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PÉRICLES PRADE




  ESTE INTERIOR
        DE
SERPENTES ALEGRES

         1963




    EDITORA ROTEIRO


                      2
ESTE INTERIOR
        DE
SERPENTES ALEGRES

       1963




                    3
ESTE INTERIOR
        DE
SERPENTES ALEGRES




             Basta mover a língua para que as trevas
              invadam tudo e os seres me repugnem.
                                            Camus

                                                  4
ESTE INTERIOR
        DE
SERPENTES ALEGRES




                    5
TÁBUA


EXPLICAÇÃO PRÉVIA (FALTA PROFESSOR ESCREVER)

GRANDE CARBONO

COMÉDIA

RITMO DE OURO

SERPENTES QUE SOMOS

OUTRA MELODIA

POR TODA PARTE

PASSADO FEROZ

PERTO DO LARANJAL

NÃO PODERIAS SER

ENTRE OS BAMBUZAIS




                                               6
GRANDE CARBONO




Os deuses cavaram em mim uma gruta de emoções estranhas,
fizeram da extensão do corpo um interior de serpentes.
Os deuses abriram em mim um sulco por onde a noite canta
e no horizonte de minha voz fundiram arame e espinhos.
Os deuses rasgaram sobre mim poesias de barcos e infância,
quiseram roer a base que se chama clara ternura.
Os deuses levaram meus pés às nuvens e os cânticos
que saem de minha boca estão pregados no tempo.
Os deuses sabem que sou comprometido e no escuro
concebo curvas, pontos, vírgulas e reticências da morte.
Os deuses conceberam em mim não o filho predileto
mas a grande bacia onde a humanidade poderá cuspir.
Os deuses andaram pelas minhas costelas
tocando hinos de úmida expressão.
Os deuses têm nas mãos as pedras e as flores
que deixei no varandão da amada.
Os deuses têm nos corações um tribunal de zinco
condenando aquilo que poderia ter sido
astro ou bandeira ondulando.
Saberão os deuses que desconheço
de sua pintura a presença em sangue
e faço do mundo um grande carbono
com suas assinaturas desaparecidas?




                                                             7
COMÉDIA




Uma comédia, esta em que a faca
penetra a seda e faz na terra
uma colheita de segredos.
Uma comédia, esta em que a seda
cobre de verde o ritmo das montanhas
e a umidade cansada das charnecas.
Uma comédia, esta em que o campo
é espaço onde crescem esperanças
e capins de qualquer estação.
Uma comédia, esta em que os segredos
ficam pendurados no esqueleto do tempo
à espera de novo conflito brotando.
O que é drama senão a melodia da faca,
a melodia da seda, a melodia das folhas
e todos os segredos com cheiro de antigas vassouras?
 − Sei, drama é desconhecer a profundidade do corte,
não saber o ponto frágil e audacioso da seda,
ter certeza de que na selva crescem armadilhas
e que a todo momento é mais forte o sal do mistério
nesta comédia que é a vida em moldura de febre e dor.




                                                        8
RITMO DE OURO




Como tronco este corpo é sustentáculo e raiz
para o compasso interior da voz que cansa.
Entre o imprevisto e o ousado nascendo dos gestos
conservo o ritmo de ouro destas veias incertas.
No mundo, agora, há serenatas cortando
em forma de feridas e violinos.
Este ser lançado às arestas da dor
faz da noite mais um balde de águas sobrando.
Amanhã serei outro rio e outra floresta
aos que desconhecem a corda do não enforcar
mas sabem que no mistério deuses espiam silêncios.
Permanece o elástico da emoção
que se desdobra no panorama do tempo.




                                                     9
SERPENTES QUE SOMOS




Oh noturno, deixa envenenar em mim a lembrança da morte,
faze da destruição a mensagem sigilosa dos deuses.
Ah, noturno, haverei de batizar com sangue a alegria
de amar o desconhecido no mundo, porque somente assim
serei feliz como Calígula
na serenidade triste do impossível.
Oh mortais, sou o contemplador suado
de um mundo cercado de anjos,
anjos decaídos da beleza.
Oh poetas, descei do grande planalto interior,
vinde ao encontro desta voz sem mistério
que se perturba com o canto de sol das serpentes,
das serpentes que somos neste grande quintal
onde a ternura é a sobrevivência da morte.




