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O PRAZER DA LEITURA

Eliane Fittipaldi Pereira

                              “Um único minuto libertado da ordem cronológica
                              do tempo recriava em nós o ser humano
                              similarmente libertado.”
                                      Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido


Aprender a ler foi, para mim, um processo mágico, o mais inesquecível.
Lembro-me de ter passado preciosas eternidades de primeira infância
olhando para o papel, na esperança de entender, por simplesmente olhar,
o código encantado que me abriria as portas para o mundo fantástico das
fadas e dos gnomos.

Um dia, como por acaso, subitamente os misteriosos sinais grafados
combinaram-se para contar-me uma linda história (a da Bela Adormecida,
lembro-me bem); o familiar “Era uma vez...” revelou-se-me transparente, e
o encantamento assim vivido tornou-se permanente, já que ainda hoje se
restaura em mim sempre que tomo de um livro para ler – ou para ver – ou
para segurar. O cheiro das páginas, sua lisura, os motivos da capa, as
fontes dos títulos, são todos componentes de uma mesma “madeleine”
que me leva constantemente de volta aos seis anos de idade, ao antigo
lar, à sensação de profunda integridade que me assaltou no dia em que
me soube leitora, e que poucas circunstâncias outras já me ofereceram.
Naquele rápido instante de minha pequena existência, o real passou a
fazer sentido – paradoxalmente, a partir da ficção.

Essa experiência primordial e fundamental foi, sem dúvida, a força
propulsora da vida que escolhi viver e que, estou certa, acabaria vivendo
mesmo sem a ter escolhido.

Durante mais de trinta anos, foi uma vida voltada para dentro – da casa
paterna e da que posteriormente montei para meus filhos; para dentro –
dos livros e das salas de aula; e, principalmente, para dentro de mim
mesma. Cultivei-me quanto pude, caprichosa e refinadamente, ampliando
minhas limitadas condições humanas com os recursos da arte literária,
vendo o mundo com olhos de inseto, de aventureiro ou de heroína,
conforme estivesse lendo Kafka, Fielding ou Alencar. Mergulhei no
Maëlstrom com Poe, enfrentei gigantes com Homero, vivi inúmeras vidas
que não apenas a minha, e amadureci rapidamente sem que, com isso,
um único fio de meus cabelos se tornasse mais branco.

Acredita-se que esse tipo de experiência aliena. Não concordo. Ao
contrário, sinto que ela ilumina o cotidiano e confere um profundo sentido
mítico às pequenas tarefas mecânicas – pagar contas, trocar fraldas, lavar
pratos – e ao trabalho de toda espécie – nas escolas, nas fábricas, nos
hospitais, nos escritórios. O tipo de conhecimento que se adquire com a
Arte – e principalmente com a Literatura, pelas características da
linguagem que utiliza - sempre me forneceu preciosos elementos para lidar
com as pessoas e os desafios mais difíceis que se me impuseram com o
tempo: o divórcio, o incêndio, o universo árido dos negócios, a educação
dos filhos, a morte do pai, o suicídio do amigo, o gerenciamento do tempo
e das finanças.

Também foi o conhecimento da Literatura que depurou minha
sensibilidade para bem usufruir das boas coisas que o mundo exterior e um
segundo marido encantador acabaram tão generosamente me
oferecendo – os picos da Patagônia, os mares da Polinésia, os museus da
Europa, o lar paradisíaco...

Foi o conhecimento da Literatura que me ajudou a levar outras pessoas a
acreditar em sua capacidade de sentir e de ser gente... a fazê-las repensar
seus valores e entender que, à ampliação da consciência, é indiferente a
riqueza material.

O estudo e o exercício da crítica literária mostram-se a mim tão
apaixonantes como a fruição sensualista da obra. Agrada-me o desafio
intelectual, e esse é dos mais ricos. Enquanto algumas pessoas sonham ser
fortes como atletas de Olimpíadas, lindas como manequins de desfiles,
poderosas como George Bush ou milionárias como Bill Gates, agrada-me
imaginar como seria deter a imensa erudição de um Northrop Frye, um
Erich Auerbach, um Etienne Souriau. Impressionam-me a capacidade de
expressão verbal, o poder de persuasão, a habilidade de raciocinar
logicamente, de enriquecer o real com a metaforização. Admiram-me os
poetas, os contistas, os romancistas, aqueles que são capazes de “ensinar
aos deuses como é que se cria”. Admiram-me as grandes obras literárias.
Serão sempre elas, para mim, inesgotáveis fontes de prazer, de
conhecimento – de vida.

