SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 98
Baixar para ler offline
“O título escolhido para a revista também justifica uma explicação breve. A pessoa humana constitui o único ser existente
no universo que busca permanentemente conhecê-lo, o que é inerente à sua sobrevivência e à afirmação da sua
especificidadehumana.ComoSercurioso,estácondenadoaaprendereainterrogar-se.Éumtrabalho permanente
e inacabadoque implica colocar em causa os resultados e recomeçar, sempre. A produção de conhecimento
assume formas diversas, nas quais se inclui o saber científico. Este distingue-se pelo seu carácter
sistemático, pela utilização consciente e explicitada de um método, objecto permanente de uma meta análise,
individual e colectiva. O trabalho científico consiste numa busca permanente da verdade, através de um
conhecimento sempre provisório e conjectural, empiricamente refutável. O reconhecimento da
necessidade deste permanente recomeço é ilustrado historicamente quer pela redescoberta de teorias negligenciadas no
seu tempo e recuperadas mais tarde (caso da teoria heliocêntrica de Aristarco), quer pela redescoberta de visionários que
anteciparam os nossos problemas de hoje (Ivan Illich é um desses exemplos). É a partir destas características do trabalho
científico que é possível comparar a aventura humana do conhecimento à condenaçãopelos
deuses a que foi sujeito
Sísifo
de incessantemente recomeçar a mesma tarefa.”
	 revista de ciências da educação
	 Unidade de I&D de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa
	 Direcção de Rui Canário e Jorge Ramos do Ó
	 n.º 02 · Jan | Fev | Mar | Abr · 2007
>	Formação de adultos:
	 políticas e práticas
	 coordenação de Rui Canário
	 issn 1646‑4990
	 http://sisifo.fpce.ul.pt
SísifoRevista de Ciências
da Educação
N.º 02
Formação de Adultos
políticas e práticas
Edição
Responsável Editorial deste número:
Rui Canário
Director: Rui Canário
Director Adjunto: Jorge Ramos do Ó
Conselho Editorial: Rui Canário,
Luís Miguel Carvalho, Fernando
Albuquerque Costa, Helena Peralta,
Jorge Ramos do Ó
Colaboradores deste número:
Autoria dos artigos: António José
Almeida, Natália Alves, Rui Canário,
Pierre Caspar, Cármen Cavaco,
Ana Luisa de Oliveira Pires,
Sonia Maria Rummert
e Susana Pereira da Silva.
Traduções: Alves Calado, Robert G.
Carter, Thomas Kundert, Filomena
Matos e Tânia Lopes da Silva
Secretariado de Direcção: Gabriela
Lourenço e Mónica Raleiras
Logotipo Sísifo
Desenho de Pedro Proença
Informação Institucional
Propriedade: Unidade de I&D
de Ciências da Educação
da Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação,
da Universidade de Lisboa
issn: 1646-4990
Apoios: Fundação para a Ciência
e a Tecnologia
Contactos
Morada: Alameda da Universidade,
1649-013 Lisboa. 
Telefone: 217943651 
Fax: 217933408
e-mail: sisifo@fpce.ul.pt
Índice
Editorial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 1‑2
Nota de Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 3‑4
dossier
Reconhecimento e Validação das Aprendizagens Experienciais.
Uma problemática educativa
Ana Luisa de Oliveira Pires. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 5‑20
Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências:
Complexidade e novas actividades profissionais
Cármen Cavaco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 21‑34
A educação de jovens e adultos trabalhadores brasileiros no século XXI.
O “novo” que reitera antiga destituição de direitos
Sonia Maria Rummert. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 35‑50
Empregabilidade, contextos de trabalho e funcionamento
do mercado de trabalho em Portugal
António José Almeida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 51‑58
E se a melhoria da empregabilidade dos jovens escondesse
novas formas de desigualdade social?
Natália Alves. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 59‑68
Sem‑abrigo: métodos de produção de narrativas biográficas
Susana Pereira da Silva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 69‑82
Recensões
Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista, de Vanilda Paiva
[2000 (reedição)]. São Paulo: Graal
Rui Canário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 83‑86
Conferências
Ser formador nos dias que correm:
novos actores, novos espaços, novos tempos
(Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa, 4 de Novembro de 2005)
Pierre Caspar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 87‑94
Sísifo, revista de ciências de educação:
Instruções para os Autores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 	 95‑96
— que também me evoca directamente os trabalhos
e os dias de Sísifo — a condição para uma interven-
ção capaz de suscitar transformações dignas desse
nome. Julgo que daqui se podem aduzir algumas
considerações relativas à nossa prática científica.
Em primeiro lugar surge a questão da escrita.
Parece­‑me decisivo que cada gesto se erga a partir
de uma compreensão dos limites do discurso e que
a estratégia do trabalho textual se comece por dar
de empréstimo às palavras e aos fragmentos em cir-
culação. Persuado­‑me que o texto que vários de nós
procuramos concretizar se inscreve sempre e tende
a superar o outro em que se funda e que toma por
referente. O que denominaremos de nova concep-
tualização tenderá a surgir, então, na demarcação,
no desdobramento e na distância, ou, entrevista de
outro ângulo, nos rastros, nas margens e nas entre-
linhas. É assim que nos embrenhamos numa escrita
que, de acordo com Derrida, podemos perceber ao
mesmo tempo “insistente” e “elíptica”. É também
por isso que muitas vezes nos descobrimos ora ar-
rastando cada conceito numa “cadeia interminável
de diferenças”, ora construindo a nossa análise por
entre uma grande quantidade “de precauções, de
referências, de notas, de citações, de colagens, de
suplementos”1
. “Como nenhum texto é sempre ho-
mogéneo (isso tornou­‑se para mim uma espécie de
axioma categórico, o registo de todas as interpre-
tações)” — explicava Derrida numa das suas mais
lidas entrevistas — “pode ser legítimo, e inclusive
sempre necessário, fazer dele uma leitura dividida,
diferenciada, até mesmo aparentemente contraditó-