                                                           10
OUTRA MELODIA




Este pássaro e seu vôo procuram a planície
porque a floresta é um derrubar de árvores.
Rompem-se minhas asas na abertura da tarde
e à noite uma ciranda de vozes as contemplam.
As vozes do tempo, fera perdida em algum lugar.
Este pássaro e seu vôo procuram a planície
pois na selva a serpente canta outra melodia.
Meu corpo cairá ao vesgo abraço do sol
com suas cortinas doendo minhas vestes?
As vestes deste pássaro à espera de ser homem.
Na planície meu coração pousará poesias antigas
e seu sangue será estrada para bêbadas crianças.
Bêbadas crianças que retiram da flor a emoção do licor
e das noites o amargo que este pássaro tem no bico.




                                                         11
POR TODA PARTE




Procurei por toda parte o desígnio forte de tua serenidade.
Procurei por toda parte a violência escondida em ti,
marcada por um coração cheio de ervas sagradas.
Procurei por toda parte aquilo que seria em ti
a fortaleza leal de um novo compromisso de ternura.
Malditos, sei onde se encontram
as vozes manchadas de sangue.
Apareçam malditos, e no meu quarto morto de aventuras
serão encontrados os papiros onde foram escritos
os mandamentos de todas as mortes do mundo.
Procurei por toda parte as luzes deixadas
nos cabarés antigos, as danças e o murmúrio
dos pistons violentos tingindo a noite.
Procurei, procurei sim, e continuo procurando
tudo aquilo que não foi dito pelo tempo
neste ambiente de mansos fantasmas.
Procurei a mais vasta solidão, mais vasta que a minha,
salgada como a voz do pescador à sombra do mar,
largado ao ritmo maduro das águas cansadas.
Não importa procurar somente, se o desconhecido
é a insuficiência das perguntas e das respostas
nesta terra onde é fértil o impossível brotando.
Não importa procurar somente,
fazer uma composição de sangue talvez
ou mesmo dizer nas praças que sofro.
A cada procura redescubro que sou o triste poeta
na antevéspera da realização.




                                                              12
PASSADO FEROZ




Num passado feroz busquei profecia de estrelas
e os enormes navios dos enormes Vikings romperam meu peito
entre as paredes da solidão e a vertente de dores.
Num passado feroz busquei um cesto de laranjas italianas
para senti-las na boca como as veias anêmicas de minha vó
para oferecê-las aos pássaros cansados das estradas.
Num passado feroz busquei flores escuras para cobrir
minhas poesias de corpo cheirando a enxofre
e esconder um exército de crianças sem fé.
O passado é como estreito desfiladeiro
e sempre poderá haver avalanche em perspectiva
para esmagar um olho, braços, dedos, uma voz qualquer.
O passado é como os barcos de cascos quebrados
percorrendo imprudentes canais onde os cadáveres amigos
são tristes manequins em todas as vitrines.
O passado é como as tranças da estranha namorada,
hoje talvez claro vampiro caminhando sobre os olhos
de algum menino à beira de desconhecidos abismos.
Não quero em mim o retrocesso porque machuca.
Não quero em mim a volta porque há piratas no brejo.
Não quero em mim a lembrança porque hoje sou o mar
onde todos os mistérios das lendas se levantam.




                                                             13
PERTO DO LARANJAL




Perto do laranjal as serpentes tranqüilas voltam o rosto
para este ser que se alonga com os pés mordidos na noite.
Perto do laranjal as serpentes tranqüilas voltam o rosto
para este poeta – noturno princípio de renovada dor.
Perto do laranjal as serpentes tranqüilas voltam o rosto
para esta outra serpente que se estende violenta.
Sei, amanhã elas não voltarão com seus olhos azuis
e serão apenas brinquedos para as crianças
ou futuras ilustrações dos álbuns.
Sei, amanhã elas não voltarão com seus olhos azuis
e se encaminharão por entre molhados capins.
Cobrindo meu olhar com a serenidade terrível do paraíso
Sei, amanhã elas não voltarão com seus olhos azuis
e serão apenas motivo de tristes canções
ou personagens solitárias dos filmes.
Não quero que exista o amanhã – e nos meus quintais
as serpentes serão alegres serpentes
ou leve perspectiva de claro e misterioso veneno.




