Tecnologia da informação, crescimento exponencial e a singularidade
1. Tecnologia da Informação, Crescimento Exponencial e a
Singularidade
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE
É bem verdade que o ritmo alucinante de evolução tecnológica parece estar restrito aos
computadores e à eletrônica, mas uma devida reflexão revela um padrão mais sutil e mais
onipresente no mundo contemporâneo do que se imagina. Conforme vem demonstrando já há
algum tempo Ray Kurzweil ao longo de sua premiada, ainda que não completamente
incontroversa, carreira de cientista e futurólogo, não apenas a computação, mas também as
comunicações, as tecnologias biológicas (tais como seqüenciamento de DNA), as tecnologias
médicas (tais como a varredura não-invasiva e o conhecimento do cérebro humano), as
técnicas de aproveitamento da energia solar com a ajuda da nanotecnologia, tudo isso
experimenta um crescimento exponencial. Em suma, onde há tecnologia da informação,
observa-se um crescimento um tanto previsível: a duplicação da potência (preço versus
desempenho, capacidade, largura de banda) a cada ano. E esse crescimento exponencial é
suave, gradual, incremental, matematicamente idêntico em cada ponto, mas, em última
instância, profundamente transformador.
Como a duplicação não acontece indefinidamente, a tecnologia da informação progride
através de uma série de curvas de crescimento denominadas de S-curvas, cada uma
representando um paradigma diferente. (Uma S-curva, ou curva sigmoidal, assim denominada
em 1844 por Pierre François Verhulst que a estudou em relação ao crescimento de
populações, começa com um estágio de crescimento aproximadamente exponencial, e, à
medida que se aproxima da saturação, o crescimento desacelera e acaba parando. É quando
ocorre a mudança de paradigma.) Exemplo célebre, a Lei de Moore (“a quantidade de
transistores em um chip duplica a cada 18 meses, enquanto que o preço cai pela metade”),
enunciada nos anos 1960’s, não é o primeiro paradigma a trazer o crescimento exponencial
para a computação, lembra Kurzweil. Nos anos 1950’s eram as válvulas que decresciam de
tamanho, até que chegou a um limite, e aí deram lugar aos transistores, que, por sua vez,
foram substituídos pelos circuitos integrados. No próximo paradigma, ao que tudo indica, será
a vez dos circuitos moleculares auto-organizáveis tridimensionais.
Em palestra proferida na sede da Google em 01/07/2009 sobre seu livro a ser lançado “How
the Mind Works and How to Build One”, Kurzweil chama à atenção para o fato de que já no
seu início o século XXI demonstra que será uma era na qual a própria natureza do que significa
ser humano será não somente enriquecida mas também desafiada, na medida em que a
espécie humana rompe os grilhões de seu legado genético, e atinge níveis inconcebíveis de
inteligência, progresso material e longevidade. A taxa de mudança de paradigmas está hoje
dobrando a cada década, de modo que, nesse ritmo, o século XXI deverá testemunhar 20.000
anos de progresso. O livro, segundo Kurzweil, é essencialmente sobre a possibilidade de se
fazer uma engenharia reversa do cérebro, mas ele se refere à mente de modo a trazer à tona
as questões fundamentais sobre a consciência. “Um cérebro se torna uma mente à medida em
que ele se mistura com seu próprio corpo, e, na verdade, nosso círculo de identidade vai além
2. do nosso corpo”, acrescenta Kurzweil, afirmando que embora haja interação com o ambiente,
não há uma clara distinção entre quem somos e o que não somos. O propósito da engenharia
reversa do cérebro humano seria entender os princípios básicos da inteligência.
Em uma cartada ainda mais audaciosa, Kurzweil, em co-autoria com o médico homeopata
Terry Grossman, publicou recentemente “Transcend: Nine Steps to Living Well Forever”
(Rodale Books, Abril 2009) no qual afirma que a medicina está cada vez mais se integrando
com a tecnologia da informação, e dessa forma fazendo avanços também a um ritmo
exponencial. Ao leitor interessado em uma “extensão radical da vida”, os autores recomendam
estabelecer como objetivo imediato se manter vivo nos próximos 20 anos de modo a poder
vivenciar os avanços em reprogramação de DNA e os robôs submicroscópicos reparadores de
células. A bem da verdade, já em 2006 no livro intitulado “The Singularity Is Near: When
Humans Transcend Biology” (Penguin) Kurzweil defendia que a humanidade está no limiar de
uma era que deverá tornar realidade a intercalação da biologia com os avanços mais
espetaculares da tríade Genética, Nanotecnologia e Robótica (GNR) levando à criação de uma
espécie humana com inteligência, durabilidade, compreensão e memória irreconhecivelmente
altas. Além desse limiar, também chamado de singularidade, estaria reservado um futuro
imprevisível e qualitativamente diferente dos tempos atuais.
