Eu queria criar/vestir/inventar o corpo daquelas casas. E reinventar o meu também. Casa sempre tem a ver com corpo assim como arquitetura tá perto da dança. São relações co-dependentes e co-influenciadas. Fui também atrás de acúmulo e consumo. Se o Google sabe quem a gente é pelos sites que visitamos, imagina o tanto de informação em forma de objetos tem no lugar em que moramos? A cor da parede, a estampa da xícara, os detalhes nas almofadas, a estante da sala, a cor dos móveis da cozinha, os quadros e pôsteres na parede, a cor do sofá e as plantas. Fiquei espantada com a disponibilidade encontrada nos moradores, que escancaravam suas intimidades. Muita cor, alegria e espaço naquelas casas. Tinha uma que era toda de cerâmica preta na frente que eu não consegui visitar. Mas ainda lembro-me dela no meio do dia como uma fotografia. Quando menos esperava, eu já estava na cozinha, criando meu monstro com as panelas recém lavadas e os bichos de pelúcia das crianças (exercício de cara de pau também, quando chegava alguém no meio da visita). Depois de um tempo, os próprios moradores entendiam a lógica e me ajudavam na construção do corpobjeto. Tiravam fotos, davam espaço para passar, ligavam o ventilador, traziam a tesoura pra cortar e as vezes um suco de cajá também. Ou ficavam indiferentes. Talvez por não saber como agir, talvez por não ter mesmo nada a ser feito. Era a imprevisibilidade e a potência do encontro real. Dança feita de objetos recolhidos e grudados no corpo ao som e com a ajuda de fita crepe. Sempre surgia uma conversa informal, passeávamos por vários assuntos importantes e desimportantes. As nossas visitas muitas vezes não eram visitas de desconhecidos, parecia mais visita de vizinho, de parente. Ser recebido de toalha amarrada ou camisola era comum. Chamar as crianças para ver também. “A gente é evangélico, tem problema?” a senhora perguntou para mim. Muitos nãos também aconteceram. Muitos mesmo. Não por falta de tempo era o mais comum (mesmo você notando que a pessoa não estava ocupada). Não por medo, por causa da religião, porque o homem –marido e dono da casa- não estava em casa e não iria gostar. Mas quando tinha o não, tinha antes uma conversa, um encontro, que às vezes era tão importante quanto entrar na casa e realizar a performance. Convencer um estranho a entrar na casa dele e pegar seus objetos já era a performance. Ela acontecia de alguma forma mesmo com o não. Era sempre o mesmo monstro de objetos. Sempre tinha vassoura e bicho de pelúcia, mas nunca era igual. Cada casa tinha uma cor. Cada monstro tinha uma cor e uma corporalidade. Mobilidade na imobilidade. As possibilidades são mais interessantes quando vêm da impossibilidade? Talvez sejam mais gostosas. Café Muller. Lembrança da última visita numa casa que era também salão de beleza. O artista que é visita e o morador que JANAÍNA LOBO
  • 125. 1000 249248 casas é anfitrião. O lugar do artista confrontado. O lugar do espectador confrontado. Uma peformatividade terceira. Não tem hora pra começar nem terminar. Assim como a vida. Receita para um bom FEIJÃO Ingredientes: Feijão, azeite, alho, sal, aguá, farinha branca, pinta e uma panela de pressão babadeira. Modo de preparo: Vá para frente de um espelho, de preferência que não esteja quebrado, pois segundo supersticiosos dá azar, não que eu acredite, mas pra prevenir evito, pois beleza é fundamental. Passe um pó compacto e logo em seguida um lápis de olho pra dar uma realçada no olhar! Coloque seu salto, ponha um picumã e diga: eu sou bonita! Pra quem não precisa, uma chapinha e uma escova já resolve (a loka rsrs). Va pra frente do fogão, dê uma generosa batida de cabelo pra aquecer. Baixou a bonita? Agora ligue seu fogão, ponha o azeite na panela de pressão, em seguida o alho, deixe dourar. Delicadamente sensual segurando uma vasilha retire o FEIJÃO do saco e refolgue junto ao alho. Ponha umas pitadinhas de sal e vá mexendo, mexendo, mexendo, vai que de repente, do nada, surge marilyn monroe peladinho, ai você foca o olhar em sua bundinha roliça... Biiiicha olha o FEIJÃO! Ponha água, de preferência quente, pra acelerar o cozimento, tampe a panela com