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OS CABEÇAS DE PLANILHA   1/127



      O Plano Real.doc


                   Os Cabeças
                   de Planilha
POR LUÍS NASSIF




28/08/2006
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Luis Nassif 5/5/11 10:59
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OS CABEÇAS DE PLANILHA               2/127           Deleted: 13
OS CABEÇAS DE PLANILHA - ESTRUTURA               5   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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INTRODUÇÃO                                       6
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“ENCILHAMENTO” E REAL: OPORTUNIDADES PERDIDAS    9   Deleted: 21
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OS PERSONAGENS DA HISTÓRIA                      10   Deleted: 18
FERRAMENTAS DE PODER                            10   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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“CHUTANDO A PRÓPRIA ESCADA”                     14
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O EXEMPLO AMERICANO                             14   Deleted: 26
O EXEMPLO INGLÊS                                15   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O EXEMPLO DA ARGENTINA                          18   Deleted: 24
A RECEITA DO CRESCIMENTO                        19   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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OS NOVOS TEMPOS                                 22   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS                      22   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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A “HAUTE FINANCE”                               22
AS GRANDES BOLHAS ESPECULATIVAS                 25   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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A SEGUNDA FASE DO DESENVOLVIMENTO: A ABOLIÇÃO   27   Deleted: 38
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PROJETO DE PAÍS                                 30   Deleted: 38
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O PRIMEIRO ATO DO “ENCILHAMENTO”                31
O SEGUNDO ATO DO ENCILHAMENTO                   33   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O TERCEIRO ATO DO ENCILHAMENTO                  36   Deleted: 39

O QUARTO ATO DO ENCILHAMENTO                    39   Luis Nassif 5/5/11 10:59
A CRISE FISCAL E O ESMAGAMENTO DOS ESTADOS      40   Deleted: 42
OS NEGÓCIOS DE RUI                              40   Luis Nassif 5/5/11 10:59
INTERESSES DIVERSOS                             41   Deleted: 40
O JOVEM GUSTAVO FRANCO                          41   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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A REDEMOCRATIZAÇÃO E O PLANO CRUZADO            43
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OS NOVOS FINANCISTAS                            46   Deleted: 46
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A NOVA ONDA DE GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA          47   Deleted: 46
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NIXON                                           47
REAGAN                                          47   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS                      47
OS GRANDES MOVIMENTOS ESPECULATIVOS             48   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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O BRASIL ENTRA NA ERA MODERNA                   51   Deleted: 50
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O PROGRAMA QUE MUDOU O BRASIL                   51   Deleted: 52
A MICRO-ECONOMIA SE CASA COM A MACRO            53   Luis Nassif 5/5/11 10:59
TANCREDO                                        54   Deleted: 53
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OS CABEÇAS DE PLANILHA                 3/127                                  Deleted: 54
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AS IDÉIAS SE IMPÕEM                                                      55   Deleted: 55
OS PRIMEIROS MOVIMENTOS                                                  56
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A SEGUNDA VERTENTE, DA QUALIDADE                                         57
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AS LIÇÕES DE MICHAEL PORTER                                              58
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COLLOR ENTRA EM CENA                                                     60   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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MUDANDO DE LUGAR                                                         61   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR                                         62   Deleted: 61
ESCANTEIO                                                                63   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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AS IDÉIAS PRÉ-PLANO REAL                                                 64
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COMO SE CONSOLIDAM HEGEMONIAS                                            68   Deleted: 67
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OS PARAÍSOS FISCAIS E OS DOLEIROS                                        70   Deleted: 69
A TROPICALIZAÇÃO DOS DÉFICITS GÊMEOS                                     73   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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O PLANO REAL                                                             76
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DIAGNÓSTICOS                                                             76   Deleted: 74
A PRIMEIRA ETAPA DO REAL                                                 77   Luis Nassif 5/5/11 10:59
AS REGRAS DE REMONETIZAÇÃO                                               78   Deleted: 75
A APRECIAÇÃO DO REAL                                                     79   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O FIM DOS SUPERÁVITS COMERCIAIS                                          81   Deleted: 76
A NOVA INSTITUCIONALIDADE                                                81
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A GUERRA DE COMPRADOS E VENDIDOS                                         82
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A IRREVERSIBILIDADE DO MODELO                                            84
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O ABANDONO DOS ESTUDOS INICIAIS                                          85
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A NOVA CLASSE                                                            86
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D.SEBASTIÃO E A REUNIÃO DE CARAJÁS                                       87
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LÁGRIMAS DEPOIS                                                          89
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AS FERRAMENTAS FINANCEIRAS DOS ANOS 90                                   90   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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OS GESTORES DE RECURSOS E A PRIVATIZAÇÃO                                 94   Luis Nassif 5/5/11 10:59
AS INSTITUIÇÕES DA GLOBALIZAÇÃO                                          95   Deleted: 83
AS AGÊNCIAS DE RISCO                                                     96   Luis Nassif 5/5/11 10:59
A MANIPULAÇÃO DAS ANÁLISES                                               99   Deleted: 84
A LIÇÃO DE CASA E A TAXA DE RISCO                                       102   Luis Nassif 5/5/11 10:59
A RETÓRICA DOS “JURISTAS”                                               102   Deleted: 85
A FEIJOADA FINANCEIRA                                                   103   Luis Nassif 5/5/11 10:59
A LIÇÃO DE CASA E AS EXPECTATIVAS SUCESSIVAS                            105   Deleted: 88
“EM TODO LUGAR É ASSIM”                                                 105   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O TODO PELA PARTE                                                       107   Deleted: 87
A FALÁCIA DOS “JURISTAS”                       ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.   Luis Nassif 5/5/11 10:59
                                                                              Deleted: 92
CABEÇA DE PLANILHA                                                      109   Luis Nassif 5/5/11 10:59
                                                                              Deleted: 93

A PRIORIDADE ÚNICA                             ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.   Luis Nassif 5/5/11 10:59
                                                                              Deleted: 94
                                                                              Luis Nassif 5/5/11 10:59
O ÚLTIMO VÔO DA GARÇA                                                   110   Deleted: 96

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O FETICHE DO SUPERÁVIT                    110
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O NOVO BRASIL                             113   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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O NASCIMENTO DO NOVO CICLO                113
O NEO-DESENVOLVIMENTISMO EM GESTAÇÃO      113   Luis Nassif 5/5/11 10:59
A ERA VARGAS E A PERDA DE RUMO            114   Deleted: 111
O POVO BRASILEIRO                         115   Luis Nassif 5/5/11 10:59
A DIPLOMACIA BRASILEIRA                   116   Deleted: 111
O PAPEL DA GRANDE EMPRESA                 117   Luis Nassif 5/5/11 10:59
A INOVAÇÃO COMO PARADIGMA                 118   Deleted: 112
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO                119   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O INPI E AS PATENTES                      120   Deleted: 113
O ATIVO SOCIAL DO SUS                     121   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O NOVO PLANEJAMENTO                       121   Deleted: 114
A INTEGRAÇÃO CONTINENTAL                  122   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O INTERESSE NACIONAL                      123   Deleted: 115
O PAPEL DO ESTADO NACIONAL                124   Luis Nassif 5/5/11 10:59
O VÔO DO FALCÃO                           125   Deleted: 116
É A POLÍTICA, ESTÚPIDO                    126   Luis Nassif 5/5/11 10:59
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Os Cabeças de Planilha - Estrutura
Os Cabeças de Planilha - Estrutura
Introdução
As etapas para o desenvolvimento
A primeira etapa do desenvolvimento: o café
A segunda etapa do desenvolvimento: a Abolição
Situação internacional: grandes descobertas tecnológicas.
Economia interna e monetização.
Sistema financeiro internacional e as grandes bolhas especulativas.
As mudanças financeiras Encilhamento
As ferramentas de especulação
Os financistas do Encilhamento e o capital externo
O governo Campos Salles.
Movimento tenentista e a moratória de 1933.
A redemocratização e o Plano Cruzado
       Os novos financistas
Os "pirañas" financeiros.
O plano Collor e os efeitos sobre a poupança.
As primeiras privatizações.
A entrada de Marcílio.
Os preparativos do plano Real.
A tese de Gustavo Franco.
O plano Real
As ferramentas financeiras
A reforma monetária e o Príncipe
Os economistas financistas.
O novo Brasil e o Real
A inclusão de consumidores.
Os saltos da economia.
A situação mundial e a grande chance




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Introdução
Introdução
Em alguns momentos, na vida de uma nação, ocorrem terremotos políticos, geo-
gráficos, que chacoalham estruturas sociais estratificadas, ampliam o mercado de
consumo e de cidadania e, se bem aproveitados, permitem saltos históricos no de-
senvolvimento de um país.
A rigor, esse processo ocorreu três vezes no Brasil.
O primeiro, no final do século 19. A Abolição e a política de atração de imigrantes
criaram a oportunidade para o grande salto de inclusão social e de ampliação do
mercado de consumo. Não houve políticas sociais de inclusão dos libertos; os imi-
grantes não tiveram a posse da terra, demorando anos para acumular poupança e
renovar os hábitos empresariais do país. Sem políticas de integração, em vez de
novos cidadãos, se criou uma exclusão social que atravessou o século.
A segunda grande oportunidade ocorreu no final dos anos 60. O processo de indus-
trialização gerou rápida urbanização das cidades. Uma violenta seca no Nordeste
provocou enorme processo migratório. Mais uma vez, políticas de inclusão social
teriam parido uma nova sociedade, uma nova oferta de mão de obra especializada,
um novo mercado consumidor. O regime militar nada fez. O resultado foi a deterio-
ração dos serviços públicos e a criação das megalópoles, onde hoje em dia se con-
centra a maior parte da miséria nacional. Depois, o esgotamento do “milagre” se
deu pela falta de um mercado interno vigoroso.
Com o plano Real, teve-se a maior chance da história, maior que o pós-Abolição,
maior que nos anos 70. As conquistas tecnológicas das últimas décadas esparrama-
ram-se por todos os setores. O avanço da logística e das comunicações implodiu a
cadeia produtiva convencional das multinacionais. Elas passaram a distribuir suas
fábricas pelo mundo e o Brasil seria o porto natural para os investimentos na Amé-
rica do Sul.
O fim da inflação, por sua vez, permitiu que milhões de brasileiros emergissem da
noite para o dia para o mercado de consumo de forma indolor, sem movimentos
migratórios traumáticos, sem crises políticas desorganizadoras.
A explosão de consumo dos meses iniciais do Real atraiu os olhos do mundo. No
final de 1994, havia projeções portentosas de crescimento da produção de bens de
consumo duráveis e não duráveis, atraindo a atenção das maiores empresas do
planeta.
Por volta de 1994 fui entrevistado pela equipe de uma televisão finlandesa que pre-
parava um especial sobre o Brasil. Estranhei o interesse de um país aparentemente
tão afastado do Brasil quanto a Finlândia. A resposta do jornalista foi que o Brasil
era a bola da vez. “Vocês, a China, a Rússia e a Índia”. O conceito do BRICs come-
çava a se consolidar.
Dez anos depois visitei a China. O que assisti em Xangai e Pequim foi inesquecível,
o parto de uma potência. Esses dez anos haviam sido fundamentais para moldar o
futuro da China. A lógica foi preparar uma espécie de projeto piloto de mercado,
um mercado consumidor de 60 milhões de pessoas que serviam de chamariz inicial
para o capital internacional. E 1,2 bilhão de excluídos como mercado potencial. À
medida que os investimentos iam sendo realizados, integravam-se mais chineses
ao mercado de consumo, criando mais atrativos para novos investimentos.
No Brasil, o sonho acabou em abril de 1995. Um profundo desequilíbrio nas contas
externas, intencionalmente provocado pela equipe do plano Real, impediu o país de
continuar crescendo. Com as contas externas em frangalhos, o Banco Central preci-
sou aumentar as taxas de juros de forma explosiva. Houve um cavalo-de-pau na
economia. Seguiu-se enorme processo de quebradeira do setor público e privado, e
de crescimento exponencial da dívida pública.

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O país foi   dividido em dois: o país dos dólares – que enriqueceu rapidamente apli-
cando em     títulos públicos – e o país do Real -- que foi sufocado, sem acesso a cré-
dito, sem    condições de rolar seus passivos, pagando cada vez mais impostos para
garantir a   remuneração dos rentistas.
Todos os alertas foram feitos já em 1994, mais ainda em 1995. Mas até 1999 se
manteve intocada a política cambial. Depois, pelo segundo mandato de Fernando
Henrique Cardoso e pelo primeiro mandato de Lula, o BC continuou aplicando as
mais altas taxas de juros do planeta.
Mês após mês houve um refluxo do mercado, com os novos cidadãos voltando de
novo para o limbo, para a zona cinzenta do baixo consumo e da baixa cidadania.
Ano após ano o foi sendo queimada a oportunidade histórica de dar um salto no seu
processo de desenvolvimento. Da mesma maneira que no início da República, com
a política econômica implementada por Rui Barbosa que resultou no episódio co-
nhecido como o “Encilhamento” – pesado jogo especulativo, primeiro com ações,
depois com câmbio, que matou por quatro décadas as oportunidades de crescimen-
to da economia brasileira.
A vida de um país é formada por janelas de oportunidades. Elas permitem saltos,
avanços, que, depois, vão sendo consolidados ano a ano, até o próximo salto, a
próxima janela de oportunidades.
São esses momentos que colocam à prova a racionalidade das elites. A passagem
para um novo paradigma exige a superação dos esquemas de poder tradicionais,
exige discernimento na implantação dos novos centros de poder, para evitar que os
novos privilegiados imponham seus interesses sobre os interesses maiores de país.
Se a acumulação de riqueza do período é canalizada para investimentos produtivos,
o país se desenvolve; patina se fica rodando em falso, nos investimentos meramen-
te especulativos.
O que leva um governo, uma equipe de economistas presumivelmente preparados,
a cometer erros bisonhos, facilmente detectáveis por seus contemporâneos, como
foi o caso da apreciação do Real em 1994, ou da remonetização selvagem de Rui
Barbosa em 1890? O que os leva a ignorar todos os alertas?
A intenção desse trabalho é demonstrar as incríveis semelhanças entre os dois
momentos cruciais, talvez as duas maiores janelas de oportunidade que o país já
experimentou: a reforma monetária de Rui Barbosa, no alvorecer da República, e o
Plano Real, no final do século 20.
1. Ambos os momentos foram precedidos por intensas mudanças tecnológicas nos
países centrais que, depois de maduras, passam a buscar os países periféricos. No
século 19, as ferrovias, a iluminação a gás e outros avanços ligadas ao processo de
urbanização que marcou o período. No século 20, a Internet, as telecomunicações,
os novos aparelhos eletrônicos,a computação.
2. Essas descobertas criam a oportunidade para grandes movimentos especulati-
vos, que induzem o sistema financeiro internacional à criação de novas ferramentas
financeiras de captação de poupança. A especulação se dá pelo fato de que, sabe-
se que as novas invenções serão dominantes no novo mundo, mas não se consegue
avaliar as vitoriosas e qual o prazo de consolidação e o ritmo de crescimento delas.
Essa incerteza abre espaço para os grandes movimentos especulativos. No século
19, foram conhecidas as bolhas em torno de ferrovias, navegação a vapor e outros
empreendimentos; no século 20, em torno da Internet, das telecomunicações.
3. Nas duas épocas há uma aceleração dos fluxos de capitais no mundo. À medida
que os movimentos especulativos crescem, bolhas são criadas, explodem, outras
surgem. Quando os ciclos tecnológicos amadurecem nos países centrais, o grande
capital volta os olhos para as economias emergentes. Passa a interferir no próprio
processo político desses países, em busca do melhor ambiente para o grande capi-
tal, que é o da pax universal. Em meados do século 19 esse movimento é iniciado

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pelos Rotschilds de Londres, comandando a Pax Britânica; no século 20 o movimen-
to começa com a desvinculação do dólar do ouro, no governo Nixon, em 1972, ace-
lera-se com o fim da União Soviética, e é comandado basicamente pelo Citibank,
seguido dos grandes bancos de investimento norte-americanos.
4. Para que esse movimento seja maximizado, há a criação de uma ideologia de
defesa do livre fluxo de capitais, da interferência política nos países periféricos (pa-
ra impedir a eclosão de guerra ou o não cumprimento de contratos), da cooptação
de quadros técnicos, políticos e econômicos, como associados menores desse capi-
tal. Esses quadros técnicos atuam especialmente em duas frentes: na regulamenta-
ção da economia e na garantia de livre fluxo cambial.
5. Tem-se uma paz duradoura no período, comandada pelo grande capital. A utopia
fascina. Imagina-se que, à medida que os países centrais vão se desenvolvendo, os
custos vão se tornando elevados, e o capital transbordaria para países periféricos
universalizando o desenvolvimento. Bastaria, portanto, um ambiente favorável ao
capital financeiro, livre circulação de capitais, que o desenvolvimento viria por si só.
Em meados do século 19, a teoria em voga era a das vantagens comparativas. Ca-
da país deveria se fixar naquilo que deveria ser sua vocação histórica – um princí-
pio que condenava os produtores de matérias primas a se manterem assim até o
final dos tempos.
No final do século 20, vingou a teoria do capital externo como provedor de poupan-
ça para os países emergentes. Bastaria criar as condições adequadas à sua atração,
que o desenvolvimento se produziria automaticamente.
Em ambas as ocasiões os emergentes que seguiram o receituário clássico torna-
ram-se reféns de crises cambiais freqüentes. No final do século 19 representada
pela quebra do Banco Bahrings, que provocou uma forte crise cambial na Argenti-
na, rebatendo imediatamente no Brasil. No final do século 20, com o Brasil afetado
sucessivamente pelas crises do México, Ásia, Rússia até explodir o modelo cambial
no início de 1999.
6. Em ambos os períodos, há a ampliação do processo de industrialização. No sécu-
lo 19, com o capital inglês transbordando e permitindo a industrialização tanto dos
EUA quanto da Europa. No final do século 20 com a implosão da cadeia produtiva
das grandes multinacionais, em um movimento de implantação de grandes unida-
des em alguns países-chave, particularmente nos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e
China).
Mas, curiosamente, só crescem os países que não seguem as regras preconizadas
pelas grandes potências. Quem se abre para o livre fluxo de capitais e de comércio,
não consegue se desenvolver. Nos dois momentos já havia um conhecimento sis-
tematizado sobre os passos dados por países que lograram alcançar o desenvolvi-
mento. Mas esse conhecimento é sufocado pela atoarda ideológica dos que defendi-
am o livre fluxo de capitais.
7. Em ambos os momentos, o Brasil perde o bonde. No final do século 19 com o
episódio conhecido como o “Encilhamento”; no final do século 20, com a apreciação
do Real. Houve uma mesma lógica explicando os dois episódios e, em ambos os
momentos, crises cambiais que ajudam a precipitar o desastre.
Nos dois episódios, o processo-chave a ser desvendado é o da “remonetização” da
economia. Isto é, o processo de injeção de moeda na economia de forma maciça,
processo de reforma monetária que se repete poucas vezes na história e que confe-
re a seus formuladores poderes discricionários. Se utilizados com sabedoria e patri-
otismo, mudam a face dos países; se se deixam prevalecer os interesses individu-
ais, matam por gerações as chances de desenvolvimento.
É isso o que procuraremos sintetizar no próximo capítulo.



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“Encilhamento” e Real: oportunidades perdidas
“Encilhamento” e Real: oportunidades perdidas
No século 19 o fechamento econômico havia produzido, no Brasil, uma classe agrá-
ria anacrônica; no final do século 20, uma classe industrial mal acostumada. Com
esse movimento de abertura, com a economia mundial mergulhando em processos
agudos de liberalização financeira, surge uma nova classe, internacionalizada, do-
minando as últimas ferramentas financeiras. São os “financistas”, no século 19 re-
presentada pelo Barão de Mauá, Conselheiro Mayrink, Conde de Figueiredo, Conde
de Leopoldina; no final do século 20, pelos bancos de investimento que surgem nos
anos 80, como o PEBB, Garantia, Icatú, Pactual.
Nos dois momentos, havia uma economia nacional que começava a se integrar ao
mundo, grande liquidez internacional, uma situação excepcional na economia mun-
dial, e um paradoxo brasileiro: um enorme potencial a ser explorado no mercado
interno e uma poupança acumulada no período anterior, empoçada ou meramente
preocupada com ganhos especulativos por falta de um ambiente de negócios favo-
rável.
Externamente, havia um volume expressivo de capitais brasileiros no exterior --
uma mistura de sub-faturamento das exportações, corrupção política, crime organi-
zado e caixa dois—que florescia sob os ventos dos novos mecanismos financeiros
criados para alavancar as novas modalidades de negócios. No século 19, a poupan-
ça liberada pela Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico negreiro; no século
20, os enormes ganhos especulativos proporcionados pela inflação dos anos 80.
Nos dois momentos, há uma confluência inédita de fatores, abrindo a possibilidade
de notável expansão no mercado de consumo. No século passado com a Abolição e
a política de importação de imigrantes cria-se um novo mercado interno com enor-
me potencial. No final do século 20 com os milhões de brasileiros que ingressam no
mercado de consumo nos primeiros meses do Real, abre-se a possibilidade de um
enorme salto no mercado consumidor.
Por outro lado, o crescimento dos países centrais provoca o transbordamento de
capitais produtivos para países que privilegiam o mercado interno. No século 19,
capitais ingleses ajudam na industrialização dos Estados Unidos; no século 20, capi-
tais americanos se voltam para a Ásia e para a China.
Em ambos os momentos, no Brasil, há a necessidade de uma remonetização da e-
conomia, isto é, de uma política de aumento das emissões monetárias para atender
às novas demandas da economia: no final do século 19, devido à mudança nas re-
lações do campo, com a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado;
no Plano Real, com o fim da inflação e a substituição de uma moeda inflacionada (o
cruzeiro) por uma nova moeda, o real.
A nova etapa de desenvolvimento depende de movimentos prévios bem sucedidos.
O primeiro, da criação de um ambiente favorável à realocação da poupança interna
e do investimento externo. O sucesso desse movimento depende de dois fatores:
uma nova regulação, que prepare a economia para as novas formas de negócio in-
ternacionais; e uma remonetização adequada, que canalize a poupança para a ati-
vidade produtiva.
Só que o controle sobre a remonetização confere um poder inédito aos seus condu-
tores. Nos dois momentos – no “Encilhamento” e no Plano Real --, os interesses
individuais se sobrepuseram aos interesses de país. Em lugar do salto de cresci-
mento, houve concentração de renda, rentismo desbragado, aumento geométrico
da dívida pública e estagnação da economia.
Essa é a chave para se entender os dois momentos: a remonetização, o poder con-
ferido às autoridades econômicas e políticas para definir de que maneira o novo di-
nheiro fluirá para a economia. É aí que se dá o pacto de poder e de dinheiro entre


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os novos grupos hegemônicos, os condutores da política econômica, o poder finan-
ceiro e o poder político.
Nos dois momentos os personagens são os mesmos. Mudam apenas os atores.