Publicado na Revista Discutindo Literatura, Escala Editorial, ano 1, no 5, pp.14-15

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  • 1. O PRAZER DA LEITURA Eliane Fittipaldi Pereira “Um único minuto libertado da ordem cronológica do tempo recriava em nós o ser humano similarmente libertado.” Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido Aprender a ler foi, para mim, um processo mágico, o mais inesquecível. Lembro-me de ter passado preciosas eternidades de primeira infância olhando para o papel, na esperança de entender, por simplesmente olhar, o código encantado que me abriria as portas para o mundo fantástico das fadas e dos gnomos. Um dia, como por acaso, subitamente os misteriosos sinais grafados combinaram-se para contar-me uma linda história (a da Bela Adormecida, lembro-me bem); o familiar “Era uma vez...” revelou-se-me transparente, e o encantamento assim vivido tornou-se permanente, já que ainda hoje se restaura em mim sempre que tomo de um livro para ler – ou para ver – ou para segurar. O cheiro das páginas, sua lisura, os motivos da capa, as fontes dos títulos, são todos componentes de uma mesma “madeleine” que me leva constantemente de volta aos seis anos de idade, ao antigo lar, à sensação de profunda integridade que me assaltou no dia em que me soube leitora, e que poucas circunstâncias outras já me ofereceram. Naquele rápido instante de minha pequena existência, o real passou a fazer sentido – paradoxalmente, a partir da ficção. Essa experiência primordial e fundamental foi, sem dúvida, a força propulsora da vida que escolhi viver e que, estou certa, acabaria vivendo mesmo sem a ter escolhido. Durante mais de trinta anos, foi uma vida voltada para dentro – da casa paterna e da que posteriormente montei para meus filhos; para dentro – dos livros e das salas de aula; e, principalmente, para dentro de mim mesma. Cultivei-me quanto pude, caprichosa e refinadamente, ampliando minhas limitadas condições humanas com os recursos da arte literária, vendo o mundo com olhos de inseto, de aventureiro ou de heroína, conforme estivesse lendo Kafka, Fielding ou Alencar. Mergulhei no Maëlstrom com Poe, enfrentei gigantes com Homero, vivi inúmeras vidas
  • 2. que não apenas a minha, e amadureci rapidamente sem que, com isso, um único fio de meus cabelos se tornasse mais branco. Acredita-se que esse tipo de experiência aliena. Não concordo. Ao contrário, sinto que ela ilumina o cotidiano e confere um profundo sentido mítico às pequenas tarefas mecânicas – pagar contas, trocar fraldas, lavar pratos – e ao trabalho de toda espécie – nas escolas, nas fábricas, nos hospitais, nos escritórios. O tipo de conhecimento que se adquire com a Arte – e principalmente com a Literatura, pelas características da linguagem que utiliza - sempre me forneceu preciosos elementos para lidar com as pessoas e os desafios mais difíceis que se me impuseram com o tempo: o divórcio, o incêndio, o universo árido dos negócios, a educação dos filhos, a morte do pai, o suicídio do amigo, o gerenciamento do tempo e das finanças. Também foi o conhecimento da Literatura que depurou minha sensibilidade para bem usufruir das boas coisas que o mundo exterior e um segundo marido encantador acabaram tão generosamente me oferecendo – os picos da Patagônia, os mares da Polinésia, os museus da Europa, o lar paradisíaco... Foi o conhecimento da Literatura que me ajudou a levar outras pessoas a acreditar em sua capacidade de sentir e de ser gente... a fazê-las repensar seus valores e entender que, à ampliação da consciência, é indiferente a riqueza material. O estudo e o exercício da crítica literária mostram-se a mim tão apaixonantes como a fruição sensualista da obra. Agrada-me o desafio intelectual, e esse é dos mais ricos. Enquanto algumas pessoas sonham ser fortes como atletas de Olimpíadas, lindas como manequins de desfiles, poderosas como George Bush ou milionárias como Bill Gates, agrada-me imaginar como seria deter a imensa erudição de um Northrop Frye, um Erich Auerbach, um Etienne Souriau. Impressionam-me a capacidade de expressão verbal, o poder de persuasão, a habilidade de raciocinar logicamente, de enriquecer o real com a metaforização. Admiram-me os poetas, os contistas, os romancistas, aqueles que são capazes de “ensinar aos deuses como é que se cria”. Admiram-me as grandes obras literárias. Serão sempre elas, para mim, inesgotáveis fontes de prazer, de conhecimento – de vida. Publicado na Revista Discutindo Literatura, Escala Editorial, ano 1, no 5, pp.14-15