Procurando levar sua mensagem ao grande público sobretudo no que diz respeito às
ramificações sociais e filosóficas das profundas mudanças que antevê, Kurzweil se envolveu
diretamente na produção de um filme documentário com première em Nova Iorque já
marcada para 24 de Junho chamado “The Singularity is Near: A True Story About the Future”,
baseado em parte no seu livro “The Singularity Is Near”. Intercalando ficção com realidade, o
filme traz o próprio Kurzweil entrevistando 20 pensadores entre os quais Marvin Minsky, além
de uma estória narrativa que ilustra algumas de suas idéias e traz como protagonista um
avatar (Ramona) que salva o mundo de robôs microscópicos auto-replicantes.
Um outro filme documentário de longa metragem intitulado “Transcendent Man” foi lançado
em 2009, dirigido por Robert Barry Ptolemy, no qual Kurzweil aparece explicando que a
Singularidade, um ponto num futuro próximo em que a tecnologia estará evoluindo tão
rapidamente que os seres humanos terão que se “reforçar” com inteligência artificial para
poder acompanhar. Seria o alvorecer de uma nova civilização na qual não mais seríamos
dependentes do nosso corpo, seríamos trilhões de vezes mais inteligentes, e não haveria
distinção entre humanos e máquinas, entre a realidade verdadeira e a realidade virtual.
A repercussão de suas previsões sobre a Singularidade tomaram corpo a ponto de, juntamente
com o empreendedor Peter Diamanidis (fundador da X-Prize Foundation), e com o apoio de
diversas empresas e líderes na área da ciência e da tecnologia do Vale do Silício (tais como Vint
Cerf, Bob Metcalfe, Larry Page e Sergey Brin), abrir caminho para a fundação da Singularity
University: “uma universidade interdisciplinar cuja missão é reunir, educar e inspirar quadros
de liderança que busquem entender e facilitar o desenvolvimento de tecnologias que avançam
exponencialmente, de modo a encarar os grandes desafios da humanidade. Com o apoio de
uma ampla gama de líderes na academia, nos negócios e no governo, a SU espera estimular o
pensamento inovador e disruptivo focado na resolução de alguns dos desafios mais prementes
do planeta. A SU é baseada no campus de Ames da NASA no Vale do Silício.”
3. Em palestra recente com o título “The Democratization of Disruptive Change” proferida no
encontro “H+ Summit at Harvard – Rise of the Citizen-Scientist” (12-13 Junho, 2010), Ray
Kurzweil expôs sua visão sobre quais seriam os caminhos mais eficazes para se chegar a um
verdadeiro entendimento do cérebro humano, ao mesmo tempo em que apresentou
respostas aos críticos de suas interpretações sobre o crescimento exponencial da tecnologia da
informação. Segundo seus cálculos, estaríamos a apenas duas décadas de modelar e simular
completamente o cérebro humano. Kurzweil afirma que é somente estendendo nossa
inteligência com tecnologia inteligente que podemos arcar com a escala de complexidade para
lidar com os grandes desafios da humanidade: manter um meio-ambiente saudável, propiciar
recursos para uma população crescente incluindo energia, alimentação e água, suplantando a
doença, estendendo amplamente a longevidade humana, e erradicando a pobreza.
Extrapolações exacerbadas à parte, não há como negar um voto de confiança a quem, além de
ter sido um dos pioneiros em reconhecimento ótico de caracteres, síntese de texto para voz,
tecnologia de reconhecimento de voz, e instrumentos de teclado eletrônico, já recebeu
dezenove títulos de Doutor Honoris Causa, além de honrarias de três presidentes americanos.
Como se não fosse bastante, Kurzweil publicou seis livros, quatro dos quais figuraram na lista
de bestsellers.