Os personagens da história
Rentista – é o personagem passivo (ou não) da história. É o detentor do grande
capital nacional, que vai atrás de rentabilidade para ele. No século 19 eram ex-
traficantes de escravos, comerciantes que enriqueceram com exportação de café ou
de algodão, políticos ou advogados com influência nas políticas públicas. Mantinham
seus recursos entesourados no país; os mais sofisticados, aplicavam na praça lon-
drina. Nos anos 90, especuladores que enriqueceram na década de 80, com os
grandes movimentos agressivos do mercado de capitais e da dívida pública brasilei-
ra, políticos ou funcionários públicos que enriqueceram com grandes golpes permi-
tidos pelo processo inflacionário; empresários que venderam suas empresas e re-
solveram viver de rendas. No final dos anos 80 há início um processo de internacio-
nalização dessa poupança, com os recursos sendo depositados inicialmente em
bancos suíços e, depois, em paraísos fiscais preferencialmente do Caribe.
Financista – são os donos de bancos de investimento que atuam para o grande
capital rentista, têm contato com o grande capital internacional, e aprenderam as
novas formas de engenharia financeira. No final do século 19 os nomes mais ilus-
tres são o Conde de Figueiredo, o Conselheiro Mayrink, o Conde de Leopoldina. Nos
anos 80, um conjunto amplo de corretoras que se transformam em bancos de in-
vestimento. Dentre eles, os mais destacados são o PEBB, Garantia, Pactual, Icatu,
Bozzano Simonsen. Nos anos 90 entram em cena o Opportunity, o Matrix, o BBA.
Político – tem papel fundamental para definir o ambiente regulatório adequado ao
financista e ao rentista. Depende do rentista como financiador de eleições; do eco-
nomista como formulador das bandeiras de campanha. No alvorecer da Republica,
ante a alienação do Marechal Deodoro, a figura-chave é o primeiro Ministro da Fa-
zenda republicano, Rui Barbosa. No Plano Real, ante a alienação de Itamar Franco,
o Ministro da Fazenda e depois presidente Fernando Henrique Cardoso dá as cartas.
Economista – o formulador de política econômica. É o peão, o sujeito que faz o
meio campo entre os interesses dos financistas e dos políticos. Em geral, estudou
fora ou tem conhecimento das últimas teorias econômicas, e das últimas práticas
regulatórias. O conhecimento que traz de fora, em linha com o último pensamento
econômico, ou com a ideologia dominante, fornece o discurso de que carece o polí-
tico para se legitimar perante a opinião pública. Seu conhecimento técnico definirá
o modelo regulatório ou de monetização que atenda aos interesses dos financistas e
dos rentistas. Ele cumpre seu papel no governo e se torna sócio menor dos finan-
cistas. Foi o caso de Rui Barbosa, no “Encilhamento” e de praticamente todos os
economistas que ajudaram na formulação do Plano Real.
A “haute finance”—designação do economista Polanyi para o grande capital fi-
nanceiro que começa a se organizar em meados do século 19, no primeiro grande
ciclo de liberalização financeira e passa a intervir decididamente na vida das na-
ções, visando criar o ambiente adequado para os negócios. Na primeira etapa, no
final do século 19 o predomínio era dos bancos ingleses, capitaneados pelos Rots-
child; na segunda, no final do século 20, da banca norte-americana, lierada pelo
Citibank.

Ferramentas de poder
Havia três ferramentas poderosas das quais se valeram os economistas brasileiros
para exercer o poder e abrir caminho rumo à fortuna pessoal: a remonetização,
permitindo a acumulação de renda nas mãos do grande capital, a regulação da
economia, criando o espaço favorável para o desenvolvimento do grande capital, e
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a administração da dívida pública, como o grande lócus onde iria ocorrer a
transferência de renda dos demais setores da economia para o capital rentista.
No governo Deodoro, o movimento se dá em torno das grandes concessões ferrovi-
árias, de serviços públicos ou de terras para colonização. No governo FHC, na pri-
vatização e no crescimento descontrolado da dívida pública.
Rui Barbosa viu na reforma monetária a possibilidade de beneficiar grupos específi-
cos --e de ser beneficiado por eles. Beneficiou especialmente o Conselheiro Francis-
co de Paula Mayrink e saiu do governo sócio de três mpresas dele.
Do lado dos economistas do Plano Real, o processo foi semelhante. Eles surgem no
bojo do Plano Cruzado, voltam com o Plano Real e implementam a troca de moe-
das. Deparam-se, nesse trabalho, com o negócio do século: a reciclagem da pou-
pança brasileira que, desde meados dos anos 80, se internacionalizara.
Esses momentos permitem redesenhar o futuro não só econômico como político dos
países. Defina-se por onde circulará o novo dinheiro e se definirá quem serão os
novos vitoriosos da economia.
Se se decidisse remonetarizar pela não rolagem da dívida pública, por exemplo, ha-
veria uma esplêndida redução do endividamento – que já havia sido bastante redu-
zido pelo bloqueio de cruzados do Plano Collor.
Decidiu-se pela remonetização através da captação externa de dólares, que aqui
eram adquiridos pelo Banco Central através da emissão de reais.
Em todo processo de estabilização usando como âncora o câmbio, há a preocupa-
ção em criar uma gordura, uma desvalorização cambial inicial que propicie fôlego
para a estabilização. Depois do início do plano, o câmbio tem que permanecer está-
vel para sinalizar para a nova estrutura de preços, e permitir a importação de pro-
dutos sujeitos a altas especulativas. Por isso a gordura inicial é essencial.
A cada dia que passa, há uma inflação interna não inteiramente domada, que é re-
passada para os preços dos produtos exportados. Sem possibilidade de compensar
com o câmbio, ocorre um encarecimento dos produtos internos vis-a-vis os produ-
tos externos. Há uma redução das exportações, um aumento das importações, com
a perspectiva de um estrangulamento cambial a médio prazo. Daí a necessidade de
se criar uma gordura inicial no câmbio, para permitir uma folga que suporte o perí-
odo de transição da estabilização.
Com o Plano Real, em vez dessa precaução, tratou-se de apreciar o Real em 15%
da noite para o dia. Não se tratava apenas de criar um garantia extra, ainda que
exagerada contra a inflação. Sem oficialmente consultar ninguém da equipe, a e-        Luis Nassif 18/7/06 23:31
xemplo de Rui Barbosa quando anunciou os beneficiários de sua política monetária,      Comment: Conferir dado
Gustavo Franco tomou a decisão solitária de apreciar o câmbio em níveis irreais. O
único aplauso foi de Mário Henrique Simonsen, guru maior do grupo, e membro do
Conselho Internacional do Citibank.
Em seguida, especialmente Edmar Bacha e Gustavo Franco, passaram a difundir a
necessidade de criação de déficits em contas correntes, que permitisse atrair pou-
pança externa, que ajudaria a complementar a poupança interna e a pavimentar o
caminho do crescimento. Tratava-se de um princípio econômico falso (cujos funda-
mentos discutiremos mais adiante), mas que serviu de álibi para a apreciação cam-
bial.
No início do plano Real a balança comercial exibia um superávit anual de US$ 14
bilhões. No segundo semestre de 1994, todas as imprudências foram cometidas pa-
ra reverter esse quadro. Além da apreciação cambial, derrubaram-se tarifas de im-
portação, facilitou-se até a importação pelo correio.
Para que o modelo de remonetização via ingresso de capitais externos fosse bem
sucedido, isto é, para que criasse uma nova elite financeira e política, havia a ne-


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cessidade de transformar o dólar em ativo escasso. Quanto mais escasso o dólar,
maior a taxa de juros para atraí-lo.
No final do ano, as contas externas estavam desequilibradas e tinha se alcançado o
objetivo de tornar o dólar um ativo raro, pelo qual o Tesouro chegou a pagar 45%
ao ano.
Quem dominava o circuito de captação de dólares passou a deter o poder. Quem
não dominava, quebrou. Com o golpe da apreciação, em poucos meses criou-se
uma enorme dependência de dólares. Com essa manobra simples, aparentemente
asséptica, estava definido o jogo, sem expor o flanco ao inimigo, como com Rui
Barbosa, quando escolheu nominalmente os vencedores do jogo da remonetização.
Quem comandou o movimento de atração de dólares foram os novos bancos de in-
vestimento. A maior parte dos recursos externos captados era do grande capital
brasileiro exportado nos anos anteriores. Em menos de um ano, a crise de inadim-
plência quebrou a espinha dorsal da indústria e da agricultura.
Em vez de esterilização da dívida pública, houve crescimento exponencial para re-
munerar os fluxos de capitais externos. Foi nesse ambiente da dívida pública que se
processa a maior transferência de renda da história.
No Encilhamento e no Real houve especulação enriquecimento de poucos, concen-
tração de renda e – pior – mataram-se as duas maiores janelas de oportunidade
que a história do país registrou.
Politicamente, o processo tem um discurso legitimador, não explicitado, uma espé-
cie de código tácito entre seus operadores. O país tem uma classe empresarial ana-
crônica, um operariado despreparado, não tem quadros tecnológicos disponíveis?
Simples, escolhe-se uma classe internacionalizada – os financistas – com experiên-
cia em novos modelos de negócios, acesso ao grande capital interno-exportado e
internacional, e lhes entregue as ferramentas para se transformar nos agentes de
modernização. Na interpretação de San Tiago Dantas, Rui Barbosa teria tentado
“libertar forças novas que substituíssem a estrutura agrária e feudal do Império”.
Com o tempo, os interesses particulares se sobrepõem ao geral. Cria-se um proces-
so econômico torto, adaptado aos interesses de grupos, supondo-se que o novo
modelo colocará a economia em um círculo virtuoso, capaz de corrigir sozinha as
concessões iniciais. Depois, o projeto vai se entortando mais e mais, a sobrevivên-
cia dos beneficiários passa a exigir novas gambiarras, que acabam por entortar
mais o que torto está. Novos grupos de interesse se solidificam rapidamente sobre
os alicerces tortos do modelo inicial.
Os pontos centrais do fracasso são comuns a todos esses movimentos especulati-
vos. Primeiro, o deslumbramento com a riqueza fácil, criando uma espécie de lassi-
dão moral nos economistas, que passaram a subordinar todas as decisões de políti-
ca econômica aos interesses imediatos do capital rentista.
As demonstrações de novo-richismo no período não ficam atrás do ambiente descri-
to pelo Visconde de Taunay em seu romance “O Encilhamento”. Todos da classe
média, alguns ex-funcionários públicos, um se torna piloto de corrida e criador de
cavalos, outro convida para degustação de vinhos em sua casa, através de colunas
sociais, todos, em algum momento, tornam-se sócios de bancos de investimento,
seguindo o exemplo de Rui Barbosa.
O segundo ponto, conseqüência do primeiro, foi a escolha dos financistas que co-
mandaram o processo. Com os interesses pessoais se sobrepondo aos nacionais,
levou quem se articulou melhor.
O terceiro, a falta de um estadista para corrigir o errado. Não há como construir
uma nação sem uma profunda profissão de pé nos seus habitantes, e sem raciona-
lidade.. Napoleão e Caixas dormiam com seus soldados, Franklin Roosevelt celebra-
va a força do americano comum. FHC nunca ocultou seu deslumbramento com os
salões e seu desprezo com sua missão de “comandar o atraso”. Esse temperamento
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explica a falta de vontade em corrigir as distorções e o fato do desenvolvimento in-
terno jamais ter se tornado prioridade em seu governo.




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“Chutando a própria escada”
“Chutando a própria escada”

O exemplo americano
No final do século 19, já havia uma consciência nacional sobre os modelos de de-
senvolvimento bem sucedidos no mundo. Manoel Bonfim, o grande médico-
psicólogo-historiador sergipano, autor do fundamental “América Latina, Males de
Origem” mostrava um claro diagnóstico sobre o processo de desenvolvimento dos
Estados Unidos, Japão e Argentina.
Em meados do século 19, o economista alemão Friedrich List havia escrito uma o-
bra seminal, identificando o processo de desenvolvimento das nações, do momento
em que são constituídas ao momento em que se tornam hegemônicas, ou que se
perdem pelo caminho.
O grande exemplo da elite brasileira eram os Estados Unidos, embora a influência
britânica persistisse até a década de 1930. De lá vinham as modas do mercado de
capitais, da legislação tributária, o exemplo da independência. Havia um movimen-
to irresistível de aproximação com os EUA, até como reação à influência britânica.
Em 1792, o Secretário do Tesouro norte-americano, Hamilton, apresentou o “Re-
port of Manufactures”, onde propunha a defesa das manufaturas norte-americanas,
em reação ao protecionismo que havia na Europa.
As tarifas iniciais foram insuficientes. Além disso, havia latente o conflito norte-sul.
O norte, industrializado, demandava proteção; o sul, consumidor, reclamava do en-
carecimento dos produtos. Mas em 1808, com a guerra explodindo, o comércio com
a Europa foi interrompido. Em um ano o número de indústrias têxteis saltou de 8
para 31 mil. Embora ainda tímida, a defesa tarifária logrou estimular a manufatura
interna.
Com seu pragmatismo, os EUA queriam segurança, que as manufaturas viessem se
instalar perto dos agricultores, para prevenir o desabastecimento em caso de guer-
ra.
A discussão estava acesa quando, em 30 de julho de 1827, durante a Convenção
Nacional dos Protecionistas de Harrisburg, surge a voz poderosa de Friedrich List
(1789-1846), economista alemão exilado de seu país por causa de suas idéias, que
contrariavam o pensamento dominante de Adam Smith e Ricardo, com sua teoria
das vantagens comparativas. Pela teoria, cada país deveria se fixar nos produtos
em que pudesse obter vantagens claras. Dessas especializações sucessivas se teria
um mundo cosmopolita, integrado e mais eficiente.
Adam Smith e J.B.Say diziam que, da mesma forma que a Polônia, os Estados Uni-
dos estavam destinados à agricultura, aproveitando o que natureza lhe oferecera.
List se insurgia contra esses conceitos. Na Alemanha, sua atuação foi decisiva para
a criação da união aduaneira dos estados alemães, início do futuro grande império
alemão, e também para seu exílio, por seu estilo contundente de polemizar.
Nos EUA, seu papel foi fundamental para consolidar os princípios defendidos por
Hamilton, conferindo-lhe consistência técnica. Publicou doze cartas no Philadelphia
National Journal, muitos anos depois, em 1841, juntadas no livro “Sistema Nacional
de Economia Política”.
Pela primeira vez, eram sistematizadas experiências nacionais de desenvolvimento
e se rompia com um pensamento dogmático e esquematizante que se seguiu ao
livro “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith. A essa altura, Adam Smith, Quesnais
e Ricardo iniciavam a construção da economia, como ciência. Os valores do livre
comércio eram cantados com ênfase, trazendo o ideal da universalização dos negó-
cios e das nações.

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List partia da análise da realidade, das experiências históricas, para lançar as bases
da nova Economia Política. No prefácio à primeira edição, descrevia a maneira como
desenvolveu sua metodologia. Ainda estavam vivos em sua memória os ganhos que
França e Inglaterra haviam obtido com o livre comércio, a primeira abolindo as tari-
fas alfandegárias internas, a segunda unificando três reinos na Grã-Bretanha. Por-
que com outros países não ocorria esse ganho?
O “insight” de List foi o de que os princípios de livre comércio de Adam Smith fun-
cionavam maravilhosamente bem, mas só na hipótese de que todas as nações ob-
servassem entre si os princípios de livre comércio em igualdade de condições.
Para List, a teoria econômica levava em consideração apenas a humanidade como
um todo e os indivíduos. Mas entre o indivíduo e a humanidade havia as nações.
Em um ponto qualquer do futuro, a humanidade chegaria na situação de que todas
as nações convergiriam para uma única federação. Mas, enquanto esse ponto não
avançasse, não se poderia considerar o livre comércio como uma saída – especial-
mente para as nações mais fracas.
O livre comércio entre duas nações civilizadas só poderia ser mutuamente benéfico
se ambas estivessem em um mesmo patamar de desenvolvimento industrial. Qual-
quer nação que estivesse atrasada em relação a outra, do ponto de vista industrial,
comercial e naval, mesmo possuindo meios materiais e humanos para se desenvol-
ver, deveria, antes, aparelhar-se para entrar na livre concorrência com nações mais
desenvolvidas.
Em 1840 List previa que em breve os EUA se tornariam o maior país do mundo. A
razão, segundo ele, é que, dotada de espírito pragmático, a elite norte-americana
não se conformara com a teoria das vantagens comparativas.
Se os EUA fossem seguir os ensinamentos de Adam Smith e apostar apenas em su-
as vantagens agrícolas, dizia List, a população norte-americana teria se espalhado
por todo o país, se diluído, sem a menor possibilidade de se formar um mercado
interno forte, capaz de alavancar a industrialização.
Ao contrário, com a Lei dos Têxteis, de Hamilton, os EUA passaram a proteger sua
indústria nascente, a concentrar a população na costa Atlântica e a gerar massa
crítica para iniciar a industrialização. Depois, uma política inteligente de distribuição
de lotes a imigrantes ajudou na consolidação da moderna agricultura norte-
americana, superando o modelo agrícola anacrônico do sul.
Simultaneamente, grandes ferrovias passaram a integrar todo o país, permitindo a
ligação do Atlântico com o Pacífico, fugindo do controle severo que a Inglaterra e-
xercia sobre o comércio marítimo do Atlântico. No final do século 19, os EUA já
despontavam como grande potência mundial, e era modelo para muitos brasileiros
lúcidos, como o próprio Manoel Bonfim.