s í s i f o / r e v i s ta de c i ê nc i a s da e duc aç ão · n.º 2 · ja n/a b r 0 7	 i s s n 1646 ‑4 9 9 0
Editorial
Derridasísifo
Decidi hoje, nesta tribuna, abordar a possibilidade
de uma escrita científica que se pretenda essencial-
mente como de rompimento e de crítica, com o ob-
jectivo de me poder acercar de um dos sentidos que,
muito me encantaria, a Sísifo viesse a corporizar na
sua trajectória futura. Escrevo então umas breves
linhas tomado do propósito de melhor imaginar
como a coisa poderá um dia identificar­‑se com o
nome que lhe foi aposto faz ainda tão pouco tempo.
De imediato me surgiu o nome de Derrida e o
seu conhecidíssimo exercício da descontrução. Usa-
do pela primeira vez em 1967 em Gramatologia e
tomado do universo da arquitectura — querendo
significar o exercício de deposição e decomposição
de uma estrutura —, o termo viria a impor­‑se no
conjuntodosseustextosposterioresenquantosinó-
nimo de uma prática permanente de questionamen-
to de todos os sistemas de pensamento hegemónico
herdados, uma forma científica de resistir à tirania
do Um e do logos da metafísica ocidental. Como se,
na sua essência e destino, o trabalho intelectual fos-
se o de contrapor uma assinatura a outra assinatura,
mas sem os habituais equívocos omnipotentes que
atravessam a noção de autor no Ocidente e o assi-
milam à noção de autoridade. A descontrução seria
essa inflexível guerra à doxa. Para Derrida, que só
via vida nos lugares de dissidência, tratou­‑se segu-
ramente menos de destruir o que era dominante do
que reinterpretar, criticar, deslocar, arrastar esta ou
aquela herança, inverter esta ou aquela hierarquia,
desbloquear esta ou aquela oposição dual. Encon-
tro em tal exigência de uma análise interminável
ria. Activa, interpretativa, performativa, assinada,
essa leitura deve e não pode deixar de ser a inven-
ção de uma reescrita”2
. Percebida desta forma, a au-
toria será, afinal, o espaço da heteronomia.
Umsegundotipodeconsideraçõesdeve,emmeu
entender, referir­‑se a uma outra ideia que podemos
relacionar com este estado inacabado do livro por vir
instaurado por Derrida, e não só. O meu ponto aqui
é o de sugerir que todas as motivações que concor-
rem para a construção de uma obra científica pos-
sam, igualmente, convergir para a sua subsequente
e perpétua divisão. A meu ver, importa desencadear
a discussão ética do trabalho académico em torno
de um impedimento fundamental: o da formação de
um corpus de saber, de uma soma unitária, de uma
configuração homogénea. Julgo que o valor deste
interdito é, acima de tudo, performativo, posto que
impõe o inacabamento como valor matricial e a di-
mensão aberta de toda a escrita científica. Do mito
grego que aqui nos ocupa e simbolicamente nos al-
berga nesta publicação periódica ocorre­‑me então,
como necessária, a reivindicação de um estatuto da
diferença,correspondendoestaaumaarticulaçãoda
unidade com a descontinuidade. Entendida a partir
deste postulado que se opõe à velha ideia de uma
busca metódica da “solução”, a nossa tarefa não será
a de resolver, mas tão­‑somente a de problematizar.
Em lugar de “reformar” talvez possamos desejar ser
a um tempo mais modestos e ambiciosos. Como?
Instaurando formas de distanciamento crítico pela
compreensão básica de que a resposta a qualquer
pergunta será sempre a emergência de um problema
e que este, pela sua multiplicidade dispersa, muda
igualmente cada vez que a pergunta se vai deslocan-
do. Tomado neste quadro, o exercício crítico nada
mais é que o exercício de colocar em crise a memó-
ria do momento que atravessamos.
Assimilada ao tema da descontrução derridadia-
na, a minha leitura da experiência de Sísifo conduz­
‑me outrossim a esta nova relação do pensamento
social com a verdade. Surge­‑me concretizada por
meio de um vocabulário em que descontinuidade,
diferença, multitude e problematização são as pala-
vras maiores. Descubro aqui um instigante e imen-
so território de pertença.
Notas
1. Jacques Derrida (2001[1971]). Posições. Belo
Horizonte: Autêntica, p. 21.
2. Jacques Derrida  Elisabeth Roudinesco
(2001). De que amanhã… Diálogo. Rio de Janeiro:
Zahar, pp. 205­‑206.
Jorge Ramos do Ó
(Lisboa, Março de 2007)
 	 sísifo 2 | editorial
s í s i f o / r e v i s ta de c i ê nc i a s da e duc aç ão · n.º 2 · ja n/a b r 0 7	 i s s n 1646 ‑4 9 9 0
Nota de apresentação
Formação de Adultos: políticas e práticas
Rui Canário
mação não se confunde, como seria desejável, com
modalidades de democratização de acesso ao saber.
Este segundo número da Sísifo organiza‑se em
torno de um “dossier temático” que tem como am-
bição dar um contributo, ainda que modesto, para
uma análise crítica de alguns contornos marcantes
das actuais políticas e práticas de formação. A sua
organização insere­‑se no plano de trabalhos da equi-
pa de investigação do Projecto FAP, financiado pela
FCT(FundaçãoparaaCiênciaeaTecnologia),eque
se propõe estudar as políticas e práticas de formação
de adultos, em Portugal, no período posterior a 1974.
Esse estudo implica, necessariamente, dimensões
comparativas e articulações com redes de investiga-
ção, o que explica e justifica a inclusão, neste dossiê,
do artigo assinado por Sonia Rummert, que nos dá
conta do resultado de pesquisas sobre políticas re-
centes, de âmbito federal, direccionadas para traba-
lhadores jovens e adultos, no Brasil. O tema do re-
conhecimento de adquiridos e da sua tradução nas
políticas de formação de adultos é tratado por Ana
Luísa Pires, numa perspectiva comparada e interna-
cional,enquantoqueoartigoproduzidoporCármen
Cavaco procede, a partir de uma investigação empí-
rica em curso, à análise do modo como a institucio-
nalização das práticas de reconhecimento de saberes
adquiridos por via experiencial se repercute na re-
alidade portuguesa actual. Os textos assinados por
António José Almeida e por Natália Alves, represen-
tam contributos importantes para o esclarecimento
teórico da natureza e do sentido do uso da noção de
“empregabilidade”, enquanto elemento constitutivo
Há cerca de vinte anos, Gilles Ferry designou a for-
mação como um dos grandes mitos do século XX,
a par do computador e da conquista do espaço. In-
vadindo todos os domínios do social, a formação
instituiu­‑se como uma resposta às perturbações e às
angústias individuais e dos grupos, desorientados
por um mundo em rápida mudança e no contexto de
uma situação percepcionada como uma “crise” so-
cial e económica. O optimismo em relação à forma-
ção não tem hoje razão de ser, num quadro em que o
desemprego estrutural e o trabalho precário marcam
o regresso da vulnerabilidade de massa, característi-
ca, entre outras, do que o sociólogo Beck designou
por“sociedadederisco”.Vivemosumtempoemque
as políticas e as práticas de formação assumem, por
um lado, um carácter instrumental em relação à civi-
lização de mercado e, por outro lado, se inscrevem
em políticas de ortopedia social, em que o assisten-
cialismo se substitui à justiça social. Neste contexto,
o trabalho de investigação tem como principal justi-
ficação para a sua pertinência social a possibilidade
de produzir um acréscimo de lucidez sobre os dis-
cursos, as representações e as práticas que fazem da
formação um dispositivo de distribuição de ilusões.
Sabemos, com base na investigação empírica,
que mais formação não cria necessariamente mais
empregos, que percursos escolares mais longos não
colocam ninguém ao abrigo da “exclusão social”,
que ao aumento da produtividade e da competitivi-
dade não corresponde um mundo socialmente mais
justo e solidário. Sabemos, também, que o cresci-
mento exponencial da oferta e do consumo de for-
central da ideologia que marca a generalidade dos
discursos actuais sobre a formação.
Finalmente, o artigo da autoria de Susana Perei-
ra da Silva, enquanto produto intermédio de uma
investigação empírica sobre a problemática da for-
mação no quadro de modos de vida da “margem”
social (os designados “sem abrigo”), representa, fun-
damentalmente, a abertura para um questionamento
sobre a formação, em total divergência com a pers-
pectiva oficial dos poderes instituídos. Centra­‑se nas
questões metodológicas suscitadas por uma pesqui-
sa orientada para a produção e análise de narrativas
biográficas de pessoas que vivem ou viveram na rua.
Em complemento do “dossier temático”, pu-
blica‑se uma recensão, da autoria de Rui Canário,
ao livro de Vanilda Paiva sobre “Paulo Freire e o
nacionalismo desenvolvimentista”, obra cuja leitu-
ra, pelo seu rigor metodológico e conceptual, pelo
contributo original para o estudo da obra e do pen-
samento de Paulo Freire, merece ser retirada do
esquecimento e da marginalidade a que foi votada,
mercê de ortodoxias bem pensantes, mais propen-
sas a respostas do que a perguntas.
O número finaliza com a publicação do texto,
inédito, de uma conferência de Pierre Caspar, pro-
ferida, em 2005, na Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e
que constitui uma reflexão global sobre os proble-
mas da formação e, em particular, sobre os modos
de “ser formador, hoje”.
 	 sísifo 2 | nota de apresentação
s í s i f o / r e v i s ta de c i ê nc i a s da e duc aç ão · n.º 2 · ja n/a b r 0 7	 i s s n 1646 ‑4 9 9 0
Reconhecimento e Validação
das Aprendizagens Experienciais.
Uma problemática educativa
Ana Luisa de Oliveira Pires
Professora‑coordenadora da Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Setúbal
Membro da Unidade de Investigação Educação e Desenvolvimento, Faculdade de Ciências
e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
alop@fct.unl.pt
Resumo:
Estetextocentra­‑senaproblemáticadoReconhecimentoedaValidaçãodasAprendizagens
Experienciais dos Adultos numa perspectiva educativa. Estas novas práticas enquadram­‑se
num paradigma de Educação/Formação ao Longo da Vida, valorizando as aprendizagens
formais e não­‑formais que os adultos realizam ao longo das suas trajectórias pessoais, so-
ciais, e profissionais. Encontrando suporte teórico­‑conceptual nas abordagens da aprendi-
zagem e da educação/formação de adultos, estas práticas emergentes são no entanto terreno
de tensões e contradições e, do ponto de vista da investigação educativa, ainda pouco apro-
fundadas. Apresentamos neste texto uma breve análise dos conceitos de base, pressupostos
e princípios subjacentes — o que se reconhece e valida, como se reconhece e valida, que
lógicas se encontram em presença —, orientando as reflexões finais para o domínio da for-
mação dos actores intervenientes no processo de reconhecimento e validação — professo-
res, formadores, conselheiros, orientadores — e para a necessidade de a (re)pensar à luz de
novos quadros de referência educativa.
Palavras­‑Chave:
Educação e Formação de Adultos, Aprendizagem Experiencial, Reconhecimento e Valida-
ção de Adquiridos.
Pires, Ana Luísa Oliveira (2007). Reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais.
Uma problemática educativa. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 2, pp. 5‑20
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt
Nota introdutória
Considerando que a implementação e difusão de
sistemas de reconhecimento e validação têm vindo
a constituir­‑se como uma tendência relevante ao ní-
vel dos sistemas educativos europeus, que têm feito
partedaagendapolíticaeducativaeuropeia(nomea-
damente traduzida nas comunicações da Comissão
Europeia (2001, 2004), nas Declarações de Bolonha
e de Copenhaga, etc.), e que, no terreno empírico
nacional, estas práticas foram recentemente intro-
duzidas — através dos Centros de Reconhecimen-
to, Validação e Certificação de Competências —,
apresentamos neste texto uma abordagem educati-
va desta problemática. É num quadro paradigmáti-
co de Aprendizagem ao Longo da Vida que a valori-
zação das aprendizagens adquiridas no exterior dos
sistemas formais de educação/formação se constitui
como um novo campo de práticas educativas e
como objecto de estudo científico, particularmente
relevante no domínio da Educação.
Este tema foi aprofundado no trabalho de inves-
tigação realizado para a obtenção do doutoramento
em Ciências da Educação, e a problemática especí-
fica do reconhecimento e validação desenvolvidos
no âmbito do ensino superior constituiu o objecto
da investigação do pós­‑doutoramento.
Este tema é particularmente relevante ao nível
do ensino superior, particularmente pelas seguin-
tes ordens de razão:
Por um lado, se tivermos em consideração as
tendências de evolução europeias, verificamos que
o reconhecimento e validação de aprendizagens ex-
perienciais tem­‑se vindo a constituir como um novo
campo de práticas educativas, pondo em relevo a
necessidade de conceber e desenvolver sistemas de
reconhecimento e validação em diferentes níveis de
qualificação, e concomitantemente, desenvolver a
formação dos formadores/professores/orientado-
res/acompanhadores que participam neste proces-
so — missão fundamental das instituições de ensi-
no superior.
Por outro lado, a disseminação destas práticas
no âmbito do ensino superior, de uma forma mais
ou menos formalizada dependendo dos diferentes
contextos nacionais, leva­‑nos a perspectivar que
num horizonte temporal relativamente curto as ins-
tituições nacionais de ensino superior poderão vir
a criar estruturas de apoio para o desenvolvimento
destas novas práticas, considerando­‑as como uma
parte integrante da sua oferta, de forma a alargar o
acesso e a participação de novos públicos no ensino
superior, e a oferecer novas oportunidades de edu-
cação/formação ao longo da vida.
E, também, do ponto de vista científico, a cons-
tatação da carência de trabalhos de investigação
neste domínio, leva­‑nos a reforçar a necessidade de
continuar a aprofundar e a reflectir sobre as ques-
tões emergentes desta nova problemática educativa.
Sendo a investigação uma função estruturante do
ensino superior, parece­‑nos fundamental estimular
a produção do conhecimento científico sobre esta
problemática emergente.
 	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
A emergência de novas práticas
­educativas num contexto de mudança
A Sociedade do Conhecimento e a Aprendizagem ao
Longo da Vida
A sociedade contemporânea pode ser caracterizada
pelainterdependênciadefenómenosedetendências
evolutivas. É uma sociedade em mudança, suporta-
da no Conhecimento e na Informação — que têm
forte impacto na Economia e no Desenvolvimento
—, e que faz da esfera do trabalho e das organiza-
ções contextos de aprendizagem onde se constroem
novos saberes e novas competências. É uma socie-
dade onde actualmente emergem novas formas de
olhar para os fenómenos educativos: assistimos à
emergência de um paradigma de Aprendizagem ao
Longo da Vida1
— que ultrapassa as fronteiras tra-
dicionais que delimitam os espaços­‑tempos formais
de aprendizagem — e que faz apelo a novas teorias e
modelos de educação e de formação.
Assistimos actualmente a uma convergência de
preocupações, comuns a um conjunto significativo
de países no espaço europeu e no mundo — pre-
sentes no discurso político, económico, social e
educativo — no sentido de desenvolver iniciativas
com a finalidade de reconhecer e validar as apren-
dizagens adquiridas ao longo da vida e nos seus di-
versos contextos.Considerando as profundas muta-
ções decorrentes da globalização das economias, da
evolução do mundo do trabalho e das organizações,
da emergência da Sociedade do Conhecimento e da
Aprendizagem ao Longo da Vida,esta problemática
adquire uma relevância particular.
O reconhecimento e a validação inscrevem­‑se
numparadigmadeAprendizagemaoLongodaVida,
ou seja, num quadro de pensamento que valoriza as
aprendizagens que as pessoas realizam ao longo das
suas trajectórias pessoais, sociais e profissionais,
ultrapassando as tradicionais fronteiras espaço­
‑temporais delimitadas institucionalmente pelos
sistemas de educação/formação. Num contexto de
atenuação de fronteiras entre educação, formação,
trabalho e lazer, o reconhecimento das aprendiza-
gens experienciais — principalmente de adultos —
constitui­‑se como um desafio incontornável aos sis-
temas de educação/formação nos dias de hoje.
De acordo com Nóvoa (2001), a actual recompo-
sição dos sistemas educativos não se reduz a uma
mudança “organizacional”, na medida em que toca
profundamente no projecto histórico da escola; a
designação “educação/formação”, acompanhada
de “ao longo da vida”, traduz um conjunto de pre-
ocupações que se fazem sentir a nível internacional.
Segundo o autor, existem saberes que funcionam
como “modelos de referência”, os quais ultrapas-
samasfronteirastradicionais—construídosatravés
de redes, articulações e filiações — e que, ao serem
apropriados pelos actores, transformam as práticas
locais de acção.
Os motivos subjacentes à emergência do reco-
nhecimento e validação são múltiplos: os saberes
adquiridosàmargemdossistemasformaisdeeduca-
ção/formação têm inegavelmente um valor pessoal,
formativo, profissional, social e económico. E têm
vindo a ser cada vez mais valorizados, quanto mais
se acentua a rapidez das mudanças sociais, cientí-
ficas, tecnológicas e económicas, que caracterizam
a sociedade contemporânea, e que colocam novos
e significativos desafios ao nível do conhecimento
necessário — não apenas para lidar com as mudan-
ças em curso, mas também para participar critica-
mente nos processos de mudança.
Esteconhecimento,simultaneamentelocaleglo-
bal, constrói­‑se e dissemina­‑se através de novas for-
mas de aprendizagem. Os saberes de carácter inova-
dor produzidos nas organizações — a partir da uti-
lização das novas tecnologias e de novas formas de
organizarotrabalho—pelaacçãodosactoresenvol-
vidos escapam frequentemente, pela sua natureza
experiencial, aos referenciais clássicos dos saberes
disciplinares. A produção e a difusão do conheci-
mento e concomitantemente a aprendizagem, dei-
xam de ser um monopólio dos sistemas de educa-
ção/formação, na medida em que ultrapassam os
espaços­‑tempos formais, tradicionalmente delimi-
tados e balizados pelas instâncias educativas.
Estes saberes, experienciais pela sua natureza,
desenvolvem­‑se numa multiplicidade de situações
e de contextos de vida e obedecem a uma lógica de
construção e de difusão distinta daquela que tem
sido a lógica dominante (disciplinar, transmissiva),
que se traduz no contexto educativo por determi-
nados modelos e práticas pedagógicas2
. As formas
tradicionais de atestação dos saberes na sociedade
(traduzidapelosdiplomasecertificados,tantoesco-
lares como profissionais), sempre atribuíram um
	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
estatuto privilegiado aos conhecimentos científi-
cos e tecnológicos face aos saberes experienciais,
de acordo com a concepção dominante herdada do
racionalismo3
.Emtermosepistemológicos,avalori-
zação destes últimos no seio dos sistemas tradicio-
nais de educação/formação representa uma signifi-
cativa mudança paradigmática, em que o “saber de
experiência feito” adquire um novo estatuto face ao
“saber científico”. 	
Esta ruptura, ao nível epistemológico, parece ser
acompanhada em termos teóricos e metodológicos
por um conjunto de mudanças significativas, que
nos fornecem um quadro de leitura mais compreen-
sivo sobre os novos fenómenos educativos e sociais.
Para Pineau (1997), o reconhecimento e a validação
constituem um “problema multidimensional com-
plexo”, que integra diferentes dimensões — técni-
cas, profissionais, económicas, sócio­‑culturais — e
queimplicaarenegociaçãodeumconjuntoderegras
de valorização das acções e dos actores humanos.
Emergência de novas práticas educativas
Ovalordossaberesexperienciaisdetidospelosadul-
tos depende em primeira instância de um processo
de explicitação e formalização, pois, pela sua natu-
reza, os saberes experienciais são tácitos e implíci-
tos. Identificá­‑los, nomeá­‑los, dar­‑lhes visibilidade
e legitimidade, tanto na dimensão pessoal como na
profissional e social, constituem a finalidade das
novas práticas emergentes.
O reconhecimento e a validação das aprendi-
zagens experienciais situa­‑se no cruzamento de
diversas esferas: o mundo da educação/formação,
o mundo do trabalho e das organizações e a socie-
dade em geral. Segundo Farzad e Paivandi (2000,
p. 6), “a problemática das aprendizagens anteriores
encontra­‑se no cerne da articulação entre o exercí-
cio de uma actividade profissional, a formação, e as
diferentes actividades sociais e pessoais que consti-
tuem os percursos dos indivíduos. Ela inscreve­‑se
nalógicadeumaexigênciasocialemergentequetra-
duz as novas realidades da sociedade tanto ao nível
da formação, da empresa e do indivíduo”.
Do lado da educação/formação assiste­‑se a um
movimento que põe em destaque a importância das
aprendizagens realizadas a partir da experiência de
vida (em sentido lato, englobando a esfera pessoal,
profissional, social), através de processos de apren-
dizagem experiencial. A vida é reconhecida como
umcontextodeaprendizagemededesenvolvimento
de competências, e cada vez mais se valorizam os
saberes e as competências adquiridas à margem dos
sistemas tradicionais. A experiência é considerada
como uma fonte legítima de saber, que pode (e deve)
ser formalizado e validado.
Do lado do mundo do trabalho e das organiza-
ções, em permanente evolução, assiste­‑se à emer-
gência de novas formas de produção, de organiza-
ção do trabalho, de novas práticas organizacionais,
e de novas formas de gestão de recursos humanos.
Reconhece­‑se o potencial formativo que as situa-
ções de trabalho encerram, a construção de novos
saberes e competências, e identificam­‑se caracterís-
ticas que promovem a aprendizagem dos indivíduos
e das organizações (“organizações qualificantes”).
Simultaneamente assiste­‑se à precarização dos
empregos, ao aumento do desemprego e da crise
económica e social, à penalização profissional e
social, principalmente dos grupos mais fragiliza-
dos e/ou em risco de exclusão (desempregados, em
risco de desemprego, menos qualificados, baixos
níveis de escolaridade,…). Neste contexto, o reco-
nhecimento e a validação das aprendizagens expe-
rienciais podem constituir uma resposta perti-
nente na diminuição da exclusão social, facilitando
a (re)inserção escolar/formativa/profissional de gru-
pos mais desfavorecidos.
Observa­‑se actualmente uma convergência ao
nível dos discursos e das iniciativas concretas no
sentido de promoverem estratégias coerentes e ade-
quadas de reconhecimento e validação, promo-
vendo a valorização do capital de saberes implíci-
tos,nãoformalizados,masdeelevadovalorpessoal,
profissional, social e económico. Os poderes públi-
costêmvindoaincentivarodesenvolvimentodestas
práticas inovadoras, conscientes dos benefícios que
daqui podem decorrer.
O reconhecimento e a validação no âmbito
das políticas educativas europeias
A evolução das políticas sociais e educativas, que
tem acompanhado a construção europeia e o seu re-
posicionamento face aos desafios da globalização,
tem contribuído decisivamente para a transforma-
ção dos sistemas educativos, colocando­‑lhes novos
 	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
desafios, complexificando as questões existentes, e
desencadeando a reflexão e a procura de respostas
inovadoras face às problemáticas emergentes.
O reconhecimento e validação das aprendiza-
gens experienciais — frequentemente designadas
de não formais e informais — tem­‑se afirmado no
espaço educativo europeu, e aparece de uma forma
bem visível nos documentos e iniciativas desenvol-
vidas pela Comissão Europeia. Do ponto de vista
político, esta questão tem vindo a fazer parte das
agendas actuais, e tem vindo a influenciar de uma
forma significativa o debate educativo no espaço
europeu.
Estas preocupações europeias, de acordo com
Feutrie (2005), articulam­‑se com um conjunto de
intenções, das quais se salientam:
• oferecer uma segunda oportunidade de adqui-
rir uma qualificação, principalmente a todos os que
não as possuem ou que não foram bem sucedidos
na educação/formação inicial;
• suportar mutações económicas e enfrentar
necessidades de níveis mais elevados de competên-
cias;
• promover trajectórias de desenvolvimento pes­
soal e profissional através da vida;
• facilitar e apoiar a mobilidade interna e exter-
na das empresas e a mobilidade europeia;
• facilitar a ligação entre o mercado de trabalho
e as instituições educativas e melhor responder às
necessidades do mercado de trabalho.
A Declaração de Copenhaga (2002), — na
qual participaram 31 ministros europeus de edu-
cação/formação, os parceiros sociais e a Comis-
são Europeia — solicita o desenvolvimento de
“princípios comuns relativamente à validação
das aprendizagens não­‑formais e informais com
a finalidade de assegurar uma maior comparabi-
lidade entre as abordagens em diferentes países
e a diferentes níveis” (Colardyn  Bjornavold,
2005, p. 133)
Dando seguimento aos trabalhos da Comissão
Europeia, o Conselho de Educação Europeu con-
cordou no estabelecimento de um conjunto de prin-
cípios neste domínio (Maio de 2004), que deverão
ser tidos em consideração na definição das políticas
e práticas de validação, e que se deverão orientar
pelos seguintes aspectos:
• Direitos individuais
A validação das aprendizagens não­‑formais e in-
formais deverá ser um processo de iniciativa indi-
vidual, voluntário, e que deve respeitar a igualdade
de acesso e de tratamento. A privacidade e os direi-
tos individuais devem ser respeitados.
• Obrigações dos prestadores
Devem definir as suas responsabilidades e com-
petências, os sistemas e as abordagens de identifi-
cação e validação de aprendizagens não­‑formais e
informais, garantindo mecanismos de controlo de
qualidade adequados. Devem fornecer orientação,
aconselhamento, e informação sobre os sistemas e
as abordagens aos indivíduos.
• Confiança
Os processos, procedimentos e critérios devem
ser justos e transparentes, e suportados por meca-
nismos de controlo de qualidade.
• Credibilidade e legitimidade
Os sistemas e abordagens devem respeitar inte-
resses legítimos e garantir a participação equilibra-
da das várias instâncias envolvidas.
O processo de validação deverá ser imparcial e
estabelecer mecanismos que garantam a inexistên-
cia de conflitos de interesse. Os técnicos que par-
ticipam no processo devem ser profissionalmente
competentes (Colardyn  Bjornavold, 2005).
O que se reconhece e valida?
Como se reconhece e valida?
Conceitos de aprendizagem não­‑formal e
informal, aprendizagem experiencial
As práticas de reconhecimento e validação procu-
ram identificar e dar visibilidade às aprendizagens
realizadas em contextos não­‑formais e informais de
educação/formação.
Os conceitos de aprendizagem formal, não­
‑formal e informal têm vindo a ser amplamente di-
fundidos na literatura actual, e correntemente são
entendidos da seguinte forma (C.E, 2000):
• aprendizagem formal — desenvolve­‑se em ins-
tituições de ensino e formação, conduzindo à aqui-
sição dos diplomas e das qualificações;
• aprendizagem não­‑formal — decorre de acções
desenvolvidas no exterior dos sistemas formais, tais
como no trabalho, na comunidade, na vida associa-
	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
tiva, etc., e que não conduzem necessariamente à
certificação;
• aprendizagem informal — resulta das situações
mais amplas de vida e frequentemente não é reco-
nhecida (individual e socialmente).
O contexto e a intenção têm sido considerados
como dimensões determinantes na categorização
de diferentes tipos de aprendizagem (Colardyn 
Bjornavold, 2005):
• Aprendizagens formais — quando a aprendi-
zagem ocorre num contexto estruturado de apren-
dizagem, em que as actividades se encontram pla-
neadas e orientadas para essa finalidade, e a apren-
dizagem é intencional. Ex: sistema formal de edu-
cação/formação;
• Aprendizagens não­‑formais — a aprendizagem
ocorre num contexto estruturado, com actividades
planeadas (não necessariamente orientadas para
a aprendizagem), e é intencional. Ex: contexto de
trabalho;
• Aprendizagens informais — a aprendizagem
ocorre em situações não estruturadas e não é inten-
cional. Ex: contexto familiar, social, etc.
Consideramos assim que as aprendizagens não­
‑formais e informais ocorrem em espaços­‑tempos
não especificamente nem formalmente estrutura-
dos de educação/formação, em situações do traba-
lho, de lazer, da vida do quotidiano, e que frequen-
temente não existe a intenção de aprendizagem
(aprendizagens informais).
Do ponto de vista teórico, a problemática das
aprendizagens realizadas em contextos não­‑formais
e informais de educação/formação exige a adopção
deumaperspectivadeeducaçãoeformaçãoalargada
e globalizante.Estas aprendizagens são entendidas à
luz de um quadro teórico de referência,do qual des-
tacamos o conceito de aprendizagem experiencial4
.
Oconceitodeaprendizagemexperiencialdemar-