                                                            14
NÃO PODERIAS SER




Ainda queres ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas,
tu que bebeste nas fontes o azul doente das águas
e depositaste em todos os túmulos coroas ardendo em sangue?
Ainda queres ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas,
tu que caminhaste sobre os ladrilhos das casas
como se caminhasse sobre as misteriosas pinturas de Bosch?
Não, não poderias ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas,
faltam em ti o eixo heróico dos santos lançando profecias
e a argamassa de ouro nas mãos para iluminar os malditos na noite.
Não, não poderias ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas,
faltam em ti os nós e as raízes das grandes árvores
que nas florestas são tochas para o caminho do caçador.
Não, não poderias ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas,
faltam em ti a violência das mãos que poderiam enforcar
e a mansidão dos que poderiam beijar os seios das inimigas.
Não, não poderias ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas.




                                                                       15
ENTRE OS BAMBUZAIS




Entre os bambuzais as jararacas avançam num ritmo em dor
e seus olhos são como tambores nas selvas.
Entre os bambuzais as jararacas avançam num ritmo em dor
e seus silvos são como canções úmidas rebentando a noite.
Entre os bambuzais as jararacas avançam num ritmo em dor
e seus olhares são como flechas dos antigos guerreiros.
Circundo as grandes moitas e as longas taquaras
para fazer dos venenos a loura esperança da morte
e do medo a construção escura de lenta nostalgia.
Circundo as grandes moitas e as longas taquaras
para enfrentar os que puseram em minhas veias o cansaço
e conhecer o mofado segredo das lições de ofensa.
Circundo as grandes moitas e as longas taquaras
para fazer do coração solitário a multidão reunida no Coliseu
e destruir aquilo que se formou edifício em meu sangue.
Todas as lições que elas me ensinaram
estão presentes na antologia doida do amor
para que eu não seja um corpo sangrando ao sol.