O exemplo inglês
A estratégia inglesa servia de comprovação para as teses de List. A Inglaterra tor-
nou-se a maior potência da época por ter evitado o erro de abrir seu mercado antes
da hora. No início, a base de sua economia era vender lã de ovelhas em estado
bruto para a Bélgica, onde eram tingidos e trabalhados. Sob o reinado de Carlos I e
Jaime I houve proteção à produção inglesa. Em breve, a indústria têxtil se consoli-
dou, a Inglaterra passou a exportar tecidos finos, de valor agregado, e a importar
pouquíssimo.
Até Jaime I, as exportações de manufaturados de lã respondiam por 9/10 das ex-
portações inglesas. Com a proteção à sua indústria, a Inglaterra conseguiu expulsar
as exportações da Liga Hanseática para a Rússia, Suécia, Noruega e Dinamarca.
Conseguiu lucros enormes no comércio com Orienta e as Índias Orientais e Ociden-
tais. A indústria da lã estimulou a mineração do carvão que, por sua vez, deu ori-

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gem ao extenso comércio pesqueiro e à pesca, os dois últimos servindo de base à
montagem do poderia naval britânico, consolidado nas Leis de Navegação.
 Duramente criticadas por Adam Smith, as Leis de Nanegação davam exclusividade
para os navios ingleses no transporte de carvão e todo transporte comercial marí-
timo.
Outros setores de manufaturas foram protegidos. No reinado de Isabel, foram proi-
bidas importações de artigos de metal e de couro, e foi incentivada a migração de
mineiros alemães e trabalhadores em metal (List, 33). Também proibiu a constru-
ção de navios fora do pais e estimulou a vinda de trabalhadores especializados.
Para concorrer com a pesca de arenque dos holandeses e com a pesca da baleia
dos moradores de Biscaia, Jaime I chegou a exortar os ingleses a aumentar o con-
sumo de peixe. Finalmente, artesões protestantes expulsos da Bélgica e da França
foram acolhidos pela Inglaterra e, em troca, lhe deram a excelência na manufatura
de lã fina, na fabricação de chapéus, linho, vidro, papel, seda, relógios de parede e
de pulso, manufatura metalúrgica.
Em cada país europeu a Inglaterra foi buscar o que tinha de melhor. Depois, im-
plantou sua própria manufatura, à custa de proteção alfandegária e estímulos de
diversas naturezas. O aumento da marinha mercante permitiu a construção de uma
marinha de guerra que ajudou a derrotar os holandeses.
As conseqüências maiores das Leis de Navegação foram as seguintes (List, 34):
1. A expansão do comércio inglês com todos os reinos nórdicos, Alemanha e Bélgi-
ca, comércio do qual os ingleses haviam quase totalmente sido excluídos pelos ho-
landeses até 1603. A lógica implacável dos ingleses era a de importar matérias
primas e exportar manufaturados.
2. Expansão incalculável do comércio de contrabando com a Espanha e Portugal, e
com suas colônias das Índias Ocidentais.
3. Aumento substancial da pesca de arenque e da baleia, atividades antes quase
completamente monopolizadas pela Holanda.
4. Conquista da mais importante colônia inglesa nas Índias Ocidentais, a Jamaica,
em 1655, permitindo o controle sobre o comércio açucareiro na região.
5. Conclusão do Tratado de Methuen (em 1703) com Portugal, que assegurou uma
vantagem inquestionável para a Inglaterra.
List chamava particularmente a atenção para a maneira habilidosa como os ingleses
casaram seus interesses em Portugal e na Índia. E produziu uma obra prima de sín-
tese, mostrando as peças em jogo no Tratado de Methuen. Primeiro, a maneira co-
mo a Inglaterra atuou em cima das condições dadas. Segundo, o que teria ocorrido
se tivesse seguido os ensinamentos de Adam Smith e Ricardo.
Desde 1721, na abertura do Parlamento daquele ano, o rei Jorge I havia explicitado
a estratégia inglesa: “É evidente que nada contribui tanto para o bem-estar público
quanto a exportação de produtos manufaturados e a importação de matéria-prima
do estrangeiro”. Mais do que uma teoria vaga, a Inglaterra montou sua estratégia
em cima desse princípio vital.
Havia quatro blocos de países em jogo.
A Inglaterra, com sua manufatura em expansão e o domínio do comércio do Atlân-
tico, com as Índias Orientais e Ocidentais.
Portugal tinha metais que interessavam a Inglaterra, e uma indústria de vinhos.
A Índia tinha uma indústria têxtil poderosa, mais articulada que a inglesa, e outras
manufaturas desenvolvidas. Mas tinha carência de ouro.
A Inglaterra não queria importar manufaturas indianas, por serem mais competiti-
vas que as suas. Mas havia demanda por produtos indianos em outros países da
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Europa que, por sua vez, produziam matérias primas que interessavam à Inglater-
ra.
O acordo com Portugal, firmado pelo embaixador britânico Paul Methuen previa os
seguintes pontos:
1. A Inglaterra permitiria a importação de vinhos portugueses com tarifas alfande-
gárias equivalentes a 1/3 das tarifas de países concorrentes.
2. Portugal consentiria em importar roupas e tecidos ingleses com taxas alfandegá-
rias de 23%, mesma alíquota cobrada antes de 1684, quando Portugal se tornou
protecionista.
Para o rei de Portugal, o acordo interessava pela possibilidade de aumento das re-
ceitas alfandegárias. Da parte da nobreza portuguesa, havia aumento da renda pelo
aumento das exportações de vinhos. A rainha Ana da Inglaterra saudou Portugal
como “seu mais antigo amigo e aliado”, “baseado no mesmo princípio pelo qual o
Senado romano, antigamente, outorgava títulos aos governantes que cometiam a
imprudência de estreitas relações comerciais com o império”, como lembra List
(List, 47).
Imediatamente após o acordo, houve uma inundação de manufaturas inglesas que
praticamente arrebentou com a indústria portuguesa. A Inglaterra recorreu a todos
os expedientes, inclusive colocando produtos sub-faturados, para pagar menos ta-
xas alfandegárias. Na outra ponta, levou toda prata e ouro de Portugal.
O Oriente tinha uma manufatura avançada de lã e algodão. Se abrisse as importa-
ções de lã e seda aos produtos da Índia, a manufatura inglesa teria sido liquidada.
Não interessava à Inglaterra importar produtos de valor agregado. O que ela fez
então? Exportava suas manufaturas para Portugal e recebia o ouro e prata em pa-
gamento. Com eles, adquiria os produtos do Oriente e vendia para o mercado eu-
ropeu, mas na Inglaterra eles não entravam. Dos países europeus a quem vendia
os produtos indianos, os ingleses adquiriam matérias primas que serviram para a-
limentar sua manufatura.
Essa posição da Inglaterra foi insensata, indagava List? De acordo com os princípios
de Adam Smith e da Teoria dos Valores de J. B. Say, sim. Teria sido loucura fabri-
car internamente produtos mais caros, e ceder aos países do continente os produ-
tos mais baratos adquiridos da Índia. No entanto, a Inglaterra se transformou na
potência hegemônica do período. Isso porque não estava interessada simplesmente
em adquirir artigos manufaturados de baixo custo e perecíveis, mas adquirir a “for-
ça de produção”.
Com essa estratégia, a Inglaterra conquistou um poder sem paralelo; os demais
países, que adquiriram manufaturas mais baratas, não se desenvolveram.
List lembrava que no capítulo 6º de seu Livro 4º, Adam Smith criticava acerbamen-
te o tratado. Alegava que os portugueses levavam uma vantagem decisiva, ao ex-
portar vinhos a taxas alfandegárias inferiores a seus concorrentes.Enquanto isto, os
ingleses exportavam tecidos pagando taxas alfandegárias quase iguais a de seus
concorrentes.
Os ingleses não auferiram nenhuma vantagem especial com o tratado, continuava
Adam Smith, pois eram obrigados e enviar para outros países grande parte do ouro
que recebiam de Portugal, pelas exportações de seus tecidos. Nesses países, eram
obrigados a trocar o ouro por produtos locais.
Logo, teria sido muito mais vantajoso para a Inglaterra trocar diretamente seus te-
cidos por produtos portugueses que necessitavam. Haveria uma única troca, em
vez das duas, embutidas no acordo com Portugal.
Essa lógica linear não correspondia aos fatos reais, bradava List. Antes, Portugal
importava grande parte dos artigos estrangeiros da França, Holanda, Alemanha e
Bélgica. A partir do Tratado, os ingleses passaram a comandar o mercado portu-

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guês para um produto manufaturado, de cuja matéria prima ela, Inglaterra, era au-
to-suficiente.
Além disso, o enorme superávit inglês provocou um desequilíbrio nas taxas de
câmbio. A valorização da libra frente à moeda portuguesa fez com que os preços
dos produtos portugueses chegassem 50% mais baratos aos consumidores ingle-
ses. Com isso, praticamente acabaram as exportações de vinhos franceses e ale-
mães na Inglaterra.
O ouro e prata de Portugal garantiram à Inglaterra acesso aos produtos indianos,
com que inundaram a Europa, arruinando as manufaturas portuguesas. Todas as
colônias portuguesas, especialmente o Brasil, se transformaram em feudos ingle-
ses.
Era um jogo extraordinariamente complexo, sofisticado, fulminante, para caber a-
penas nas regras gerais da nova ciência que surgia, a economia.
Nas relações comerciais, a Inglaterra era impiedosa. Em todos os tratados comerci-
ais concluídos pelos ingleses, havia a tendência de incluir a venda de seus produtos
manufaturados, oferecendo vantagens aparentes de troca por matéria prima e pro-
dutos agrícolas. Em todos os casos, oferecia financiamentos e produtos mais bara-
tos, visando destruir as manufaturas concorrentes. Além dos tratados, os ingleses
se especializaram em fraudar a alfândega e em estimular o contrabando.
Com o bloqueio continental de Napoleão, pela primeira vez as manufaturas alemãs
e francesas começaram a registrar progressos importantes e que se generalizaram.
Com a volta da paz, a manufatura inglesa voltou, retomando a antiga primazia e
destruindo as indústrias concorrentes.

O exemplo da Argentina1
De 1880 a 1910, em apenas vinte anos os argentinos transformaram um país qua-
se selvagem, com um terço do território ocupado por índios, sem moeda própria,
sem presença no comércio internacional na primeira potência a emergir do hemisfé-
rio sul, um dos quatro maiores PIBs do mundo, o maior exportador de cereais do
planeta, o segundo maior exportador de carnes, após os Estados Unidos.
Quando se consumou o processo de integração do país, até então dividido por guer-
ras intermitentes entre as províncias, Buenos Aires se transformou em capital de
fato. A província de Buenos Aires mudou sua capital para La Plata, e as rendas da
aduana passaram a ser nacionais. Sob a presidência de Juan Roca, criava-se uma
Nação e, tocando o projeto nacional, um Estado com receita própria, exército na-
cional (assim como o nosso, que se profissionalizou na guerra do Paraguai). Calhou,
nesse momento, o aparecimento de uma elite racional, com um projeto de país.
A base do pensamento estratégico havia sido fornecida, anos antes, pelo advogado
Juan Bautista Alberdi, que defendia a imigração controlada. Haveria o estímulo aos
imigrantes, a garantia de propriedade, de acesso aos bens públicos, inclusive do
ingresso no serviço público. Apenas não lhes facultava provisoriamente o direito de
eleitor. A visão de Alberdi era a de que os imigrantes gradativamente inoculariam a
sociedade argentina com os valores do trabalho de seus países de origem e, após
algumas décadas, com o país civilizado, haveria reformas políticas que completari-
am o processo.
Mais que isso, através da criação do Conselho Nacional da Educação em 1882, de-
cidiu-se universalizar o ensino gratuito. Os pais eram obrigados a colocar os filhos
na escola, as províncias mais pobres eram ajudadas pelo governo central.
No plano econômico, teve início a grande “revolução dos Pampas”, a ocupação de
grandes áreas, muitas quase desérticas, dominadas pelos índios, primeira tentativa
de agricultura organizada no país. O exército ia à frente abrindo espaço. Inovações
tecnológicas garantiam os saltos de produtividade. A primeira foi a cerca, que per-

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mitiu confinar o gado e preservar a lavoura, transformando a região, ao mesmo
tempo, em produtora de carne e grãos. Outra foi o moinho de vento, importado da
Austrália, que extraía água do subsolo, acabando com a dependência de rios ou la-
gos, e ampliando as terras agricultáveis. Na mesma época, o campo começa a re-
ceber as primeiras máquinas a vapor.
Quando um francês inventou o frio artificial, e surgiram os primeiros navios frigorí-
ficos, a Argentina explodiu como exportadora de carnes para a Europa. No início do
século já era o maior exportador de cereais e o segundo maior exportador de car-
nes do mundo, atrás dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, uma política protecio-
nista racional ajudava a fortalecer a indústria de vinhos de Mendoza e a açucareira
de Tucumã.
As raízes ibéricas plantaram as sementes das crises posteriores que liquidaram com
os sonhos de potência dos argentinos. As terras conquistadas ficaram nas mãos dos
tarratenientes –oficiais do exército que se apossaram delas e que, na maior parte,
viviam do arrendamento aos imigrantes. Estratificou-se a propriedade da terra, o
grupo dos fundadores da nacionalidade envelheceu morreu, ficando elite predadora,
enriquecida, deslumbrada pela rapidez com que tudo foi conquistado.
Depois, em 1930 ocorreu o primeiro golpe de Estado. Mas as raízes plantadas na-
queles curtos anos foram tão fortes que, mesmo passado do populismo mais des-
bragado ao liberalismo mais irresponsável, a Argentina resistiu.

A receita do crescimento
O tratado de List decifraria, de forma ampla e sistêmica, o espetáculo do desenvol-
vimento. O desenvolvimento não podia se sustentar em uma perna só. De nada a-
diantaria de uma boa manufatura, sem dispor de uma esquadra naval adequada.
De nada adiantaria a esquadra sem um mercado interno que garantisse os princi-
pais produtos.
No caso da Liga Hanseática, durante séculos praticaram o que a nova ciência pre-
conizava: compravam barato e vendiam barato. Quando os ingleses lograram fe-
char os mercados para os mercadores da Liga, como não havia nem agricultura
nem indústria manufatureira nativa suficientemente desenvolvida, o capital emi-
grou para a Holanda e para a Inglaterra.
Em seu tratado, List abordaria praticamente todos os pontos que, no final dos anos
90, o Brasil começaria a estudar para tentar recuperar o caminho do desenvolvi-
mento.
Tudo começava por uma visão estratégica adequada, dizia List. Poder é mais im-
portante que riqueza. O poder nacional é uma força dinâmica, que abre a porta pa-
ra novos recursos produtivos. O poder precisa ser utilizado para gerar novas forças
de produção, e manter as existentes. Por poder, List definia a capacidade de uma
nação de defender sua produção, de impor regras comerciais, de dominar fluxos de
comércio.
Ponto central nas análises de List era o caráter nacional. Atribuía a enorme riqueza
da Inglaterra não apenas ao poder nacional e ao amor inato do inglês pelo ganho
financeiro. Considerava fundamental o amor inato do povo à liberdade e à justiça, à
energia, ao caráter moral e religioso. Incluía nesse ambiente favorável a Constitui-
ção do país, as instituições, a sabedoria e a força do governo e da aristocracia (List,
39).
Enquanto as liberdades civis atraiam para a Inglaterra capital e novos talentos, a
Espanha perdeu todo seu ímpeto de grande potência, todos os elementos de gran-
deza e prosperidade quando a Inquisição expulsou os judeus e os mouros, ao todo
2 milhões de seus mais operosos e abastados habitantes. Fugiram eles e seu capi-
tal.

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Com sua lei de patentes, a Inglaterra estimulou e atraiu o gênio inventivo mundial.
E com suas liberdades civis atraiu grande quantidade de capital e de talentos no-
vos.
A História ensina que as artes e o comércio migram de uma cidade para outra, de
um país para outro. Perseguidos e oprimidos em sua pátria refugiaram-se em cida-
des e países que lhes asseguravam liberdade, proteção e apoio. Foi assim que as
artes e o comércio migraram da Grécia e da ásia para a Itália; da Itália para a Ale-
manha, Flandres e o Brabante; e dali para a Holanda e para a Inglaterra (List, 82).
A partir da análise de várias experiências nacionais, Lizt sistematiza conhecimentos
sobre processos de desenvolvimento, dividindo-os em quatro etapas básicas.
O primeiro salto, depois de formada a nação, é quando descobre um bem primá-
rio de exportação, e começa a se relacionar com o mercado internacional. Embora
historicamente o Brasil fosse um país exportador de mercadorias –pau-brasil, açú-
car--, o controle da acumulação era português. O café foi o primeiro produto que
permitiu a exportação e a acumulação em mãos de empresários brasileiros.
A partir dessa base exportadora, o país começa a importar e a entrar em contato
com bens e produtos dos seus parceiros comerciais. Aí se dá o segundo salto, que
é o processo inicial de substituição de importações. Para se consolidar é fundamen-
tal a proteção à indústria nascente através de tarifas, câmbio competitivo. E tam-
bém a criação de condições para o fortalecimento de um mercado de consumo ini-
cial, que sirva de alavanca para essa fase inicial da industrialização.
Consolidada a segunda etapa, entra-se na terceira etapa, que é a abertura grada-
tiva do mercado, para conferir competitividade à indústria nacional, evitando o a-
comodamento pelo excesso de proteção.
Completado o ciclo, ingressa-se na quarta etapa, que é a conquista do mercado
internacional, através de estratégias comerciais, controle de rotas comerciais.
Tornando-se hegemônica, a economia torna-se liberal. Abrem-se os mercados nos
quais é evidente a superioridade da nação, e exige-se contrapartida dos parceiros
comerciais menos competitivos. Apresenta-se o modelo liberal que o país passou a
adotar quando entrou na quarta fase como se fosse adequado para países das fases
anteriores. E, aí, entra em ação e hegemonia cultural – a contrapartida natural à
hegemonia econômica. O país hegemônico passa a propagar o ideário do liberalis-
mo comercial. Seus centros de pensamento – universidades, instituições em geral,
imprensa – passam a difundir como universais princípios adequados apenas à quar-
ta etapa de desenvolvimento.
O processo de desenvolvimento não se dá em torno de teorias rígidas. As teorias
são instrumentos de compreensão da realidade, subsídios para a implementação de
políticas econômicas. Mas o referencial máximo, para a definição das políticas eco-
nômicas adequadas, é o da análise da realidade, o comportamento estratégico ten-
do em vista a situação de momento.
Uma política liberal, no início da industrialização, mata o processo. Da mesma ma-
neira que uma política protecionista, na fase de maturidade econômica, provoca o
acomodamento dos empresários e a perda de vitalidade.
Quando o país da quarta fase preconiza suas práticas econômicas para os países
das fases anteriores, está procedendo ao que List chamava de “chutando a própria
escada”. Depois de escalarem as três etapas iniciais de desenvolvimento, tentam
impedir os países menos desenvolvidos de trilhar o mesmo caminho. Tentam impor
as práticas que passaram a adotar depois de vitoriosos e, aí, o componente cultural
ideológico, a emulação das práticas dos países centrais, passam a ser ferramentas
fulminantes.
No seu livro, List repassava a história de inúmeras civilizações, de países ou cida-
des-estado que ganharam enorme poder e influência, e acabaram afundando por
não terem conseguido articular adequadamente os interesses nacionais. A partir
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desses estudos, o centro de análises de List passou a ser a nacionalidade, como o
interesse intermediário entre o indivíduo e a humanidade inteira.
Quando a Alemanha começou a discutir projetos nacionais, List deparou-se com
enorme resistência de um conjunto de interesses que juntava de intelectuais ale-
mães que haviam estudado na Inglaterra, importadores com interesses em produ-
tos ingleses e, por baixo de tudo, a enorme influência ideológica do pensamento
inglês, àquela altura, potência hegemônica mundial. Narrava ele que “um exército
incontável de correspondentes e escritores líderes, desde Hamburgo até Bremen,
desde Leipzig até Frankfurt, saíram a campo para condenar os desejos absurdos
dos manufatores alemães no sentido de estabelecer taxas alfandegárias protecio-
nistas comuns”. A lógica de ataque se perpetuaria pelos tempos. List era acusado
de ignorar princípios elementares de economia política, “tais como haviam sido
consagrados pelas maiores autoridades científicas” (List, 4). Na época, era notória a
influência do Ministério do Exterior inglês, com grossa verba destinada à defesa dos
seus interesses comerciais.
No minucioso levantamento que faz sobre países que se tornaram hegemônicos,
List deixa lições preciosas. Assim como para as empresas, os países crescem apro-
veitando janelas de oportunidade, que podem surgir em mudanças políticas inter-
nas, em conjunturas internacionais favoráveis. O grande segredo do desenvolvi-
mento é saber aproveitar essas brechas de oportunidades e criar modelos institu-
cionais adequados, que permitam ao país o salto para a etapa seguinte. Essa dinâ-
mica inicial vai desenvolvendo o país, de forma mais ou menos acelerada, até a
brecha seguinte, que vai exigir novas soluções.
O Brasil teve algumas janelas de oportunidade desde que se tornou nação. As duas
mais relevantes guardam semelhanças extraordinárias entre si. A primeira, no final
da Monarquia e início da República, que resultou no “Encilhamento”, o grande mo-
vimento especulativo que atrasa substancialmente o ingresso do país na segunda
fase. O segundo, o plano Real, que compromete o ritmo de ingresso do país na ter-
ceira fase.




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 Os novos tempos
 Os novos tempos
Para completar o quadro de fatores que atuava sobre a economia internacional da
época, e afetou diretamente o Brasil no período do “Encilhamento”, há a necessida-
de de introduzir dois atores fundamentais da história: as grandes revoluções tecno-
lógicas do século 19 e o aparecimento do grande capital financeiro, o chamado
“haute capital”, montando a mais sofisticada estrutura de coordenação transnacio-
nal que o mundo já testemunhara.’