ca‑se de uma concepção de aprendizagem formal,
estruturada e desenvolvida em contextos educa-
tivos formais, de uma acção organizada explicita-
mente com a finalidade de proporcionar a aquisição
de um conjunto de saberes sistematizados e forma-
lizados; tem um conteúdo aberto, que se organiza
em função dos acontecimentos do meio envolvente
e da vida quotidiana; no entanto, as aprendizagens
podem ocorrer em contextos formais, de uma forma
residual e implícita, não controlável. Estas aprendi-
zagens ocorrem numa multiplicidade de contextos e
de situações de vida das pessoas, sendo os contextos
espaçosdeinteraçãodapessoaconsigoprópria,com
os outros, com as coisas, com a vida em sentido lato.
A aprendizagem experiencial diz respeito a um
processo dinâmico de aquisição de saberes e de
competências (múltiplos e diversificados, tanto
quanto à sua natureza como ao tipo de conteúdo),
que não obedece a uma lógica cumulativa e aditiva,
mas sim de recomposição — os novos saberes são
construídos integrando os já detidos pela pessoa.
Oprocessodeaprendizagemexperiencialdesenvol-
ve‑se ao longo da vida, a partir de uma multiplici-
dade de contextos — familiar, social, profissional,
associativo, etc. A experiência é um elemento­‑chave
no processo de aprendizagem5
, constituindo a base
para a reflexão, problematização e formação de con-
ceitos, e que contribui para a transformação da pes-
soa, em termos pessoais e identitários, promovendo
a sua emancipação.
Os princípios de base nos quais se supor-
tam as práticas de reconhecimento e de validação
encontram­‑se em coerência com a perspectiva da
aprendizagem experiencial dos adultos, ao valori-
zarem as aprendizagens resultantes de uma diver-
sidade de contextos e de situações e ao atribuirem­
‑lhesumestatutodelegitimidade.Avalorizaçãodos
saberesexperienciaistraduzumarupturaepistemo-
lógica com uma concepção positivista de conheci-
mento, dicotómica; os saberes práticos não são uma
mera aplicação dos saberes teóricos.
Por outro lado, a aprendizagem experiencial
encontra­‑se de acordo com uma perspectiva holís-
tica, que tem em conta a globalidade do processo de
desenvolvimento da pessoa, na sua relação com o
meio, com os outros e consigo mesma.
No entanto, experiência e aprendizagem não são
sinónimos; não são as experiências que são reco-
nhecidas e validadas, mas sim as aprendizagens e
as competências que resultam de um processo de
aprendizagem experiencial; como evidenciámos,
a experiência é a base e a condição para a aprendi-
zagem, e, para que seja formadora, ela tem de ser
reflectida, reconstruída, conscientizada. O resul-
tadodesteprocessoéaelaboraçãodenovossaberes,
10 	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
de novas representações, contribuindo para a trans-
formação identitária da pessoa e da sua relação com
omundo.Osaberresultadoconfrontoedatransfor-
mação da experiência.
Este pressuposto encontra­‑se presente nos prin-
cípios do reconhecimento e da validação: a experi-
ência da pessoa é o ponto de partida para a cons-
trução de saberes (de natureza diversificada), sendo
estes passíveis de ser explicitados, reconhecidos e
validados.
Todos os contextos de vida constituem­‑se como
terrenos propícios para a aprendizagem e o desen-
volvimento de competências. A partir do con-
fronto directo com as situações, com as vivências,
desencadeia­‑se um processo reflexivo que dá ori-
gem à aquisição de novos conhecimentos.
A dimensão da reflexividade na aprendizagem
experiencial é considerada como um aspecto­‑chave
do processo, mas a capacidade de reflexão não é
idêntica em todas as pessoas. Ela pode ser estimu-
lada e trabalhada, em situação individual ou colec-
tiva, mas sempre a partir da implicação e da inten-
cionalidadedaprópriapessoa.Oprocessoreflexivo
exige um retorno sobre a experiência, a sua re­‑ela-
boração, a sua re­‑avaliação e a sua projecção na rea-
lidade (presente ou futura).
Estes princípios decorrentes do pensamento
educativo encontram­‑se presentes nos pressupos-
tosqueorientamaspráticasdereconhecimentoede
validação. A pessoa, ao fazer um balanço das suas
aprendizagens, implica­‑se num processo retros-
pectivo, num trabalho reflexivo com vista à identi-
ficação dos conhecimentos e das competências daí
resultantes. Por outro lado, o trabalho de re­‑elabo-
ração da experiência é feito à luz de uma dada pro-
jecção — o projecto, a finalidade com que é feito o
balanço.Obalançodasaprendizagensintegraassim
uma dimensão retrospectiva e uma prospectiva.
Este trabalho de explicitação (do implícito para o
explícito, do invisível para o visível), mediado pela
linguagem, frequentemente só é conseguido com
o apoio e suporte de técnicos especializados, atra-
vés de um confronto intersubjectivo. Daí que a for-
mação destes actores seja considerada um aspecto
imprescindível para a garantia das condições neces-
sárias à realização do reconhecimento e validação.
Na medida em que a identidade pessoal é um
processo em construção permanente (no confronto
de aspectos individuais e sociais), a partir de expe-
riências significativas, e das aprendizagens que vão
sendointegradaspelapessoa,avalorizaçãoouades-
valorização das aprendizagens e das competências
do adulto pode significar para si próprio a sua valo-
rização ou a desvalorização enquanto pessoa. Este
pressuposto tem implicações relevantes no domí-
nio do reconhecimento e da validação das aprendi-
zagens anteriores.
Oprocessodereconhecimento—quepressupõe
aidentificaçãoeaexplicitaçãodasexperiênciasvivi-
daspelapessoa,edasaprendizagensdaídecorrentes
—seforsentidocomogratificante,reforçaasuaauto­
‑estima e auto­‑imagem. A tomada de consciência —
o (re)conhecimento — pela pessoa dos seus proces-
sos de transformação construtiva (ao nível da perso-
nalidade, do comportamento, dos conhecimentos e
das competências, e das circunstâncias que possi-
bilitaram essa transformação) reforça a sua autono-
miaeemancipação.Pode,pelocontrário,contribuir
para uma fragilização em termos identitários, se o
processo não for conduzido e/ou vivenciado de uma
forma positiva. O princípio subjacente a estas prá-
ticas é o de valorização do potencial adquirido (dos
conhecimentos e das competências, até aí não tra-
duzidos explicitamente), e não o de valorização das
carências, contribuindo desta forma para reforçar a
identidadepessoaleprofissional.ParaFeutrie(1997)
torna­‑se essencial fazer uma “dupla leitura dinâ-
mica” das experiências das pessoas, através de um
trabalho de mise­‑en­‑scène das competências adqui-
ridas, pela definição das trajectórias, de capacida-
desprometedorasparaofuturo;eatravésdoestabe-
lecimentodecorrespondências,nosentidodaexpli-
citaçãodassuaspotencialidades(maisdoquedejul-
gamento, numa lógica de necessidades).
Um dos pressupostos de base do reconheci-
mento e da validação sustenta que as aprendizagens
detidas (explicitadas em termos de conhecimentos,
de competências, atitudes, etc.) devem ser conside-
radas como ponto de partida e em articulação com
as aprendizagens posteriores, numa perspectiva de
recomposição. O reservatório de experiências vivi-
das pela pessoa constitui­‑se como recurso impres-
cindível para as aprendizagens futuras, mas a neces-
sidadeprofundadeautonomiadosadultosentrafre-
quentemente em choque com as formas impostas de
aprendizagem,característicasdomodelotradicional
	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais	 11
de educação/formação, em que o adulto é perspecti-
vado como dependente e em que não são considera-
das relevantes as suas aprendizagens anteriores.
Desta forma, a introdução de práticas de reco-
nhecimento e validação em contextos educativos
vem questionar as concepções e os modelos tradi-
cionais, que não se encontram em consonância com
os desafios que esta problemática faz emergir.
O reconhecimento e a validação de competências
Tendo em consideração que em alguns países, no
âmbito educativo, se têm vindo a introduzir mode-
los de educação e de formação baseados em compe-
tências,equesãoestesosreferenciaisqueservemde
baliza ao reconhecimento e validação, então a ques-
tão da identificação e avaliação das competências
assume uma relevância particular.
Como temos vindo a evidenciar em diversos tra-
balhos (Pires, 2002, 2003, 2004b), o conceito de
competência pode ser enquadrado a partir de dife-
rentes abordagens teóricas. A tomada de consciên-
cia da diversidade — teórica e epistemológica — é
fundamental quando se passa para o domínio das
competências, pois cada enfoque, ao privilegiar
determinados aspectos em detrimento de outros,
vai condicionar, em termos metodológicos, a esco-
lha das estratégias e dos instrumentos mais adequa-
dos para a apreensão das suas componentes ou ele-
mentos integrativos.
Como temos vindo a evidenciar noutros tra-
balhos, a competência é uma construção social e
depende das convenções ou dos pontos de vista que
se adoptam; as competências existem em função
do julgamento feito sobre elas, tendo como referên-
cia um dispositivo; e os conceitos e os dispositivos
adoptados nunca são neutros (Le Boterf, 2000).
Quais são as lógicas do
­reconhecimento e validação?
Os sistemas de reconhecimento e validação podem
ser desenvolvidos segundo duas lógicas diferentes,
mas complementares, de auto­‑avaliação e de valida-
ção/acreditação (Kalika, 1998):
— A lógica individual da auto­‑avaliação é a do
reconhecimento pessoal, com finalidades formati-
vas. A pessoa faz um balanço das suas aprendiza-
gens procurando identificar os seus conhecimentos
e competências, e realizar um projecto que se fina-
lize eventualmente numa formação complementar.
Um sistema que contempla esta lógica deve poder
cobrir os níveis e os tipos de competências adquiri-
dos e também os domínios nos quais a pessoa pode
completar a sua formação.
— A lógica social da validação/acreditação visa
o reconhecimento formal das competências (de
acordo com referenciais predeterminados e sancio-
nados para os diversos domínios) e é feita através de
umainstituiçãocomautoridadeparatal.Autilidade
social da validação/acreditação depende fortemente
dalegitimidadedosistemaedoseureconhecimento
social.
O processo de reconhecimento diz respeito à
dimensão individual, pessoal, e pode ser conside-
rado como o ponto de partida para o processo de
validação (que conduz a uma atestação oficial) e que
dizrespeitoàdimensãosocialeinstitucional.Como
identificámos, ambos os processos — reconheci-
mentoevalidação—procuramcentrar­‑senasapren-
dizagens e nas competências adquiridas pelos adul-
tos, independentemente dos contextos onde foram
desenvolvidas — educação/formação, profissional,
familiar, social, desportivo, de lazer, etc.
O reconhecimento pessoal (“por si” e/ou “para
si”) inscreve­‑se numa lógica formativa, de auto­
‑avaliação, de tomada de consciência e apropria-
ção pessoal dos saberes. Esta tomada de consciên-
cia pode permitir um melhor posicionamento e pro-
gressão da pessoa, tanto no sistema escolar/forma-
ção, como no mundo profissional, como ainda na
sociedade em geral. A partir da explicitação e da
identificação das potencialidades e das intenciona-
lidades da pessoa, permite a elaboração de projec-
tos (pessoais, educativos, profissionais), e contri-
bui para a (re)construção das identidades — como
defendemos, o resultado do reconhecimento toca
profundamente na dimensão identitária do adulto.
A lógica formativa (de processo) procura valorizar
a riqueza do potencial detido pela pessoa, e orientá­
‑la de forma a progredir a partir dos recursos de que
dispõe.Podeconstituir­‑secomoummotordesenca-
deador de uma dinâmica pessoal de autoformação,
de auto­‑valorização, de autoconfiança, e de desejo
de desenvolvimento/construção permanente, sem-
12 	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
preinacabado.Apessoaéreconhecidaemsimesma,
reforçando a sua auto­‑estima e promovendo a sua
emancipação.
Na medida em que, à partida, não existem refe-
renciais externos face aos quais os recursos detidos
são “comparados” e avaliados, o referencial é cons-
truído pela própria pessoa, elaborando­‑se a partir
dos saberes e das competências detidos. Os resul-
tados do reconhecimento podem constituir um
importanteinstrumentodenegociação(materializa-
dos num documento de síntese, ou num ­portfolio),
que é gerido pela pessoa — tanto no âmbito edu-
cativo, como profissional — podendo traduzir­‑se
num maior investimento na gestão do seu percurso
futuro.
A validação, pelo seu lado, atribui um estatuto
formal,oficial,aossaberesdetidospelapessoa;con-
duz à obtenção de diplomas/certificados/qualifi-
cações, na sua totalidade ou em parte. Comporta
uma etapa prévia de reconhecimento — a identifi-
cação dos saberes detidos — para posterior compa-
ração com um referencial determinado — um pro-
grama de educação/formação, componentes de cur-
sos, módulos ou disciplinas, referenciais de activi-
dades profissionais — que é normativo, geralmente
estandardizado, conferindo assim um valor legal às
aprendizagensadquiridasnumadiversidadedecon-
textos. A lógica subjacente aos processos de valida-
ção/acreditação é a sumativa.
As aprendizagens que são valorizadas pelos sis-
temas de educação/formação obedecem principal-
mente à lógica disciplinar e científica, uma lógica de
organização de saberes objectivados, formalizados.
Estes são enunciados de forma a poderem ser apro-
priados e “acumulados” pelas pessoas, e a forma
como são representados encontra­‑se em conformi-
dade com as formas de avaliação e sanção utilizadas
pelo sistema em causa.
A concepção subjacente ao reconhecimento, ao
defender que a experiência é produtora de saberes
(saberes de acção, saberes implícitos, tácitos) não se
confina apenas às aprendizagens valorizadas pelos
sistemas formais (conhecimentos formais, teóricos,
académicos)quersejamdeâmbitoescolarouprofis-
sional. Os saberes empíricos, resultantes da expe-
riência adquirida, não se encontram estruturados
de acordo com a lógica disciplinar. Eles obedecem a
umalógicaholística,integrativa,sãofrequentemente
“invisíveis”, mas podem ser explicitados e identifi-
cados através de um processo de enunciação, e reve-
lartodaasuariquezaecomplexidade.Esteprocesso
depende não só dos recursos cognitivos da pessoa,
mas também do suporte prestado pelo “mediador”,
e da qualidade da relação que com ele se estabelece
(confiança, abertura, autenticidade).
A lógica formativa implícita nas práticas de reco-
nhecimento, pode permitir, em termos teóricos,
apreenderestariquezaediversidade,poisosproces-
sos centram­‑se na identificação das aprendizagens
adquiridasenarevelaçãodopotencialquecadapes-
soa contém em si própria.
A validação, na medida em que se reporta sem-
pre a um referencial externo, determinado e estabi-
lizado, apenas dá visibilidade às aprendizagens que
são consideradas pertinentes no âmbito de um sis-
tema educativo. O diploma, o título, o certificado
(ou as unidades/módulos que o compõem) atestam
os conhecimentos e as competências que lhe estão
subjacentes. Assim, o processo de validação ape-
nas abrange uma parte das aprendizagens construí-
das experiencialmente ao longo da vida, em função
da finalidade e da especificidade de cada sistema ou
dispositivo.
Deacordocomanaturezadoreferencialemcausa
(sistema de educação/formação, mundo do traba-
lho) assim são privilegiados determinados domí-
nios e conteúdos de saberes, sempre mais restri-
tos do que aqueles que a pessoa adquiriu nos vários
contextos de vida. Desta forma, a abrangência da
validação é limitada pela maior ou menor abertura,
maior ou menor flexibilidade dos seus referenciais
de suporte.
Estas duas lógicas (formativa e sumativa) podem
ser vistas a partir de uma perspectiva de comple-
mentaridade — na medida em que para atestar for-
malmente é necessário primeiro reconhecer — e
encontram­‑se, geralmente, articuladas na generali-
dade dos sistemas identificados (Pires, 2002, 2005)
mas traduzem níveis diferentes de articulação.
A tensão existente entre as diferentes lógicas
parece­‑nospoderconduziraumamenorvalorização
da função formativa (reconhecimento), no âmbito
dossistemascujafinalidadeéprincipalmentesuma-
tiva (validação); no entanto, como evidenciámos,
	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais	 13
não é possível validar sem reconhecer previamente
as aprendizagens detidas. Assim, questionamos até
que ponto será possível evitar o risco deste “desli-
zamento” da função formativa para a função suma-
tiva, ou, explicitando a questão de outra forma, até
que ponto se poderá evitar a desvalorização da fun-
ção formativa (de processo) em benefício da suma-
tiva (de produto) e o enfoque excessivo no produto
final (diploma, certificado, crédito)?
Numa perspectiva da formação dos adultos,
defendemos que o processo de validação deve ser
sempre suportado num processo de orientação e
acompanhamento individual, antes, durante e após
a validação. A qualidade do apoio e da orientação
prestada à pessoa durante o processo de explicita-
ção e nomeação dos saberes detidos (geralmente
durante a fase de elaboração do portfolio), e o seu
alcance — ao permitir realizar o balanço global das
suasaprendizagensecompetências,ouapenasiden-
tificar aquelas que o sistema reconhece oficialmente
(referenciais ou standards) — poderá ser decisiva ao
nível da implicação futura do adulto num percurso
formativo. No âmbito dos processos de educação/
formação ao longo da vida, a vertente formativa des-
tes sistemas e dispositivos deverá ser valorizada.
A dimensão formadora do processo de reconheci-
mentodasaprendizagens,degrandecomplexidade,
não nos parece dever ser reduzida a uma inventaria-
çãoeaumacomparaçãocomlistagensdecompetên-
cias predefinidas.
Como se reconhecem e ­validam
as aprendizagens?
A valorização das aprendizagens construídas em
situações profissionais e de vida, mais amplas, para
além dos contextos formais de educação/formação,
implica o recurso a novas práticas de avaliação que
não as tradicionais, de forma a contemplarem a
multiplicidade e a complexidade destas aquisições.
Como constatámos no estudo realizado a nível
internacional (Pires, 2002, 2005), a grande gene-
ralidade dos sistemas implementados utiliza abor-
dagens e metodologias diversificadas, consoante a
natureza do processo em causa, o sistema ou as ins-
tituições envolvidas; existe uma ampla variedade de
instrumentos de suporte, e não nos parece possível
(nemdesejável)identificarumametodologiaoupro-
cedimentos únicos.
Dopontodevistadosprincípiosqueorientamas
práticasdereconhecimentoevalidação—centração
na pessoa e na sua singularidade — será mais ade-
quado utilizar metodologias que implicam proces-
sos mais personalizados (como o portfolio, as Abor-
dagens Biográficas, as Histórias de Vida) pouco
compatíveis com procedimentos massificados (os
testes, exames, etc.). No entanto, identificámos sis-
temas que recorrem à aplicação de testes, exames,
ou outros instrumentos de avaliação tradicionais.
A escolha das abordagens depende da natureza
do pedido, da motivação da pessoa, e do resultado a
atingir. Por princípio, deverá ser sempre uma deci-
são negociada entre a pessoa implicada e o conse-
lheiro, considerando que a pessoa é a “autora” da
sua própria história e da sua trajectória formativa, e
como tal dever­‑lhe­‑á ser atribuído um papel central
na escolha dos meios e na forma de explicitação das
suas aprendizagens.
Em relação à grande generalidade dos sistemas
e dispositivos que têm como finalidade a validação,
identificámos entre as metodologias mais significa-
tivas a elaboração de dossiers pessoais/portfolios de
competências, e as entrevistas; também podem ser
utilizados testes (de aptidões, de conhecimentos,
etc.), as provas escritas ou orais, simulações, exercí-
cios práticos, e ainda situações de avaliação em con-
texto de trabalho (principalmente nos casos em que
osreferenciaissãoconstruídoscombaseemcompe-
tências de âmbito profissional).
O dossier pessoal/portfolio integra um descritivo
dasexperiênciasedasactividadesdesenvolvidas,das
aprendizagens e competências adquiridas, e também
comprovativos e documentos justificativos tanto de
entidades patronais, como de organismos de educa-
ção/formação; pode ser acompanhado de projectos
desenvolvidos,maquetes,produtosrealizados,etc.
Aimplicaçãodapessoaeoapoiodetécnicosespe-
cializados são considerados imprescindíveis para
o desenvolvimento do trabalho de reflexão/explici-
tação/formalização. As entrevistas (estruturadas ou
não), a par dos portfolios, também fazem parte das
técnicas “obrigatórias” utilizadas. Assim, o diálogo
parece fazer parte integrante das metodologias de
reconhecimento, na grande generalidade dos países
estudados. Para Bjornavold, “o diálogo equilibrado
14 	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
eorecursoàauto­‑avaliação(eaoautoconhecimento),
comvistaamelhoraraqualidadedoprocessodeava-
liação, desempenham um papel fundamental nestas
abordagens. Além disso, estes dois aspectos permi-
tem reconhecer o carácter individual e contextual-
mente específico dos conhecimentos a avaliar. Até
certopontoocandidatoéúnico,peloqueasmetodo-
logias devem reflectir esse princípio” (1997, p. 59).
Identificámos a utilização combinada e flexível
de diversas técnicas, com vista a uma exploração o
maisricaecompletapossível,emdetrimentodepro-
cedimentos estandardizados. No entanto, os testes
de conhecimentos — instrumento da avaliação tra-
dicional — são utilizados com alguma regularidade,
quando se procura identificar o nível de conheci-
mentos detidos pela pessoa em determinados cam-
pos disciplinares e domínios específicos; o recurso
à utilização de instrumentos de carácter quantita-
tivo, como meio de “apreensão rigorosa e objectiva”
dos saberes detidos pelas pessoas, pode ser uma ilu-
são metodológica. Se considerarmos que a avaliação
clássica testa principalmente a capacidade de resti-
tuição de conhecimentos (Aubret  Gilbert, 1994),
então,osinstrumentostradicionaisnãonosparecem
ser os mais adequados para a identificação dos sabe-
resexperienciais,quenãoseencontramestruturados
de acordo com uma lógica disciplinar e académica.
A tendência encontrada nos diversos sistemas é a
da diversidade e da complementaridade de aborda-
gens e de metodologias, caminhando­‑se no sentido
do aprofundamento da pesquisa e da reflexão sobre
os instrumentos e as técnicas mais adequadas para
as práticas em questão.
Reflexões finais
Procurámos evidenciar que os processos de reco-
nhecimento e de validação se suportam, do ponto
de vista teórico, em conceitos decorrentes de abor-
dagens da aprendizagem de adultos (Pires, 2002,
2005), nomeadamente:
• a aprendizagem é um processo de construção
pessoal, que integra dinamicamente diferentes di-
mensões: afectivo­‑relacionais, cognitivas, socio­
‑culturais, sensorio­‑motoras e experienciais;
• aprendizagem e experiência são interdepen-
dentes; a experiência assume um papel central na
aprendizagemdosadultos;aexperiência(um“mate-
rial bruto”), quando acompanhada de um processo
de reflexão crítica e de formalização, pode ser tradu-
zida (“trans­‑formada”) em saberes e competências;
• a aprendizagem e o desenvolvimento dos adul-
tos não ocorre apenas nos espaços­‑tempos formais
de educação/formação, institucionalizados; os adul-
tos aprendem, constroem os seus saberes e desen-
volvem competências numa multiplicidade de situ-
ações e de contextos (formais, não formais e infor-
mais) que fazem parte das suas trajectórias de vida;
• do ponto de vista epistemológico, os saberes
que resultam de um processo experiencial não têm
sido suficientemente valorizados pelos sistemas
formais de educação/formação, que privilegiam o
saber conceptual e universal;
• as formas tradicionais de atestação dos sabe-
res encontram­‑se em consonância com um modelo
de construção e difusão de conhecimento baseado
numa lógica disciplinar e cumulativa;
• os saberes e as competências construídos atra-
vés da experiência e noutros contextos que não os
formais têm valor pessoal, social e profissional (e
concomitantemente económico) mas para tal é ne-
cessário que adquiram visibilidade — são geral-
mente tácitos, implícitos, “invisíveis”.
Na perspectiva da Educação/Formação — par-
ticularmente no domínio da formação de adultos
—, o reconhecimento e a validação, ao promoverem
a visibilidade e a legibilidade das aprendizagens
“ocultas”, constituem­‑se como um importante mo-
tor de novas dinâmicas formativas, na medida em
que (Pires, 2002, 2005):
• contribuem para a elaboração de projectos pes-
soais, profissionais e sociais, articulando os saberes
detidoscomasmotivaçõeseasaspiraçõesdapessoa;
• abrem caminho para novas oportunidades de
educação/formação — não numa lógica “carencia-
lista” mas sim de “experiencialidade”6
—, facili-
tandoaintegraçãoeamobilidadeformativa,promo-
vendo a aprendizagem ao longo da vida;
• desenvolvem a auto­‑estima, a auto­‑imagem,
a autonomia, fazendo elevar a motivação e o
nível de implicação dos adultos nos processos de
aprendizagem;
• contribuem para o reforço e a construção de
identidades pessoais, sociais e profissionais.
	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais	 15
No entanto, a introdução destas novas práticas
educativas exige uma mudança de fundo nos sis-
temas de educação/formação, pois os processos de
reconhecimentoedevalidação,naópticadeumpara-
digmadeeducação/formaçãoaolongodavida,nãose
podem limitar à aplicação de um conjunto de proce-
dimentos e de metodologias7
, numa perspectiva tec-
nicistaetecnocráticadeensino­‑aprendizagem.Tanto
ao nível dos actores como das estruturas, implicam a
mudança de representações e de práticas educativas:
aevoluçãodasrepresentaçõesedaspráticasdeapren-
dizagem,aevoluçãodosmodelostradicionaisdeedu-
cação/formação de forma a integrarem de forma coe-
rente os princípios e os pressupostos que se encon-
tramsubjacentesaoreconhecimentoeàvalidação.
Assim, a emergência destas práticas vem confron-
tarossistemaseducativoscomumacomplexidadede
questões,quetraduzemumamudançaparadigmática
ao nível das representações e das práticas, nomeada-
mente ao nível das estruturas, da organização curri-
cular,dasmetodologiasdeensino/aprendizagem,das
metodologiasdeavaliação,dosreferenciaisdeeduca-
ção/formação, das relações institucionais do sistema
com a sociedade, e entre os subsistemas que o com-
põe, das representações dos actores institucionais —
decisores políticos, gestores, conceptores, professo-
res,formadores,técnicos,entreoutros.
Por outro lado, é possível identificar uma diversi-
dade de tensões e conflitualidades, das quais passa-
mos a evidenciar algumas consideradas relevantes.
Tensões e conflitualidades no
­reconhecimento e validação
Para Liétard (1997), a problemática do reconheci-
mentoedavalidaçãoinscreve­‑senumjogodeinfluên-
cias e numa relação de forças, nem sempre favoráveis
à pessoa. A necessidade de apresentação de provas
válidas das aprendizagens, que é da inteira responsa-
bilidade do candidato, por vezes sem que as institui-
çõesofereçamumsólidoacompanhamentoesuporte
do processo (o que implica elevados custos de inves-
timento humano), a constatação de que as aprendiza-
gens experienciais são frequentemente comparadas
com os conteúdos formativos instituídos, sem que
estes se encontrem descritos em termos de capacida-
des, ou de uma forma unívoca, são aspectos que evi-
denciam a complexidade dos desafios e paradoxos
que emergem desta problemática. Segundo o autor,
os sistemas de validação reenviam para a responsa-
bilidade individual um conjunto de responsabilida-
des colectivas “mal­‑geridas”, tais como a exclusão e
odesemprego,numcontextodemaiorprecarizaçãoe
insegurança.“Afocalizaçãosobrearesponsabilidade
individual na gestão do seu ‘capital de competências’
não será uma camuflagem (...) que dilui o lugar dos
determinismos sociais, económicos e organizacio-
naisnosucessoounofalhanço?”(op.cit.,p.73).
Estas questões são pertinentes, e reforçam a
necessidade de entender o reconhecimento e a vali-
daçãonoutraperspectivaquenãocomoumaresposta
“rápida e eficaz” para alguns dos actuais problemas
sociais e económicos, de entre os quais destacamos
a procura das “qualificações­‑chave”, supostamente
capazes de tornar as pessoas aptas a lidarem com a
rápida mudança tecnológica e organizacional, e a
sobreviveremnomercadoglobaldacompetitividade.
Os debates em curso sobre a problemática da
validação indiciam que será necessário encontrar
respostas inovadoras e adequadas, mas que as evo-
luções se revestem de grande complexidade.
Para Merle (1997) não é possível encontrar uma
“solução padrão, aplicável a todos os países”, pois os
sistemas de validação são o resultado de uma cons-
trução social, articulada com a especificidade his-
tórica de cada sociedade. Por outro lado, este autor
chama a atenção para o facto de que as opções a fazer
não são apenas de ordem técnica, mas pertencem a