                                                                16

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  • 1.
  • 2. PÉRICLES PRADE ESTE INTERIOR DE SERPENTES ALEGRES 1963 EDITORA ROTEIRO 2
  • 3. ESTE INTERIOR DE SERPENTES ALEGRES 1963 3
  • 4. ESTE INTERIOR DE SERPENTES ALEGRES Basta mover a língua para que as trevas invadam tudo e os seres me repugnem. Camus 4
  • 5. ESTE INTERIOR DE SERPENTES ALEGRES 5
  • 6. TÁBUA EXPLICAÇÃO PRÉVIA (FALTA PROFESSOR ESCREVER) GRANDE CARBONO COMÉDIA RITMO DE OURO SERPENTES QUE SOMOS OUTRA MELODIA POR TODA PARTE PASSADO FEROZ PERTO DO LARANJAL NÃO PODERIAS SER ENTRE OS BAMBUZAIS 6
  • 7. GRANDE CARBONO Os deuses cavaram em mim uma gruta de emoções estranhas, fizeram da extensão do corpo um interior de serpentes. Os deuses abriram em mim um sulco por onde a noite canta e no horizonte de minha voz fundiram arame e espinhos. Os deuses rasgaram sobre mim poesias de barcos e infância, quiseram roer a base que se chama clara ternura. Os deuses levaram meus pés às nuvens e os cânticos que saem de minha boca estão pregados no tempo. Os deuses sabem que sou comprometido e no escuro concebo curvas, pontos, vírgulas e reticências da morte. Os deuses conceberam em mim não o filho predileto mas a grande bacia onde a humanidade poderá cuspir. Os deuses andaram pelas minhas costelas tocando hinos de úmida expressão. Os deuses têm nas mãos as pedras e as flores que deixei no varandão da amada. Os deuses têm nos corações um tribunal de zinco condenando aquilo que poderia ter sido astro ou bandeira ondulando. Saberão os deuses que desconheço de sua pintura a presença em sangue e faço do mundo um grande carbono com suas assinaturas desaparecidas? 7
  • 8. COMÉDIA Uma comédia, esta em que a faca penetra a seda e faz na terra uma colheita de segredos. Uma comédia, esta em que a seda cobre de verde o ritmo das montanhas e a umidade cansada das charnecas. Uma comédia, esta em que o campo é espaço onde crescem esperanças e capins de qualquer estação. Uma comédia, esta em que os segredos ficam pendurados no esqueleto do tempo à espera de novo conflito brotando. O que é drama senão a melodia da faca, a melodia da seda, a melodia das folhas e todos os segredos com cheiro de antigas vassouras? − Sei, drama é desconhecer a profundidade do corte, não saber o ponto frágil e audacioso da seda, ter certeza de que na selva crescem armadilhas e que a todo momento é mais forte o sal do mistério nesta comédia que é a vida em moldura de febre e dor. 8
  • 9. RITMO DE OURO Como tronco este corpo é sustentáculo e raiz para o compasso interior da voz que cansa. Entre o imprevisto e o ousado nascendo dos gestos conservo o ritmo de ouro destas veias incertas. No mundo, agora, há serenatas cortando em forma de feridas e violinos. Este ser lançado às arestas da dor faz da noite mais um balde de águas sobrando. Amanhã serei outro rio e outra floresta aos que desconhecem a corda do não enforcar mas sabem que no mistério deuses espiam silêncios. Permanece o elástico da emoção que se desdobra no panorama do tempo. 9
  • 10. SERPENTES QUE SOMOS Oh noturno, deixa envenenar em mim a lembrança da morte, faze da destruição a mensagem sigilosa dos deuses. Ah, noturno, haverei de batizar com sangue a alegria de amar o desconhecido no mundo, porque somente assim serei feliz como Calígula na serenidade triste do impossível. Oh mortais, sou o contemplador suado de um mundo cercado de anjos, anjos decaídos da beleza. Oh poetas, descei do grande planalto interior, vinde ao encontro desta voz sem mistério que se perturba com o canto de sol das serpentes, das serpentes que somos neste grande quintal onde a ternura é a sobrevivência da morte. 10
  • 11. OUTRA MELODIA Este pássaro e seu vôo procuram a planície porque a floresta é um derrubar de árvores. Rompem-se minhas asas na abertura da tarde e à noite uma ciranda de vozes as contemplam. As vozes do tempo, fera perdida em algum lugar. Este pássaro e seu vôo procuram a planície pois na selva a serpente canta outra melodia. Meu corpo cairá ao vesgo abraço do sol com suas cortinas doendo minhas vestes? As vestes deste pássaro à espera de ser homem. Na planície meu coração pousará poesias antigas e seu sangue será estrada para bêbadas crianças. Bêbadas crianças que retiram da flor a emoção do licor e das noites o amargo que este pássaro tem no bico. 11