As revoluções tecnológicas
As revoluções tecnológicas não são lineares. Em geral, há uma primeira etapa de
mudança de paradigma. Depois, uma corrida frenética atrás das novas tecnologias
que, invariavelmente levam a movimentos especulativos e “crashes” sucessivos.
Depois disso é que o mercado se assenta, a especulação sai de cena e dá espaço
para o período de consolidação.
É uma disputa pesada entre o novo e o velho. Em geral há dos períodos distintos,
cada qual durando algumas décadas. A primeira fase é o período em que a nova
economia se consolida e avança sobre a economia já madura. A segunda é a do es-
palhamento do novo paradigma vitorioso, renovando toda a economia.
                                                                                                                          Luis Nassif 18/7/06 23:31
Tabela 1: Uma paradigma tecno-economico para cada revolução tecnológica diferente, 1770 a 2000 (Perez 2000), citado por   Comment: Levantar mais dados
Mateus Cozer


          Revolução Tec- Instalação                                Ponto de Desenvolvimento
          nológica                                                 Virada
                                 Erupção          Frenesi


                                                                                  Sinergia         Maturidade

1°        Revolução        In-                    Final     dos 1793-97           1798-1812        1813-1829
          dustrial               1771-início      1780s       e
                                 dos 1780s        início    dos
                                                  1790s

2°        Era do Vapor e 1829-1830s 1840s                          1848-50        1850-1857        1857-1873
          das Ferrovias

3°        Era do Aço, 1875-1884                   1884-1893        1893-95        1895-1907        1908-1918
          Eletricidade e
          Engenharia
          Pesada

4°        Era do Petró- 1908-1920                 1920-1929        1929-43        1943-1959        1960-1974
          leo, do Auto-
          móvel   e  da
          Produção  em
          Massa

5°        Era da Infor- 1971-1987                 1987-2001        2001-??        20??
          mação e Tele-
          comunicações


A “haute finance”
É no bojo do financiamento dessas ondas tecnológicas que o capital financeiro ga-
nha musculatura e se internacionaliza.
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Em um livro clássico escrito em 1940 – “A Grande Transformação” --, o economista
Karl Polanyi tentava sistematizar, pela primeira vez, a natureza do que ele denomi-
nava de “haute finance”, o grande capital que emerge nas três últimas décadas do
século 19.
Essa “haute finance” teria papel relevante nos lances seguintes da política econômi-
ca nacional, que resultariam no “Encilhamento”.
A partir daí e nas três primeiras décadas do século 20, coube a “haute finance” ser
o elo entre a organização política e econômica do mundo, fornecendo os instrumen-
tos para um sistema internacional de paz.
É um período dominado pelos Rotschild. Eles não estavam submetidos a nenhum
governo, lembrava Polanyi. O poder de firma consistia em ser o único elo suprana-
cional entre o governo político e o esforço industrial em uma economia mundial em
rápido crescimento (Polanyi, 25). Seu poder e independência decorriam das neces-
sidades da época, que exigiam um agente soberano que tivesse a confiança tanto
dos governos nacionais quanto dos investidores internacionais.
Para cumprir esse papel, a “haute finance” precisava buscar aliados nos bancos e
no capital financeiro nacionais. Organizacionalmente, constatava Polanyi, a “haute
finance” foi o núcleo de uma das mais complexas instituições que a história do ho-
mem já produziu. Além do centro internacional, em Londres, havia meia dúzia de
centros nacionais gravitando em torno de seus bancos de emissões e bolsas de va-
lores.
   “Os banqueiros internacionais financiavam não apenas governos e guerras,
   mas faziam investimentos externos na indústria, nos serviços públicos e ban-
   cos, bem como empréstimos a longo prazo para as corporações públicas e
   particulares fora do país”.

Para garantir a segurança dos seus investimentos e empréstimos, a “haute finance”
se preocupava bastante com as oscilações cambiais e com o equilíbrio orçamentário
das nações. Os dois instrumentos de influência da City Londrina era o padrão ouro
e o constitucionalismo. Eram as palavras de ordem para os países que aderiram à
nova ordem internacional.
    “O padrão era controlado por uma infinidade de grupos nacionais e persona-
   lidades, cada um deles com seu tipo peculiar de prestígio e destaque, autori-
   dade e lealdade, sua capacidade de dinheiro e de contatos, de patronato e au-
   ra social” (Polanyi, 26)

Apesar de apontado por Lenine como principal estimulador de guerras, ao grande
capital internacional interessava fundamentalmente a paz. Era tamanha a rede de
interesses entrelaçada por todo o mundo que, se a guerra poderia eventualmente
beneficiar alguns clientes maiores, desarrumava a vida de milhares de outros clien-
tes.
Em relação aos países, tinha duas posturas diferentes. Sabia reconhecer o exercício
do poder das potências; e a dependência de capitais da periferia. Através do con-
trole do crédito, acabam se transformando nos gestores de fato das políticas eco-
nômicas dos países periféricos.
Toda a política econômica era centrada em dois pontos: a solvência do país, para
quitar seus empréstimos; e a manutenção de moedas estáveis.
O “padrão ouro” conferiu um poder excepcional aos países detentores de capitais.
Como os países que aderiam ao padrão só poderiam emitir com lastro em ouro, a
cada crise cambial, do produto principal de exportação, eram obrigados a contrair
dívidas com os bancos internacionais, para garantir a conversibilidade de suas mo-
edas.



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Esse modelo acabava levando a crises financeiras periódicas, afetando vários países
de periferia. No auge das crises cíclicas, os grandes bancos centrais em Londres,
Paris e Berlim elevavam suas respectivas taxas de desconto, para evitar a saída de
ouro. Com isso, atraíam os capitais de curto prazo e se beneficiavam da queda das
cotações dos produtos primários, devido à redução da liquidez internacional (Beluz-
zo, in Fiori, 96). Esses movimentos de capitais, da periferia para o centro, lançavam
os emergentes em crises terríveis, mas ajudavam a resolver as crises dos países
centrais.
Um dos mais famosos episódios especulativos da história, com o instrumento a
venda a futuro, foi a "bolha" em torno das tulipas holandesas, Quando a especula-
ção absorveu toda a produção foram criados negócios de venda futura de bulbos da
tulipa, processo iniciado em 1636. Terminou em um crack violento.
A principal ferramenta que movimentaria a especulação até 1929 surgiu em mea-
dos do século 19 nos Estados Unidos, Era o mecanismo da concessão de emprésti-
mo, o chamado "call loans", recursos que os bancos comerciais repassam aos cor-
retores, para que eles ofereçam à sua clientela. A garantia do empréstimo era a
caução das ações dos tomadores. O "call" significava que o banco poderia chamar à
liquidação do empréstimo a qualquer momento. O banco exigia uma "margem de
garantia", emprestando apenas um percentual do valor dos títulos, de acordo com
seu valor de mercado. Se as cotações caíssem, aumentava a dificuldade dos toma-
dores, que era agravada pela redução automática do valor emprestado. Foi o pedi-
do de garantias adicionais que acelerou o crack de 1929.
O câmbio também permitia jogadas especulativas periódicas, com os grandes ban-
cos “apostando” contra moedas fracas, ou no deságio dos títulos das dívidas dos
países periféricos.
A maneira de minimizar os riscos era o controle sobre as informações, a dependên-
cia que os países tinham dos fluxos de capitais, e a capacidade de influenciar a opi-
nião pública, criando uma ideologia pró livre cambismo.
As próprias mudanças no capitalismo internacional permitiam que a industrialização
inglesa transbordasse para outros países, particularmente os Estados Unidos. Esse
período é caracterizado pelos seguintes eventos2:
A consolidação das práticas de financiamento e de pagamentos internacionais sob a
égide de um padrão monetário universal.
A metamorfose do sistema de crédito, expressiva no aparecimento de bancos de
depósitos que ajustam suas funções e formas de operação à nova economia co-
mandada pela indústria.
A emergência de uma nova divisão social do trabalho, consubstanciada na crescen-
te separação entre o departamento de meios de consumo e o departamento de
meios de produção.
A internacionalização capitalista sob a hegemonia inglesa “produz” a industrializa-
ção dos EUA e da Europa e, simultaneamente, a periferia produtora de matérias
primas e alimentos.
No final do século 19, quando a República ensaia os primeiros passos, já havia um
mercado internacional de mercadorias funcionando em Londres, com suas cotações
sendo acompanhadas diariamente por negociantes de todas as partes do mundo.
De 1830 a 1870, um reduzido número de estados, todos europeus, dera início a um
extraordinário ciclo de expansão do capitalismo financeiro. Esse ciclo se prolonga
até 1914, quando eclode a Primeira Guerra Mundial.
Com o fim da Guerra da Secessão nos EUA, em 1860, o mundo passa por um pro-
cesso inédito de transformações, preparando a nova etapa do desenvolvimento
mundial. Os EUA já preparavam o salto para se tornar grande potência. Depois da
guerra franco-prussiana, ocorrera a unificação da Alemanha; no Japão, acontecera
a Restauração Meiji. Depois da Guerra da Criméia ocorrem mudanças na Rússia
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também. É esse grupo de países, ao lado da França, e sob a liderança da Inglater-
ra, constituem o núcleo duro do novo sistema global (Fiori, 41).
Alguns países conseguiram aproveitar do excesso de capitais, da coordenação in-
glesa e , com o chamado “déficit de atenção” da Inglaterra em relação às suas es-
tratégias de desenvolvimento, nas décadas seguintes começavam a despontar co-
mo novas potências.
Depois de várias crises cambiais, o sistema financeiro internacional se estabilizara
em torno do “padrão ouro” e em uma estrutura hierárquica. No centro, ficava o
Banco da Inglaterra. Num segundo grupo, os bancos da França e da Alemanha. No
terceiro, da Holanda, Áustria e Bélgica (Fiori, 65).
A “haute finance” já havia fincado os olhos no país e montado sua rede de alianças,
a partir do momento em que Mauá montou um banco em Londres e tentou se con-
verter em banqueiro londrino para fugir à pressão política interna. Não conseguiu,
foi derrotado, mas chamou a atenção da banca londrina para o grande potencial
daquele gigante adormecido.

As grandes bolhas especulativas
O potencial de riqueza fácil com mudanças monetárias e as bolhas especulativas já
eram de conhecimento geral quando Rui Barbosa deu início à política monetária que
levaria ao “Encilhamento”.
O exemplo mais marcante foi o de John Law, nascido em 1671, filho de um ourives
abastado que emprestava dinheiro a juros, que chegou a Ministro das Finanças da
França e montou uma companhia que detinha o monopólio do comércio do Vale do
Mississipi (ainda sob domínio francês), Índia, China e Pacífico Sul.
Law mudou-se para Londres com 17 anos. Era mulherengo, jogador, e, depois de
matar o pretendente a uma amante sua, teve que se refugiar na Europa continen-
tal. Lá, tomou contato com os modelos de crédito do Banco de Amsterdan. Na falta
de reservas em ouro, o banco recebia moedas dos comerciantes, que adquiriam em
troca crédito pelo seu valor, na forma de notas.
Em uma época dominada pelo “padrão-ouro”, passou a defender que a quantidade
de moeda em uma economia não deveria ser pautada pelas reservas em ouro ou
pelo saldo da balança comercial, mas pelas necessidades de troca internas da pró-
pria economia. Defendia o papel-moeda e títulos lastreados em terras e impostos.
Em 1715 o Duque de Orleans se tornou regente, após a morte de Luís 14. A França
passava por uma crise portentosa que o novo Regente tentava resolver através da
recunhagem de moedas e de uma desvalorização cambial de 20%.
Amigo do Duque, Law apresentou um diagnóstico diferente. Em sua opinião, a
França sofria de falta de moedas e de excesso de desvalorizações cambiais. Propu-
nha o uso da moeda fiduciária e a criação de um banco emissor de títulos de crédito
lastreados em receitas de impostos e propriedades. O Estado ficaria com o mono-
pólio de todas as atividades financeiras e fazendárias.
Foi o início do Banque Generale, no ano seguinte, emitindo títulos resgatáveis em
moeda corrente. Como o país ainda sofria do pânico da desvalorização das moedas
metálicas, em pouco tempo a moeda fiduciária se impôs e os títulos passaram a ser
negociados com ágio de 15% -- contra um deságio de 80% das moedas de ouro e
prata. Percebendo o potencial do novo padrão monetário, Law criou uma compa-
nhia na Luisiana, ainda uma colônia francesa, que deteria o monopólio do comércio
no rio Mississipi. Prometia de que as terras gerariam riquezas em ouro , seda e a-
gricultura.
Apenas um ano depois de fundado, o banque Generale foi estatizado, tornou-se o
Banque Royale, e o Regente ordenou a impressão de papel-moeda no equivalente a

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três vezes a dívida pública. Houve reação do Parlamento e Law terminou afastado
do Banque Generale.
Ainda influente, a Companhia do Mississipi conseguiu em 1817 não apenas a con-
firmação de seus direitos sobre o rio Mississipi mas também sobre as Índias Orien-
tais, China e Pacífico Sul. Para financiar as operações, Law emitiu 50 mil ações a
serem integralizadas em notas do Tesouro com 80% de deságio. Prometeu aos a-
cionistas uma rentabilidade de 120% ao ano.
Pequenos investidores correram em massa atrás do pote da fortuna, adquirindo op-
ções de compra das ações. Excesso de papel-moeda, promessas de ganhos fantás-
ticos, produziram uma corrida aos novos papéis, que tiveram uma demanda seis
vezes superior à oferta. Em 15 meses os papéis de Law experimentaram uma valo-
rização de 2.900%. Com esse sucesso, o passo seguinte foi a fusao do Banque Ro-
yale com a Companhia do Mississipi, e Law nomeado novo Ministro das Finanças.
Em 1720, não resistiu à primeira crise. Houve uma corrida contra a companhia,
com os vendedores não exigindo moeda metálica. Law resistiu, deflagrando uma
onda de desconfiança em relação ao papel-moeda. Para enfrentá-la o governo des-
valorizou e limitou os saques de moeda metálica. A conseqüência foi uma explosão
de contrabando de ouro para a Inglaterra e Holanda, paralisando o comércio. Ten-
tou-se limitar a posse de moeda-metálica pelos indivíduos, além de se proibir a
compra de jóias, prata e metais preciosos. O país quase foi engolido pela revolta
popular. No final do ano, o valor das ações da Companhia do Mississipi tinha caído
98% em relação ao início do ano.
Law foi demitido, a crise ajudou a preparar a Revolução Francesa e a palavra “ban-
co” foi banida do dicionário financeiro francês, substituída pela “credit”. Mas seu
modelo de enriquecimento fácil que montou passou a ser a ambição maior de mui-
tos aventureiros por todo o mundo. E a pedra filosofal de sucessivas gerações de
financistas passou a ser a suprema chance de montar uma reforma monetária com
final bem sucedido, que lhes assegurasse o sucesso inicial de Law, sem arcar com
os infortúnios posteriores.
Com a internacionalização financeira, os movimentos especulativos tornar-se-iam
mais freqüentes.




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A segunda fase do desenvolvimento: a Abolição
A segunda fase do desenvolvimento: a Abolição
Na segunda metade da década de 1880, o Brasil tinha todas as condições de repetir
o feito norte-americano. A economia estava prestes a explodir, a ultrapassar a fase
da monocultura do café e começar a formar uma sociedade sofisticada, pronta para
entrar na segunda fase de List.
As condições eram claras. Um primeiro ensaio de política industrial ocorreu com a
vinda de Dom João 6º ao Brasil. Além da abertura dos portos, criou a siderurgia
nacional e fundou o Banco do Brasil em 1808. Em 28 de anril de 1809 concedeu
direitos aduaneiros às matérias primas consumidas pelas fábricas brasileiras, isen-
tou de impostos a exportação de produtos manufaturados e passou a utilizar produ-
tos brasileiros no fardamento das tropas (Moniz Bandeira, paper FGV).
Fez mais, introduziu os primeiros conceitos de patente, garantindo privilégios por
14 anos os inventores ou introdutores de novas máquinas, e garantiu 60.000 cru-
zados às manufaturas com dificuldade, especialmente as de lã, algodão, ferro a a-
ço. No arsenal da Marinha, construiu a fábrica de pólvora, a tipografia régia, bem
como criou o Colégio Militar e o Naval.
Em fins de 1809, o engenheiro Friedrich Ludwig Varnhagen chegou ao Rio de Janei-
ro com a missão de estudar a possibilidade de construção de uma siderúrgica no
morro de Araçoiaba, perto de Sorocaba.
Em 1812, com o apoio de Dom Manuel de Assis Mascarenhas Castelo Branco da
Costa Lencastre, conde de Palma, Dom João 6º construiu outra usina siderúrgica, a
Fábrica Patriótica, perto de Congonhas do Campo. Ao mesmo terreno, começava a
antiga tradição mineira de fabricação de ferro gusa, através de Manoel Ferreira de
Câmar Bittencourt e Sá.
Segundo Moniz Bandeira, a Inglaterra não queria a abertura dos portos no Brasil. O
que pedira fora apenas um porto exclusivo em Santa Catarina, que Dom João 6º
não concedeu.
Como não conseguisse o monopólio, os ingleses pressionaram-no para que firmasse
o Tratado de 1810, concedendo às manufaturas inglesas uma tarifa preferencial de
15% ad valoren, menor até que as de Pportugal, que eram de 16%, e de 24% para
as demais nações.
O esforço por ver a Independência reconhecida, fez com que, no final da década de
1820, o Brasil assinasse inúmeros tratados comerciais desiguais com a própria In-
glaterra, França, Prússia, Áustria, Dinamarca, Países Baixos, a Liga Hanseática e
com os Estados Unidos. Esses tratados acabaram atrasando o processo de industri-
alização interno.
Apenas entre 1842 e 1844, quando os tratados expiraram, o Ministro da Fazenda
Manuel Alves Branco deu início a uma política de proteção da indústria infante, ele-
vando a tarifa de importação de 3 mil produtos, para uma faixa entre 20 a 60%.
Esse período se estendeu de 1844 a 1876. Em 1877, já havia no Brasil fábricas de
produtos químicos, instrumentos óticos, calçados, chapéus, tecidos de lã e algodão.
Em meados do século 19, o cônsul geral da França em Montevidéu chegou a cha-
mar o Brasil de “Rússia Tropical”, que tinha a “vantagem da organização e da per-
severança em meio dos Estados turbulentos e mal constituídos” da América do Sul.
Em 1850, com a lei Eusébio de Queiroz, foi proibido o tráfico negreiro. A decisão
liberou volumes consideráveis de capital. Dessa conjuntura se aproveitou Irineu E-
vangelista de Souza, o futuro Barão de Mauá, lançando as bases de um sistema
bancário moderno. Com sua capacidade de aglutinar poupança, obter ganhos de
arbitragem no câmbio e ter acesso a capitais ingleses, o Barão de Mauá traçara o
roteiro do desenvolvimento.


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Começa a trabalhar muito cedo em uma casa comercial brasileira, transfere-se para
uma importadora inglesa, aprende as novas teorias econômicas e financeiras. De-
pois, descobre a possibilidade de atrair capital externo para empreendimentos no
país.
Monta um banco, com várias filiais pelo país e uma filial em Londres, e passa a cap-
tar na praça londrina. Ao mesmo tempo, descobre rapidamente possibilidades e-
normes de ganhos na arbitragem de câmbio, valendo-se do baixo fluxo de informa-
ções no país. Ganhava meramente arbitrando as diferenças de câmbio entre as di-
versas praças em que operava no país.
Descobriu, também, os dois grandes modelos de negócio que atrairiam os grandes
capitais na época: os serviços urbanos e as ferrovias integrando grandes distâncias.
Com sua capacidade de mobilizar capitais montou a primeira indústria de base no
país, o porto de Areia, ..... Depois, o serviço de iluminação a gás no Rio de Janeiro,
companhias de navegação no Amazonas, bancos no Uruguai, Argentina.
Mauá deixou lições indeléveis a todas as gerações posteriores. De um lado, mostrou
o poder regenerador do capital bem aplicado, seu enorme poder transformador
quando controlado por pessoas com imaginação para novos negócios, controle so-
bre os números, estratégias empresariais bem definidas.
Mas a atuação de Mauá abriu os olhos de dois personagens que passariam a exer-
cer um papel confuso no país, dali por diante. Primeiro, foi o dos grandes rentistas.
Encurralado pelas ações de Pedro 2o, Mauá descobre um aspecto relevante da cul-
tura estatal brasileira. Como empresário brasileiro, ele despertava ciúmes. Se se
tornasse empresário inglês, teria direito a privilégios.
Quando começa a se mover por Londres, expondo seus negócios, desperta os ban-
queiros ingleses para novas possibilidades para o país. Até então, os países emer-
gentes eram uma boa fonte de lucros, mas apenas para o mercado de crédito.
Quanto pior a situação do país, quanto maior o "risco país", maiores os juros pagos
pelos empréstimos.
A atuação de Mauá mostrava, para o mercado londrino, as excepcionais possibilida-
des abertas no mercado de investimento. O novo país tinha poupança acumulada, e
uma enorme demanda por novos modelos de negócio que se desenvolviam nos paí-
ses centrais. De um lado, os melhoramentos urbanos, iluminação a gás, saneamen-
to. De outro, as grandes obras de integração nacional, como as ferrovias.
Quando Mauá se preparava para se associar ao banco britânico London and ......,
foi derrubado por uma manobra conjunta do governo e da banca inglesa. Do lado
de cá, recusaram a tratar como inglesa uma empresa que tivesse como sócio um             Luis Nassif 18/7/06 23:31
empresário brasileiro. Do lado de lá, aproveitou-se essa dificuldade para desman-        Comment: O nome completo do banco
char a sociedade, e os candidatos a sócios entrarem no país competindo com Mauá,
e dispondo de todos os favores do governo. Quando se deu o Encilhamento, esse
banco tinha o controle sobre os movimentos cambiais do país, com claro poder de
mercado.
A partir desse episódio, forma-se uma nova aliança, que irá marcar dali pela frente
a economia brasileira, uma aliança tácita entre os grandes rentistas brasileiros e a
banca internacional. O dinheiro saía do Brasil e ia para Londres. As empresas brasi-
leiras montavam escritórios na cidade, depositavam os recursos nos bancos ingle-
ses. Depois, esses recursos entravam no país através de empréstimos ao setor pú-
blico ou de inversões em setores regulamentados, através de concessões com ga-
rantia mínima de rentabilidade.
O rentista brasileiro garantia a aprovação de leis favoráveis às concessões. Atuava
nas duas pontas, como político e como investidor. O banco inglês garantia recursos
adicionais e a jurisdição internacional sobre os empréstimos.