muita atenção para não causar nenhum acidente ou sair ar. Dê uma olhada no relógio, perceba e escute o que acontece a sua volta: sempre tem aquela pessoa tesoura que passa o dia todo falando, a gatita solitária se consolando com sua cadeira e seu estojo de maquiagem, a menininha miúda brincando de ser grande, o que dá cambalhotas super aguniado, a que roda, roda que você cansa, o que adora tirar um retrato sem pedir licença, o apaixonado por um corpo artificial, a bonita que você não entende e que adora uma calcinha diferente, a bicha cabeluda, a que só pega se for fardado, a mãe de todos, a quenga chefe e por aí vai. Sente-se em cima de uma mesa, se joga na Físicos e artistas podem ter muita coisa em comum. Essencialmente eles lidam com o que ainda não foi visto, dito, imaginado, com as possibilidades do real. Alguns físicos estudam a infância do universo, eles estão de alguma maneira coletando “material” e buscando pistas do que fomos (cosmologia). A verdade é que eles estão em grande parte na construção do que é incerto, do duvidoso, do talvez. Imaginando e propondo ao mundo um corpo a partir de um osso ou dois, uma estrela a partir de um registro de frequência ou feixezinho de luz. Gosto de pensar que eles não estão apenas descobrindo algo, eles estão mesmo é inventando, CRIANDO o que existiu…. re-construindo o que literalmente nós sequer supomos. E só porque eles imaginam com poderia ter sido, é que pode pode passar a “vir a ser de fato”. Tem um físico no youtube, que afirma que a cosmologia precisa entender o pequeno pra só depois entender o grande . E o Dirceu é mesmo um planeta. A gente começou assim, da menor casa, a nossa, para a imensidão macro do «Grande Dirceu». Nos primeiros meses alguns artistas passaram simplesmente a morar aqui, na casa 001, o Galpão. Uma ocupação permanente de algumas semanas. O espaço nem era mais público, nem privado, nem era mais só o lugar de trabalho e ao mesmo tempo não era o «meu lugar». A gente pensava numa obra que surgisse de um acontecimento, de um encontro, sem uma autoria, que emergisse da incerteza e da potência de uma relação, de um confronto, de uma mistura. E esse imput foi nos levando a muitos lugares. Foi me levando há muitos lugares. Foi me levando para um desejo despretensioso e simples: performar para cinco homens do Dirceu. E assim eu cheguei em alguns quintais. O quintal de uma casa é o lugar do fundo, do que muitas vezes está escondido, do entulho, do que eu não uso com freqüência, do que está quebrado, danificado, ou mesmo, onde estão as coisas que podem ir ao lixo, onde geralmente colocamos o que “não serve pinta e arraze no vogue da madonna! Com a amiga que você adora gongar e azucrinar o juízo. Os minutos passam... Bicha se toque! Volte a si, a panela de pressão está truando, tá na hora de abri-la. Vá retirando o vapor aos poucos, imagine seu leonardo de caprio e você no titanic, cabelos ao vapor se sentindo realizada. Ponha o FEIJÃO em uma cumbuca com um punhado de farinha branca e, pra quem preferir, complemente com gostas de pimenta vermelha, e sirva rapidamente (antes do tempo esgotar) para não esfriar. Alguém quer um feijãozinho aí? YANG DALLAS LAYANE HOLANDA
  • 126. 1000 251250 casas tanto”. Um lugar de acúmulo e memória. É um lugar cheio de AUSÊNCIA onde não se vai nem com tanta frequência, onde não estamos a maior parte do tempo, é quase de uma não-permanência. Quintal é a parte externa da casa, é mais vulnerável, é o cú. Tem outra topografia, geralmente um outro chão, e na maior parte do tempo nem é tão limpo e organizado como a parte de dentro …. é assim aberto, não está tão normalizado “para” funcionar ou “receber” como uma sala. No quintal existe menos controle, lá é por onde se foge ou se invade é onde a gente se esconde quando brinca. Penso que a arte opera muito aí, no quintal da gente. Durante dois anos “peguei algum” sol e me aproximei de histórias, figuras, corpos, objetos, imagens, hábitos, bichos, posturas, dizeres, porta-retratos e calçadas…. Ainda que mediada pela câmera, pela tela branca do computador, pelo mouse da edição, capturar essas experiências, entrar nessas casas sempre foi como