uma ordem mais ampla: “seria ilusório considerar
que um novo sistema de certificação, por mais bem
concebidoquefosse,sepudesseabsterdereequacio-
narasrelaçõesentreformaçãoinicialeformaçãocon-
tínua, de revalorizar o lugar ocupado pelas dimen-
sões profissionais e tecnológicas na formação inicial
e de contribuir para a evolução da gestão das qualifi-
cações nas empresas” (Merle, 1997, pp. 38­‑9).
Qualquer solução que se encontre no domínio do
reconhecimento e da validação nunca é simples do
pontodevistatécnico,nemneutraemtermospolíticos.
O reconhecimento e a validação devem ser pers-
pectivados, a médio prazo, como uma função edu-
cativa“atempointeiro”,uma“espinhadorsaldeum
projecto educativo”, a construção de identidades
pessoais e sociais de cidadãos, um meio de desen-
volvimentopessoalquepermiteoacessoàqualifica-
çãosocial(Liétard,1997).Masparaoautor,ofuturo
16 	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
destas práticas ainda é incerto: podem constituir­
‑se como a raiz de uma nova ordem educativa, reno-
vadora de projectos de educação permanente, ou
podem ser as premissas de novas formas de gestão
social ao serviço da economia do mercado.
A formação de professores/formadores/
conselheiros/orientadores
Parecem não existir ainda respostas estabiliza-
das que garantam à partida a qualidade e a fiabili-
dade dos processos em causa. Para além da validade
dos procedimentos, também há que considerar que
estes procedimentos são mediatizados por pessoas,
o que implica directamente a questão da preparação
adequada dos técnicos envolvidos.
Destaforma,aformaçãodosagentesimplicados—
formadores,professores,conselheiros,orientadores,
tutores,etc.—constitui­‑secomoumeixoimprescin-
dível para a garantia da qualidade dos processos em
causa. Entre os profissionais que intervêm nos pro-
cessos de reconhecimento e de validação, os conse-
lheiros, orientadores e professores/ formadores têm
um papel fundamental ao nível da valorização dos
adquiridosdapessoa,deelevaçãodasuaauto­‑estima
e da auto­‑imagem, de apoio à tomada de consciência
e explicitação das suas aprendizagens, de suporte à
construção identitária, e por vezes, de reconciliação
da pessoa com a sua trajectória de vida.
Estes profissionais têm de ser capazes de fazer
transpor um discurso de ordem pessoal para um de
ordem social e profissional. Este papel não é redutí-
velàmeraaplicaçãodetécnicasedeinstrumentosde
avaliação. Os actores deste processo desempenham
umpapelmediador,formativo,mobilizadordaauto-
nomia e de novas dinâmicas de aprendizagem. As
qualidades humanas, de escuta, de valorização do
outro, são tão ou mais importantes do que as técni-
cas, necessárias ao nível do conhecimento e utiliza-
çãodeinstrumentosdeapoio,aoníveldosdomínios
científicos,etc.Aformaçãodasequipasdeprofissio-
nais parece­‑nos ser um eixo fundamental de qual-
quer estratégia de implementação dos sistemas de
reconhecimento e de validação das aprendizagens
experienciais, papel que cabe prioritariamente às
instituições de ensino superior.
E também, numa perspectiva mais lata, se consi-
derarmos que “a sustentabilidade de um sistema de
educação/ formação ao longo da vida implica colo-
car os professores e os educadores na primeira linha
dosnovosparadigmaseducativos”(Carneiro,2001),
a formação destes actores assume neste contexto
uma relevância particular.
Assim, a formação dos professores e dos forma-
dores deverá ser (re)pensada à luz dos novos quadros
de referência de acção educativa, no âmbito do novo
paradigma de educação/formação ao longo da vida.
De entre os eixos de mudança educativa analisados,
e que influenciam as representações e as práticas dos
professores, dos formadores, dos alunos, enfim, de
todososintervenientesnoprocessoeducativo,desta-
camososarticuladoscomoprocessodeconstruçãode
conhecimento,comossaberes,comaaprendizagem,
ecomosprocessosecontextosondesedesenvolvem.
Destaforma,aformaçãodosprofessores/formadores,
numa lógica de educação/formação ao longo da vida,
deve ser enriquecida com os contributos destes qua-
dros de referência, e, na nossa perspectiva, tendo em
consideração as dimensões sobre as quais procurá-
mosreflectir,masquenãoesgotamnoentantoacom-
plexidade dos fenómenos envolvidos. As mudanças
necessárias ao nível das organizações educativas, no
quedizparticularmenterespeitoàsuaestruturaefor-
mas de organização, aos referenciais, às estratégias e
modelospedagógicos,vêmintroduzirnovosquadros
dereferênciaqueconfrontamosactoreseducativosao
nível das suas representações e questões identitárias.
Amudançadopensamentoeducativo,orepensardos
saberes e das competências necessárias numa socie-
dade em mudança, a valorização dos saberes adqui-
ridos experiencialmente, a crescente atenuação das
fronteiras entre formação geral, profissional, entre
formaçãoinicialeformaçãocontínua,entreeducação
formal e informal, são aspectos que devem ser con-
siderados e reflectidos no processo de formação dos
professores e formadores. A formação destes profis-
sionais deverá contribuir para a construção de uma
cultura de aprendizagem ao longo da vida, respon-
der às necessidades do actuais e simultaneamente
permitir uma antecipação das necessidades futuras,
numalógicapro­‑activa.Nestequadro,asinstituições
de ensino superior assumem uma dupla responsabi-
lidade: enquanto instituições responsáveis pela for-
mação dos professores e dos formadores, e enquanto
contextos privilegiados de construção de conheci-
mento,dequestionamentopermanente,deprodução
denovasformasdecompreensãodarealidade.
	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais	 17
Notas
1. Aprendizagens lifelong e lifewide, de acordo
com o “Memorando da Aprendizagem ao Longo da
Vida” (Comissão Europeia, 2000).
2. De acordo com Canário (1999), o funciona-
mento da organização escolar caracteriza­‑se pela
compartimentação estandardizada dos tempos,
espaços, saberes, que se encontra articulada com
uma concepção cumulativa do conhecimento e da
aprendizagem. O autor identifica as convergências
entreestaformadeorganizaçãoeaconcepçãotaylo-
rista dos processos de produção, orientada para a
produção e o consumo de massas.
3.SegundoDominicé(1989),oscursosescolares
e a tradição didáctica assentam sobre esta concep-
ção, que se reflecte tanto nas universidades como
na formação contínua. Também Canário (1999, p.
100) evidencia que o funcionamento da organização
escolar, do ponto de vista da relação com o saber,
“subestima e desvaloriza as aquisições, os interes-
seseasexperiênciasdosalunos,bemcomoascarac-
terísticas sócio­‑culturais do seu contexto”.
4. O conceito de aprendizagem experiencial apre-
senta proximidade conceptual com o de formação
experiencial, educação informal (Pain, 1991), educa-
ção experiencial (Gelpi, 1989). Este conceito foi enri-
quecido com os contributos de Kolb, Landry, Theil,
Barkatoolah,Roelens,Pineau,Enriotti,Finger,McGill
eWeil.AestepropósitoverPires(2002,2005).
5. Evidenciado nos trabalhos de Dewey, Rogers,
Knowles, Kolb, Mezirow e Freire, entre outros. Ver
Pires (2002, 2005).
6. De acordo com Correia (1997), as concepções
da “racionalidade técnica e adaptativa” e da “racio-
nalidadeexpressivaeemancipatória”sobreossabe-
res experienciais traduzem­‑se em diferentes for-
mas de definir e responder aos problemas; a pers-
pectiva crítica, defensora de “modelos de interven-
ção preocupados com o aprofundamento das valên-
cias emancipatórias da formação”, procura a “reabi-
litação das experiências inserindo­‑as num processo
cuja pertinência já não se defina pela sua adequabi-
lidade relativamente aos saberes formais e suscep-
tíveis de serem transmitidos, mas pelo sentido que
lhes atribuem os indivíduos e os grupos em forma-
ção. (…) Para além de se preocupar com o reconhe-
cimentodestessaberes,otrabalhodeformaçãopro-
curainduzirsituaçõesemqueosindivíduossereco-
nheçam nos seus saberes e sejam capazes de incor-
porar no seu património experiencial os próprios
saberes produzidos pelas experiências de forma-
ção” (op.cit., p. 37). Segundo o autor, o que está em
causa é a “reapropriação da formatividade”.
Também Canário (1999) aponta a necessidade de
se evoluir da lógica dominante das “necessidades”
(visãonegativadosujeito,quedávisibilidadeaosdéfi-
ceseàslacunas)paraalógicados“adquiridos”(enten-
didoscomopotencialidades),perspectivandooadulto
comoo“principalrecursodasuaformação”.
7.Uma“poçãomágica”,deacordocomBjornavold
(2000).TambémparaRodrigueseNóvoa“Aquestão
(doreconhecimento)nãoseresolvecomamultiplica-
çãode‘centros’ondeseprocedeaanálise,validaçãoe
certificação dos ‘documentos’ de uma vida. O essen-
cial passa pela inscrição de determinadas práticas
de formação no dia­‑a­‑dia das pessoas e das institui-
ções”, fazendo parte da cultura dos organismos onde
seinserem.(CanárioCabrito,2005,p.12).
Referências bibliográficas
Aubret, Jacques  Gilbert, Patrick (1994). Recon-
naissance et validation des acquis. Paris: PUF.
Aubret,J.Gilbert,P.(2003).Valorisationetvalida-
tion de l’expérience professionnelle. Paris: Dunod.
Bjornavold,Jens(1997).Identificationetvalidation
des acquis antérieurs et/ou non­‑formels; Expé-
riences, innovations et problémes. Rev. Pano-
rama. Thessalonique: CEDEFOP.
Bjornavold, Jens (2000). Making learning visible
— identification, assessment and recognition of
non­‑formal learning in Europe. Luxembourg:
Pub. CEDEFOP.
Canário, Rui (1999). Educação de Adultos: um
campo e uma problemática. Lisboa: Educa.
Canário, R.  Cabrito, B. (orgs.) (2005). Educa-
ção e Formação de Adultos. Mutações e Conver-
gências. Lisboa: Educa.
Carneiro, Roberto (2001). Nota introdutória. Novo
Conhecimento, Nova Aprendizagem. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 11­‑15.
Colardyn,D.Bjornavold,J.(2005).Thelearning
continuity:EuropeanInventoryonvalidatingnon­
‑formal learning. National Policies and practices
18 	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
invalidationgnon­‑formalandinformallearning.
CEDEFOP Panorama Series, 117. Luxembourg:
Publications of the European Comunities.
Correia, José Alberto (1997). Formação e Traba-
lho: contributos para uma transformação dos
modos de os pensar na sua articulação. In R.
Canário (org.), Formação e Situações de Traba-
lho. Porto: Porto Editora, pp. 13­‑41.
Comissão Europeia (1995). Livro Branco sobre a
Educação/Formação. Ensinar e Aprender, rumo
à Sociedade Cognitiva. Bruxelas.
Comissão Europeia (2000). Memorando sobre
Aprendizagem ao Longo da Vida. Bruxelas.
Comissão Europeia (2001). Making a European
area of Lifelong Learning a reality. Brussels.
Comissão Europeia (2002). Commission’s action
plan for skills and mobility. Brussels.
Comissão Europeia (2004). Common European
principles for validation of informal and non
formal learning. Brussels.
Dominicé, Pierre (1989). Expérience et apprentis-
sage: faire de la nécéssité vertu. Education Per-
manente, 100,101, pp. 57­‑65.
Farzad, M.  Paivandi, S. (2000). Reconnaissance
et Validation des Acquis en Formation. Paris: Ed
Anthropos.
Feutrie, Michel (1997). Identification, validation et
accréditationdel`apprentissageantérieuretinformel
—France.Thessalonique:CEDEFOPPanorama.
Feutrie, Michel (2005). Comunicação apresentada
naEUCENBergenConference,28­‑30April2005,
“Workshop Validation of Non­‑formal and Infor-
mal learning” (documento policopiado).
Gelpi, Ettore (1989). Quelques propos politiques
surl’éducationexpérientielle.EducationPerma-
nente, 100, 101, pp. 67­‑78.
Kalika, Michel (1998). Quelles conditions les sys-
tèmes d’accreditation doivent­‑ils remplir? In
L’Accreditation des Compétences dans la Societé
Cognitive — Actes de la Conférence organisé à
Marseille les 2 et 3 Février 1998. France: Éditions
de L’Aube, pp. 117­‑129.
LeBoterf,Guy(2000).Construirelescompétencesindi-
viduellesetcollectives.Paris:Ed.d’Organisation.
Liétard, Bernard (1997). Se reconnaitre dans le
maquis des acquis. Education Permanente, 133.
Paris, pp. 65­‑74.
Merle, Vincent (1997). L`évolution des systémes
de validation et de certification — quels modéles
possiblesetquelsenjeuxpourlaFrance?Forma-
tion Professionnelle, 12, pp. 37­‑49.
Nóvoa,António(2001).Étatsdeslieuxdel’Éducation
comparée, paradigmes, avancées et impasses.
In R. Sirota (dir.), Autour du comparatisme en
Éducation. Paris: PUF, pp. 41­‑68.
Pain, Abraham (1991). Education Informelle: les
mots...et la chose (réponses à un praticien). In B.
Courtois B.  G. Pineau, La Formation Expe-
rientielle des Adultes. Paris: La Documentation
Française, pp. 59­‑65.
Pineau, Gaston et al. (coords.) (1991/1997). Recon-
naitre les Acquis — Démarches d`Exploration
Personnalisée. Paris: La Mesonance.
Pires, Ana Luisa (2003). L’Éducation/Formation
tout au Long de la Vie et la formation des enseig-
nants et formateurs: nouveaux défis, nouvelles
questions? Colloque International de l’AFIRSE/
UNESCO, 29 a 31 Maio 2003. Paris.
Pires, Ana Luisa (2004a). O reconhecimento e a
validação das aprendizagens dos adultos: con-
tributos para a reflexão educativa. Revista Tra-
jectos, 4. Lisboa: ISCTE.
Pires, Ana Luisa (2004b). Educação/Formação e
Trabalho: uma abordagem educativa sobre a
problemática das competências. In Actas do XIII
Colóquio da Afirse/AIPELF, Regulação da Educa-
ção e Economia — Organização, Financiamento
e Gestão. Universidade de Lisboa, 20/22 Novem-
bro 2003.
Pires, Ana Luisa (2005). Educação e Formação
ao Longo da Vida: análise crítica dos sistemas
e dispositivos de reconhecimento e validação de
aprendizagens e de competências. Tese de Dou-
toramento (2005, 2002) FCT/UNL. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para
a Ciência e a Tecnologia.
Pires, Ana Luisa (2006). O Reconhecimento e a
Validação da Experiência e a Investigação. In G.
Figari et al. (orgs.), Avaliação das Competências
e Aprendizagens Experienciais. Saberes, modelos
e métodos. Lisboa: Educa, pp. 437­‑450.
Rodrigues, Cristina  Nóvoa, António (2005).
Prefácio. In R. Canário  B. Cabrito (orgs.),
Educação e Formação de Adultos. Mutações e
convergências. Lisboa: Educa, pp. 7­‑14.
	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais	 19
20 	 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
s í s i f o / r e v i s ta de c i ê nc i a s da e duc aç ão · n.º 2 · ja n/a b r 0 7	 i s s n 1646 ‑4 9 9 0
Reconhecimento, Validação
e Certificação de Competências:
Complexidade e novas actividades profissionais
Cármen Cavaco
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa
semblana@hotmail.com
Resumo:
O texto foi elaborado a partir de um conjunto de informação recolhida em três Centros de
Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC). O trabalho rea-
lizado nos CRVCC consiste na avaliação de competências através da experiência de vida.
O processo de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) é com-
plexo e difícil tanto para os adultos como para os profissionais envolvidos, o que resulta
de um conjunto de factores. Neste texto, optou­‑se por problematizar a complexidade ine-
rente aos elementos que se consideram estruturantes do processo — as competências, a
experiência de vida e a avaliação. As questões que orientam a problematização e reflexão
aolongodotextosãoasseguintes:Qualéanaturezadoselementosqueestãoassociadosao
reconhecimento e validação e que tornam este processo complexo? Que profissões emer-
gem através do trabalho realizado nos CRVCC? As equipas dos CRVCC recorrem a um
conjunto de estratégias (p.e. modelo metodológico híbrido, acompanhamento do adulto,
triangulação da informação) para contornar a complexidade, as tensões e as dificuldades
que marcam o processo de RVCC. A qualidade e equidade do processo dependem muito
da orientação e do profissionalismo das equipas que trabalham nos Centros.
Palavras­‑Chave:
Reconhecimento, validação e certificação de competências, educação e formação de adul-
tos, perfil dos profissionais de RVC, aprendizagem experiencial.
Cavaco, Cármen (2007). Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências: Complexi-
dade e novas actividades profissionais. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 2, pp. 21‑34
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt
21
Introdução
A investigação que suporta o presente texto1
enquadra­‑se num projecto de Doutoramento em
CiênciasdaEducação—FormaçãodeAdultos,cujo
objectivo é compreender as lógicas da oferta forma-
tiva direccionada para adultos pouco escolarizados
eapercepçãoqueosadultostêmdessasoportunida-
desformativas.Otextocentra­‑seapenasnumdomí-
nio do mencionado estudo, o processo de reconhe-
cimento, validação e certificação de competências e
é baseado num conjunto de dados empíricos reco-
lhidos em três Centros de Reconhecimento, Valida-
ção e Certificação de Competências2
(CRVCC), que
surgiram em Portugal, no ano 2001. Os dados empí-
ricos consistiram na realização de entrevistas semi­
‑directivas aos elementos das equipas dos 3 Centros
(entrevistas a 8 profissionais de RVC, entrevistas a
7 formadores de RVC e entrevistas a 3 coordenado-
ras) e a alguns adultos certificados (14 entrevistas a
adultos). Através do reconhecimento de competên-
ciasestesCentrospermitemacertificaçãoescolarde
indivíduos, com mais de 18 anos, que não possuem
o 9º de escolaridade. Os certificados3
atribuídos são
referentesaonívelB1(4ºanodeescolaridade),B2(6º
ano de escolaridade) e B3 (9º ano de escolaridade).
A decisão do nível escolar a atribuir depende essen-
cialmente de dois factores: do nível de escolaridade
que o adulto possui ao ingressar no Centro; e das
competências que consegue demonstrar ao longo
das várias fases do processo. Os Centros realizam
um trabalho de reconhecimento, validação e certi-
ficação de competências adquiridas pelos adultos
pouco escolarizados ao longo da vida, em diversos
contextos (familiar, social, profissional e escolar/
formação profissional).
A reflexão e problematização realizada ao longo
do texto são orientadas pelas seguintes questões:
Qual é a natureza dos elementos que estão associa-
dosaoreconhecimentoevalidaçãodecompetências
e que tornam este processo complexo? Que pro-
fissões emergem através do trabalho realizado nos
CRVCC? Que profissões são profundamente alte-
radas no contexto do trabalho dos CRVCC? Que
implicações tem o processo de reconhecimento e
validação de competências de adultos pouco esco-
larizados nas funções e atitudes dos colaboradores
dos Centros? O texto está organizado em dois pon-
tos: o primeiro diz respeito à análise da natureza
dos elementos inerentes ao processo de RVCC — as
competências, a experiência de vida e a avaliação;
e o segundo é referente à sistematização e reflexão
sobre as funções e competências do profissional de
RVC e do formador de RVC.
Pressupostos e dificuldades ­inerentes
ao processo de reconhecimento e
validação de competências
Os CRVCC em estudo baseiam­‑se no pressupos-
to que há continuidade entre a aprendizagem e a
experiência, os processos de aprendizagem são
interdependentes da acumulação de experiên-
22 	 sísifo 2 | cármen cavaco | reconhecimento, validação e certificação de competências
cias, tornando­‑se por isso pertinente reconhecer
e validar as aprendizagens que os adultos pouco
escolarizados realizaram ao longo da vida, dando­
‑lhes visibilidade social, através da certificação.
Reconhece­‑se que aprendizagem resulta da neces-
sidade de responder aos desafios e imprevistos que
a vida quotidiana coloca, sendo “um direito inalie-
nável que cada um tem para sobreviver” (Grone-
meyer, 1989, p. 81), como tal, ocorre aprendizagem
ao longo da vida e nos vários contextos, através de
modalidades informais, não­‑formais e formais. Os
adultos que aderem ao RVCC são encarados como
indivíduos portadores de uma experiência de vida
única, que é o seu principal recurso para a realiza-
ção do processo. Faz­‑se uma “leitura pela positiva”,
emquesepretendeidentificarevalorizaraquiloque
a pessoa aprendeu ao longo da vida. Neste processo
de RVCC a educação é entendida como um proces-
so contínuo no tempo e no espaço e uma “produ-
ção de si, por si”, em que o indivíduo “se utiliza
a si próprio como recurso” (Charlot, 1997, citado
em Canário, 2000, p. 133). Nos CRVCC em estu-
do as equipas reconhecem a centralidade do sujeito
no processo de aprendizagem, e enquadram­‑se na
“perspectiva da produção de saber que se situa nas
antípodas da concepção cumulativa, molecular e
transmissiva própria da forma escolar tradicional”
(Canário,2000,p.133).Estespressupostostêmpro-
fundas implicações na organização do dispositivo,
nas metodologias, nos instrumentos e nas funções
e postura dos actores envolvidos.
O carácter complexo dos elementos inerentes ao
reconhecimento, validação e certificação de compe­
tências — as competências, a experiência de vida e
a avaliação — está na base da maior parte das difi-
culdades e desafios que se colocam às equipas res-
ponsáveis pelo processo nos CRVCC. O processo
de reconhecimento e validação de competências
é complexo e difícil tanto para o adulto envolvido
como para as equipas dos Centros. Um dos motivos
dessa complexidade e dificuldade resulta da natu-
reza do próprio objecto em estudo — as competên-
cias. A competência é referente à capacidade de mo-
bilizar, num determinado contexto, um conjunto
de saberes, situados ao nível do saber, saber­‑fazer e
saber­‑ser, na resolução de problemas. A competên-
cia não existe per se, está ligada a uma acção concre-
ta e associada a um contexto específico. Conforme
refere Sandra Bellier (2001, p. 254) “a compe­tência
não é aquilo que se faz mas como se consegue fazê­
‑lo de maneira satisfatória. É portanto aquilo que
está subjacente à acção e não a própria acção”.
O facto da competência ter por base uma acção, um
contexto e procedimentos específicos coloca pro-
blemas na avaliação de competências nos Centros
em estudo, desde logo porque o processo de reco-
nhecimento e validação ocorre diferido no tempo.
Ou seja, o indivíduo não é avaliado no momento
em que manifesta certa competência mas sim à pos-
teriori. As equipas apercebem­‑se diariamente da
dificuldade de captar com rigor as competências
dos indivíduos; como forma de contornar esta si-
tuação incidem no processo de auto­‑avaliação e op-
tam pela triangulação de informação, recorrendo a
várias fontes (p.e. provas sobre o percurso de vida,
observações, análise do dossier e dos trabalhos re-
alizados pelo adulto ao longo do processo), a vários
instrumentos (p.e. exercícios de demonstração,
instrumentos de mediação, situações­‑problema) e
ao trabalho em equipa. Todavia, têm consciência
que esse trabalho de reconhecimento e validação
de competências nunca será perfeito, apesar dos
seus esforços de melhoria, acontecerão, inevitavel-
mente, casos de sobreavaliação e subavaliação de
competências.
A identificação das competências realiza­‑se, es-
sencialmente, através da recolha de elementos sobre
a experiência de vida do adulto pouco escolarizado,
o que constitui outro motivo de dificuldade e com-
plexidade do processo de RVCC. O conceito de ex-
periência manifesta­‑se impreciso, englobando uma
grande diversidade de significados. A experiência
apresenta um carácter dinâmico, é questionada e
alterada em função das novas situações vivenciais,
o que permite a evolução do indivíduo, tornando­‑se
umprocessointerminável,queresultanumprocesso
de formação ao longo da vida. A amplitude do con-
ceito de experiência resulta do facto da experiência
“se confundir com a presença do sujeito no mundo,
há permanentes interacções com o meio e consigo
próprio, mesmo os não factos, as não­‑acções, as
não­‑comunicações são também experiências” (Ver-
mersch, 1991, p. 275). Também é necessário ter em
atenção que “nem toda a experiência resulta neces-
sariamente numa aprendizagem, mas a experiência
constitui, ela própria, um potencial de aprendiza-
	 sísifo 2 | cármen cavaco | reconhecimento, validação e certificação de competências	 23
gem” (Dominicé, 1989, p. 62). Perceber se se rea-
lizaram aprendizagens não conscientes ou se pelo
contrário a experiência não deu lugar a qualquer
tipo de aprendizagem, torna­‑se uma tarefa bastan-
te difícil e morosa, quer para o adulto, quer para as
equipas.Comoformadeultrapassarestadificuldade
as equipas recorrem a instrumentos do tipo descriti-
vo, apelando à descrição dos acontecimentos, numa
tentativa de facilitar o acesso à sequência das acções
e às aprendizagens realizadas, para depois inferir as
competências do adulto.
A avaliação envolve sempre um juízo de valor
que resulta da comparação entre uma situação exis-
tente e uma situação desejável. Neste caso a situação
existente é o percurso de vida do adulto e as com-
petências que este evidencia (indicadores), e a situ-
ação desejável é o referencial de competências­‑chave
(critérios de comparação).A avaliação é um processo
complexo, e quanto se trata de avaliar competências
a situação ainda se apresenta mais delicada, o que
constitui um domínio de dificuldade no processo de
RVCC. A análise da avaliação de competências rea-
lizada nos Centros em estudo permite­‑nos efectuar
uma reflexão sobre um conjunto de novos desafios
que se colocam nos processos de avaliação.O estudo
dos processos de avaliação de competências nos CR-
VCC pode constituir uma oportunidade para rever e
repensar as práticas de avaliação, nomeadamente, as
presentes nas modalidades educativas formais.A ava-
liação de competência no processo de RVCC é de-
senvolvida numa perspectiva humanista,não é enten-
dida apenas “para julgar” (Cardinet, 1989, citado em
Paquay, 2000, p. 122) as competências manifestadas
pelo adulto,mas também para dar sentido e valorizar
o percurso de vida, a experiência, o adulto enquanto
pessoa. Embora a principal finalidade das equipas
dos Centros seja captar com rigor as competências
do adulto e compará­‑las com as do referencial,de for-
ma a avaliar a possibilidade e o grau de certificação,a
metodologia de trabalho e os instrumentos utilizados
permitem orientar o processo numa perspectiva de
avaliação mobilizadora e humanista, com potenciali-
dades ao nível da conscientização.
O processo de reconhecimento e validação das
competências nos CRVCC tem por objectivo “tor-
nar visíveis” (Liétard, 1999) as competências que
os adultos pouco escolarizados possuem mas que,
na maioria dos casos, desconhecem, ignoram e
desvalorizam; o que envolve um complexo e rigo-
roso trabalho de avaliação de competências a par-
tir da experiência de vida. O reconhecimento tem
subjacente uma dimensão de auto­‑avaliação, que
ocorre quando o adulto analisa as suas competên-
cias; e uma dimensão de hetero­‑avaliação, quando
os elementos da equipa dos Centros comparam
as competências do adulto com as do referencial.
O reconhecimento não se limita a um trabalho de
descrição da experiência de vida, envolve rememo-
ração, selecção e análise de informação, implica,
sobretudo, um rigoroso processo de reflexividade
e de distanciamento face ao vivido. A dinâmica que
surge no decurso do processo de reconhecimento,
exige uma grande implicação por parte do adulto e
interfere com o seu “eu”, envolvendo mecanismos
cognitivos e emotivos. O adulto para responder às
questões: “Qual foi o meu percurso de vida ao nível
profissional,familiar,socialeescolar/formaçãopro-
fissional? Que competências adquiri ao longo do
percurso de vida? Onde as usei?”, equaciona inevi-
tavelmente a questão “Porque sou o que sou?”.
O reconhecimento e validação de competências
através da análise do percurso de vida do adulto en-
volve um processo de avaliação que suscita questões
muito sensíveis, o indivíduo pode sentir que está a
ser avaliado enquanto pessoa, que é o seu percurso
de vida que está a ser julgado. Conforme refere Pa-
quay (2000,p.121),“desde o momento que se avalia
uma competência, os sujeitos são necessariamente
implicados, é o conjunto dos seus recursos cogni-
tivos, afectivos e motores que são tidos em conta,
eles sentem­‑se globalmente julgados, na sua pessoa,
na sua identidade. Se o julgamento é negativo, sem
dúvida que terá rapidamente efeitos desastrosos”.
Como é que se pode contornar esta dificuldade no
processo de RVCC? As equipas dos Centros em
estudo contornam este problema optando por vá-
rias estratégias: por um lado, tentam identificar no
momento de inscrição ou nas primeiras sessões de
reconhecimento as pessoas que à partida não têm
o perfil adequado para realizar o processo com su-
cesso, evitando criar falsas expectativas e reforçar
uma imagem negativa; por outro lado, as metodo-
logias, as técnicas e os instrumentos das sessões de
reconhecimento são orientados sobretudo para a
auto­‑análise,auto­‑reconhecimento e auto­‑avaliação;
e por fim, os elementos da equipa dão ênfase e va-
24 	 sísifo 2 | cármen cavaco | reconhecimento, validação e certificação de competências
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo
A Condição de Sísifo