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Os cabeças de planilha e a história do Plano Real
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Os cabeças de planilha e a história do Plano Real

  • 1. OS CABEÇAS DE PLANILHA 1/127 O Plano Real.doc Os Cabeças de Planilha POR LUÍS NASSIF 28/08/2006 21:08:09
  • 2. Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 13 Luis Nassif 5/5/11 10:59 OS CABEÇAS DE PLANILHA 2/127 Deleted: 13 OS CABEÇAS DE PLANILHA - ESTRUTURA 5 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 14 Luis Nassif 5/5/11 10:59 INTRODUÇÃO 6 Deleted: 17 Luis Nassif 5/5/11 10:59 “ENCILHAMENTO” E REAL: OPORTUNIDADES PERDIDAS 9 Deleted: 21 Luis Nassif 5/5/11 10:59 OS PERSONAGENS DA HISTÓRIA 10 Deleted: 18 FERRAMENTAS DE PODER 10 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 21 Luis Nassif 5/5/11 10:59 “CHUTANDO A PRÓPRIA ESCADA” 14 Deleted: 21 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O EXEMPLO AMERICANO 14 Deleted: 26 O EXEMPLO INGLÊS 15 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O EXEMPLO DA ARGENTINA 18 Deleted: 24 A RECEITA DO CRESCIMENTO 19 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 29 OS NOVOS TEMPOS 22 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 29 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS 22 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 32 A “HAUTE FINANCE” 22 AS GRANDES BOLHAS ESPECULATIVAS 25 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 35 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A SEGUNDA FASE DO DESENVOLVIMENTO: A ABOLIÇÃO 27 Deleted: 38 Luis Nassif 5/5/11 10:59 PROJETO DE PAÍS 30 Deleted: 38 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 38 O PRIMEIRO ATO DO “ENCILHAMENTO” 31 O SEGUNDO ATO DO ENCILHAMENTO 33 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O TERCEIRO ATO DO ENCILHAMENTO 36 Deleted: 39 O QUARTO ATO DO ENCILHAMENTO 39 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A CRISE FISCAL E O ESMAGAMENTO DOS ESTADOS 40 Deleted: 42 OS NEGÓCIOS DE RUI 40 Luis Nassif 5/5/11 10:59 INTERESSES DIVERSOS 41 Deleted: 40 O JOVEM GUSTAVO FRANCO 41 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 46 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A REDEMOCRATIZAÇÃO E O PLANO CRUZADO 43 Deleted: 45 Luis Nassif 5/5/11 10:59 OS NOVOS FINANCISTAS 46 Deleted: 46 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A NOVA ONDA DE GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA 47 Deleted: 46 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 46 NIXON 47 REAGAN 47 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 50 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS 47 OS GRANDES MOVIMENTOS ESPECULATIVOS 48 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 47 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O BRASIL ENTRA NA ERA MODERNA 51 Deleted: 50 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O PROGRAMA QUE MUDOU O BRASIL 51 Deleted: 52 A MICRO-ECONOMIA SE CASA COM A MACRO 53 Luis Nassif 5/5/11 10:59 TANCREDO 54 Deleted: 53 28/08/2006 21:08:09
  • 3. Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 54 Luis Nassif 5/5/11 10:59 OS CABEÇAS DE PLANILHA 3/127 Deleted: 54 Luis Nassif 5/5/11 10:59 AS IDÉIAS SE IMPÕEM 55 Deleted: 55 OS PRIMEIROS MOVIMENTOS 56 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A SEGUNDA VERTENTE, DA QUALIDADE 57 Deleted: 59 AS LIÇÕES DE MICHAEL PORTER 58 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 57 COLLOR ENTRA EM CENA 60 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 60 MUDANDO DE LUGAR 61 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 62 Deleted: 61 ESCANTEIO 63 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 63 Luis Nassif 5/5/11 10:59 AS IDÉIAS PRÉ-PLANO REAL 64 Deleted: 62 Luis Nassif 5/5/11 10:59 COMO SE CONSOLIDAM HEGEMONIAS 68 Deleted: 67 Luis Nassif 5/5/11 10:59 OS PARAÍSOS FISCAIS E OS DOLEIROS 70 Deleted: 69 A TROPICALIZAÇÃO DOS DÉFICITS GÊMEOS 73 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 74 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O PLANO REAL 76 Deleted: 72 Luis Nassif 5/5/11 10:59 DIAGNÓSTICOS 76 Deleted: 74 A PRIMEIRA ETAPA DO REAL 77 Luis Nassif 5/5/11 10:59 AS REGRAS DE REMONETIZAÇÃO 78 Deleted: 75 A APRECIAÇÃO DO REAL 79 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O FIM DOS SUPERÁVITS COMERCIAIS 81 Deleted: 76 A NOVA INSTITUCIONALIDADE 81 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A GUERRA DE COMPRADOS E VENDIDOS 82 Deleted: 77 A IRREVERSIBILIDADE DO MODELO 84 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O ABANDONO DOS ESTUDOS INICIAIS 85 Deleted: 79 A NOVA CLASSE 86 Luis Nassif 5/5/11 10:59 D.SEBASTIÃO E A REUNIÃO DE CARAJÁS 87 Deleted: 79 LÁGRIMAS DEPOIS 89 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 80 AS FERRAMENTAS FINANCEIRAS DOS ANOS 90 90 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 82 OS GESTORES DE RECURSOS E A PRIVATIZAÇÃO 94 Luis Nassif 5/5/11 10:59 AS INSTITUIÇÕES DA GLOBALIZAÇÃO 95 Deleted: 83 AS AGÊNCIAS DE RISCO 96 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A MANIPULAÇÃO DAS ANÁLISES 99 Deleted: 84 A LIÇÃO DE CASA E A TAXA DE RISCO 102 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A RETÓRICA DOS “JURISTAS” 102 Deleted: 85 A FEIJOADA FINANCEIRA 103 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A LIÇÃO DE CASA E AS EXPECTATIVAS SUCESSIVAS 105 Deleted: 88 “EM TODO LUGAR É ASSIM” 105 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O TODO PELA PARTE 107 Deleted: 87 A FALÁCIA DOS “JURISTAS” ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED. Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 92 CABEÇA DE PLANILHA 109 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 93 A PRIORIDADE ÚNICA ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED. Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 94 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O ÚLTIMO VÔO DA GARÇA 110 Deleted: 96 28/08/2006 Luis Nassif 5/5/11 10:59 21:08:09 Deleted: 99 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 100 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Luis Nassif 5/5/11 10:59
  • 4. OS CABEÇAS DE PLANILHA 4/127 O FETICHE DO SUPERÁVIT 110 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 111 O NOVO BRASIL 113 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 109 O NASCIMENTO DO NOVO CICLO 113 O NEO-DESENVOLVIMENTISMO EM GESTAÇÃO 113 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A ERA VARGAS E A PERDA DE RUMO 114 Deleted: 111 O POVO BRASILEIRO 115 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A DIPLOMACIA BRASILEIRA 116 Deleted: 111 O PAPEL DA GRANDE EMPRESA 117 Luis Nassif 5/5/11 10:59 A INOVAÇÃO COMO PARADIGMA 118 Deleted: 112 PESQUISA E DESENVOLVIMENTO 119 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O INPI E AS PATENTES 120 Deleted: 113 O ATIVO SOCIAL DO SUS 121 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O NOVO PLANEJAMENTO 121 Deleted: 114 A INTEGRAÇÃO CONTINENTAL 122 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O INTERESSE NACIONAL 123 Deleted: 115 O PAPEL DO ESTADO NACIONAL 124 Luis Nassif 5/5/11 10:59 O VÔO DO FALCÃO 125 Deleted: 116 É A POLÍTICA, ESTÚPIDO 126 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 117 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 118 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 118 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 119 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 120 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 121 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 122 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 123 Luis Nassif 5/5/11 10:59 Deleted: 124 28/08/2006 21:08:09
  • 5. OS CABEÇAS DE PLANILHA 5/127 Os Cabeças de Planilha - Estrutura Os Cabeças de Planilha - Estrutura Introdução As etapas para o desenvolvimento A primeira etapa do desenvolvimento: o café A segunda etapa do desenvolvimento: a Abolição Situação internacional: grandes descobertas tecnológicas. Economia interna e monetização. Sistema financeiro internacional e as grandes bolhas especulativas. As mudanças financeiras Encilhamento As ferramentas de especulação Os financistas do Encilhamento e o capital externo O governo Campos Salles. Movimento tenentista e a moratória de 1933. A redemocratização e o Plano Cruzado Os novos financistas Os "pirañas" financeiros. O plano Collor e os efeitos sobre a poupança. As primeiras privatizações. A entrada de Marcílio. Os preparativos do plano Real. A tese de Gustavo Franco. O plano Real As ferramentas financeiras A reforma monetária e o Príncipe Os economistas financistas. O novo Brasil e o Real A inclusão de consumidores. Os saltos da economia. A situação mundial e a grande chance 28/8/2006 21:08:09
  • 6. OS CABEÇAS DE PLANILHA 6/127 Introdução Introdução Em alguns momentos, na vida de uma nação, ocorrem terremotos políticos, geo- gráficos, que chacoalham estruturas sociais estratificadas, ampliam o mercado de consumo e de cidadania e, se bem aproveitados, permitem saltos históricos no de- senvolvimento de um país. A rigor, esse processo ocorreu três vezes no Brasil. O primeiro, no final do século 19. A Abolição e a política de atração de imigrantes criaram a oportunidade para o grande salto de inclusão social e de ampliação do mercado de consumo. Não houve políticas sociais de inclusão dos libertos; os imi- grantes não tiveram a posse da terra, demorando anos para acumular poupança e renovar os hábitos empresariais do país. Sem políticas de integração, em vez de novos cidadãos, se criou uma exclusão social que atravessou o século. A segunda grande oportunidade ocorreu no final dos anos 60. O processo de indus- trialização gerou rápida urbanização das cidades. Uma violenta seca no Nordeste provocou enorme processo migratório. Mais uma vez, políticas de inclusão social teriam parido uma nova sociedade, uma nova oferta de mão de obra especializada, um novo mercado consumidor. O regime militar nada fez. O resultado foi a deterio- ração dos serviços públicos e a criação das megalópoles, onde hoje em dia se con- centra a maior parte da miséria nacional. Depois, o esgotamento do “milagre” se deu pela falta de um mercado interno vigoroso. Com o plano Real, teve-se a maior chance da história, maior que o pós-Abolição, maior que nos anos 70. As conquistas tecnológicas das últimas décadas esparrama- ram-se por todos os setores. O avanço da logística e das comunicações implodiu a cadeia produtiva convencional das multinacionais. Elas passaram a distribuir suas fábricas pelo mundo e o Brasil seria o porto natural para os investimentos na Amé- rica do Sul. O fim da inflação, por sua vez, permitiu que milhões de brasileiros emergissem da noite para o dia para o mercado de consumo de forma indolor, sem movimentos migratórios traumáticos, sem crises políticas desorganizadoras. A explosão de consumo dos meses iniciais do Real atraiu os olhos do mundo. No final de 1994, havia projeções portentosas de crescimento da produção de bens de consumo duráveis e não duráveis, atraindo a atenção das maiores empresas do planeta. Por volta de 1994 fui entrevistado pela equipe de uma televisão finlandesa que pre- parava um especial sobre o Brasil. Estranhei o interesse de um país aparentemente tão afastado do Brasil quanto a Finlândia. A resposta do jornalista foi que o Brasil era a bola da vez. “Vocês, a China, a Rússia e a Índia”. O conceito do BRICs come- çava a se consolidar. Dez anos depois visitei a China. O que assisti em Xangai e Pequim foi inesquecível, o parto de uma potência. Esses dez anos haviam sido fundamentais para moldar o futuro da China. A lógica foi preparar uma espécie de projeto piloto de mercado, um mercado consumidor de 60 milhões de pessoas que serviam de chamariz inicial para o capital internacional. E 1,2 bilhão de excluídos como mercado potencial. À medida que os investimentos iam sendo realizados, integravam-se mais chineses ao mercado de consumo, criando mais atrativos para novos investimentos. No Brasil, o sonho acabou em abril de 1995. Um profundo desequilíbrio nas contas externas, intencionalmente provocado pela equipe do plano Real, impediu o país de continuar crescendo. Com as contas externas em frangalhos, o Banco Central preci- sou aumentar as taxas de juros de forma explosiva. Houve um cavalo-de-pau na economia. Seguiu-se enorme processo de quebradeira do setor público e privado, e de crescimento exponencial da dívida pública. 28/8/2006 21:08:09
  • 7. OS CABEÇAS DE PLANILHA 7/127 O país foi dividido em dois: o país dos dólares – que enriqueceu rapidamente apli- cando em títulos públicos – e o país do Real -- que foi sufocado, sem acesso a cré- dito, sem condições de rolar seus passivos, pagando cada vez mais impostos para garantir a remuneração dos rentistas. Todos os alertas foram feitos já em 1994, mais ainda em 1995. Mas até 1999 se manteve intocada a política cambial. Depois, pelo segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e pelo primeiro mandato de Lula, o BC continuou aplicando as mais altas taxas de juros do planeta. Mês após mês houve um refluxo do mercado, com os novos cidadãos voltando de novo para o limbo, para a zona cinzenta do baixo consumo e da baixa cidadania. Ano após ano o foi sendo queimada a oportunidade histórica de dar um salto no seu processo de desenvolvimento. Da mesma maneira que no início da República, com a política econômica implementada por Rui Barbosa que resultou no episódio co- nhecido como o “Encilhamento” – pesado jogo especulativo, primeiro com ações, depois com câmbio, que matou por quatro décadas as oportunidades de crescimen- to da economia brasileira. A vida de um país é formada por janelas de oportunidades. Elas permitem saltos, avanços, que, depois, vão sendo consolidados ano a ano, até o próximo salto, a próxima janela de oportunidades. São esses momentos que colocam à prova a racionalidade das elites. A passagem para um novo paradigma exige a superação dos esquemas de poder tradicionais, exige discernimento na implantação dos novos centros de poder, para evitar que os novos privilegiados imponham seus interesses sobre os interesses maiores de país. Se a acumulação de riqueza do período é canalizada para investimentos produtivos, o país se desenvolve; patina se fica rodando em falso, nos investimentos meramen- te especulativos. O que leva um governo, uma equipe de economistas presumivelmente preparados, a cometer erros bisonhos, facilmente detectáveis por seus contemporâneos, como foi o caso da apreciação do Real em 1994, ou da remonetização selvagem de Rui Barbosa em 1890? O que os leva a ignorar todos os alertas? A intenção desse trabalho é demonstrar as incríveis semelhanças entre os dois momentos cruciais, talvez as duas maiores janelas de oportunidade que o país já experimentou: a reforma monetária de Rui Barbosa, no alvorecer da República, e o Plano Real, no final do século 20. 1. Ambos os momentos foram precedidos por intensas mudanças tecnológicas nos países centrais que, depois de maduras, passam a buscar os países periféricos. No século 19, as ferrovias, a iluminação a gás e outros avanços ligadas ao processo de urbanização que marcou o período. No século 20, a Internet, as telecomunicações, os novos aparelhos eletrônicos,a computação. 2. Essas descobertas criam a oportunidade para grandes movimentos especulati- vos, que induzem o sistema financeiro internacional à criação de novas ferramentas financeiras de captação de poupança. A especulação se dá pelo fato de que, sabe- se que as novas invenções serão dominantes no novo mundo, mas não se consegue avaliar as vitoriosas e qual o prazo de consolidação e o ritmo de crescimento delas. Essa incerteza abre espaço para os grandes movimentos especulativos. No século 19, foram conhecidas as bolhas em torno de ferrovias, navegação a vapor e outros empreendimentos; no século 20, em torno da Internet, das telecomunicações. 3. Nas duas épocas há uma aceleração dos fluxos de capitais no mundo. À medida que os movimentos especulativos crescem, bolhas são criadas, explodem, outras surgem. Quando os ciclos tecnológicos amadurecem nos países centrais, o grande capital volta os olhos para as economias emergentes. Passa a interferir no próprio processo político desses países, em busca do melhor ambiente para o grande capi- tal, que é o da pax universal. Em meados do século 19 esse movimento é iniciado 28/8/2006 21:08:09
  • 8. OS CABEÇAS DE PLANILHA 8/127 pelos Rotschilds de Londres, comandando a Pax Britânica; no século 20 o movimen- to começa com a desvinculação do dólar do ouro, no governo Nixon, em 1972, ace- lera-se com o fim da União Soviética, e é comandado basicamente pelo Citibank, seguido dos grandes bancos de investimento norte-americanos. 4. Para que esse movimento seja maximizado, há a criação de uma ideologia de defesa do livre fluxo de capitais, da interferência política nos países periféricos (pa- ra impedir a eclosão de guerra ou o não cumprimento de contratos), da cooptação de quadros técnicos, políticos e econômicos, como associados menores desse capi- tal. Esses quadros técnicos atuam especialmente em duas frentes: na regulamenta- ção da economia e na garantia de livre fluxo cambial. 5. Tem-se uma paz duradoura no período, comandada pelo grande capital. A utopia fascina. Imagina-se que, à medida que os países centrais vão se desenvolvendo, os custos vão se tornando elevados, e o capital transbordaria para países periféricos universalizando o desenvolvimento. Bastaria, portanto, um ambiente favorável ao capital financeiro, livre circulação de capitais, que o desenvolvimento viria por si só. Em meados do século 19, a teoria em voga era a das vantagens comparativas. Ca- da país deveria se fixar naquilo que deveria ser sua vocação histórica – um princí- pio que condenava os produtores de matérias primas a se manterem assim até o final dos tempos. No final do século 20, vingou a teoria do capital externo como provedor de poupan- ça para os países emergentes. Bastaria criar as condições adequadas à sua atração, que o desenvolvimento se produziria automaticamente. Em ambas as ocasiões os emergentes que seguiram o receituário clássico torna- ram-se reféns de crises cambiais freqüentes. No final do século 19 representada pela quebra do Banco Bahrings, que provocou uma forte crise cambial na Argenti- na, rebatendo imediatamente no Brasil. No final do século 20, com o Brasil afetado sucessivamente pelas crises do México, Ásia, Rússia até explodir o modelo cambial no início de 1999. 6. Em ambos os períodos, há a ampliação do processo de industrialização. No sécu- lo 19, com o capital inglês transbordando e permitindo a industrialização tanto dos EUA quanto da Europa. No final do século 20 com a implosão da cadeia produtiva das grandes multinacionais, em um movimento de implantação de grandes unida- des em alguns países-chave, particularmente nos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Mas, curiosamente, só crescem os países que não seguem as regras preconizadas pelas grandes potências. Quem se abre para o livre fluxo de capitais e de comércio, não consegue se desenvolver. Nos dois momentos já havia um conhecimento sis- tematizado sobre os passos dados por países que lograram alcançar o desenvolvi- mento. Mas esse conhecimento é sufocado pela atoarda ideológica dos que defendi- am o livre fluxo de capitais. 7. Em ambos os momentos, o Brasil perde o bonde. No final do século 19 com o episódio conhecido como o “Encilhamento”; no final do século 20, com a apreciação do Real. Houve uma mesma lógica explicando os dois episódios e, em ambos os momentos, crises cambiais que ajudam a precipitar o desastre. Nos dois episódios, o processo-chave a ser desvendado é o da “remonetização” da economia. Isto é, o processo de injeção de moeda na economia de forma maciça, processo de reforma monetária que se repete poucas vezes na história e que confe- re a seus formuladores poderes discricionários. Se utilizados com sabedoria e patri- otismo, mudam a face dos países; se se deixam prevalecer os interesses individu- ais, matam por gerações as chances de desenvolvimento. É isso o que procuraremos sintetizar no próximo capítulo. 28/8/2006 21:08:09