entrar em outros lugares dentro de mim mesma. Que eu nem sabia que existiam antes. No princípio foi complicado propor uma ação artística para esse projeto pelo tamanho dele e por ser uma coisa tão nova e complexa para criar naquele momento e ir às casas das pessoas pra performar, não foi tarefa fácil. Interessei-me em trabalhar na proposta que o Jacob Alves trouxe - o plano de evacuação - de ter que sair de um local como casa, apartamento, escola em uma situação de EMERGÊNCIA. A partir disso eu propus visitar casas que foram construídas muito próximas a linha do metrô, onde os moradores estão sujeitos a qualquer momento a um acidente, que seria o metrô invadir a casa porque o bairro não tem boas ferrovias e nem manutenção adequada para garantir uma segurança. Eu me coloquei a criar uma ação performática que trabalhasse partindo dessa idéia de EMERGÊNCIA e pensando na terceira performatividade (que nós artistas do núcleo pesquisamos quando falamos em criar ação), é um estado que se dá a partir do momento que estamos organizando os materiais pra ir visitar as casas até o momento em que estamos performando. Passamos por três abordagens, servia como estratégia pra entrar nas casas: visita - a gente agendava antes, marcava a ação na casa; assalto - escolhíamos o bairro, a rua e fazíamos a ação imediatamente; e arrastão - combinávamos com todos e cada pessoa fazia sua ação em uma casa da mesma rua, fechávamos a rua. A performance já se dava na simples ação de bater na porta da casa, é uma negociação com o morador, ter que oferecer uma ação performática e de conseguir fazer que ele aceite, não é sobre convencer o morador mas apenas tentar seduzir e ter abertura pra que ele possa dizer que não quer que a ação seja feita lá. Tudo isso já era um trabalho incrível, uma sensação de vitória, principalmente para mim que peguei muitos nãos, mas quem aceitava a ação na casa se colocava muito disponível de estar presente ali, atento, ansioso, curioso e com desejo de fazer muitas perguntas. Percebia também que muitas pessoas se sentiam importantes por ser uma dessas casas que o projeto visitou e que receberam uma apresentação exclusiva de artistas. O Projeto 1000 casas trabalha bastante no conhecimento das pessoas sobre o que elas pensam que seja arte ou qual imagem que elas têm de um espetáculo de dança. Além disso, vejo como uma grande formação de platéia e também de artista, principalmente porque me senti em vários conflitos com relação à performance: o que é real e não real, o que seria realmente fazer uma ação artística para pessoas e vivenciar momentos únicos com essas pessoas dentro da casa delas e poder deixar essas pessoas confortáveis para comentar e fazer perguntas. Tudo isso era muito bom porque alimentava e me dava muito motivação para que a ação pudesse ficar aberta. A performance foi se transformando a cada casa que eu visitava, eu sempre estava colocando questões pra a partir dali os materiais pudessem fazer sentido . Eu perguntava para o morador o que ele salvaria se ele estivesse em uma situação de risco de ter que sair de casa urgentemente se tivesse poucos segundos para evacuar. A resposta deles era o ponto de partida para eu dançar e improvisar no espaço apertado ou grande da casa, eu trabalhava a partir do que eles salvariam disso na minha dança, como álbum de fotografias do casamento da família, quadros, os filhos, a mãe, violão, geladeira. Numa casa que visitei, perguntei para Rosário, moradora do bairro Alto da Ressurreição, ela me respondeu que não salvaria nada, só ela mesma, e também falou um ditado – vão-se os anéis e ficam-se os dedos. Outra casa que visitei tinha um quadro gigante da atriz Daniela Perez, que foi assinada brutalmente com 18 golpes de punhal pelo ator Guilherme de Pádua e sua esposa Paula Nogueira Thomaz. A dona Albertina salvaria o quadro, que ela era muito fã, e isso tudo dava o gás e a energia para fazer e como a audiência se colocasse dentro da ação. É diferente de qualquer outro ambiente como palco, rua, estúdio porque não é um espaço previsível. O morador se apropriava da ação e o melhor é que o artista não estava em uma posição maior do que a audiência, os dois estavam no mesmo lugar de se confrontar. O mais interessante é que mesmo que você tivesse algo já pronto para fazer tinha a possibilidade de algo ou alguém interferir e a ação era quebrada por alguma coisa que acontecia. Alguém chegava a casa, o cachorro, o pedreiro passava, realmente a performance trabalhava aqui e agora. Isso potencializa o indivíduo como espectador na própria casa dele. ALEXANDRE SANTOS