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

12. A Erudição Excepcional em Foucault. Ano I, Nº 12 - Volume I - Porto Velho...
12. A Erudição Excepcional em Foucault. Ano I, Nº 12 - Volume I - Porto Velho...12. A Erudição Excepcional em Foucault. Ano I, Nº 12 - Volume I - Porto Velho...
12. A Erudição Excepcional em Foucault. Ano I, Nº 12 - Volume I - Porto Velho...estevaofernandes
 
A guerra da arte steven pressfield
A guerra da arte   steven pressfieldA guerra da arte   steven pressfield
A guerra da arte steven pressfieldMW
 
A filosofia da linguagem em platão[1]
A filosofia da linguagem em platão[1]A filosofia da linguagem em platão[1]
A filosofia da linguagem em platão[1]Marcele Viana
 
Resenha critica do fedro (caio grimberg)
Resenha critica do fedro (caio grimberg)Resenha critica do fedro (caio grimberg)
Resenha critica do fedro (caio grimberg)Caio Grimberg
 
A filosofia atual - Dardo Scavino
A filosofia atual - Dardo ScavinoA filosofia atual - Dardo Scavino
A filosofia atual - Dardo ScavinoCesar de Alencar
 
Dia nacional do Espiritismo
Dia nacional do EspiritismoDia nacional do Espiritismo
Dia nacional do EspiritismoHelio Cruz
 
Fritjof capra a teia da vida (pdf)
Fritjof capra   a teia da vida (pdf)Fritjof capra   a teia da vida (pdf)
Fritjof capra a teia da vida (pdf)Marcelo Gomes
 
Capra a teia da vida
Capra   a teia da vidaCapra   a teia da vida
Capra a teia da vidaEliana Reis
 
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo   ernesto bozzanoAnimismo ou espiritismo   ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo ernesto bozzanoHelio Cruz
 
Clarice, na cavidade do rochedo...
Clarice, na cavidade do rochedo... Clarice, na cavidade do rochedo...
Clarice, na cavidade do rochedo... GQ Shows e Eventos
 
A invenção da cultura trecho
A invenção da cultura   trechoA invenção da cultura   trecho
A invenção da cultura trechoNayala Duailibe
 
Chauí, marilena. p ensamento político e a redemocratização do brasil
Chauí, marilena. p ensamento político e a redemocratização do brasilChauí, marilena. p ensamento político e a redemocratização do brasil
Chauí, marilena. p ensamento político e a redemocratização do brasilSimon Barreto
 
Rudolf steiner-a-ciencia-oculta
Rudolf steiner-a-ciencia-ocultaRudolf steiner-a-ciencia-oculta
Rudolf steiner-a-ciencia-ocultaNONATO LIMA
 
Reale, miguel experiência e cultura
Reale, miguel   experiência e culturaReale, miguel   experiência e cultura
Reale, miguel experiência e culturaRondinelle Salles
 

Mais procurados (16)

12. A Erudição Excepcional em Foucault. Ano I, Nº 12 - Volume I - Porto Velho...
12. A Erudição Excepcional em Foucault. Ano I, Nº 12 - Volume I - Porto Velho...12. A Erudição Excepcional em Foucault. Ano I, Nº 12 - Volume I - Porto Velho...
12. A Erudição Excepcional em Foucault. Ano I, Nº 12 - Volume I - Porto Velho...
 
A guerra da arte steven pressfield
A guerra da arte   steven pressfieldA guerra da arte   steven pressfield
A guerra da arte steven pressfield
 
A filosofia da linguagem em platão[1]
A filosofia da linguagem em platão[1]A filosofia da linguagem em platão[1]
A filosofia da linguagem em platão[1]
 
Resenha critica do fedro (caio grimberg)
Resenha critica do fedro (caio grimberg)Resenha critica do fedro (caio grimberg)
Resenha critica do fedro (caio grimberg)
 
A filosofia atual - Dardo Scavino
A filosofia atual - Dardo ScavinoA filosofia atual - Dardo Scavino
A filosofia atual - Dardo Scavino
 
Dia nacional do Espiritismo
Dia nacional do EspiritismoDia nacional do Espiritismo
Dia nacional do Espiritismo
 
Fritjof capra a teia da vida (pdf)
Fritjof capra   a teia da vida (pdf)Fritjof capra   a teia da vida (pdf)
Fritjof capra a teia da vida (pdf)
 
Capra a teia da vida
Capra   a teia da vidaCapra   a teia da vida
Capra a teia da vida
 
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo   ernesto bozzanoAnimismo ou espiritismo   ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
 
Infinitas Moradas
Infinitas MoradasInfinitas Moradas
Infinitas Moradas
 
Aurora
AuroraAurora
Aurora
 
Clarice, na cavidade do rochedo...
Clarice, na cavidade do rochedo... Clarice, na cavidade do rochedo...
Clarice, na cavidade do rochedo...
 
A invenção da cultura trecho
A invenção da cultura   trechoA invenção da cultura   trecho
A invenção da cultura trecho
 
Chauí, marilena. p ensamento político e a redemocratização do brasil
Chauí, marilena. p ensamento político e a redemocratização do brasilChauí, marilena. p ensamento político e a redemocratização do brasil
Chauí, marilena. p ensamento político e a redemocratização do brasil
 
Rudolf steiner-a-ciencia-oculta
Rudolf steiner-a-ciencia-ocultaRudolf steiner-a-ciencia-oculta
Rudolf steiner-a-ciencia-oculta
 
Reale, miguel experiência e cultura
Reale, miguel   experiência e culturaReale, miguel   experiência e cultura
Reale, miguel experiência e cultura
 

Destaque

Aprendizagem ao longo_da_vida_-_um_conceito_uto_pico
Aprendizagem ao longo_da_vida_-_um_conceito_uto_picoAprendizagem ao longo_da_vida_-_um_conceito_uto_pico
Aprendizagem ao longo_da_vida_-_um_conceito_uto_picoisabepaiva
 
Projeto isabel paiva 903322
Projeto isabel paiva 903322Projeto isabel paiva 903322
Projeto isabel paiva 903322isabepaiva
 
399 - Aprendizagem de conceitos: uma estrategia de ensino com as tic
399 - Aprendizagem de conceitos: uma estrategia de ensino com as tic399 - Aprendizagem de conceitos: uma estrategia de ensino com as tic
399 - Aprendizagem de conceitos: uma estrategia de ensino com as ticticEDUCA2010
 
O meu curriculum vitae nov2013
O meu curriculum vitae nov2013O meu curriculum vitae nov2013
O meu curriculum vitae nov2013isabepaiva
 

Destaque (6)

Aprendizagem ao longo_da_vida_-_um_conceito_uto_pico
Aprendizagem ao longo_da_vida_-_um_conceito_uto_picoAprendizagem ao longo_da_vida_-_um_conceito_uto_pico
Aprendizagem ao longo_da_vida_-_um_conceito_uto_pico
 
Projeto isabel paiva 903322
Projeto isabel paiva 903322Projeto isabel paiva 903322
Projeto isabel paiva 903322
 
399 - Aprendizagem de conceitos: uma estrategia de ensino com as tic
399 - Aprendizagem de conceitos: uma estrategia de ensino com as tic399 - Aprendizagem de conceitos: uma estrategia de ensino com as tic
399 - Aprendizagem de conceitos: uma estrategia de ensino com as tic
 
O meu curriculum vitae nov2013
O meu curriculum vitae nov2013O meu curriculum vitae nov2013
O meu curriculum vitae nov2013
 
Paulina Kurcgant
Paulina KurcgantPaulina Kurcgant
Paulina Kurcgant
 
livro-administracao-aplicada-a-enfermagem-2
livro-administracao-aplicada-a-enfermagem-2livro-administracao-aplicada-a-enfermagem-2
livro-administracao-aplicada-a-enfermagem-2
 

Semelhante a A Condição de Sísifo

7 texto replica o que ç um ensaio te¢rico
7 texto replica   o que ç um ensaio te¢rico7 texto replica   o que ç um ensaio te¢rico
7 texto replica o que ç um ensaio te¢ricoIaísa Magalhaes
 
2° ano - Gêneros jornalísticos editorial
2° ano - Gêneros jornalísticos   editorial2° ano - Gêneros jornalísticos   editorial
2° ano - Gêneros jornalísticos editorialProfFernandaBraga
 
Foucault a verdade e as formas juridicas
Foucault   a verdade e as formas juridicasFoucault   a verdade e as formas juridicas
Foucault a verdade e as formas juridicasLeandro Santos da Silva
 
Racionalismo em Descartes
Racionalismo em DescartesRacionalismo em Descartes
Racionalismo em DescartesJoaquim Melro
 
História, Arte e Criatividade 2012
História, Arte e Criatividade 2012História, Arte e Criatividade 2012
História, Arte e Criatividade 2012João Lima
 
Castro rita-o-poder-da-comunicacaoe-a-intertextualidade
Castro rita-o-poder-da-comunicacaoe-a-intertextualidadeCastro rita-o-poder-da-comunicacaoe-a-intertextualidade
Castro rita-o-poder-da-comunicacaoe-a-intertextualidadeEdilson A. Souza
 
Ubiratan D'Ambrosio na Mesa Redonda "Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no...
Ubiratan D'Ambrosio na Mesa Redonda "Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no...Ubiratan D'Ambrosio na Mesa Redonda "Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no...
Ubiratan D'Ambrosio na Mesa Redonda "Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no...Felipe Heitmann
 
Ficha trab. 1 10º
Ficha trab. 1 10ºFicha trab. 1 10º
Ficha trab. 1 10ºlolaesa
 
Dissertao -rubens_gomes_lacerda
Dissertao  -rubens_gomes_lacerdaDissertao  -rubens_gomes_lacerda
Dissertao -rubens_gomes_lacerdaSandra Oliveira
 
Empirismo de David Hume (Doc2)
Empirismo de David Hume (Doc2)Empirismo de David Hume (Doc2)
Empirismo de David Hume (Doc2)guest9578d1
 
Ditadura Militar e Ensino de História: práticas, fontes, experiências e refle...
Ditadura Militar e Ensino de História: práticas, fontes, experiências e refle...Ditadura Militar e Ensino de História: práticas, fontes, experiências e refle...
Ditadura Militar e Ensino de História: práticas, fontes, experiências e refle...samuel Jesus
 
Filosofia, Retórica e Democracia
Filosofia, Retórica e DemocraciaFilosofia, Retórica e Democracia
Filosofia, Retórica e Democraciaatamenteesas
 
Mário Ferreira dos Santos - Catálogo Geral de Obras.
Mário Ferreira dos Santos - Catálogo Geral de Obras. Mário Ferreira dos Santos - Catálogo Geral de Obras.
Mário Ferreira dos Santos - Catálogo Geral de Obras. Filosofia-Concreta
 
Revista Opiniães - n° 1
Revista Opiniães - n° 1Revista Opiniães - n° 1
Revista Opiniães - n° 1blogopiniaes
 
UERJ_Português Instrumental 2014 com respostas ao final
UERJ_Português Instrumental 2014 com respostas ao finalUERJ_Português Instrumental 2014 com respostas ao final
UERJ_Português Instrumental 2014 com respostas ao finalHelio de Sant'Anna
 

Semelhante a A Condição de Sísifo (20)

7 texto replica o que ç um ensaio te¢rico
7 texto replica   o que ç um ensaio te¢rico7 texto replica   o que ç um ensaio te¢rico
7 texto replica o que ç um ensaio te¢rico
 
2° ano - Gêneros jornalísticos editorial
2° ano - Gêneros jornalísticos   editorial2° ano - Gêneros jornalísticos   editorial
2° ano - Gêneros jornalísticos editorial
 
Foucault a verdade e as formas juridicas
Foucault   a verdade e as formas juridicasFoucault   a verdade e as formas juridicas
Foucault a verdade e as formas juridicas
 
Racionalismo em Descartes
Racionalismo em DescartesRacionalismo em Descartes
Racionalismo em Descartes
 
Caderno de resumos
Caderno de resumosCaderno de resumos
Caderno de resumos
 
História, Arte e Criatividade 2012
História, Arte e Criatividade 2012História, Arte e Criatividade 2012
História, Arte e Criatividade 2012
 
Volume x 2004
Volume x 2004Volume x 2004
Volume x 2004
 
Castro rita-o-poder-da-comunicacaoe-a-intertextualidade
Castro rita-o-poder-da-comunicacaoe-a-intertextualidadeCastro rita-o-poder-da-comunicacaoe-a-intertextualidade
Castro rita-o-poder-da-comunicacaoe-a-intertextualidade
 
Ubiratan D'Ambrosio na Mesa Redonda "Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no...
Ubiratan D'Ambrosio na Mesa Redonda "Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no...Ubiratan D'Ambrosio na Mesa Redonda "Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no...
Ubiratan D'Ambrosio na Mesa Redonda "Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no...
 
Ficha trab. 1 10º
Ficha trab. 1 10ºFicha trab. 1 10º
Ficha trab. 1 10º
 
Dissertao -rubens_gomes_lacerda
Dissertao  -rubens_gomes_lacerdaDissertao  -rubens_gomes_lacerda
Dissertao -rubens_gomes_lacerda
 
Empirismo de David Hume (Doc2)
Empirismo de David Hume (Doc2)Empirismo de David Hume (Doc2)
Empirismo de David Hume (Doc2)
 
Ditadura Militar e Ensino de História: práticas, fontes, experiências e refle...
Ditadura Militar e Ensino de História: práticas, fontes, experiências e refle...Ditadura Militar e Ensino de História: práticas, fontes, experiências e refle...
Ditadura Militar e Ensino de História: práticas, fontes, experiências e refle...
 
Filosofia, Retórica e Democracia
Filosofia, Retórica e DemocraciaFilosofia, Retórica e Democracia
Filosofia, Retórica e Democracia
 
Morin
MorinMorin
Morin
 
3. do humanismo à descartes
3. do humanismo à descartes3. do humanismo à descartes
3. do humanismo à descartes
 
Reale, giovanni 3
Reale, giovanni 3Reale, giovanni 3
Reale, giovanni 3
 
Mário Ferreira dos Santos - Catálogo Geral de Obras.
Mário Ferreira dos Santos - Catálogo Geral de Obras. Mário Ferreira dos Santos - Catálogo Geral de Obras.
Mário Ferreira dos Santos - Catálogo Geral de Obras.
 