  • 9. OS CABEÇAS DE PLANILHA 9/127 “Encilhamento” e Real: oportunidades perdidas “Encilhamento” e Real: oportunidades perdidas No século 19 o fechamento econômico havia produzido, no Brasil, uma classe agrá- ria anacrônica; no final do século 20, uma classe industrial mal acostumada. Com esse movimento de abertura, com a economia mundial mergulhando em processos agudos de liberalização financeira, surge uma nova classe, internacionalizada, do- minando as últimas ferramentas financeiras. São os “financistas”, no século 19 re- presentada pelo Barão de Mauá, Conselheiro Mayrink, Conde de Figueiredo, Conde de Leopoldina; no final do século 20, pelos bancos de investimento que surgem nos anos 80, como o PEBB, Garantia, Icatú, Pactual. Nos dois momentos, havia uma economia nacional que começava a se integrar ao mundo, grande liquidez internacional, uma situação excepcional na economia mun- dial, e um paradoxo brasileiro: um enorme potencial a ser explorado no mercado interno e uma poupança acumulada no período anterior, empoçada ou meramente preocupada com ganhos especulativos por falta de um ambiente de negócios favo- rável. Externamente, havia um volume expressivo de capitais brasileiros no exterior -- uma mistura de sub-faturamento das exportações, corrupção política, crime organi- zado e caixa dois—que florescia sob os ventos dos novos mecanismos financeiros criados para alavancar as novas modalidades de negócios. No século 19, a poupan- ça liberada pela Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico negreiro; no século 20, os enormes ganhos especulativos proporcionados pela inflação dos anos 80. Nos dois momentos, há uma confluência inédita de fatores, abrindo a possibilidade de notável expansão no mercado de consumo. No século passado com a Abolição e a política de importação de imigrantes cria-se um novo mercado interno com enor- me potencial. No final do século 20 com os milhões de brasileiros que ingressam no mercado de consumo nos primeiros meses do Real, abre-se a possibilidade de um enorme salto no mercado consumidor. Por outro lado, o crescimento dos países centrais provoca o transbordamento de capitais produtivos para países que privilegiam o mercado interno. No século 19, capitais ingleses ajudam na industrialização dos Estados Unidos; no século 20, capi- tais americanos se voltam para a Ásia e para a China. Em ambos os momentos, no Brasil, há a necessidade de uma remonetização da e- conomia, isto é, de uma política de aumento das emissões monetárias para atender às novas demandas da economia: no final do século 19, devido à mudança nas re- lações do campo, com a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado; no Plano Real, com o fim da inflação e a substituição de uma moeda inflacionada (o cruzeiro) por uma nova moeda, o real. A nova etapa de desenvolvimento depende de movimentos prévios bem sucedidos. O primeiro, da criação de um ambiente favorável à realocação da poupança interna e do investimento externo. O sucesso desse movimento depende de dois fatores: uma nova regulação, que prepare a economia para as novas formas de negócio in- ternacionais; e uma remonetização adequada, que canalize a poupança para a ati- vidade produtiva. Só que o controle sobre a remonetização confere um poder inédito aos seus condu- tores. Nos dois momentos – no “Encilhamento” e no Plano Real --, os interesses individuais se sobrepuseram aos interesses de país. Em lugar do salto de cresci- mento, houve concentração de renda, rentismo desbragado, aumento geométrico da dívida pública e estagnação da economia. Essa é a chave para se entender os dois momentos: a remonetização, o poder con- ferido às autoridades econômicas e políticas para definir de que maneira o novo di- nheiro fluirá para a economia. É aí que se dá o pacto de poder e de dinheiro entre 28/8/2006 21:08:09
  • 10. OS CABEÇAS DE PLANILHA 10/127 os novos grupos hegemônicos, os condutores da política econômica, o poder finan- ceiro e o poder político. Nos dois momentos os personagens são os mesmos. Mudam apenas os atores. Os personagens da história Rentista – é o personagem passivo (ou não) da história. É o detentor do grande capital nacional, que vai atrás de rentabilidade para ele. No século 19 eram ex- traficantes de escravos, comerciantes que enriqueceram com exportação de café ou de algodão, políticos ou advogados com influência nas políticas públicas. Mantinham seus recursos entesourados no país; os mais sofisticados, aplicavam na praça lon- drina. Nos anos 90, especuladores que enriqueceram na década de 80, com os grandes movimentos agressivos do mercado de capitais e da dívida pública brasilei- ra, políticos ou funcionários públicos que enriqueceram com grandes golpes permi- tidos pelo processo inflacionário; empresários que venderam suas empresas e re- solveram viver de rendas. No final dos anos 80 há início um processo de internacio- nalização dessa poupança, com os recursos sendo depositados inicialmente em bancos suíços e, depois, em paraísos fiscais preferencialmente do Caribe. Financista – são os donos de bancos de investimento que atuam para o grande capital rentista, têm contato com o grande capital internacional, e aprenderam as novas formas de engenharia financeira. No final do século 19 os nomes mais ilus- tres são o Conde de Figueiredo, o Conselheiro Mayrink, o Conde de Leopoldina. Nos anos 80, um conjunto amplo de corretoras que se transformam em bancos de in- vestimento. Dentre eles, os mais destacados são o PEBB, Garantia, Pactual, Icatu, Bozzano Simonsen. Nos anos 90 entram em cena o Opportunity, o Matrix, o BBA. Político – tem papel fundamental para definir o ambiente regulatório adequado ao financista e ao rentista. Depende do rentista como financiador de eleições; do eco- nomista como formulador das bandeiras de campanha. No alvorecer da Republica, ante a alienação do Marechal Deodoro, a figura-chave é o primeiro Ministro da Fa- zenda republicano, Rui Barbosa. No Plano Real, ante a alienação de Itamar Franco, o Ministro da Fazenda e depois presidente Fernando Henrique Cardoso dá as cartas. Economista – o formulador de política econômica. É o peão, o sujeito que faz o meio campo entre os interesses dos financistas e dos políticos. Em geral, estudou fora ou tem conhecimento das últimas teorias econômicas, e das últimas práticas regulatórias. O conhecimento que traz de fora, em linha com o último pensamento econômico, ou com a ideologia dominante, fornece o discurso de que carece o polí- tico para se legitimar perante a opinião pública. Seu conhecimento técnico definirá o modelo regulatório ou de monetização que atenda aos interesses dos financistas e dos rentistas. Ele cumpre seu papel no governo e se torna sócio menor dos finan- cistas. Foi o caso de Rui Barbosa, no “Encilhamento” e de praticamente todos os economistas que ajudaram na formulação do Plano Real. A “haute finance”—designação do economista Polanyi para o grande capital fi- nanceiro que começa a se organizar em meados do século 19, no primeiro grande ciclo de liberalização financeira e passa a intervir decididamente na vida das na- ções, visando criar o ambiente adequado para os negócios. Na primeira etapa, no final do século 19 o predomínio era dos bancos ingleses, capitaneados pelos Rots- child; na segunda, no final do século 20, da banca norte-americana, lierada pelo Citibank. Ferramentas de poder Havia três ferramentas poderosas das quais se valeram os economistas brasileiros para exercer o poder e abrir caminho rumo à fortuna pessoal: a remonetização, permitindo a acumulação de renda nas mãos do grande capital, a regulação da economia, criando o espaço favorável para o desenvolvimento do grande capital, e 28/8/2006 21:08:09
  • 11. OS CABEÇAS DE PLANILHA 11/127 a administração da dívida pública, como o grande lócus onde iria ocorrer a transferência de renda dos demais setores da economia para o capital rentista. No governo Deodoro, o movimento se dá em torno das grandes concessões ferrovi- árias, de serviços públicos ou de terras para colonização. No governo FHC, na pri- vatização e no crescimento descontrolado da dívida pública. Rui Barbosa viu na reforma monetária a possibilidade de beneficiar grupos específi- cos --e de ser beneficiado por eles. Beneficiou especialmente o Conselheiro Francis- co de Paula Mayrink e saiu do governo sócio de três mpresas dele. Do lado dos economistas do Plano Real, o processo foi semelhante. Eles surgem no bojo do Plano Cruzado, voltam com o Plano Real e implementam a troca de moe- das. Deparam-se, nesse trabalho, com o negócio do século: a reciclagem da pou- pança brasileira que, desde meados dos anos 80, se internacionalizara. Esses momentos permitem redesenhar o futuro não só econômico como político dos países. Defina-se por onde circulará o novo dinheiro e se definirá quem serão os novos vitoriosos da economia. Se se decidisse remonetarizar pela não rolagem da dívida pública, por exemplo, ha- veria uma esplêndida redução do endividamento – que já havia sido bastante redu- zido pelo bloqueio de cruzados do Plano Collor. Decidiu-se pela remonetização através da captação externa de dólares, que aqui eram adquiridos pelo Banco Central através da emissão de reais. Em todo processo de estabilização usando como âncora o câmbio, há a preocupa- ção em criar uma gordura, uma desvalorização cambial inicial que propicie fôlego para a estabilização. Depois do início do plano, o câmbio tem que permanecer está- vel para sinalizar para a nova estrutura de preços, e permitir a importação de pro- dutos sujeitos a altas especulativas. Por isso a gordura inicial é essencial. A cada dia que passa, há uma inflação interna não inteiramente domada, que é re- passada para os preços dos produtos exportados. Sem possibilidade de compensar com o câmbio, ocorre um encarecimento dos produtos internos vis-a-vis os produ- tos externos. Há uma redução das exportações, um aumento das importações, com a perspectiva de um estrangulamento cambial a médio prazo. Daí a necessidade de se criar uma gordura inicial no câmbio, para permitir uma folga que suporte o perí- odo de transição da estabilização. Com o Plano Real, em vez dessa precaução, tratou-se de apreciar o Real em 15% da noite para o dia. Não se tratava apenas de criar um garantia extra, ainda que exagerada contra a inflação. Sem oficialmente consultar ninguém da equipe, a e- Luis Nassif 18/7/06 23:31 xemplo de Rui Barbosa quando anunciou os beneficiários de sua política monetária, Comment: Conferir dado Gustavo Franco tomou a decisão solitária de apreciar o câmbio em níveis irreais. O único aplauso foi de Mário Henrique Simonsen, guru maior do grupo, e membro do Conselho Internacional do Citibank. Em seguida, especialmente Edmar Bacha e Gustavo Franco, passaram a difundir a necessidade de criação de déficits em contas correntes, que permitisse atrair pou- pança externa, que ajudaria a complementar a poupança interna e a pavimentar o caminho do crescimento. Tratava-se de um princípio econômico falso (cujos funda- mentos discutiremos mais adiante), mas que serviu de álibi para a apreciação cam- bial. No início do plano Real a balança comercial exibia um superávit anual de US$ 14 bilhões. No segundo semestre de 1994, todas as imprudências foram cometidas pa- ra reverter esse quadro. Além da apreciação cambial, derrubaram-se tarifas de im- portação, facilitou-se até a importação pelo correio. Para que o modelo de remonetização via ingresso de capitais externos fosse bem sucedido, isto é, para que criasse uma nova elite financeira e política, havia a ne- 28/8/2006 21:08:09
  • 12. OS CABEÇAS DE PLANILHA 12/127 cessidade de transformar o dólar em ativo escasso. Quanto mais escasso o dólar, maior a taxa de juros para atraí-lo. No final do ano, as contas externas estavam desequilibradas e tinha se alcançado o objetivo de tornar o dólar um ativo raro, pelo qual o Tesouro chegou a pagar 45% ao ano. Quem dominava o circuito de captação de dólares passou a deter o poder. Quem não dominava, quebrou. Com o golpe da apreciação, em poucos meses criou-se uma enorme dependência de dólares. Com essa manobra simples, aparentemente asséptica, estava definido o jogo, sem expor o flanco ao inimigo, como com Rui Barbosa, quando escolheu nominalmente os vencedores do jogo da remonetização. Quem comandou o movimento de atração de dólares foram os novos bancos de in- vestimento. A maior parte dos recursos externos captados era do grande capital brasileiro exportado nos anos anteriores. Em menos de um ano, a crise de inadim- plência quebrou a espinha dorsal da indústria e da agricultura. Em vez de esterilização da dívida pública, houve crescimento exponencial para re- munerar os fluxos de capitais externos. Foi nesse ambiente da dívida pública que se processa a maior transferência de renda da história. No Encilhamento e no Real houve especulação enriquecimento de poucos, concen- tração de renda e – pior – mataram-se as duas maiores janelas de oportunidade que a história do país registrou. Politicamente, o processo tem um discurso legitimador, não explicitado, uma espé- cie de código tácito entre seus operadores. O país tem uma classe empresarial ana- crônica, um operariado despreparado, não tem quadros tecnológicos disponíveis? Simples, escolhe-se uma classe internacionalizada – os financistas – com experiên- cia em novos modelos de negócios, acesso ao grande capital interno-exportado e internacional, e lhes entregue as ferramentas para se transformar nos agentes de modernização. Na interpretação de San Tiago Dantas, Rui Barbosa teria tentado “libertar forças novas que substituíssem a estrutura agrária e feudal do Império”. Com o tempo, os interesses particulares se sobrepõem ao geral. Cria-se um proces- so econômico torto, adaptado aos interesses de grupos, supondo-se que o novo modelo colocará a economia em um círculo virtuoso, capaz de corrigir sozinha as concessões iniciais. Depois, o projeto vai se entortando mais e mais, a sobrevivên- cia dos beneficiários passa a exigir novas gambiarras, que acabam por entortar mais o que torto está. Novos grupos de interesse se solidificam rapidamente sobre os alicerces tortos do modelo inicial. Os pontos centrais do fracasso são comuns a todos esses movimentos especulati- vos. Primeiro, o deslumbramento com a riqueza fácil, criando uma espécie de lassi- dão moral nos economistas, que passaram a subordinar todas as decisões de políti- ca econômica aos interesses imediatos do capital rentista. As demonstrações de novo-richismo no período não ficam atrás do ambiente descri- to pelo Visconde de Taunay em seu romance “O Encilhamento”. Todos da classe média, alguns ex-funcionários públicos, um se torna piloto de corrida e criador de cavalos, outro convida para degustação de vinhos em sua casa, através de colunas sociais, todos, em algum momento, tornam-se sócios de bancos de investimento, seguindo o exemplo de Rui Barbosa. O segundo ponto, conseqüência do primeiro, foi a escolha dos financistas que co- mandaram o processo. Com os interesses pessoais se sobrepondo aos nacionais, levou quem se articulou melhor. O terceiro, a falta de um estadista para corrigir o errado. Não há como construir uma nação sem uma profunda profissão de pé nos seus habitantes, e sem raciona- lidade.. Napoleão e Caixas dormiam com seus soldados, Franklin Roosevelt celebra- va a força do americano comum. FHC nunca ocultou seu deslumbramento com os salões e seu desprezo com sua missão de “comandar o atraso”. Esse temperamento 28/8/2006 21:08:09
  • 13. OS CABEÇAS DE PLANILHA 13/127 explica a falta de vontade em corrigir as distorções e o fato do desenvolvimento in- terno jamais ter se tornado prioridade em seu governo. 28/8/2006 21:08:09
  • 14. OS CABEÇAS DE PLANILHA 14/127 “Chutando a própria escada” “Chutando a própria escada” O exemplo americano No final do século 19, já havia uma consciência nacional sobre os modelos de de- senvolvimento bem sucedidos no mundo. Manoel Bonfim, o grande médico- psicólogo-historiador sergipano, autor do fundamental “América Latina, Males de Origem” mostrava um claro diagnóstico sobre o processo de desenvolvimento dos Estados Unidos, Japão e Argentina. Em meados do século 19, o economista alemão Friedrich List havia escrito uma o- bra seminal, identificando o processo de desenvolvimento das nações, do momento em que são constituídas ao momento em que se tornam hegemônicas, ou que se perdem pelo caminho. O grande exemplo da elite brasileira eram os Estados Unidos, embora a influência britânica persistisse até a década de 1930. De lá vinham as modas do mercado de capitais, da legislação tributária, o exemplo da independência. Havia um movimen- to irresistível de aproximação com os EUA, até como reação à influência britânica. Em 1792, o Secretário do Tesouro norte-americano, Hamilton, apresentou o “Re- port of Manufactures”, onde propunha a defesa das manufaturas norte-americanas, em reação ao protecionismo que havia na Europa. As tarifas iniciais foram insuficientes. Além disso, havia latente o conflito norte-sul. O norte, industrializado, demandava proteção; o sul, consumidor, reclamava do en- carecimento dos produtos. Mas em 1808, com a guerra explodindo, o comércio com a Europa foi interrompido. Em um ano o número de indústrias têxteis saltou de 8 para 31 mil. Embora ainda tímida, a defesa tarifária logrou estimular a manufatura interna. Com seu pragmatismo, os EUA queriam segurança, que as manufaturas viessem se instalar perto dos agricultores, para prevenir o desabastecimento em caso de guer- ra. A discussão estava acesa quando, em 30 de julho de 1827, durante a Convenção Nacional dos Protecionistas de Harrisburg, surge a voz poderosa de Friedrich List (1789-1846), economista alemão exilado de seu país por causa de suas idéias, que contrariavam o pensamento dominante de Adam Smith e Ricardo, com sua teoria das vantagens comparativas. Pela teoria, cada país deveria se fixar nos produtos em que pudesse obter vantagens claras. Dessas especializações sucessivas se teria um mundo cosmopolita, integrado e mais eficiente. Adam Smith e J.B.Say diziam que, da mesma forma que a Polônia, os Estados Uni- dos estavam destinados à agricultura, aproveitando o que natureza lhe oferecera. List se insurgia contra esses conceitos. Na Alemanha, sua atuação foi decisiva para a criação da união aduaneira dos estados alemães, início do futuro grande império alemão, e também para seu exílio, por seu estilo contundente de polemizar. Nos EUA, seu papel foi fundamental para consolidar os princípios defendidos por Hamilton, conferindo-lhe consistência técnica. Publicou doze cartas no Philadelphia National Journal, muitos anos depois, em 1841, juntadas no livro “Sistema Nacional de Economia Política”. Pela primeira vez, eram sistematizadas experiências nacionais de desenvolvimento e se rompia com um pensamento dogmático e esquematizante que se seguiu ao livro “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith. A essa altura, Adam Smith, Quesnais e Ricardo iniciavam a construção da economia, como ciência. Os valores do livre comércio eram cantados com ênfase, trazendo o ideal da universalização dos negó- cios e das nações. 28/8/2006 21:08:09
  • 15. OS CABEÇAS DE PLANILHA 15/127 List partia da análise da realidade, das experiências históricas, para lançar as bases da nova Economia Política. No prefácio à primeira edição, descrevia a maneira como desenvolveu sua metodologia. Ainda estavam vivos em sua memória os ganhos que França e Inglaterra haviam obtido com o livre comércio, a primeira abolindo as tari- fas alfandegárias internas, a segunda unificando três reinos na Grã-Bretanha. Por- que com outros países não ocorria esse ganho? O “insight” de List foi o de que os princípios de livre comércio de Adam Smith fun- cionavam maravilhosamente bem, mas só na hipótese de que todas as nações ob- servassem entre si os princípios de livre comércio em igualdade de condições. Para List, a teoria econômica levava em consideração apenas a humanidade como um todo e os indivíduos. Mas entre o indivíduo e a humanidade havia as nações. Em um ponto qualquer do futuro, a humanidade chegaria na situação de que todas as nações convergiriam para uma única federação. Mas, enquanto esse ponto não avançasse, não se poderia considerar o livre comércio como uma saída – especial- mente para as nações mais fracas. O livre comércio entre duas nações civilizadas só poderia ser mutuamente benéfico se ambas estivessem em um mesmo patamar de desenvolvimento industrial. Qual- quer nação que estivesse atrasada em relação a outra, do ponto de vista industrial, comercial e naval, mesmo possuindo meios materiais e humanos para se desenvol- ver, deveria, antes, aparelhar-se para entrar na livre concorrência com nações mais desenvolvidas. Em 1840 List previa que em breve os EUA se tornariam o maior país do mundo. A razão, segundo ele, é que, dotada de espírito pragmático, a elite norte-americana não se conformara com a teoria das vantagens comparativas. Se os EUA fossem seguir os ensinamentos de Adam Smith e apostar apenas em su- as vantagens agrícolas, dizia List, a população norte-americana teria se espalhado por todo o país, se diluído, sem a menor possibilidade de se formar um mercado interno forte, capaz de alavancar a industrialização. Ao contrário, com a Lei dos Têxteis, de Hamilton, os EUA passaram a proteger sua indústria nascente, a concentrar a população na costa Atlântica e a gerar massa crítica para iniciar a industrialização. Depois, uma política inteligente de distribuição de lotes a imigrantes ajudou na consolidação da moderna agricultura norte- americana, superando o modelo agrícola anacrônico do sul. Simultaneamente, grandes ferrovias passaram a integrar todo o país, permitindo a ligação do Atlântico com o Pacífico, fugindo do controle severo que a Inglaterra e- xercia sobre o comércio marítimo do Atlântico. No final do século 19, os EUA já despontavam como grande potência mundial, e era modelo para muitos brasileiros lúcidos, como o próprio Manoel Bonfim. O exemplo inglês A estratégia inglesa servia de comprovação para as teses de List. A Inglaterra tor- nou-se a maior potência da época por ter evitado o erro de abrir seu mercado antes da hora. No início, a base de sua economia era vender lã de ovelhas em estado bruto para a Bélgica, onde eram tingidos e trabalhados. Sob o reinado de Carlos I e Jaime I houve proteção à produção inglesa. Em breve, a indústria têxtil se consoli- dou, a Inglaterra passou a exportar tecidos finos, de valor agregado, e a importar pouquíssimo. Até Jaime I, as exportações de manufaturados de lã respondiam por 9/10 das ex- portações inglesas. Com a proteção à sua indústria, a Inglaterra conseguiu expulsar as exportações da Liga Hanseática para a Rússia, Suécia, Noruega e Dinamarca. Conseguiu lucros enormes no comércio com Orienta e as Índias Orientais e Ociden- tais. A indústria da lã estimulou a mineração do carvão que, por sua vez, deu ori- 28/8/2006 21:08:09