  • 127. 1000 253252 casas Só me interessa o que não é meu. ¡Viva Oswald de Andrade! Nesse momento essa frase me parece completamente diferente do que eu já tinha imaginado na vida. Nesse exato momento a frase da primeira linha é um convite para um encontro, mas quem convida é você! Como a gente se faz agente? A Gente Agente Eu Você Ela Ele Tu Nós Vós Elas Eles A rapaziada toda Eu sinto que o processo de trabalho do 1000 casas foi temperado por uma questão, e que fez toda a diferença no feijão. A questão é: como produzir uma performatividade do encontro? Na verdade isso não foi discutido teórica- filosófica-cientificamente, eu inventei essa pergunta agora. Mas sinto que vivemos essa pergunta, discutimos corpo a corpo da maneira que podemos. Foi surpreendente ver os artistas que faziam as ações nas casas dos moradores do Dirceu chegando cansados, muitas vezes putos, muitas vezes exauridos tendo que ir de volta para suas casas descansar o resto do dia. Essa exaustão não era produzida apenas pela movimentação aeróbica dos artistas, pois essa em geral era muito simples, mas também pelos «nãos» recebidos de moradores do Dirceu e a dificuldade de lidar com o contexto da casa. Nós estávamos exaustos SUBJETIVA- OBJETIVAMENTE, ou seja, era visível pra gente, a rapaziada toda que conjuga o verbo, que estávamos cansados. Será se estamos disponíveis para a certeza de um «não» em nosso dia? De ser impedido de trabalhar? Como lidar com o fato de que a TV adormece Entrei em casas de pessoas de 70 anos durante dois anos no projeto 1000casas, e me embrulhava de papel para falar de MORTE. Não que eu entenda que só pessoas de 70 anos possam morrer, mas porque nessa idade as pessoas costumam dizer que o relógio tá contando mais rápido. Era sobre banalizar a MORTE, tornando-a um assunto comum, na verdade, a morte era o pretexto pra falar de vida, e do que ainda é possível fazer diante do corpo coagido pela única verdade absoluta do homem (morte),do corpo que está no presente e não pára,que continua e recria o próprio percurso. A Performance,era o encontro ,a abordagem,e todo movimento da casa. Tudo que viesse acontecer se diluía numa ação performática, não apenas num entendimento do ordinário virando arte, mas como a liga do artista e do espectador que se reforça principalmente quando o lugar deixa de ser de um ou do outro, e passa a acontecer a partir de um objeto, de um assunto ou mesmo do silêncio desse encontro. Quanto menos preparado ou cheio de saber você como artista está, a dança vibra e vibra! O entendimento de dança apenas pelo movimento despenca. Por que dançar/perfomar não está movido apenas por embasamentos teóricos e pelo corpo treinado do performer, mas pela zona frágil do encontro, do quanto as pessoas estão disponíveis em estar juntas, nem que seja por pouco tempo, do enfrentamento do risco do que pode acontecer, daquilo que não estamos preparados. Falo do corpo poroso, da necessidade de se apropriar da realidade, de sair do que é seguro, ou seja, é a vulnerabilidade de estar no lugar não convencional, no lugar do outro e de como se utilizar disso para criar o espaço que você precisa para existir, para um público que não espera na cadeira de um teatro, que não lhe conhece e abre a porta da casa, mesmo cercado pelo medo que a violência gera, na incerteza de estar sendo enganado CAIO CÉSAR SORAYA PORTELA a gente? [O que aliás faz da TV uma delicia!] Como não querer saber novidade da Avenida Brasil? Como propor para o morador um encontro artístico? A pergunta do Marcelo é maravilhosa, qual é a sua posição de artista? Nessa casa? Nesse exato momento. ¡Agora! Qual é a posição do espectador? Como lidar com um sujeito te confidenciando que batia na mulher