  • 12. POR TODA PARTE Procurei por toda parte o desígnio forte de tua serenidade. Procurei por toda parte a violência escondida em ti, marcada por um coração cheio de ervas sagradas. Procurei por toda parte aquilo que seria em ti a fortaleza leal de um novo compromisso de ternura. Malditos, sei onde se encontram as vozes manchadas de sangue. Apareçam malditos, e no meu quarto morto de aventuras serão encontrados os papiros onde foram escritos os mandamentos de todas as mortes do mundo. Procurei por toda parte as luzes deixadas nos cabarés antigos, as danças e o murmúrio dos pistons violentos tingindo a noite. Procurei, procurei sim, e continuo procurando tudo aquilo que não foi dito pelo tempo neste ambiente de mansos fantasmas. Procurei a mais vasta solidão, mais vasta que a minha, salgada como a voz do pescador à sombra do mar, largado ao ritmo maduro das águas cansadas. Não importa procurar somente, se o desconhecido é a insuficiência das perguntas e das respostas nesta terra onde é fértil o impossível brotando. Não importa procurar somente, fazer uma composição de sangue talvez ou mesmo dizer nas praças que sofro. A cada procura redescubro que sou o triste poeta na antevéspera da realização. 12
  • 13. PASSADO FEROZ Num passado feroz busquei profecia de estrelas e os enormes navios dos enormes Vikings romperam meu peito entre as paredes da solidão e a vertente de dores. Num passado feroz busquei um cesto de laranjas italianas para senti-las na boca como as veias anêmicas de minha vó para oferecê-las aos pássaros cansados das estradas. Num passado feroz busquei flores escuras para cobrir minhas poesias de corpo cheirando a enxofre e esconder um exército de crianças sem fé. O passado é como estreito desfiladeiro e sempre poderá haver avalanche em perspectiva para esmagar um olho, braços, dedos, uma voz qualquer. O passado é como os barcos de cascos quebrados percorrendo imprudentes canais onde os cadáveres amigos são tristes manequins em todas as vitrines. O passado é como as tranças da estranha namorada, hoje talvez claro vampiro caminhando sobre os olhos de algum menino à beira de desconhecidos abismos. Não quero em mim o retrocesso porque machuca. Não quero em mim a volta porque há piratas no brejo. Não quero em mim a lembrança porque hoje sou o mar onde todos os mistérios das lendas se levantam. 13
  • 14. PERTO DO LARANJAL Perto do laranjal as serpentes tranqüilas voltam o rosto para este ser que se alonga com os pés mordidos na noite. Perto do laranjal as serpentes tranqüilas voltam o rosto para este poeta – noturno princípio de renovada dor. Perto do laranjal as serpentes tranqüilas voltam o rosto para esta outra serpente que se estende violenta. Sei, amanhã elas não voltarão com seus olhos azuis e serão apenas brinquedos para as crianças ou futuras ilustrações dos álbuns. Sei, amanhã elas não voltarão com seus olhos azuis e se encaminharão por entre molhados capins. Cobrindo meu olhar com a serenidade terrível do paraíso Sei, amanhã elas não voltarão com seus olhos azuis e serão apenas motivo de tristes canções ou personagens solitárias dos filmes. Não quero que exista o amanhã – e nos meus quintais as serpentes serão alegres serpentes ou leve perspectiva de claro e misterioso veneno. 14
  • 15. NÃO PODERIAS SER Ainda queres ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas, tu que bebeste nas fontes o azul doente das águas e depositaste em todos os túmulos coroas ardendo em sangue? Ainda queres ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas, tu que caminhaste sobre os ladrilhos das casas como se caminhasse sobre as misteriosas pinturas de Bosch? Não, não poderias ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas, faltam em ti o eixo heróico dos santos lançando profecias e a argamassa de ouro nas mãos para iluminar os malditos na noite. Não, não poderias ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas, faltam em ti os nós e as raízes das grandes árvores que nas florestas são tochas para o caminho do caçador. Não, não poderias ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas, faltam em ti a violência das mãos que poderiam enforcar e a mansidão dos que poderiam beijar os seios das inimigas. Não, não poderias ser o negro porta-estandarte das batalhas antigas. 15
  • 16. ENTRE OS BAMBUZAIS Entre os bambuzais as jararacas avançam num ritmo em dor e seus olhos são como tambores nas selvas. Entre os bambuzais as jararacas avançam num ritmo em dor e seus silvos são como canções úmidas rebentando a noite. Entre os bambuzais as jararacas avançam num ritmo em dor e seus olhares são como flechas dos antigos guerreiros. Circundo as grandes moitas e as longas taquaras para fazer dos venenos a loura esperança da morte e do medo a construção escura de lenta nostalgia. Circundo as grandes moitas e as longas taquaras para enfrentar os que puseram em minhas veias o cansaço e conhecer o mofado segredo das lições de ofensa. Circundo as grandes moitas e as longas taquaras para fazer do coração solitário a multidão reunida no Coliseu e destruir aquilo que se formou edifício em meu sangue. Todas as lições que elas me ensinaram estão presentes na antologia doida do amor para que eu não seja um corpo sangrando ao sol. 16