Revista Opiniães - n° 1
Revista Opiniães - n° 1Revista Opiniães - n° 1
Revista Opiniães - n° 1
 
UERJ_Português Instrumental 2014 com respostas ao final
UERJ_Português Instrumental 2014 com respostas ao finalUERJ_Português Instrumental 2014 com respostas ao final
UERJ_Português Instrumental 2014 com respostas ao final
 

A Condição de Sísifo

  • 1. “O título escolhido para a revista também justifica uma explicação breve. A pessoa humana constitui o único ser existente no universo que busca permanentemente conhecê-lo, o que é inerente à sua sobrevivência e à afirmação da sua especificidadehumana.ComoSercurioso,estácondenadoaaprendereainterrogar-se.Éumtrabalho permanente e inacabadoque implica colocar em causa os resultados e recomeçar, sempre. A produção de conhecimento assume formas diversas, nas quais se inclui o saber científico. Este distingue-se pelo seu carácter sistemático, pela utilização consciente e explicitada de um método, objecto permanente de uma meta análise, individual e colectiva. O trabalho científico consiste numa busca permanente da verdade, através de um conhecimento sempre provisório e conjectural, empiricamente refutável. O reconhecimento da necessidade deste permanente recomeço é ilustrado historicamente quer pela redescoberta de teorias negligenciadas no seu tempo e recuperadas mais tarde (caso da teoria heliocêntrica de Aristarco), quer pela redescoberta de visionários que anteciparam os nossos problemas de hoje (Ivan Illich é um desses exemplos). É a partir destas características do trabalho científico que é possível comparar a aventura humana do conhecimento à condenaçãopelos deuses a que foi sujeito Sísifo de incessantemente recomeçar a mesma tarefa.” revista de ciências da educação Unidade de I&D de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa Direcção de Rui Canário e Jorge Ramos do Ó n.º 02 · Jan | Fev | Mar | Abr · 2007 > Formação de adultos: políticas e práticas coordenação de Rui Canário issn 1646‑4990 http://sisifo.fpce.ul.pt
  • 2. SísifoRevista de Ciências da Educação N.º 02 Formação de Adultos políticas e práticas Edição Responsável Editorial deste número: Rui Canário Director: Rui Canário Director Adjunto: Jorge Ramos do Ó Conselho Editorial: Rui Canário, Luís Miguel Carvalho, Fernando Albuquerque Costa, Helena Peralta, Jorge Ramos do Ó Colaboradores deste número: Autoria dos artigos: António José Almeida, Natália Alves, Rui Canário, Pierre Caspar, Cármen Cavaco, Ana Luisa de Oliveira Pires, Sonia Maria Rummert e Susana Pereira da Silva. Traduções: Alves Calado, Robert G. Carter, Thomas Kundert, Filomena Matos e Tânia Lopes da Silva Secretariado de Direcção: Gabriela Lourenço e Mónica Raleiras Logotipo Sísifo Desenho de Pedro Proença Informação Institucional Propriedade: Unidade de I&D de Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, da Universidade de Lisboa issn: 1646-4990 Apoios: Fundação para a Ciência e a Tecnologia Contactos Morada: Alameda da Universidade, 1649-013 Lisboa.  Telefone: 217943651  Fax: 217933408 e-mail: sisifo@fpce.ul.pt Índice Editorial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1‑2 Nota de Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3‑4 dossier Reconhecimento e Validação das Aprendizagens Experienciais. Uma problemática educativa Ana Luisa de Oliveira Pires. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5‑20 Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências: Complexidade e novas actividades profissionais Cármen Cavaco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21‑34 A educação de jovens e adultos trabalhadores brasileiros no século XXI. O “novo” que reitera antiga destituição de direitos Sonia Maria Rummert. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35‑50 Empregabilidade, contextos de trabalho e funcionamento do mercado de trabalho em Portugal António José Almeida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51‑58 E se a melhoria da empregabilidade dos jovens escondesse novas formas de desigualdade social? Natália Alves. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59‑68 Sem‑abrigo: métodos de produção de narrativas biográficas Susana Pereira da Silva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69‑82 Recensões Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista, de Vanilda Paiva [2000 (reedição)]. São Paulo: Graal Rui Canário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83‑86 Conferências Ser formador nos dias que correm: novos actores, novos espaços, novos tempos (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, 4 de Novembro de 2005) Pierre Caspar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87‑94 Sísifo, revista de ciências de educação: Instruções para os Autores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95‑96
  • 3. — que também me evoca directamente os trabalhos e os dias de Sísifo — a condição para uma interven- ção capaz de suscitar transformações dignas desse nome. Julgo que daqui se podem aduzir algumas considerações relativas à nossa prática científica. Em primeiro lugar surge a questão da escrita. Parece­‑me decisivo que cada gesto se erga a partir de uma compreensão dos limites do discurso e que a estratégia do trabalho textual se comece por dar de empréstimo às palavras e aos fragmentos em cir- culação. Persuado­‑me que o texto que vários de nós procuramos concretizar se inscreve sempre e tende a superar o outro em que se funda e que toma por referente. O que denominaremos de nova concep- tualização tenderá a surgir, então, na demarcação, no desdobramento e na distância, ou, entrevista de outro ângulo, nos rastros, nas margens e nas entre- linhas. É assim que nos embrenhamos numa escrita que, de acordo com Derrida, podemos perceber ao mesmo tempo “insistente” e “elíptica”. É também por isso que muitas vezes nos descobrimos ora ar- rastando cada conceito numa “cadeia interminável de diferenças”, ora construindo a nossa análise por entre uma grande quantidade “de precauções, de referências, de notas, de citações, de colagens, de suplementos”1 . “Como nenhum texto é sempre ho- mogéneo (isso tornou­‑se para mim uma espécie de axioma categórico, o registo de todas as interpre- tações)” — explicava Derrida numa das suas mais lidas entrevistas — “pode ser legítimo, e inclusive sempre necessário, fazer dele uma leitura dividida, diferenciada, até mesmo aparentemente contraditó- s í s i f o / r e v i s ta de c i ê nc i a s da e duc aç ão · n.º 2 · ja n/a b r 0 7 i s s n 1646 ‑4 9 9 0 Editorial Derridasísifo Decidi hoje, nesta tribuna, abordar a possibilidade de uma escrita científica que se pretenda essencial- mente como de rompimento e de crítica, com o ob- jectivo de me poder acercar de um dos sentidos que, muito me encantaria, a Sísifo viesse a corporizar na sua trajectória futura. Escrevo então umas breves linhas tomado do propósito de melhor imaginar como a coisa poderá um dia identificar­‑se com o nome que lhe foi aposto faz ainda tão pouco tempo. De imediato me surgiu o nome de Derrida e o seu conhecidíssimo exercício da descontrução. Usa- do pela primeira vez em 1967 em Gramatologia e tomado do universo da arquitectura — querendo significar o exercício de deposição e decomposição de uma estrutura —, o termo viria a impor­‑se no conjuntodosseustextosposterioresenquantosinó- nimo de uma prática permanente de questionamen- to de todos os sistemas de pensamento hegemónico herdados, uma forma científica de resistir à tirania do Um e do logos da metafísica ocidental. Como se, na sua essência e destino, o trabalho intelectual fos- se o de contrapor uma assinatura a outra assinatura, mas sem os habituais equívocos omnipotentes que atravessam a noção de autor no Ocidente e o assi- milam à noção de autoridade. A descontrução seria essa inflexível guerra à doxa. Para Derrida, que só via vida nos lugares de dissidência, tratou­‑se segu- ramente menos de destruir o que era dominante do que reinterpretar, criticar, deslocar, arrastar esta ou aquela herança, inverter esta ou aquela hierarquia, desbloquear esta ou aquela oposição dual. Encon- tro em tal exigência de uma análise interminável
  • 4. ria. Activa, interpretativa, performativa, assinada, essa leitura deve e não pode deixar de ser a inven- ção de uma reescrita”2 . Percebida desta forma, a au- toria será, afinal, o espaço da heteronomia. Umsegundotipodeconsideraçõesdeve,emmeu entender, referir­‑se a uma outra ideia que podemos relacionar com este estado inacabado do livro por vir instaurado por Derrida, e não só. O meu ponto aqui é o de sugerir que todas as motivações que concor- rem para a construção de uma obra científica pos- sam, igualmente, convergir para a sua subsequente e perpétua divisão. A meu ver, importa desencadear a discussão ética do trabalho académico em torno de um impedimento fundamental: o da formação de um corpus de saber, de uma soma unitária, de uma configuração homogénea. Julgo que o valor deste interdito é, acima de tudo, performativo, posto que impõe o inacabamento como valor matricial e a di- mensão aberta de toda a escrita científica. Do mito grego que aqui nos ocupa e simbolicamente nos al- berga nesta publicação periódica ocorre­‑me então, como necessária, a reivindicação de um estatuto da diferença,correspondendoestaaumaarticulaçãoda unidade com a descontinuidade. Entendida a partir deste postulado que se opõe à velha ideia de uma busca metódica da “solução”, a nossa tarefa não será a de resolver, mas tão­‑somente a de problematizar. Em lugar de “reformar” talvez possamos desejar ser a um tempo mais modestos e ambiciosos. Como? Instaurando formas de distanciamento crítico pela compreensão básica de que a resposta a qualquer pergunta será sempre a emergência de um problema e que este, pela sua multiplicidade dispersa, muda igualmente cada vez que a pergunta se vai deslocan- do. Tomado neste quadro, o exercício crítico nada mais é que o exercício de colocar em crise a memó- ria do momento que atravessamos. Assimilada ao tema da descontrução derridadia- na, a minha leitura da experiência de Sísifo conduz­ ‑me outrossim a esta nova relação do pensamento social com a verdade. Surge­‑me concretizada por meio de um vocabulário em que descontinuidade, diferença, multitude e problematização são as pala- vras maiores. Descubro aqui um instigante e imen- so território de pertença. Notas 1. Jacques Derrida (2001[1971]). Posições. Belo Horizonte: Autêntica, p. 21. 2. Jacques Derrida Elisabeth Roudinesco (2001). De que amanhã… Diálogo. Rio de Janeiro: Zahar, pp. 205­‑206. Jorge Ramos do Ó (Lisboa, Março de 2007) sísifo 2 | editorial
  • 5. s í s i f o / r e v i s ta de c i ê nc i a s da e duc aç ão · n.º 2 · ja n/a b r 0 7 i s s n 1646 ‑4 9 9 0 Nota de apresentação Formação de Adultos: políticas e práticas Rui Canário mação não se confunde, como seria desejável, com modalidades de democratização de acesso ao saber. Este segundo número da Sísifo organiza‑se em torno de um “dossier temático” que tem como am- bição dar um contributo, ainda que modesto, para uma análise crítica de alguns contornos marcantes das actuais políticas e práticas de formação. A sua organização insere­‑se no plano de trabalhos da equi- pa de investigação do Projecto FAP, financiado pela FCT(FundaçãoparaaCiênciaeaTecnologia),eque se propõe estudar as políticas e práticas de formação de adultos, em Portugal, no período posterior a 1974. Esse estudo implica, necessariamente, dimensões comparativas e articulações com redes de investiga- ção, o que explica e justifica a inclusão, neste dossiê, do artigo assinado por Sonia Rummert, que nos dá conta do resultado de pesquisas sobre políticas re- centes, de âmbito federal, direccionadas para traba- lhadores jovens e adultos, no Brasil. O tema do re- conhecimento de adquiridos e da sua tradução nas políticas de formação de adultos é tratado por Ana Luísa Pires, numa perspectiva comparada e interna- cional,enquantoqueoartigoproduzidoporCármen Cavaco procede, a partir de uma investigação empí- rica em curso, à análise do modo como a institucio- nalização das práticas de reconhecimento de saberes adquiridos por via experiencial se repercute na re- alidade portuguesa actual. Os textos assinados por António José Almeida e por Natália Alves, represen- tam contributos importantes para o esclarecimento teórico da natureza e do sentido do uso da noção de “empregabilidade”, enquanto elemento constitutivo Há cerca de vinte anos, Gilles Ferry designou a for- mação como um dos grandes mitos do século XX, a par do computador e da conquista do espaço. In- vadindo todos os domínios do social, a formação instituiu­‑se como uma resposta às perturbações e às angústias individuais e dos grupos, desorientados por um mundo em rápida mudança e no contexto de uma situação percepcionada como uma “crise” so- cial e económica. O optimismo em relação à forma- ção não tem hoje razão de ser, num quadro em que o desemprego estrutural e o trabalho precário marcam o regresso da vulnerabilidade de massa, característi- ca, entre outras, do que o sociólogo Beck designou por“sociedadederisco”.Vivemosumtempoemque as políticas e as práticas de formação assumem, por um lado, um carácter instrumental em relação à civi- lização de mercado e, por outro lado, se inscrevem em políticas de ortopedia social, em que o assisten- cialismo se substitui à justiça social. Neste contexto, o trabalho de investigação tem como principal justi- ficação para a sua pertinência social a possibilidade de produzir um acréscimo de lucidez sobre os dis- cursos, as representações e as práticas que fazem da formação um dispositivo de distribuição de ilusões. Sabemos, com base na investigação empírica, que mais formação não cria necessariamente mais empregos, que percursos escolares mais longos não colocam ninguém ao abrigo da “exclusão social”, que ao aumento da produtividade e da competitivi- dade não corresponde um mundo socialmente mais justo e solidário. Sabemos, também, que o cresci- mento exponencial da oferta e do consumo de for-
  • 6. central da ideologia que marca a generalidade dos discursos actuais sobre a formação. Finalmente, o artigo da autoria de Susana Perei- ra da Silva, enquanto produto intermédio de uma investigação empírica sobre a problemática da for- mação no quadro de modos de vida da “margem” social (os designados “sem abrigo”), representa, fun- damentalmente, a abertura para um questionamento sobre a formação, em total divergência com a pers- pectiva oficial dos poderes instituídos. Centra­‑se nas questões metodológicas suscitadas por uma pesqui- sa orientada para a produção e análise de narrativas biográficas de pessoas que vivem ou viveram na rua. Em complemento do “dossier temático”, pu- blica‑se uma recensão, da autoria de Rui Canário, ao livro de Vanilda Paiva sobre “Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista”, obra cuja leitu- ra, pelo seu rigor metodológico e conceptual, pelo contributo original para o estudo da obra e do pen- samento de Paulo Freire, merece ser retirada do esquecimento e da marginalidade a que foi votada, mercê de ortodoxias bem pensantes, mais propen- sas a respostas do que a perguntas. O número finaliza com a publicação do texto, inédito, de uma conferência de Pierre Caspar, pro- ferida, em 2005, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e que constitui uma reflexão global sobre os proble- mas da formação e, em particular, sobre os modos de “ser formador, hoje”. sísifo 2 | nota de apresentação
  • 7. s í s i f o / r e v i s ta de c i ê nc i a s da e duc aç ão · n.º 2 · ja n/a b r 0 7 i s s n 1646 ‑4 9 9 0 Reconhecimento e Validação das Aprendizagens Experienciais. Uma problemática educativa Ana Luisa de Oliveira Pires Professora‑coordenadora da Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Setúbal Membro da Unidade de Investigação Educação e Desenvolvimento, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa alop@fct.unl.pt Resumo: Estetextocentra­‑senaproblemáticadoReconhecimentoedaValidaçãodasAprendizagens Experienciais dos Adultos numa perspectiva educativa. Estas novas práticas enquadram­‑se num paradigma de Educação/Formação ao Longo da Vida, valorizando as aprendizagens formais e não­‑formais que os adultos realizam ao longo das suas trajectórias pessoais, so- ciais, e profissionais. Encontrando suporte teórico­‑conceptual nas abordagens da aprendi- zagem e da educação/formação de adultos, estas práticas emergentes são no entanto terreno de tensões e contradições e, do ponto de vista da investigação educativa, ainda pouco apro- fundadas. Apresentamos neste texto uma breve análise dos conceitos de base, pressupostos e princípios subjacentes — o que se reconhece e valida, como se reconhece e valida, que lógicas se encontram em presença —, orientando as reflexões finais para o domínio da for- mação dos actores intervenientes no processo de reconhecimento e validação — professo- res, formadores, conselheiros, orientadores — e para a necessidade de a (re)pensar à luz de novos quadros de referência educativa. Palavras­‑Chave: Educação e Formação de Adultos, Aprendizagem Experiencial, Reconhecimento e Valida- ção de Adquiridos. Pires, Ana Luísa Oliveira (2007). Reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais. Uma problemática educativa. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 2, pp. 5‑20 Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt
  • 8. Nota introdutória Considerando que a implementação e difusão de sistemas de reconhecimento e validação têm vindo a constituir­‑se como uma tendência relevante ao ní- vel dos sistemas educativos europeus, que têm feito partedaagendapolíticaeducativaeuropeia(nomea- damente traduzida nas comunicações da Comissão Europeia (2001, 2004), nas Declarações de Bolonha e de Copenhaga, etc.), e que, no terreno empírico nacional, estas práticas foram recentemente intro- duzidas — através dos Centros de Reconhecimen- to, Validação e Certificação de Competências —, apresentamos neste texto uma abordagem educati- va desta problemática. É num quadro paradigmáti- co de Aprendizagem ao Longo da Vida que a valori- zação das aprendizagens adquiridas no exterior dos sistemas formais de educação/formação se constitui como um novo campo de práticas educativas e como objecto de estudo científico, particularmente relevante no domínio da Educação. Este tema foi aprofundado no trabalho de inves- tigação realizado para a obtenção do doutoramento em Ciências da Educação, e a problemática especí- fica do reconhecimento e validação desenvolvidos no âmbito do ensino superior constituiu o objecto da investigação do pós­‑doutoramento. Este tema é particularmente relevante ao nível do ensino superior, particularmente pelas seguin- tes ordens de razão: Por um lado, se tivermos em consideração as tendências de evolução europeias, verificamos que o reconhecimento e validação de aprendizagens ex- perienciais tem­‑se vindo a constituir como um novo campo de práticas educativas, pondo em relevo a necessidade de conceber e desenvolver sistemas de reconhecimento e validação em diferentes níveis de qualificação, e concomitantemente, desenvolver a formação dos formadores/professores/orientado- res/acompanhadores que participam neste proces- so — missão fundamental das instituições de ensi- no superior. Por outro lado, a disseminação destas práticas no âmbito do ensino superior, de uma forma mais ou menos formalizada dependendo dos diferentes contextos nacionais, leva­‑nos a perspectivar que num horizonte temporal relativamente curto as ins- tituições nacionais de ensino superior poderão vir a criar estruturas de apoio para o desenvolvimento destas novas práticas, considerando­‑as como uma parte integrante da sua oferta, de forma a alargar o acesso e a participação de novos públicos no ensino superior, e a oferecer novas oportunidades de edu- cação/formação ao longo da vida. E, também, do ponto de vista científico, a cons- tatação da carência de trabalhos de investigação neste domínio, leva­‑nos a reforçar a necessidade de continuar a aprofundar e a reflectir sobre as ques- tões emergentes desta nova problemática educativa. Sendo a investigação uma função estruturante do ensino superior, parece­‑nos fundamental estimular a produção do conhecimento científico sobre esta problemática emergente. sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 9. A emergência de novas práticas ­educativas num contexto de mudança A Sociedade do Conhecimento e a Aprendizagem ao Longo da Vida A sociedade contemporânea pode ser caracterizada pelainterdependênciadefenómenosedetendências evolutivas. É uma sociedade em mudança, suporta- da no Conhecimento e na Informação — que têm forte impacto na Economia e no Desenvolvimento —, e que faz da esfera do trabalho e das organiza- ções contextos de aprendizagem onde se constroem novos saberes e novas competências. É uma socie- dade onde actualmente emergem novas formas de olhar para os fenómenos educativos: assistimos à emergência de um paradigma de Aprendizagem ao Longo da Vida1 — que ultrapassa as fronteiras tra- dicionais que delimitam os espaços­‑tempos formais de aprendizagem — e que faz apelo a novas teorias e modelos de educação e de formação. Assistimos actualmente a uma convergência de preocupações, comuns a um conjunto significativo de países no espaço europeu e no mundo — pre- sentes no discurso político, económico, social e educativo — no sentido de desenvolver iniciativas com a finalidade de reconhecer e validar as apren- dizagens adquiridas ao longo da vida e nos seus di- versos contextos.Considerando as profundas muta- ções decorrentes da globalização das economias, da evolução do mundo do trabalho e das organizações, da emergência da Sociedade do Conhecimento e da Aprendizagem ao Longo da Vida,esta problemática adquire uma relevância particular. O reconhecimento e a validação inscrevem­‑se numparadigmadeAprendizagemaoLongodaVida, ou seja, num quadro de pensamento que valoriza as aprendizagens que as pessoas realizam ao longo das suas trajectórias pessoais, sociais e profissionais, ultrapassando as tradicionais fronteiras espaço­ ‑temporais delimitadas institucionalmente pelos sistemas de educação/formação. Num contexto de atenuação de fronteiras entre educação, formação, trabalho e lazer, o reconhecimento das aprendiza- gens experienciais — principalmente de adultos — constitui­‑se como um desafio incontornável aos sis- temas de educação/formação nos dias de hoje. De acordo com Nóvoa (2001), a actual recompo- sição dos sistemas educativos não se reduz a uma mudança “organizacional”, na medida em que toca profundamente no projecto histórico da escola; a designação “educação/formação”, acompanhada de “ao longo da vida”, traduz um conjunto de pre- ocupações que se fazem sentir a nível internacional. Segundo o autor, existem saberes que funcionam como “modelos de referência”, os quais ultrapas- samasfronteirastradicionais—construídosatravés de redes, articulações e filiações — e que, ao serem apropriados pelos actores, transformam as práticas locais de acção. Os motivos subjacentes à emergência do reco- nhecimento e validação são múltiplos: os saberes adquiridosàmargemdossistemasformaisdeeduca- ção/formação têm inegavelmente