  • 16. OS CABEÇAS DE PLANILHA 16/127 gem ao extenso comércio pesqueiro e à pesca, os dois últimos servindo de base à montagem do poderia naval britânico, consolidado nas Leis de Navegação. Duramente criticadas por Adam Smith, as Leis de Nanegação davam exclusividade para os navios ingleses no transporte de carvão e todo transporte comercial marí- timo. Outros setores de manufaturas foram protegidos. No reinado de Isabel, foram proi- bidas importações de artigos de metal e de couro, e foi incentivada a migração de mineiros alemães e trabalhadores em metal (List, 33). Também proibiu a constru- ção de navios fora do pais e estimulou a vinda de trabalhadores especializados. Para concorrer com a pesca de arenque dos holandeses e com a pesca da baleia dos moradores de Biscaia, Jaime I chegou a exortar os ingleses a aumentar o con- sumo de peixe. Finalmente, artesões protestantes expulsos da Bélgica e da França foram acolhidos pela Inglaterra e, em troca, lhe deram a excelência na manufatura de lã fina, na fabricação de chapéus, linho, vidro, papel, seda, relógios de parede e de pulso, manufatura metalúrgica. Em cada país europeu a Inglaterra foi buscar o que tinha de melhor. Depois, im- plantou sua própria manufatura, à custa de proteção alfandegária e estímulos de diversas naturezas. O aumento da marinha mercante permitiu a construção de uma marinha de guerra que ajudou a derrotar os holandeses. As conseqüências maiores das Leis de Navegação foram as seguintes (List, 34): 1. A expansão do comércio inglês com todos os reinos nórdicos, Alemanha e Bélgi- ca, comércio do qual os ingleses haviam quase totalmente sido excluídos pelos ho- landeses até 1603. A lógica implacável dos ingleses era a de importar matérias primas e exportar manufaturados. 2. Expansão incalculável do comércio de contrabando com a Espanha e Portugal, e com suas colônias das Índias Ocidentais. 3. Aumento substancial da pesca de arenque e da baleia, atividades antes quase completamente monopolizadas pela Holanda. 4. Conquista da mais importante colônia inglesa nas Índias Ocidentais, a Jamaica, em 1655, permitindo o controle sobre o comércio açucareiro na região. 5. Conclusão do Tratado de Methuen (em 1703) com Portugal, que assegurou uma vantagem inquestionável para a Inglaterra. List chamava particularmente a atenção para a maneira habilidosa como os ingleses casaram seus interesses em Portugal e na Índia. E produziu uma obra prima de sín- tese, mostrando as peças em jogo no Tratado de Methuen. Primeiro, a maneira co- mo a Inglaterra atuou em cima das condições dadas. Segundo, o que teria ocorrido se tivesse seguido os ensinamentos de Adam Smith e Ricardo. Desde 1721, na abertura do Parlamento daquele ano, o rei Jorge I havia explicitado a estratégia inglesa: “É evidente que nada contribui tanto para o bem-estar público quanto a exportação de produtos manufaturados e a importação de matéria-prima do estrangeiro”. Mais do que uma teoria vaga, a Inglaterra montou sua estratégia em cima desse princípio vital. Havia quatro blocos de países em jogo. A Inglaterra, com sua manufatura em expansão e o domínio do comércio do Atlân- tico, com as Índias Orientais e Ocidentais. Portugal tinha metais que interessavam a Inglaterra, e uma indústria de vinhos. A Índia tinha uma indústria têxtil poderosa, mais articulada que a inglesa, e outras manufaturas desenvolvidas. Mas tinha carência de ouro. A Inglaterra não queria importar manufaturas indianas, por serem mais competiti- vas que as suas. Mas havia demanda por produtos indianos em outros países da 28/8/2006 21:08:09
  • 17. OS CABEÇAS DE PLANILHA 17/127 Europa que, por sua vez, produziam matérias primas que interessavam à Inglater- ra. O acordo com Portugal, firmado pelo embaixador britânico Paul Methuen previa os seguintes pontos: 1. A Inglaterra permitiria a importação de vinhos portugueses com tarifas alfande- gárias equivalentes a 1/3 das tarifas de países concorrentes. 2. Portugal consentiria em importar roupas e tecidos ingleses com taxas alfandegá- rias de 23%, mesma alíquota cobrada antes de 1684, quando Portugal se tornou protecionista. Para o rei de Portugal, o acordo interessava pela possibilidade de aumento das re- ceitas alfandegárias. Da parte da nobreza portuguesa, havia aumento da renda pelo aumento das exportações de vinhos. A rainha Ana da Inglaterra saudou Portugal como “seu mais antigo amigo e aliado”, “baseado no mesmo princípio pelo qual o Senado romano, antigamente, outorgava títulos aos governantes que cometiam a imprudência de estreitas relações comerciais com o império”, como lembra List (List, 47). Imediatamente após o acordo, houve uma inundação de manufaturas inglesas que praticamente arrebentou com a indústria portuguesa. A Inglaterra recorreu a todos os expedientes, inclusive colocando produtos sub-faturados, para pagar menos ta- xas alfandegárias. Na outra ponta, levou toda prata e ouro de Portugal. O Oriente tinha uma manufatura avançada de lã e algodão. Se abrisse as importa- ções de lã e seda aos produtos da Índia, a manufatura inglesa teria sido liquidada. Não interessava à Inglaterra importar produtos de valor agregado. O que ela fez então? Exportava suas manufaturas para Portugal e recebia o ouro e prata em pa- gamento. Com eles, adquiria os produtos do Oriente e vendia para o mercado eu- ropeu, mas na Inglaterra eles não entravam. Dos países europeus a quem vendia os produtos indianos, os ingleses adquiriam matérias primas que serviram para a- limentar sua manufatura. Essa posição da Inglaterra foi insensata, indagava List? De acordo com os princípios de Adam Smith e da Teoria dos Valores de J. B. Say, sim. Teria sido loucura fabri- car internamente produtos mais caros, e ceder aos países do continente os produ- tos mais baratos adquiridos da Índia. No entanto, a Inglaterra se transformou na potência hegemônica do período. Isso porque não estava interessada simplesmente em adquirir artigos manufaturados de baixo custo e perecíveis, mas adquirir a “for- ça de produção”. Com essa estratégia, a Inglaterra conquistou um poder sem paralelo; os demais países, que adquiriram manufaturas mais baratas, não se desenvolveram. List lembrava que no capítulo 6º de seu Livro 4º, Adam Smith criticava acerbamen- te o tratado. Alegava que os portugueses levavam uma vantagem decisiva, ao ex- portar vinhos a taxas alfandegárias inferiores a seus concorrentes.Enquanto isto, os ingleses exportavam tecidos pagando taxas alfandegárias quase iguais a de seus concorrentes. Os ingleses não auferiram nenhuma vantagem especial com o tratado, continuava Adam Smith, pois eram obrigados e enviar para outros países grande parte do ouro que recebiam de Portugal, pelas exportações de seus tecidos. Nesses países, eram obrigados a trocar o ouro por produtos locais. Logo, teria sido muito mais vantajoso para a Inglaterra trocar diretamente seus te- cidos por produtos portugueses que necessitavam. Haveria uma única troca, em vez das duas, embutidas no acordo com Portugal. Essa lógica linear não correspondia aos fatos reais, bradava List. Antes, Portugal importava grande parte dos artigos estrangeiros da França, Holanda, Alemanha e Bélgica. A partir do Tratado, os ingleses passaram a comandar o mercado portu- 28/8/2006 21:08:09
  • 18. OS CABEÇAS DE PLANILHA 18/127 guês para um produto manufaturado, de cuja matéria prima ela, Inglaterra, era au- to-suficiente. Além disso, o enorme superávit inglês provocou um desequilíbrio nas taxas de câmbio. A valorização da libra frente à moeda portuguesa fez com que os preços dos produtos portugueses chegassem 50% mais baratos aos consumidores ingle- ses. Com isso, praticamente acabaram as exportações de vinhos franceses e ale- mães na Inglaterra. O ouro e prata de Portugal garantiram à Inglaterra acesso aos produtos indianos, com que inundaram a Europa, arruinando as manufaturas portuguesas. Todas as colônias portuguesas, especialmente o Brasil, se transformaram em feudos ingle- ses. Era um jogo extraordinariamente complexo, sofisticado, fulminante, para caber a- penas nas regras gerais da nova ciência que surgia, a economia. Nas relações comerciais, a Inglaterra era impiedosa. Em todos os tratados comerci- ais concluídos pelos ingleses, havia a tendência de incluir a venda de seus produtos manufaturados, oferecendo vantagens aparentes de troca por matéria prima e pro- dutos agrícolas. Em todos os casos, oferecia financiamentos e produtos mais bara- tos, visando destruir as manufaturas concorrentes. Além dos tratados, os ingleses se especializaram em fraudar a alfândega e em estimular o contrabando. Com o bloqueio continental de Napoleão, pela primeira vez as manufaturas alemãs e francesas começaram a registrar progressos importantes e que se generalizaram. Com a volta da paz, a manufatura inglesa voltou, retomando a antiga primazia e destruindo as indústrias concorrentes. O exemplo da Argentina1 De 1880 a 1910, em apenas vinte anos os argentinos transformaram um país qua- se selvagem, com um terço do território ocupado por índios, sem moeda própria, sem presença no comércio internacional na primeira potência a emergir do hemisfé- rio sul, um dos quatro maiores PIBs do mundo, o maior exportador de cereais do planeta, o segundo maior exportador de carnes, após os Estados Unidos. Quando se consumou o processo de integração do país, até então dividido por guer- ras intermitentes entre as províncias, Buenos Aires se transformou em capital de fato. A província de Buenos Aires mudou sua capital para La Plata, e as rendas da aduana passaram a ser nacionais. Sob a presidência de Juan Roca, criava-se uma Nação e, tocando o projeto nacional, um Estado com receita própria, exército na- cional (assim como o nosso, que se profissionalizou na guerra do Paraguai). Calhou, nesse momento, o aparecimento de uma elite racional, com um projeto de país. A base do pensamento estratégico havia sido fornecida, anos antes, pelo advogado Juan Bautista Alberdi, que defendia a imigração controlada. Haveria o estímulo aos imigrantes, a garantia de propriedade, de acesso aos bens públicos, inclusive do ingresso no serviço público. Apenas não lhes facultava provisoriamente o direito de eleitor. A visão de Alberdi era a de que os imigrantes gradativamente inoculariam a sociedade argentina com os valores do trabalho de seus países de origem e, após algumas décadas, com o país civilizado, haveria reformas políticas que completari- am o processo. Mais que isso, através da criação do Conselho Nacional da Educação em 1882, de- cidiu-se universalizar o ensino gratuito. Os pais eram obrigados a colocar os filhos na escola, as províncias mais pobres eram ajudadas pelo governo central. No plano econômico, teve início a grande “revolução dos Pampas”, a ocupação de grandes áreas, muitas quase desérticas, dominadas pelos índios, primeira tentativa de agricultura organizada no país. O exército ia à frente abrindo espaço. Inovações tecnológicas garantiam os saltos de produtividade. A primeira foi a cerca, que per- 28/8/2006 21:08:09
  • 19. OS CABEÇAS DE PLANILHA 19/127 mitiu confinar o gado e preservar a lavoura, transformando a região, ao mesmo tempo, em produtora de carne e grãos. Outra foi o moinho de vento, importado da Austrália, que extraía água do subsolo, acabando com a dependência de rios ou la- gos, e ampliando as terras agricultáveis. Na mesma época, o campo começa a re- ceber as primeiras máquinas a vapor. Quando um francês inventou o frio artificial, e surgiram os primeiros navios frigorí- ficos, a Argentina explodiu como exportadora de carnes para a Europa. No início do século já era o maior exportador de cereais e o segundo maior exportador de car- nes do mundo, atrás dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, uma política protecio- nista racional ajudava a fortalecer a indústria de vinhos de Mendoza e a açucareira de Tucumã. As raízes ibéricas plantaram as sementes das crises posteriores que liquidaram com os sonhos de potência dos argentinos. As terras conquistadas ficaram nas mãos dos tarratenientes –oficiais do exército que se apossaram delas e que, na maior parte, viviam do arrendamento aos imigrantes. Estratificou-se a propriedade da terra, o grupo dos fundadores da nacionalidade envelheceu morreu, ficando elite predadora, enriquecida, deslumbrada pela rapidez com que tudo foi conquistado. Depois, em 1930 ocorreu o primeiro golpe de Estado. Mas as raízes plantadas na- queles curtos anos foram tão fortes que, mesmo passado do populismo mais des- bragado ao liberalismo mais irresponsável, a Argentina resistiu. A receita do crescimento O tratado de List decifraria, de forma ampla e sistêmica, o espetáculo do desenvol- vimento. O desenvolvimento não podia se sustentar em uma perna só. De nada a- diantaria de uma boa manufatura, sem dispor de uma esquadra naval adequada. De nada adiantaria a esquadra sem um mercado interno que garantisse os princi- pais produtos. No caso da Liga Hanseática, durante séculos praticaram o que a nova ciência pre- conizava: compravam barato e vendiam barato. Quando os ingleses lograram fe- char os mercados para os mercadores da Liga, como não havia nem agricultura nem indústria manufatureira nativa suficientemente desenvolvida, o capital emi- grou para a Holanda e para a Inglaterra. Em seu tratado, List abordaria praticamente todos os pontos que, no final dos anos 90, o Brasil começaria a estudar para tentar recuperar o caminho do desenvolvi- mento. Tudo começava por uma visão estratégica adequada, dizia List. Poder é mais im- portante que riqueza. O poder nacional é uma força dinâmica, que abre a porta pa- ra novos recursos produtivos. O poder precisa ser utilizado para gerar novas forças de produção, e manter as existentes. Por poder, List definia a capacidade de uma nação de defender sua produção, de impor regras comerciais, de dominar fluxos de comércio. Ponto central nas análises de List era o caráter nacional. Atribuía a enorme riqueza da Inglaterra não apenas ao poder nacional e ao amor inato do inglês pelo ganho financeiro. Considerava fundamental o amor inato do povo à liberdade e à justiça, à energia, ao caráter moral e religioso. Incluía nesse ambiente favorável a Constitui- ção do país, as instituições, a sabedoria e a força do governo e da aristocracia (List, 39). Enquanto as liberdades civis atraiam para a Inglaterra capital e novos talentos, a Espanha perdeu todo seu ímpeto de grande potência, todos os elementos de gran- deza e prosperidade quando a Inquisição expulsou os judeus e os mouros, ao todo 2 milhões de seus mais operosos e abastados habitantes. Fugiram eles e seu capi- tal. 28/8/2006 21:08:09
  • 20. OS CABEÇAS DE PLANILHA 20/127 Com sua lei de patentes, a Inglaterra estimulou e atraiu o gênio inventivo mundial. E com suas liberdades civis atraiu grande quantidade de capital e de talentos no- vos. A História ensina que as artes e o comércio migram de uma cidade para outra, de um país para outro. Perseguidos e oprimidos em sua pátria refugiaram-se em cida- des e países que lhes asseguravam liberdade, proteção e apoio. Foi assim que as artes e o comércio migraram da Grécia e da ásia para a Itália; da Itália para a Ale- manha, Flandres e o Brabante; e dali para a Holanda e para a Inglaterra (List, 82). A partir da análise de várias experiências nacionais, Lizt sistematiza conhecimentos sobre processos de desenvolvimento, dividindo-os em quatro etapas básicas. O primeiro salto, depois de formada a nação, é quando descobre um bem primá- rio de exportação, e começa a se relacionar com o mercado internacional. Embora historicamente o Brasil fosse um país exportador de mercadorias –pau-brasil, açú- car--, o controle da acumulação era português. O café foi o primeiro produto que permitiu a exportação e a acumulação em mãos de empresários brasileiros. A partir dessa base exportadora, o país começa a importar e a entrar em contato com bens e produtos dos seus parceiros comerciais. Aí se dá o segundo salto, que é o processo inicial de substituição de importações. Para se consolidar é fundamen- tal a proteção à indústria nascente através de tarifas, câmbio competitivo. E tam- bém a criação de condições para o fortalecimento de um mercado de consumo ini- cial, que sirva de alavanca para essa fase inicial da industrialização. Consolidada a segunda etapa, entra-se na terceira etapa, que é a abertura grada- tiva do mercado, para conferir competitividade à indústria nacional, evitando o a- comodamento pelo excesso de proteção. Completado o ciclo, ingressa-se na quarta etapa, que é a conquista do mercado internacional, através de estratégias comerciais, controle de rotas comerciais. Tornando-se hegemônica, a economia torna-se liberal. Abrem-se os mercados nos quais é evidente a superioridade da nação, e exige-se contrapartida dos parceiros comerciais menos competitivos. Apresenta-se o modelo liberal que o país passou a adotar quando entrou na quarta fase como se fosse adequado para países das fases anteriores. E, aí, entra em ação e hegemonia cultural – a contrapartida natural à hegemonia econômica. O país hegemônico passa a propagar o ideário do liberalis- mo comercial. Seus centros de pensamento – universidades, instituições em geral, imprensa – passam a difundir como universais princípios adequados apenas à quar- ta etapa de desenvolvimento. O processo de desenvolvimento não se dá em torno de teorias rígidas. As teorias são instrumentos de compreensão da realidade, subsídios para a implementação de políticas econômicas. Mas o referencial máximo, para a definição das políticas eco- nômicas adequadas, é o da análise da realidade, o comportamento estratégico ten- do em vista a situação de momento. Uma política liberal, no início da industrialização, mata o processo. Da mesma ma- neira que uma política protecionista, na fase de maturidade econômica, provoca o acomodamento dos empresários e a perda de vitalidade. Quando o país da quarta fase preconiza suas práticas econômicas para os países das fases anteriores, está procedendo ao que List chamava de “chutando a própria escada”. Depois de escalarem as três etapas iniciais de desenvolvimento, tentam impedir os países menos desenvolvidos de trilhar o mesmo caminho. Tentam impor as práticas que passaram a adotar depois de vitoriosos e, aí, o componente cultural ideológico, a emulação das práticas dos países centrais, passam a ser ferramentas fulminantes. No seu livro, List repassava a história de inúmeras civilizações, de países ou cida- des-estado que ganharam enorme poder e influência, e acabaram afundando por não terem conseguido articular adequadamente os interesses nacionais. A partir 28/8/2006 21:08:09
  • 21. OS CABEÇAS DE PLANILHA 21/127 desses estudos, o centro de análises de List passou a ser a nacionalidade, como o interesse intermediário entre o indivíduo e a humanidade inteira. Quando a Alemanha começou a discutir projetos nacionais, List deparou-se com enorme resistência de um conjunto de interesses que juntava de intelectuais ale- mães que haviam estudado na Inglaterra, importadores com interesses em produ- tos ingleses e, por baixo de tudo, a enorme influência ideológica do pensamento inglês, àquela altura, potência hegemônica mundial. Narrava ele que “um exército incontável de correspondentes e escritores líderes, desde Hamburgo até Bremen, desde Leipzig até Frankfurt, saíram a campo para condenar os desejos absurdos dos manufatores alemães no sentido de estabelecer taxas alfandegárias protecio- nistas comuns”. A lógica de ataque se perpetuaria pelos tempos. List era acusado de ignorar princípios elementares de economia política, “tais como haviam sido consagrados pelas maiores autoridades científicas” (List, 4). Na época, era notória a influência do Ministério do Exterior inglês, com grossa verba destinada à defesa dos seus interesses comerciais. No minucioso levantamento que faz sobre países que se tornaram hegemônicos, List deixa lições preciosas. Assim como para as empresas, os países crescem apro- veitando janelas de oportunidade, que podem surgir em mudanças políticas inter- nas, em conjunturas internacionais favoráveis. O grande segredo do desenvolvi- mento é saber aproveitar essas brechas de oportunidades e criar modelos institu- cionais adequados, que permitam ao país o salto para a etapa seguinte. Essa dinâ- mica inicial vai desenvolvendo o país, de forma mais ou menos acelerada, até a brecha seguinte, que vai exigir novas soluções. O Brasil teve algumas janelas de oportunidade desde que se tornou nação. As duas mais relevantes guardam semelhanças extraordinárias entre si. A primeira, no final da Monarquia e início da República, que resultou no “Encilhamento”, o grande mo- vimento especulativo que atrasa substancialmente o ingresso do país na segunda fase. O segundo, o plano Real, que compromete o ritmo de ingresso do país na ter- ceira fase. 28/8/2006 21:08:09
  • 22. OS CABEÇAS DE PLANILHA 22/127 Os novos tempos Os novos tempos Para completar o quadro de fatores que atuava sobre a economia internacional da época, e afetou diretamente o Brasil no período do “Encilhamento”, há a necessida- de de introduzir dois atores fundamentais da história: as grandes revoluções tecno- lógicas do século 19 e o aparecimento do grande capital financeiro, o chamado “haute capital”, montando a mais sofisticada estrutura de coordenação transnacio- nal que o mundo já testemunhara.’ As revoluções tecnológicas As revoluções tecnológicas não são lineares. Em geral, há uma primeira etapa de mudança de paradigma. Depois, uma corrida frenética atrás das novas tecnologias que, invariavelmente levam a movimentos especulativos e “crashes” sucessivos. Depois disso é que o mercado se assenta, a especulação sai de cena e dá espaço para o período de consolidação. É uma disputa pesada entre o novo e o velho. Em geral há dos períodos distintos, cada qual durando algumas décadas. A primeira fase é o período em que a nova economia se consolida e avança sobre a economia já madura. A segunda é a do es- palhamento do novo paradigma vitorioso, renovando toda a economia. Luis Nassif 18/7/06 23:31 Tabela 1: Uma paradigma tecno-economico para cada revolução tecnológica diferente, 1770 a 2000 (Perez 2000), citado por Comment: Levantar mais dados Mateus Cozer Revolução Tec- Instalação Ponto de Desenvolvimento nológica Virada Erupção Frenesi Sinergia Maturidade 1° Revolução In- Final dos 1793-97 1798-1812 1813-1829 dustrial 1771-início 1780s e dos 1780s início dos 1790s 2° Era do Vapor e 1829-1830s 1840s 1848-50 1850-1857 1857-1873 das Ferrovias 3° Era do Aço, 1875-1884 1884-1893 1893-95 1895-1907 1908-1918 Eletricidade e Engenharia Pesada 4° Era do Petró- 1908-1920 1920-1929 1929-43 1943-1959 1960-1974 leo, do Auto- móvel e da Produção em Massa 5° Era da Infor- 1971-1987 1987-2001 2001-?? 20?? mação e Tele- comunicações A “haute finance” É no bojo do financiamento dessas ondas tecnológicas que o capital financeiro ga- nha musculatura e se internacionaliza. 28/8/2006 21:08:09