dele? E você sozinha com ele! Quem é o espectador e o artista? Como acreditar numa bolinha de sabão? Como lidar com um corpo em chamas na sua frente? Como propor um acontecimento na casa? Como encontrar o homem da sua vida num quintal alheio? A gente tem casa! GALPÃO DO DIRCEU Como propor um encontro para alguém que não te quer? Ou que você não quer ver agora? Como lidar com o encontro? Como propor um momento de delírio diante da aridez da vida cotidiana? Entende? Por isso, acho que, meio ao deus dará, fomos construindo um treinamento do encontro. Por todas essas perguntas e afirmações, que parecem perguntas genéricas ou intrínsecas a nós os artistas, Oh, tragédia! Mas também porque o ambiente de uma casa grita as dificuldades cotidianas. 1000 casas Caminhando O sol pelando Urubu voando De 1 a 1000 TV, comida pra fazer, sofá, foto de família, bichos de pelúcia, animal de estimação, pai, mãe, vó, vô, os mino, conta pra pagar, uns livros, a bíblia, arrumar a sala, lavar a cozinha, ir trabalhar, o conforto do sonho da casa própria, salário no fim do mês, desdobro, um teto seguro, cadeados, assalto, casais, amor, amigos, a pessoa que você ama, pessoas que você precisa tolerar, artista dentro de casa etc e tal... pelo artista que quer lhe dar uma dança de presente, e isso até pode ser confundido como tática de vendedores ambulantes. Portanto, dançar numa casa pode ter um público no início e outro no final, e a sala de estar vira o camarote, com uma dança particular, tipo marcação homem a homem. A dança acontecia no lugar da TV, no meio da faxina, no meio dos santos, do cisco pra apanhar, tendo a panela de pressão como fundo musical e as roupas caídas no chão. Embora o teatro fosse nossa ligação, dissolviam-se as barreiras entre artista e espectador, o público e o privado. A permissão de performar é nesse caso quase como a vontade de gritar, de vomitar, é construir a partir do que você tem, de provar do risco do não saber o que encontrar e ver quanto e quão poroso você é ou se permite ser, de ficcionar a sua realidade e a do outro. Perfomar só é possível no momento em que não há algo a ser revelado, ou quando me dá, como artista, propriedade de dizer para as pessoas o que não tenho coragem de dizer, como eu ando pensando as coisas do mundo. Não entrei em algumas casas porque jesus/religião não permite. Não entrei porque alguém da casa tinha MORRIDO assassinado e a dor era grande. Não entrei porque a dona da casa tava ocupada naquele momento. Não entrei porque certo senhor estava sentado na calçada, fica pra próxima - me disse ele. Não entrei numa casa vizinha do galpão de uma senhora porque o filho dela disse que ela não tinha interesse. Não entrei porque esse negócio de arte não era com eles. Não entrei porque as pessoas não me conheciam. Não entrei porque não tinha serventia. 1000 casas
  • 128. 1000 255254 casas A Sharon é um brinquedo sexual e “companheira” de um artista solitário, que conversa e cuida da boneca como se ela fosse uma artista, com direito a banho de shampoo de luxo e passeios noturnos na coroa da curva São Paulo (praia artificial tipo piscinão de ramos do bairro Dirceu). Em troca, a boneca cumpre a função para a qual foi fabricada: servir como substituta para suprir os desejos artísticos de seu dono. À medida que vai tomando consciência de que está viva, e aproveitando a ausência do seu dono até a noite, a bela de plástico lança- se em caminhadas exploratórias pelo bairro descobrindo pessoas e uma existência que jamais imaginou. O artista de Sharon precisa da artificialidade do seu corpo para suprir a necessidade que tem de corpos de carne que, artisticamente, não o satisfazem mais. Corpos de carne não satisfazem mais ninguém nesse mundo. O corpo de Sharon é uma morada, moradia de desejo, moradia de um corpo possível. É uma mulher artista que demora quarenta e cinco segundos quando inspira e um minuto e trinta e sete segundos para suspirar. Ela é eficiente e cruel como as mulheres de Jodorowsky. « Joga pedra na Sharon que ela é feita para apanhar, ela é boa de cuspir». É hora de matar Sharon! Ela deita e esvazia sobre meu corpo, que tem dificuldades de respirar, que