um valor pessoal, formativo, profissional, social e económico. E têm vindo a ser cada vez mais valorizados, quanto mais se acentua a rapidez das mudanças sociais, cientí- ficas, tecnológicas e económicas, que caracterizam a sociedade contemporânea, e que colocam novos e significativos desafios ao nível do conhecimento necessário — não apenas para lidar com as mudan- ças em curso, mas também para participar critica- mente nos processos de mudança. Esteconhecimento,simultaneamentelocaleglo- bal, constrói­‑se e dissemina­‑se através de novas for- mas de aprendizagem. Os saberes de carácter inova- dor produzidos nas organizações — a partir da uti- lização das novas tecnologias e de novas formas de organizarotrabalho—pelaacçãodosactoresenvol- vidos escapam frequentemente, pela sua natureza experiencial, aos referenciais clássicos dos saberes disciplinares. A produção e a difusão do conheci- mento e concomitantemente a aprendizagem, dei- xam de ser um monopólio dos sistemas de educa- ção/formação, na medida em que ultrapassam os espaços­‑tempos formais, tradicionalmente delimi- tados e balizados pelas instâncias educativas. Estes saberes, experienciais pela sua natureza, desenvolvem­‑se numa multiplicidade de situações e de contextos de vida e obedecem a uma lógica de construção e de difusão distinta daquela que tem sido a lógica dominante (disciplinar, transmissiva), que se traduz no contexto educativo por determi- nados modelos e práticas pedagógicas2 . As formas tradicionais de atestação dos saberes na sociedade (traduzidapelosdiplomasecertificados,tantoesco- lares como profissionais), sempre atribuíram um sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 10. estatuto privilegiado aos conhecimentos científi- cos e tecnológicos face aos saberes experienciais, de acordo com a concepção dominante herdada do racionalismo3 .Emtermosepistemológicos,avalori- zação destes últimos no seio dos sistemas tradicio- nais de educação/formação representa uma signifi- cativa mudança paradigmática, em que o “saber de experiência feito” adquire um novo estatuto face ao “saber científico”. Esta ruptura, ao nível epistemológico, parece ser acompanhada em termos teóricos e metodológicos por um conjunto de mudanças significativas, que nos fornecem um quadro de leitura mais compreen- sivo sobre os novos fenómenos educativos e sociais. Para Pineau (1997), o reconhecimento e a validação constituem um “problema multidimensional com- plexo”, que integra diferentes dimensões — técni- cas, profissionais, económicas, sócio­‑culturais — e queimplicaarenegociaçãodeumconjuntoderegras de valorização das acções e dos actores humanos. Emergência de novas práticas educativas Ovalordossaberesexperienciaisdetidospelosadul- tos depende em primeira instância de um processo de explicitação e formalização, pois, pela sua natu- reza, os saberes experienciais são tácitos e implíci- tos. Identificá­‑los, nomeá­‑los, dar­‑lhes visibilidade e legitimidade, tanto na dimensão pessoal como na profissional e social, constituem a finalidade das novas práticas emergentes. O reconhecimento e a validação das aprendi- zagens experienciais situa­‑se no cruzamento de diversas esferas: o mundo da educação/formação, o mundo do trabalho e das organizações e a socie- dade em geral. Segundo Farzad e Paivandi (2000, p. 6), “a problemática das aprendizagens anteriores encontra­‑se no cerne da articulação entre o exercí- cio de uma actividade profissional, a formação, e as diferentes actividades sociais e pessoais que consti- tuem os percursos dos indivíduos. Ela inscreve­‑se nalógicadeumaexigênciasocialemergentequetra- duz as novas realidades da sociedade tanto ao nível da formação, da empresa e do indivíduo”. Do lado da educação/formação assiste­‑se a um movimento que põe em destaque a importância das aprendizagens realizadas a partir da experiência de vida (em sentido lato, englobando a esfera pessoal, profissional, social), através de processos de apren- dizagem experiencial. A vida é reconhecida como umcontextodeaprendizagemededesenvolvimento de competências, e cada vez mais se valorizam os saberes e as competências adquiridas à margem dos sistemas tradicionais. A experiência é considerada como uma fonte legítima de saber, que pode (e deve) ser formalizado e validado. Do lado do mundo do trabalho e das organiza- ções, em permanente evolução, assiste­‑se à emer- gência de novas formas de produção, de organiza- ção do trabalho, de novas práticas organizacionais, e de novas formas de gestão de recursos humanos. Reconhece­‑se o potencial formativo que as situa- ções de trabalho encerram, a construção de novos saberes e competências, e identificam­‑se caracterís- ticas que promovem a aprendizagem dos indivíduos e das organizações (“organizações qualificantes”). Simultaneamente assiste­‑se à precarização dos empregos, ao aumento do desemprego e da crise económica e social, à penalização profissional e social, principalmente dos grupos mais fragiliza- dos e/ou em risco de exclusão (desempregados, em risco de desemprego, menos qualificados, baixos níveis de escolaridade,…). Neste contexto, o reco- nhecimento e a validação das aprendizagens expe- rienciais podem constituir uma resposta perti- nente na diminuição da exclusão social, facilitando a (re)inserção escolar/formativa/profissional de gru- pos mais desfavorecidos. Observa­‑se actualmente uma convergência ao nível dos discursos e das iniciativas concretas no sentido de promoverem estratégias coerentes e ade- quadas de reconhecimento e validação, promo- vendo a valorização do capital de saberes implíci- tos,nãoformalizados,masdeelevadovalorpessoal, profissional, social e económico. Os poderes públi- costêmvindoaincentivarodesenvolvimentodestas práticas inovadoras, conscientes dos benefícios que daqui podem decorrer. O reconhecimento e a validação no âmbito das políticas educativas europeias A evolução das políticas sociais e educativas, que tem acompanhado a construção europeia e o seu re- posicionamento face aos desafios da globalização, tem contribuído decisivamente para a transforma- ção dos sistemas educativos, colocando­‑lhes novos sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 11. desafios, complexificando as questões existentes, e desencadeando a reflexão e a procura de respostas inovadoras face às problemáticas emergentes. O reconhecimento e validação das aprendiza- gens experienciais — frequentemente designadas de não formais e informais — tem­‑se afirmado no espaço educativo europeu, e aparece de uma forma bem visível nos documentos e iniciativas desenvol- vidas pela Comissão Europeia. Do ponto de vista político, esta questão tem vindo a fazer parte das agendas actuais, e tem vindo a influenciar de uma forma significativa o debate educativo no espaço europeu. Estas preocupações europeias, de acordo com Feutrie (2005), articulam­‑se com um conjunto de intenções, das quais se salientam: • oferecer uma segunda oportunidade de adqui- rir uma qualificação, principalmente a todos os que não as possuem ou que não foram bem sucedidos na educação/formação inicial; • suportar mutações económicas e enfrentar necessidades de níveis mais elevados de competên- cias; • promover trajectórias de desenvolvimento pes­ soal e profissional através da vida; • facilitar e apoiar a mobilidade interna e exter- na das empresas e a mobilidade europeia; • facilitar a ligação entre o mercado de trabalho e as instituições educativas e melhor responder às necessidades do mercado de trabalho. A Declaração de Copenhaga (2002), — na qual participaram 31 ministros europeus de edu- cação/formação, os parceiros sociais e a Comis- são Europeia — solicita o desenvolvimento de “princípios comuns relativamente à validação das aprendizagens não­‑formais e informais com a finalidade de assegurar uma maior comparabi- lidade entre as abordagens em diferentes países e a diferentes níveis” (Colardyn Bjornavold, 2005, p. 133) Dando seguimento aos trabalhos da Comissão Europeia, o Conselho de Educação Europeu con- cordou no estabelecimento de um conjunto de prin- cípios neste domínio (Maio de 2004), que deverão ser tidos em consideração na definição das políticas e práticas de validação, e que se deverão orientar pelos seguintes aspectos: • Direitos individuais A validação das aprendizagens não­‑formais e in- formais deverá ser um processo de iniciativa indi- vidual, voluntário, e que deve respeitar a igualdade de acesso e de tratamento. A privacidade e os direi- tos individuais devem ser respeitados. • Obrigações dos prestadores Devem definir as suas responsabilidades e com- petências, os sistemas e as abordagens de identifi- cação e validação de aprendizagens não­‑formais e informais, garantindo mecanismos de controlo de qualidade adequados. Devem fornecer orientação, aconselhamento, e informação sobre os sistemas e as abordagens aos indivíduos. • Confiança Os processos, procedimentos e critérios devem ser justos e transparentes, e suportados por meca- nismos de controlo de qualidade. • Credibilidade e legitimidade Os sistemas e abordagens devem respeitar inte- resses legítimos e garantir a participação equilibra- da das várias instâncias envolvidas. O processo de validação deverá ser imparcial e estabelecer mecanismos que garantam a inexistên- cia de conflitos de interesse. Os técnicos que par- ticipam no processo devem ser profissionalmente competentes (Colardyn Bjornavold, 2005). O que se reconhece e valida? Como se reconhece e valida? Conceitos de aprendizagem não­‑formal e informal, aprendizagem experiencial As práticas de reconhecimento e validação procu- ram identificar e dar visibilidade às aprendizagens realizadas em contextos não­‑formais e informais de educação/formação. Os conceitos de aprendizagem formal, não­ ‑formal e informal têm vindo a ser amplamente di- fundidos na literatura actual, e correntemente são entendidos da seguinte forma (C.E, 2000): • aprendizagem formal — desenvolve­‑se em ins- tituições de ensino e formação, conduzindo à aqui- sição dos diplomas e das qualificações; • aprendizagem não­‑formal — decorre de acções desenvolvidas no exterior dos sistemas formais, tais como no trabalho, na comunidade, na vida associa- sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 12. tiva, etc., e que não conduzem necessariamente à certificação; • aprendizagem informal — resulta das situações mais amplas de vida e frequentemente não é reco- nhecida (individual e socialmente). O contexto e a intenção têm sido considerados como dimensões determinantes na categorização de diferentes tipos de aprendizagem (Colardyn Bjornavold, 2005): • Aprendizagens formais — quando a aprendi- zagem ocorre num contexto estruturado de apren- dizagem, em que as actividades se encontram pla- neadas e orientadas para essa finalidade, e a apren- dizagem é intencional. Ex: sistema formal de edu- cação/formação; • Aprendizagens não­‑formais — a aprendizagem ocorre num contexto estruturado, com actividades planeadas (não necessariamente orientadas para a aprendizagem), e é intencional. Ex: contexto de trabalho; • Aprendizagens informais — a aprendizagem ocorre em situações não estruturadas e não é inten- cional. Ex: contexto familiar, social, etc. Consideramos assim que as aprendizagens não­ ‑formais e informais ocorrem em espaços­‑tempos não especificamente nem formalmente estrutura- dos de educação/formação, em situações do traba- lho, de lazer, da vida do quotidiano, e que frequen- temente não existe a intenção de aprendizagem (aprendizagens informais). Do ponto de vista teórico, a problemática das aprendizagens realizadas em contextos não­‑formais e informais de educação/formação exige a adopção deumaperspectivadeeducaçãoeformaçãoalargada e globalizante.Estas aprendizagens são entendidas à luz de um quadro teórico de referência,do qual des- tacamos o conceito de aprendizagem experiencial4 . Oconceitodeaprendizagemexperiencialdemar- ca‑se de uma concepção de aprendizagem formal, estruturada e desenvolvida em contextos educa- tivos formais, de uma acção organizada explicita- mente com a finalidade de proporcionar a aquisição de um conjunto de saberes sistematizados e forma- lizados; tem um conteúdo aberto, que se organiza em função dos acontecimentos do meio envolvente e da vida quotidiana; no entanto, as aprendizagens podem ocorrer em contextos formais, de uma forma residual e implícita, não controlável. Estas aprendi- zagens ocorrem numa multiplicidade de contextos e de situações de vida das pessoas, sendo os contextos espaçosdeinteraçãodapessoaconsigoprópria,com os outros, com as coisas, com a vida em sentido lato. A aprendizagem experiencial diz respeito a um processo dinâmico de aquisição de saberes e de competências (múltiplos e diversificados, tanto quanto à sua natureza como ao tipo de conteúdo), que não obedece a uma lógica cumulativa e aditiva, mas sim de recomposição — os novos saberes são construídos integrando os já detidos pela pessoa. Oprocessodeaprendizagemexperiencialdesenvol- ve‑se ao longo da vida, a partir de uma multiplici- dade de contextos — familiar, social, profissional, associativo, etc. A experiência é um elemento­‑chave no processo de aprendizagem5 , constituindo a base para a reflexão, problematização e formação de con- ceitos, e que contribui para a transformação da pes- soa, em termos pessoais e identitários, promovendo a sua emancipação. Os princípios de base nos quais se supor- tam as práticas de reconhecimento e de validação encontram­‑se em coerência com a perspectiva da aprendizagem experiencial dos adultos, ao valori- zarem as aprendizagens resultantes de uma diver- sidade de contextos e de situações e ao atribuirem­ ‑lhesumestatutodelegitimidade.Avalorizaçãodos saberesexperienciaistraduzumarupturaepistemo- lógica com uma concepção positivista de conheci- mento, dicotómica; os saberes práticos não são uma mera aplicação dos saberes teóricos. Por outro lado, a aprendizagem experiencial encontra­‑se de acordo com uma perspectiva holís- tica, que tem em conta a globalidade do processo de desenvolvimento da pessoa, na sua relação com o meio, com os outros e consigo mesma. No entanto, experiência e aprendizagem não são sinónimos; não são as experiências que são reco- nhecidas e validadas, mas sim as aprendizagens e as competências que resultam de um processo de aprendizagem experiencial; como evidenciámos, a experiência é a base e a condição para a aprendi- zagem, e, para que seja formadora, ela tem de ser reflectida, reconstruída, conscientizada. O resul- tadodesteprocessoéaelaboraçãodenovossaberes, 10 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 13. de novas representações, contribuindo para a trans- formação identitária da pessoa e da sua relação com omundo.Osaberresultadoconfrontoedatransfor- mação da experiência. Este pressuposto encontra­‑se presente nos prin- cípios do reconhecimento e da validação: a experi- ência da pessoa é o ponto de partida para a cons- trução de saberes (de natureza diversificada), sendo estes passíveis de ser explicitados, reconhecidos e validados. Todos os contextos de vida constituem­‑se como terrenos propícios para a aprendizagem e o desen- volvimento de competências. A partir do con- fronto directo com as situações, com as vivências, desencadeia­‑se um processo reflexivo que dá ori- gem à aquisição de novos conhecimentos. A dimensão da reflexividade na aprendizagem experiencial é considerada como um aspecto­‑chave do processo, mas a capacidade de reflexão não é idêntica em todas as pessoas. Ela pode ser estimu- lada e trabalhada, em situação individual ou colec- tiva, mas sempre a partir da implicação e da inten- cionalidadedaprópriapessoa.Oprocessoreflexivo exige um retorno sobre a experiência, a sua re­‑ela- boração, a sua re­‑avaliação e a sua projecção na rea- lidade (presente ou futura). Estes princípios decorrentes do pensamento educativo encontram­‑se presentes nos pressupos- tosqueorientamaspráticasdereconhecimentoede validação. A pessoa, ao fazer um balanço das suas aprendizagens, implica­‑se num processo retros- pectivo, num trabalho reflexivo com vista à identi- ficação dos conhecimentos e das competências daí resultantes. Por outro lado, o trabalho de re­‑elabo- ração da experiência é feito à luz de uma dada pro- jecção — o projecto, a finalidade com que é feito o balanço.Obalançodasaprendizagensintegraassim uma dimensão retrospectiva e uma prospectiva. Este trabalho de explicitação (do implícito para o explícito, do invisível para o visível), mediado pela linguagem, frequentemente só é conseguido com o apoio e suporte de técnicos especializados, atra- vés de um confronto intersubjectivo. Daí que a for- mação destes actores seja considerada um aspecto imprescindível para a garantia das condições neces- sárias à realização do reconhecimento e validação. Na medida em que a identidade pessoal é um processo em construção permanente (no confronto de aspectos individuais e sociais), a partir de expe- riências significativas, e das aprendizagens que vão sendointegradaspelapessoa,avalorizaçãoouades- valorização das aprendizagens e das competências do adulto pode significar para si próprio a sua valo- rização ou a desvalorização enquanto pessoa. Este pressuposto tem implicações relevantes no domí- nio do reconhecimento e da validação das aprendi- zagens anteriores. Oprocessodereconhecimento—quepressupõe aidentificaçãoeaexplicitaçãodasexperiênciasvivi- daspelapessoa,edasaprendizagensdaídecorrentes —seforsentidocomogratificante,reforçaasuaauto­ ‑estima e auto­‑imagem. A tomada de consciência — o (re)conhecimento — pela pessoa dos seus proces- sos de transformação construtiva (ao nível da perso- nalidade, do comportamento, dos conhecimentos e das competências, e das circunstâncias que possi- bilitaram essa transformação) reforça a sua autono- miaeemancipação.Pode,pelocontrário,contribuir para uma fragilização em termos identitários, se o processo não for conduzido e/ou vivenciado de uma forma positiva. O princípio subjacente a estas prá- ticas é o de valorização do potencial adquirido (dos conhecimentos e das competências, até aí não tra- duzidos explicitamente), e não o de valorização das carências, contribuindo desta forma para reforçar a identidadepessoaleprofissional.ParaFeutrie(1997) torna­‑se essencial fazer uma “dupla leitura dinâ- mica” das experiências das pessoas, através de um trabalho de mise­‑en­‑scène das competências adqui- ridas, pela definição das trajectórias, de capacida- desprometedorasparaofuturo;eatravésdoestabe- lecimentodecorrespondências,nosentidodaexpli- citaçãodassuaspotencialidades(maisdoquedejul- gamento, numa lógica de necessidades). Um dos pressupostos de base do reconheci- mento e da validação sustenta que as aprendizagens detidas (explicitadas em termos de conhecimentos, de competências, atitudes, etc.) devem ser conside- radas como ponto de partida e em articulação com as aprendizagens posteriores, numa perspectiva de recomposição. O reservatório de experiências vivi- das pela pessoa constitui­‑se como recurso impres- cindível para as aprendizagens futuras, mas a neces- sidadeprofundadeautonomiadosadultosentrafre- quentemente em choque com as formas impostas de aprendizagem,característicasdomodelotradicional sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais 11
  • 14. de educação/formação, em que o adulto é perspecti- vado como dependente e em que não são considera- das relevantes as suas aprendizagens anteriores. Desta forma, a introdução de práticas de reco- nhecimento e validação em contextos educativos vem questionar as concepções e os modelos tradi- cionais, que não se encontram em consonância com os desafios que esta problemática faz emergir. O reconhecimento e a validação de competências Tendo em consideração que em alguns países, no âmbito educativo, se têm vindo a introduzir mode- los de educação e de formação baseados em compe- tências,equesãoestesosreferenciaisqueservemde baliza ao reconhecimento e validação, então a ques- tão da identificação e avaliação das competências assume uma relevância particular. Como temos vindo a evidenciar em diversos tra- balhos (Pires, 2002, 2003, 2004b), o conceito de competência pode ser enquadrado a partir de dife- rentes abordagens teóricas. A tomada de consciên- cia da diversidade — teórica e epistemológica — é fundamental quando se passa para o domínio das competências, pois cada enfoque, ao privilegiar determinados aspectos em detrimento de outros, vai condicionar, em termos metodológicos, a esco- lha das estratégias e dos instrumentos mais adequa- dos para a apreensão das suas componentes ou ele- mentos integrativos. Como temos vindo a evidenciar noutros tra- balhos, a competência é uma construção social e depende das convenções ou dos pontos de vista que se adoptam; as competências existem em função do julgamento feito sobre elas, tendo como referên- cia um dispositivo; e os conceitos e os dispositivos adoptados nunca são neutros (Le Boterf, 2000). Quais são as lógicas do ­reconhecimento e validação? Os sistemas de reconhecimento e validação podem ser desenvolvidos segundo duas lógicas diferentes, mas complementares, de auto­‑avaliação e de valida- ção/acreditação (Kalika, 1998): — A lógica individual da auto­‑avaliação é a do reconhecimento pessoal, com finalidades formati- vas. A pessoa faz um balanço das suas aprendiza- gens procurando identificar os seus conhecimentos e competências, e realizar um projecto que se fina- lize eventualmente numa formação complementar. Um sistema que contempla esta lógica deve poder cobrir os níveis e os tipos de competências adquiri- dos e também os domínios nos quais a pessoa pode completar a sua formação. — A lógica social da validação/acreditação visa o reconhecimento formal das competências (de acordo com referenciais predeterminados e sancio- nados para os diversos domínios) e é feita através de umainstituiçãocomautoridadeparatal.Autilidade social da validação/acreditação depende fortemente dalegitimidadedosistemaedoseureconhecimento social. O processo de reconhecimento diz respeito à dimensão individual, pessoal, e pode ser conside- rado como o ponto de partida para o processo de validação (que conduz a uma atestação oficial) e que dizrespeitoàdimensãosocialeinstitucional.Como identificámos, ambos os processos — reconheci- mentoevalidação—procuramcentrar­‑senasapren- dizagens e nas competências adquiridas pelos adul- tos, independentemente dos contextos onde foram desenvolvidas — educação/formação, profissional, familiar, social, desportivo, de lazer, etc. O reconhecimento pessoal (“por si” e/ou “para si”) inscreve­‑se numa lógica formativa, de auto­ ‑avaliação, de tomada de consciência e apropria- ção pessoal dos saberes. Esta tomada de consciên- cia pode permitir um melhor posicionamento e pro- gressão da pessoa, tanto no sistema escolar/forma- ção, como no mundo profissional, como ainda na sociedade em geral. A partir da explicitação e da identificação das potencialidades e das intenciona- lidades da pessoa, permite a elaboração de projec- tos (pessoais, educativos, profissionais), e contri- bui para a (re)construção das identidades — como defendemos, o resultado do reconhecimento toca profundamente na