  • 23. OS CABEÇAS DE PLANILHA 23/127 Em um livro clássico escrito em 1940 – “A Grande Transformação” --, o economista Karl Polanyi tentava sistematizar, pela primeira vez, a natureza do que ele denomi- nava de “haute finance”, o grande capital que emerge nas três últimas décadas do século 19. Essa “haute finance” teria papel relevante nos lances seguintes da política econômi- ca nacional, que resultariam no “Encilhamento”. A partir daí e nas três primeiras décadas do século 20, coube a “haute finance” ser o elo entre a organização política e econômica do mundo, fornecendo os instrumen- tos para um sistema internacional de paz. É um período dominado pelos Rotschild. Eles não estavam submetidos a nenhum governo, lembrava Polanyi. O poder de firma consistia em ser o único elo suprana- cional entre o governo político e o esforço industrial em uma economia mundial em rápido crescimento (Polanyi, 25). Seu poder e independência decorriam das neces- sidades da época, que exigiam um agente soberano que tivesse a confiança tanto dos governos nacionais quanto dos investidores internacionais. Para cumprir esse papel, a “haute finance” precisava buscar aliados nos bancos e no capital financeiro nacionais. Organizacionalmente, constatava Polanyi, a “haute finance” foi o núcleo de uma das mais complexas instituições que a história do ho- mem já produziu. Além do centro internacional, em Londres, havia meia dúzia de centros nacionais gravitando em torno de seus bancos de emissões e bolsas de va- lores. “Os banqueiros internacionais financiavam não apenas governos e guerras, mas faziam investimentos externos na indústria, nos serviços públicos e ban- cos, bem como empréstimos a longo prazo para as corporações públicas e particulares fora do país”. Para garantir a segurança dos seus investimentos e empréstimos, a “haute finance” se preocupava bastante com as oscilações cambiais e com o equilíbrio orçamentário das nações. Os dois instrumentos de influência da City Londrina era o padrão ouro e o constitucionalismo. Eram as palavras de ordem para os países que aderiram à nova ordem internacional. “O padrão era controlado por uma infinidade de grupos nacionais e persona- lidades, cada um deles com seu tipo peculiar de prestígio e destaque, autori- dade e lealdade, sua capacidade de dinheiro e de contatos, de patronato e au- ra social” (Polanyi, 26) Apesar de apontado por Lenine como principal estimulador de guerras, ao grande capital internacional interessava fundamentalmente a paz. Era tamanha a rede de interesses entrelaçada por todo o mundo que, se a guerra poderia eventualmente beneficiar alguns clientes maiores, desarrumava a vida de milhares de outros clien- tes. Em relação aos países, tinha duas posturas diferentes. Sabia reconhecer o exercício do poder das potências; e a dependência de capitais da periferia. Através do con- trole do crédito, acabam se transformando nos gestores de fato das políticas eco- nômicas dos países periféricos. Toda a política econômica era centrada em dois pontos: a solvência do país, para quitar seus empréstimos; e a manutenção de moedas estáveis. O “padrão ouro” conferiu um poder excepcional aos países detentores de capitais. Como os países que aderiam ao padrão só poderiam emitir com lastro em ouro, a cada crise cambial, do produto principal de exportação, eram obrigados a contrair dívidas com os bancos internacionais, para garantir a conversibilidade de suas mo- edas. 28/8/2006 21:08:09
  • 24. OS CABEÇAS DE PLANILHA 24/127 Esse modelo acabava levando a crises financeiras periódicas, afetando vários países de periferia. No auge das crises cíclicas, os grandes bancos centrais em Londres, Paris e Berlim elevavam suas respectivas taxas de desconto, para evitar a saída de ouro. Com isso, atraíam os capitais de curto prazo e se beneficiavam da queda das cotações dos produtos primários, devido à redução da liquidez internacional (Beluz- zo, in Fiori, 96). Esses movimentos de capitais, da periferia para o centro, lançavam os emergentes em crises terríveis, mas ajudavam a resolver as crises dos países centrais. Um dos mais famosos episódios especulativos da história, com o instrumento a venda a futuro, foi a "bolha" em torno das tulipas holandesas, Quando a especula- ção absorveu toda a produção foram criados negócios de venda futura de bulbos da tulipa, processo iniciado em 1636. Terminou em um crack violento. A principal ferramenta que movimentaria a especulação até 1929 surgiu em mea- dos do século 19 nos Estados Unidos, Era o mecanismo da concessão de emprésti- mo, o chamado "call loans", recursos que os bancos comerciais repassam aos cor- retores, para que eles ofereçam à sua clientela. A garantia do empréstimo era a caução das ações dos tomadores. O "call" significava que o banco poderia chamar à liquidação do empréstimo a qualquer momento. O banco exigia uma "margem de garantia", emprestando apenas um percentual do valor dos títulos, de acordo com seu valor de mercado. Se as cotações caíssem, aumentava a dificuldade dos toma- dores, que era agravada pela redução automática do valor emprestado. Foi o pedi- do de garantias adicionais que acelerou o crack de 1929. O câmbio também permitia jogadas especulativas periódicas, com os grandes ban- cos “apostando” contra moedas fracas, ou no deságio dos títulos das dívidas dos países periféricos. A maneira de minimizar os riscos era o controle sobre as informações, a dependên- cia que os países tinham dos fluxos de capitais, e a capacidade de influenciar a opi- nião pública, criando uma ideologia pró livre cambismo. As próprias mudanças no capitalismo internacional permitiam que a industrialização inglesa transbordasse para outros países, particularmente os Estados Unidos. Esse período é caracterizado pelos seguintes eventos2: A consolidação das práticas de financiamento e de pagamentos internacionais sob a égide de um padrão monetário universal. A metamorfose do sistema de crédito, expressiva no aparecimento de bancos de depósitos que ajustam suas funções e formas de operação à nova economia co- mandada pela indústria. A emergência de uma nova divisão social do trabalho, consubstanciada na crescen- te separação entre o departamento de meios de consumo e o departamento de meios de produção. A internacionalização capitalista sob a hegemonia inglesa “produz” a industrializa- ção dos EUA e da Europa e, simultaneamente, a periferia produtora de matérias primas e alimentos. No final do século 19, quando a República ensaia os primeiros passos, já havia um mercado internacional de mercadorias funcionando em Londres, com suas cotações sendo acompanhadas diariamente por negociantes de todas as partes do mundo. De 1830 a 1870, um reduzido número de estados, todos europeus, dera início a um extraordinário ciclo de expansão do capitalismo financeiro. Esse ciclo se prolonga até 1914, quando eclode a Primeira Guerra Mundial. Com o fim da Guerra da Secessão nos EUA, em 1860, o mundo passa por um pro- cesso inédito de transformações, preparando a nova etapa do desenvolvimento mundial. Os EUA já preparavam o salto para se tornar grande potência. Depois da guerra franco-prussiana, ocorrera a unificação da Alemanha; no Japão, acontecera a Restauração Meiji. Depois da Guerra da Criméia ocorrem mudanças na Rússia 28/8/2006 21:08:09
  • 25. OS CABEÇAS DE PLANILHA 25/127 também. É esse grupo de países, ao lado da França, e sob a liderança da Inglater- ra, constituem o núcleo duro do novo sistema global (Fiori, 41). Alguns países conseguiram aproveitar do excesso de capitais, da coordenação in- glesa e , com o chamado “déficit de atenção” da Inglaterra em relação às suas es- tratégias de desenvolvimento, nas décadas seguintes começavam a despontar co- mo novas potências. Depois de várias crises cambiais, o sistema financeiro internacional se estabilizara em torno do “padrão ouro” e em uma estrutura hierárquica. No centro, ficava o Banco da Inglaterra. Num segundo grupo, os bancos da França e da Alemanha. No terceiro, da Holanda, Áustria e Bélgica (Fiori, 65). A “haute finance” já havia fincado os olhos no país e montado sua rede de alianças, a partir do momento em que Mauá montou um banco em Londres e tentou se con- verter em banqueiro londrino para fugir à pressão política interna. Não conseguiu, foi derrotado, mas chamou a atenção da banca londrina para o grande potencial daquele gigante adormecido. As grandes bolhas especulativas O potencial de riqueza fácil com mudanças monetárias e as bolhas especulativas já eram de conhecimento geral quando Rui Barbosa deu início à política monetária que levaria ao “Encilhamento”. O exemplo mais marcante foi o de John Law, nascido em 1671, filho de um ourives abastado que emprestava dinheiro a juros, que chegou a Ministro das Finanças da França e montou uma companhia que detinha o monopólio do comércio do Vale do Mississipi (ainda sob domínio francês), Índia, China e Pacífico Sul. Law mudou-se para Londres com 17 anos. Era mulherengo, jogador, e, depois de matar o pretendente a uma amante sua, teve que se refugiar na Europa continen- tal. Lá, tomou contato com os modelos de crédito do Banco de Amsterdan. Na falta de reservas em ouro, o banco recebia moedas dos comerciantes, que adquiriam em troca crédito pelo seu valor, na forma de notas. Em uma época dominada pelo “padrão-ouro”, passou a defender que a quantidade de moeda em uma economia não deveria ser pautada pelas reservas em ouro ou pelo saldo da balança comercial, mas pelas necessidades de troca internas da pró- pria economia. Defendia o papel-moeda e títulos lastreados em terras e impostos. Em 1715 o Duque de Orleans se tornou regente, após a morte de Luís 14. A França passava por uma crise portentosa que o novo Regente tentava resolver através da recunhagem de moedas e de uma desvalorização cambial de 20%. Amigo do Duque, Law apresentou um diagnóstico diferente. Em sua opinião, a França sofria de falta de moedas e de excesso de desvalorizações cambiais. Propu- nha o uso da moeda fiduciária e a criação de um banco emissor de títulos de crédito lastreados em receitas de impostos e propriedades. O Estado ficaria com o mono- pólio de todas as atividades financeiras e fazendárias. Foi o início do Banque Generale, no ano seguinte, emitindo títulos resgatáveis em moeda corrente. Como o país ainda sofria do pânico da desvalorização das moedas metálicas, em pouco tempo a moeda fiduciária se impôs e os títulos passaram a ser negociados com ágio de 15% -- contra um deságio de 80% das moedas de ouro e prata. Percebendo o potencial do novo padrão monetário, Law criou uma compa- nhia na Luisiana, ainda uma colônia francesa, que deteria o monopólio do comércio no rio Mississipi. Prometia de que as terras gerariam riquezas em ouro , seda e a- gricultura. Apenas um ano depois de fundado, o banque Generale foi estatizado, tornou-se o Banque Royale, e o Regente ordenou a impressão de papel-moeda no equivalente a 28/8/2006 21:08:09
  • 26. OS CABEÇAS DE PLANILHA 26/127 três vezes a dívida pública. Houve reação do Parlamento e Law terminou afastado do Banque Generale. Ainda influente, a Companhia do Mississipi conseguiu em 1817 não apenas a con- firmação de seus direitos sobre o rio Mississipi mas também sobre as Índias Orien- tais, China e Pacífico Sul. Para financiar as operações, Law emitiu 50 mil ações a serem integralizadas em notas do Tesouro com 80% de deságio. Prometeu aos a- cionistas uma rentabilidade de 120% ao ano. Pequenos investidores correram em massa atrás do pote da fortuna, adquirindo op- ções de compra das ações. Excesso de papel-moeda, promessas de ganhos fantás- ticos, produziram uma corrida aos novos papéis, que tiveram uma demanda seis vezes superior à oferta. Em 15 meses os papéis de Law experimentaram uma valo- rização de 2.900%. Com esse sucesso, o passo seguinte foi a fusao do Banque Ro- yale com a Companhia do Mississipi, e Law nomeado novo Ministro das Finanças. Em 1720, não resistiu à primeira crise. Houve uma corrida contra a companhia, com os vendedores não exigindo moeda metálica. Law resistiu, deflagrando uma onda de desconfiança em relação ao papel-moeda. Para enfrentá-la o governo des- valorizou e limitou os saques de moeda metálica. A conseqüência foi uma explosão de contrabando de ouro para a Inglaterra e Holanda, paralisando o comércio. Ten- tou-se limitar a posse de moeda-metálica pelos indivíduos, além de se proibir a compra de jóias, prata e metais preciosos. O país quase foi engolido pela revolta popular. No final do ano, o valor das ações da Companhia do Mississipi tinha caído 98% em relação ao início do ano. Law foi demitido, a crise ajudou a preparar a Revolução Francesa e a palavra “ban- co” foi banida do dicionário financeiro francês, substituída pela “credit”. Mas seu modelo de enriquecimento fácil que montou passou a ser a ambição maior de mui- tos aventureiros por todo o mundo. E a pedra filosofal de sucessivas gerações de financistas passou a ser a suprema chance de montar uma reforma monetária com final bem sucedido, que lhes assegurasse o sucesso inicial de Law, sem arcar com os infortúnios posteriores. Com a internacionalização financeira, os movimentos especulativos tornar-se-iam mais freqüentes. 28/8/2006 21:08:09
  • 27. OS CABEÇAS DE PLANILHA 27/127 A segunda fase do desenvolvimento: a Abolição A segunda fase do desenvolvimento: a Abolição Na segunda metade da década de 1880, o Brasil tinha todas as condições de repetir o feito norte-americano. A economia estava prestes a explodir, a ultrapassar a fase da monocultura do café e começar a formar uma sociedade sofisticada, pronta para entrar na segunda fase de List. As condições eram claras. Um primeiro ensaio de política industrial ocorreu com a vinda de Dom João 6º ao Brasil. Além da abertura dos portos, criou a siderurgia nacional e fundou o Banco do Brasil em 1808. Em 28 de anril de 1809 concedeu direitos aduaneiros às matérias primas consumidas pelas fábricas brasileiras, isen- tou de impostos a exportação de produtos manufaturados e passou a utilizar produ- tos brasileiros no fardamento das tropas (Moniz Bandeira, paper FGV). Fez mais, introduziu os primeiros conceitos de patente, garantindo privilégios por 14 anos os inventores ou introdutores de novas máquinas, e garantiu 60.000 cru- zados às manufaturas com dificuldade, especialmente as de lã, algodão, ferro a a- ço. No arsenal da Marinha, construiu a fábrica de pólvora, a tipografia régia, bem como criou o Colégio Militar e o Naval. Em fins de 1809, o engenheiro Friedrich Ludwig Varnhagen chegou ao Rio de Janei- ro com a missão de estudar a possibilidade de construção de uma siderúrgica no morro de Araçoiaba, perto de Sorocaba. Em 1812, com o apoio de Dom Manuel de Assis Mascarenhas Castelo Branco da Costa Lencastre, conde de Palma, Dom João 6º construiu outra usina siderúrgica, a Fábrica Patriótica, perto de Congonhas do Campo. Ao mesmo terreno, começava a antiga tradição mineira de fabricação de ferro gusa, através de Manoel Ferreira de Câmar Bittencourt e Sá. Segundo Moniz Bandeira, a Inglaterra não queria a abertura dos portos no Brasil. O que pedira fora apenas um porto exclusivo em Santa Catarina, que Dom João 6º não concedeu. Como não conseguisse o monopólio, os ingleses pressionaram-no para que firmasse o Tratado de 1810, concedendo às manufaturas inglesas uma tarifa preferencial de 15% ad valoren, menor até que as de Pportugal, que eram de 16%, e de 24% para as demais nações. O esforço por ver a Independência reconhecida, fez com que, no final da década de 1820, o Brasil assinasse inúmeros tratados comerciais desiguais com a própria In- glaterra, França, Prússia, Áustria, Dinamarca, Países Baixos, a Liga Hanseática e com os Estados Unidos. Esses tratados acabaram atrasando o processo de industri- alização interno. Apenas entre 1842 e 1844, quando os tratados expiraram, o Ministro da Fazenda Manuel Alves Branco deu início a uma política de proteção da indústria infante, ele- vando a tarifa de importação de 3 mil produtos, para uma faixa entre 20 a 60%. Esse período se estendeu de 1844 a 1876. Em 1877, já havia no Brasil fábricas de produtos químicos, instrumentos óticos, calçados, chapéus, tecidos de lã e algodão. Em meados do século 19, o cônsul geral da França em Montevidéu chegou a cha- mar o Brasil de “Rússia Tropical”, que tinha a “vantagem da organização e da per- severança em meio dos Estados turbulentos e mal constituídos” da América do Sul. Em 1850, com a lei Eusébio de Queiroz, foi proibido o tráfico negreiro. A decisão liberou volumes consideráveis de capital. Dessa conjuntura se aproveitou Irineu E- vangelista de Souza, o futuro Barão de Mauá, lançando as bases de um sistema bancário moderno. Com sua capacidade de aglutinar poupança, obter ganhos de arbitragem no câmbio e ter acesso a capitais ingleses, o Barão de Mauá traçara o roteiro do desenvolvimento. 28/8/2006 21:08:09
  • 28. OS CABEÇAS DE PLANILHA 28/127 Começa a trabalhar muito cedo em uma casa comercial brasileira, transfere-se para uma importadora inglesa, aprende as novas teorias econômicas e financeiras. De- pois, descobre a possibilidade de atrair capital externo para empreendimentos no país. Monta um banco, com várias filiais pelo país e uma filial em Londres, e passa a cap- tar na praça londrina. Ao mesmo tempo, descobre rapidamente possibilidades e- normes de ganhos na arbitragem de câmbio, valendo-se do baixo fluxo de informa- ções no país. Ganhava meramente arbitrando as diferenças de câmbio entre as di- versas praças em que operava no país. Descobriu, também, os dois grandes modelos de negócio que atrairiam os grandes capitais na época: os serviços urbanos e as ferrovias integrando grandes distâncias. Com sua capacidade de mobilizar capitais montou a primeira indústria de base no país, o porto de Areia, ..... Depois, o serviço de iluminação a gás no Rio de Janeiro, companhias de navegação no Amazonas, bancos no Uruguai, Argentina. Mauá deixou lições indeléveis a todas as gerações posteriores. De um lado, mostrou o poder regenerador do capital bem aplicado, seu enorme poder transformador quando controlado por pessoas com imaginação para novos negócios, controle so- bre os números, estratégias empresariais bem definidas. Mas a atuação de Mauá abriu os olhos de dois personagens que passariam a exer- cer um papel confuso no país, dali por diante. Primeiro, foi o dos grandes rentistas. Encurralado pelas ações de Pedro 2o, Mauá descobre um aspecto relevante da cul- tura estatal brasileira. Como empresário brasileiro, ele despertava ciúmes. Se se tornasse empresário inglês, teria direito a privilégios. Quando começa a se mover por Londres, expondo seus negócios, desperta os ban- queiros ingleses para novas possibilidades para o país. Até então, os países emer- gentes eram uma boa fonte de lucros, mas apenas para o mercado de crédito. Quanto pior a situação do país, quanto maior o "risco país", maiores os juros pagos pelos empréstimos. A atuação de Mauá mostrava, para o mercado londrino, as excepcionais possibilida- des abertas no mercado de investimento. O novo país tinha poupança acumulada, e uma enorme demanda por novos modelos de negócio que se desenvolviam nos paí- ses centrais. De um lado, os melhoramentos urbanos, iluminação a gás, saneamen- to. De outro, as grandes obras de integração nacional, como as ferrovias. Quando Mauá se preparava para se associar ao banco britânico London and ......, foi derrubado por uma manobra conjunta do governo e da banca inglesa. Do lado de cá, recusaram a tratar como inglesa uma empresa que tivesse como sócio um Luis Nassif 18/7/06 23:31 empresário brasileiro. Do lado de lá, aproveitou-se essa dificuldade para desman- Comment: O nome completo do banco char a sociedade, e os candidatos a sócios entrarem no país competindo com Mauá, e dispondo de todos os favores do governo. Quando se deu o Encilhamento, esse banco tinha o controle sobre os movimentos cambiais do país, com claro poder de mercado. A partir desse episódio, forma-se uma nova aliança, que irá marcar dali pela frente a economia brasileira, uma aliança tácita entre os grandes rentistas brasileiros e a banca internacional. O dinheiro saía do Brasil e ia para Londres. As empresas brasi- leiras montavam escritórios na cidade, depositavam os recursos nos bancos ingle- ses. Depois, esses recursos entravam no país através de empréstimos ao setor pú- blico ou de inversões em setores regulamentados, através de concessões com ga- rantia mínima de rentabilidade. O rentista brasileiro garantia a aprovação de leis favoráveis às concessões. Atuava nas duas pontas, como político e como investidor. O banco inglês garantia recursos adicionais e a jurisdição internacional sobre os empréstimos. 28/8/2006 21:08:09