sente dores no peito, que sofre de apnéia, que sofre por amores que nunca perdeu e nunca existiram, que é corpo de homem, grande, que chora pelo cachorro que morreu, pela hora da morte, pela antropofagia do cú, que guarda segredo em si. Ela está sobre o olhar de quem tenta ser público, mas se incomoda por entender que é cúmplice. Depois Sharon é devorada por um cachorro qualquer e esquartejada em um chuveiro que lava o sangue que nunca existiu. É hora de falar de Carem. Carem já foi comprada morta. Ao contrário de Sharon, que me ensinou a criar, Carem me ensinou a fazer. Mas o problema com Carem era porque Câmera sujeitada, corporizada(corporificada), viva! O que dizer de um artista que propõe ir de encontro ao espectador, sair da passiva e confortável espera da coxia ou daquele enquadramento que vai se 'completar' e mais ainda, dispor-se a promover a ele (espectador) entrada a esse dispositivo mágico chamado câmera. Na ação esse se torna o objeto comum a ambos. E agora quem é o artista? O atirador ou o alvo? ambos estão performando, a câmera provoca e influencia o movimento de ambos. A revelação do cosmo privado, da vida alheia, daquilo que ainda não foi visto pelo olhar de um outro, a fragilidade e a instabilidade desse lugar que não é tão somente de um nem de outro. Esses disparos insistentes da fotográfica instauram um ritmo na ação, uma metralhadora que ao invés de lançar projeteis, captura frames daquilo que reluz no ambiente. A câmera revelando diversas nuances de si, para além da mera função de captar o visível, mas também servindo de amplificador de idéias, como prótese desse olhar moderno, que pela liquidez da vida tenta a todo custo registrar, documentar aquilo que amanha será ontem. JACOB ALVES JELL CARONE ela já tinha profissão (empregada doméstica) e por mais que estivesse nua, nunca tirava o típico lenço da cabeça. Com ela brinquei de ser homem e a espanquei na mesa de madeira do lado do feijão, que rugia descontrolado e era sensível com as batidas. O feijão era o grito de Carem. A cada batida a pele de Carem se confundia com a mesa. Foi com ela que gritei e, como artista, bati por amor, o amor que tínhamos um pelo outro e pela necessidade e a inquietação de criar algo. Foi a primeira violência, linda, que era dança, que era nossa, dançamos tanto que ela partiu, e ainda hoje dançamos, como gigantes nas casinhas, agora todas são Carem. As Carens presentes não se espantavam com tal violência. Os homens sim, eles julgavam. Elas entendiam, talvez até se apaixonavam. Ironicamente tinha uma ligação entre as Carens, as Paulistas, Cariocas, Teresinenses, as do mundo. Na verdade percebi que todos são Carem, mas ninguém e tão Carem quanto eu, que de tanto ser Carem nao sou nem metade do quando gostaria de ser, porque meu corpo é artificial e eu, como ser humano, sempre o julguei como melhor. Foi isso que entendi de Carem. Até o dia em que Carem me beijou, disse palavras secas e passou a mandar em mim. Agora sou o corpo artificial de Carem.
  • 129. 1000256 NÚCLEO DO DIRCEU É allexandre santos, caio césar, césar costa, cleyde silva, elielson pacheco, izabelle frota, jell carone, jacob alves, janaína lobo, layane holanda, marcelo evelin, regina veloso, soraya portela e yang dallas. TAMBÉM PARTICIPARAM DESTE PROJETO cipó alvarenga, danielle soares, datan izaká, juliana frança, leo nabuco. AGRADECIMENTOS andrez lean guizze, associação panorama/ dança pra cacilda, bomber crew, café e família, cristina espírito santo, danielzinho, deborah moraes, eduardo bonito, eduardo saron, espedito sobrinho, fábio pitombeira, fernanda porto, heldon tajra/1a. classe turismo, isabel zarzuela, itaú cultural, josé adécio, josé elias tajra, kayo arruda, layo bulhão, luana vasconcelos, luiz veloso, maria humilde, maria alves, mark deputter, marquim moto-táxi, mavi veloso, moradores das casas visitadas, nayse lopez, reginaldo carvalho, renata fernandes, sérgio matos/ agência de músicos, shana de sousa, silva neto/luz & arte, sônia sobral, suely rolnik, teatro maria matos, theo francia, thelma bonavita, vitor cesar, weyla carvalho. casas
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