dimensão identitária do adulto. A lógica formativa (de processo) procura valorizar a riqueza do potencial detido pela pessoa, e orientá­ ‑la de forma a progredir a partir dos recursos de que dispõe.Podeconstituir­‑secomoummotordesenca- deador de uma dinâmica pessoal de autoformação, de auto­‑valorização, de autoconfiança, e de desejo de desenvolvimento/construção permanente, sem- 12 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 15. preinacabado.Apessoaéreconhecidaemsimesma, reforçando a sua auto­‑estima e promovendo a sua emancipação. Na medida em que, à partida, não existem refe- renciais externos face aos quais os recursos detidos são “comparados” e avaliados, o referencial é cons- truído pela própria pessoa, elaborando­‑se a partir dos saberes e das competências detidos. Os resul- tados do reconhecimento podem constituir um importanteinstrumentodenegociação(materializa- dos num documento de síntese, ou num ­portfolio), que é gerido pela pessoa — tanto no âmbito edu- cativo, como profissional — podendo traduzir­‑se num maior investimento na gestão do seu percurso futuro. A validação, pelo seu lado, atribui um estatuto formal,oficial,aossaberesdetidospelapessoa;con- duz à obtenção de diplomas/certificados/qualifi- cações, na sua totalidade ou em parte. Comporta uma etapa prévia de reconhecimento — a identifi- cação dos saberes detidos — para posterior compa- ração com um referencial determinado — um pro- grama de educação/formação, componentes de cur- sos, módulos ou disciplinas, referenciais de activi- dades profissionais — que é normativo, geralmente estandardizado, conferindo assim um valor legal às aprendizagensadquiridasnumadiversidadedecon- textos. A lógica subjacente aos processos de valida- ção/acreditação é a sumativa. As aprendizagens que são valorizadas pelos sis- temas de educação/formação obedecem principal- mente à lógica disciplinar e científica, uma lógica de organização de saberes objectivados, formalizados. Estes são enunciados de forma a poderem ser apro- priados e “acumulados” pelas pessoas, e a forma como são representados encontra­‑se em conformi- dade com as formas de avaliação e sanção utilizadas pelo sistema em causa. A concepção subjacente ao reconhecimento, ao defender que a experiência é produtora de saberes (saberes de acção, saberes implícitos, tácitos) não se confina apenas às aprendizagens valorizadas pelos sistemas formais (conhecimentos formais, teóricos, académicos)quersejamdeâmbitoescolarouprofis- sional. Os saberes empíricos, resultantes da expe- riência adquirida, não se encontram estruturados de acordo com a lógica disciplinar. Eles obedecem a umalógicaholística,integrativa,sãofrequentemente “invisíveis”, mas podem ser explicitados e identifi- cados através de um processo de enunciação, e reve- lartodaasuariquezaecomplexidade.Esteprocesso depende não só dos recursos cognitivos da pessoa, mas também do suporte prestado pelo “mediador”, e da qualidade da relação que com ele se estabelece (confiança, abertura, autenticidade). A lógica formativa implícita nas práticas de reco- nhecimento, pode permitir, em termos teóricos, apreenderestariquezaediversidade,poisosproces- sos centram­‑se na identificação das aprendizagens adquiridasenarevelaçãodopotencialquecadapes- soa contém em si própria. A validação, na medida em que se reporta sem- pre a um referencial externo, determinado e estabi- lizado, apenas dá visibilidade às aprendizagens que são consideradas pertinentes no âmbito de um sis- tema educativo. O diploma, o título, o certificado (ou as unidades/módulos que o compõem) atestam os conhecimentos e as competências que lhe estão subjacentes. Assim, o processo de validação ape- nas abrange uma parte das aprendizagens construí- das experiencialmente ao longo da vida, em função da finalidade e da especificidade de cada sistema ou dispositivo. Deacordocomanaturezadoreferencialemcausa (sistema de educação/formação, mundo do traba- lho) assim são privilegiados determinados domí- nios e conteúdos de saberes, sempre mais restri- tos do que aqueles que a pessoa adquiriu nos vários contextos de vida. Desta forma, a abrangência da validação é limitada pela maior ou menor abertura, maior ou menor flexibilidade dos seus referenciais de suporte. Estas duas lógicas (formativa e sumativa) podem ser vistas a partir de uma perspectiva de comple- mentaridade — na medida em que para atestar for- malmente é necessário primeiro reconhecer — e encontram­‑se, geralmente, articuladas na generali- dade dos sistemas identificados (Pires, 2002, 2005) mas traduzem níveis diferentes de articulação. A tensão existente entre as diferentes lógicas parece­‑nospoderconduziraumamenorvalorização da função formativa (reconhecimento), no âmbito dossistemascujafinalidadeéprincipalmentesuma- tiva (validação); no entanto, como evidenciámos, sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais 13
  • 16. não é possível validar sem reconhecer previamente as aprendizagens detidas. Assim, questionamos até que ponto será possível evitar o risco deste “desli- zamento” da função formativa para a função suma- tiva, ou, explicitando a questão de outra forma, até que ponto se poderá evitar a desvalorização da fun- ção formativa (de processo) em benefício da suma- tiva (de produto) e o enfoque excessivo no produto final (diploma, certificado, crédito)? Numa perspectiva da formação dos adultos, defendemos que o processo de validação deve ser sempre suportado num processo de orientação e acompanhamento individual, antes, durante e após a validação. A qualidade do apoio e da orientação prestada à pessoa durante o processo de explicita- ção e nomeação dos saberes detidos (geralmente durante a fase de elaboração do portfolio), e o seu alcance — ao permitir realizar o balanço global das suasaprendizagensecompetências,ouapenasiden- tificar aquelas que o sistema reconhece oficialmente (referenciais ou standards) — poderá ser decisiva ao nível da implicação futura do adulto num percurso formativo. No âmbito dos processos de educação/ formação ao longo da vida, a vertente formativa des- tes sistemas e dispositivos deverá ser valorizada. A dimensão formadora do processo de reconheci- mentodasaprendizagens,degrandecomplexidade, não nos parece dever ser reduzida a uma inventaria- çãoeaumacomparaçãocomlistagensdecompetên- cias predefinidas. Como se reconhecem e ­validam as aprendizagens? A valorização das aprendizagens construídas em situações profissionais e de vida, mais amplas, para além dos contextos formais de educação/formação, implica o recurso a novas práticas de avaliação que não as tradicionais, de forma a contemplarem a multiplicidade e a complexidade destas aquisições. Como constatámos no estudo realizado a nível internacional (Pires, 2002, 2005), a grande gene- ralidade dos sistemas implementados utiliza abor- dagens e metodologias diversificadas, consoante a natureza do processo em causa, o sistema ou as ins- tituições envolvidas; existe uma ampla variedade de instrumentos de suporte, e não nos parece possível (nemdesejável)identificarumametodologiaoupro- cedimentos únicos. Dopontodevistadosprincípiosqueorientamas práticasdereconhecimentoevalidação—centração na pessoa e na sua singularidade — será mais ade- quado utilizar metodologias que implicam proces- sos mais personalizados (como o portfolio, as Abor- dagens Biográficas, as Histórias de Vida) pouco compatíveis com procedimentos massificados (os testes, exames, etc.). No entanto, identificámos sis- temas que recorrem à aplicação de testes, exames, ou outros instrumentos de avaliação tradicionais. A escolha das abordagens depende da natureza do pedido, da motivação da pessoa, e do resultado a atingir. Por princípio, deverá ser sempre uma deci- são negociada entre a pessoa implicada e o conse- lheiro, considerando que a pessoa é a “autora” da sua própria história e da sua trajectória formativa, e como tal dever­‑lhe­‑á ser atribuído um papel central na escolha dos meios e na forma de explicitação das suas aprendizagens. Em relação à grande generalidade dos sistemas e dispositivos que têm como finalidade a validação, identificámos entre as metodologias mais significa- tivas a elaboração de dossiers pessoais/portfolios de competências, e as entrevistas; também podem ser utilizados testes (de aptidões, de conhecimentos, etc.), as provas escritas ou orais, simulações, exercí- cios práticos, e ainda situações de avaliação em con- texto de trabalho (principalmente nos casos em que osreferenciaissãoconstruídoscombaseemcompe- tências de âmbito profissional). O dossier pessoal/portfolio integra um descritivo dasexperiênciasedasactividadesdesenvolvidas,das aprendizagens e competências adquiridas, e também comprovativos e documentos justificativos tanto de entidades patronais, como de organismos de educa- ção/formação; pode ser acompanhado de projectos desenvolvidos,maquetes,produtosrealizados,etc. Aimplicaçãodapessoaeoapoiodetécnicosespe- cializados são considerados imprescindíveis para o desenvolvimento do trabalho de reflexão/explici- tação/formalização. As entrevistas (estruturadas ou não), a par dos portfolios, também fazem parte das técnicas “obrigatórias” utilizadas. Assim, o diálogo parece fazer parte integrante das metodologias de reconhecimento, na grande generalidade dos países estudados. Para Bjornavold, “o diálogo equilibrado 14 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 17. eorecursoàauto­‑avaliação(eaoautoconhecimento), comvistaamelhoraraqualidadedoprocessodeava- liação, desempenham um papel fundamental nestas abordagens. Além disso, estes dois aspectos permi- tem reconhecer o carácter individual e contextual- mente específico dos conhecimentos a avaliar. Até certopontoocandidatoéúnico,peloqueasmetodo- logias devem reflectir esse princípio” (1997, p. 59). Identificámos a utilização combinada e flexível de diversas técnicas, com vista a uma exploração o maisricaecompletapossível,emdetrimentodepro- cedimentos estandardizados. No entanto, os testes de conhecimentos — instrumento da avaliação tra- dicional — são utilizados com alguma regularidade, quando se procura identificar o nível de conheci- mentos detidos pela pessoa em determinados cam- pos disciplinares e domínios específicos; o recurso à utilização de instrumentos de carácter quantita- tivo, como meio de “apreensão rigorosa e objectiva” dos saberes detidos pelas pessoas, pode ser uma ilu- são metodológica. Se considerarmos que a avaliação clássica testa principalmente a capacidade de resti- tuição de conhecimentos (Aubret Gilbert, 1994), então,osinstrumentostradicionaisnãonosparecem ser os mais adequados para a identificação dos sabe- resexperienciais,quenãoseencontramestruturados de acordo com uma lógica disciplinar e académica. A tendência encontrada nos diversos sistemas é a da diversidade e da complementaridade de aborda- gens e de metodologias, caminhando­‑se no sentido do aprofundamento da pesquisa e da reflexão sobre os instrumentos e as técnicas mais adequadas para as práticas em questão. Reflexões finais Procurámos evidenciar que os processos de reco- nhecimento e de validação se suportam, do ponto de vista teórico, em conceitos decorrentes de abor- dagens da aprendizagem de adultos (Pires, 2002, 2005), nomeadamente: • a aprendizagem é um processo de construção pessoal, que integra dinamicamente diferentes di- mensões: afectivo­‑relacionais, cognitivas, socio­ ‑culturais, sensorio­‑motoras e experienciais; • aprendizagem e experiência são interdepen- dentes; a experiência assume um papel central na aprendizagemdosadultos;aexperiência(um“mate- rial bruto”), quando acompanhada de um processo de reflexão crítica e de formalização, pode ser tradu- zida (“trans­‑formada”) em saberes e competências; • a aprendizagem e o desenvolvimento dos adul- tos não ocorre apenas nos espaços­‑tempos formais de educação/formação, institucionalizados; os adul- tos aprendem, constroem os seus saberes e desen- volvem competências numa multiplicidade de situ- ações e de contextos (formais, não formais e infor- mais) que fazem parte das suas trajectórias de vida; • do ponto de vista epistemológico, os saberes que resultam de um processo experiencial não têm sido suficientemente valorizados pelos sistemas formais de educação/formação, que privilegiam o saber conceptual e universal; • as formas tradicionais de atestação dos sabe- res encontram­‑se em consonância com um modelo de construção e difusão de conhecimento baseado numa lógica disciplinar e cumulativa; • os saberes e as competências construídos atra- vés da experiência e noutros contextos que não os formais têm valor pessoal, social e profissional (e concomitantemente económico) mas para tal é ne- cessário que adquiram visibilidade — são geral- mente tácitos, implícitos, “invisíveis”. Na perspectiva da Educação/Formação — par- ticularmente no domínio da formação de adultos —, o reconhecimento e a validação, ao promoverem a visibilidade e a legibilidade das aprendizagens “ocultas”, constituem­‑se como um importante mo- tor de novas dinâmicas formativas, na medida em que (Pires, 2002, 2005): • contribuem para a elaboração de projectos pes- soais, profissionais e sociais, articulando os saberes detidoscomasmotivaçõeseasaspiraçõesdapessoa; • abrem caminho para novas oportunidades de educação/formação — não numa lógica “carencia- lista” mas sim de “experiencialidade”6 —, facili- tandoaintegraçãoeamobilidadeformativa,promo- vendo a aprendizagem ao longo da vida; • desenvolvem a auto­‑estima, a auto­‑imagem, a autonomia, fazendo elevar a motivação e o nível de implicação dos adultos nos processos de aprendizagem; • contribuem para o reforço e a construção de identidades pessoais, sociais e profissionais. sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais 15
  • 18. No entanto, a introdução destas novas práticas educativas exige uma mudança de fundo nos sis- temas de educação/formação, pois os processos de reconhecimentoedevalidação,naópticadeumpara- digmadeeducação/formaçãoaolongodavida,nãose podem limitar à aplicação de um conjunto de proce- dimentos e de metodologias7 , numa perspectiva tec- nicistaetecnocráticadeensino­‑aprendizagem.Tanto ao nível dos actores como das estruturas, implicam a mudança de representações e de práticas educativas: aevoluçãodasrepresentaçõesedaspráticasdeapren- dizagem,aevoluçãodosmodelostradicionaisdeedu- cação/formação de forma a integrarem de forma coe- rente os princípios e os pressupostos que se encon- tramsubjacentesaoreconhecimentoeàvalidação. Assim, a emergência destas práticas vem confron- tarossistemaseducativoscomumacomplexidadede questões,quetraduzemumamudançaparadigmática ao nível das representações e das práticas, nomeada- mente ao nível das estruturas, da organização curri- cular,dasmetodologiasdeensino/aprendizagem,das metodologiasdeavaliação,dosreferenciaisdeeduca- ção/formação, das relações institucionais do sistema com a sociedade, e entre os subsistemas que o com- põe, das representações dos actores institucionais — decisores políticos, gestores, conceptores, professo- res,formadores,técnicos,entreoutros. Por outro lado, é possível identificar uma diversi- dade de tensões e conflitualidades, das quais passa- mos a evidenciar algumas consideradas relevantes. Tensões e conflitualidades no ­reconhecimento e validação Para Liétard (1997), a problemática do reconheci- mentoedavalidaçãoinscreve­‑senumjogodeinfluên- cias e numa relação de forças, nem sempre favoráveis à pessoa. A necessidade de apresentação de provas válidas das aprendizagens, que é da inteira responsa- bilidade do candidato, por vezes sem que as institui- çõesofereçamumsólidoacompanhamentoesuporte do processo (o que implica elevados custos de inves- timento humano), a constatação de que as aprendiza- gens experienciais são frequentemente comparadas com os conteúdos formativos instituídos, sem que estes se encontrem descritos em termos de capacida- des, ou de uma forma unívoca, são aspectos que evi- denciam a complexidade dos desafios e paradoxos que emergem desta problemática. Segundo o autor, os sistemas de validação reenviam para a responsa- bilidade individual um conjunto de responsabilida- des colectivas “mal­‑geridas”, tais como a exclusão e odesemprego,numcontextodemaiorprecarizaçãoe insegurança.“Afocalizaçãosobrearesponsabilidade individual na gestão do seu ‘capital de competências’ não será uma camuflagem (...) que dilui o lugar dos determinismos sociais, económicos e organizacio- naisnosucessoounofalhanço?”(op.cit.,p.73). Estas questões são pertinentes, e reforçam a necessidade de entender o reconhecimento e a vali- daçãonoutraperspectivaquenãocomoumaresposta “rápida e eficaz” para alguns dos actuais problemas sociais e económicos, de entre os quais destacamos a procura das “qualificações­‑chave”, supostamente capazes de tornar as pessoas aptas a lidarem com a rápida mudança tecnológica e organizacional, e a sobreviveremnomercadoglobaldacompetitividade. Os debates em curso sobre a problemática da validação indiciam que será necessário encontrar respostas inovadoras e adequadas, mas que as evo- luções se revestem de grande complexidade. Para Merle (1997) não é possível encontrar uma “solução padrão, aplicável a todos os países”, pois os sistemas de validação são o resultado de uma cons- trução social, articulada com a especificidade his- tórica de cada sociedade. Por outro lado, este autor chama a atenção para o facto de que as opções a fazer não são apenas de ordem técnica, mas pertencem a uma ordem mais ampla: “seria ilusório considerar que um novo sistema de certificação, por mais bem concebidoquefosse,sepudesseabsterdereequacio- narasrelaçõesentreformaçãoinicialeformaçãocon- tínua, de revalorizar o lugar ocupado pelas dimen- sões profissionais e tecnológicas na formação inicial e de contribuir para a evolução da gestão das qualifi- cações nas empresas” (Merle, 1997, pp. 38­‑9). Qualquer solução que se encontre no domínio do reconhecimento e da validação nunca é simples do pontodevistatécnico,nemneutraemtermospolíticos. O reconhecimento e a validação devem ser pers- pectivados, a médio prazo, como uma função edu- cativa“atempointeiro”,uma“espinhadorsaldeum projecto educativo”, a construção de identidades pessoais e sociais de cidadãos, um meio de desen- volvimentopessoalquepermiteoacessoàqualifica- çãosocial(Liétard,1997).Masparaoautor,ofuturo 16 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 19. destas práticas ainda é incerto: podem constituir­ ‑se como a raiz de uma nova ordem educativa, reno- vadora de projectos de educação permanente, ou podem ser as premissas de novas formas de gestão social ao serviço da economia do mercado. A formação de professores/formadores/ conselheiros/orientadores Parecem não existir ainda respostas estabiliza- das que garantam à partida a qualidade e a fiabili- dade dos processos em causa. Para além da validade dos procedimentos, também há que considerar que estes procedimentos são mediatizados por pessoas, o que implica directamente a questão da preparação adequada dos técnicos envolvidos. Destaforma,aformaçãodosagentesimplicados— formadores,professores,conselheiros,orientadores, tutores,etc.—constitui­‑secomoumeixoimprescin- dível para a garantia da qualidade dos processos em causa. Entre os profissionais que intervêm nos pro- cessos de reconhecimento e de validação, os conse- lheiros, orientadores e professores/ formadores têm um papel fundamental ao nível da valorização dos adquiridosdapessoa,deelevaçãodasuaauto­‑estima e da auto­‑imagem, de apoio à tomada de consciência e explicitação das suas aprendizagens, de suporte à construção identitária, e por vezes, de reconciliação da pessoa com a sua trajectória de vida. Estes profissionais têm de ser capazes de fazer transpor um discurso de ordem pessoal para um de ordem social e profissional. Este papel não é redutí- velàmeraaplicaçãodetécnicasedeinstrumentosde avaliação. Os actores deste processo desempenham umpapelmediador,formativo,mobilizadordaauto- nomia e de novas dinâmicas de aprendizagem. As qualidades humanas, de escuta, de valorização do outro, são tão ou mais importantes do que as técni- cas, necessárias ao nível do conhecimento e utiliza- çãodeinstrumentosdeapoio,aoníveldosdomínios científicos,etc.Aformaçãodasequipasdeprofissio- nais parece­‑nos ser um eixo fundamental de qual- quer estratégia de implementação dos sistemas de reconhecimento e de validação das aprendizagens experienciais, papel que cabe prioritariamente às instituições de ensino superior. E também, numa perspectiva mais lata, se consi- derarmos que “a sustentabilidade de um sistema de educação/ formação ao longo da vida implica colo- car os professores e os educadores na primeira linha dosnovosparadigmaseducativos”(Carneiro,2001), a formação destes actores assume neste contexto uma relevância particular. Assim, a formação dos professores e dos forma- dores deverá ser (re)pensada à luz dos novos quadros de referência de acção educativa, no âmbito do novo paradigma de educação/formação ao longo da vida. De entre os eixos de mudança educativa analisados, e que influenciam as representações e as práticas dos professores, dos formadores, dos alunos, enfim, de todososintervenientesnoprocessoeducativo,desta- camososarticuladoscomoprocessodeconstruçãode conhecimento,comossaberes,comaaprendizagem, ecomosprocessosecontextosondesedesenvolvem. Destaforma,aformaçãodosprofessores/formadores, numa lógica de educação/formação ao longo da vida, deve ser enriquecida com os contributos destes qua- dros de referência, e, na nossa perspectiva, tendo em consideração as dimensões sobre as quais procurá- mosreflectir,masquenãoesgotamnoentantoacom- plexidade dos fenómenos envolvidos. As mudanças necessárias ao nível das organizações educativas, no quedizparticularmenterespeitoàsuaestruturaefor- mas de organização, aos referenciais, às estratégias e modelospedagógicos,vêmintroduzirnovosquadros dereferênciaqueconfrontamosactoreseducativosao nível das suas representações e questões identitárias. Amudançadopensamentoeducativo,orepensardos saberes e das competências necessárias numa socie- dade em mudança, a valorização dos saberes adqui- ridos experiencialmente, a crescente atenuação das fronteiras entre formação geral, profissional, entre formaçãoinicialeformaçãocontínua,entreeducação formal e informal, são aspectos que devem ser con- siderados e reflectidos no processo de formação dos professores e formadores. A formação destes profis- sionais deverá contribuir para a construção de uma cultura de aprendizagem ao longo da vida, respon- der às necessidades do actuais e simultaneamente permitir uma antecipação das necessidades futuras, numalógicapro­‑activa.Nestequadro,asinstituições de ensino superior assumem uma dupla responsabi- lidade: enquanto instituições responsáveis pela for- mação dos professores e dos formadores, e enquanto contextos privilegiados de construção de conheci- mento,dequestionamentopermanente,deprodução denovasformasdecompreensãodarealidade. sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais 17
  • 20. Notas 1. Aprendizagens lifelong e lifewide, de acordo com o “Memorando da Aprendizagem ao Longo da Vida” (Comissão Europeia, 2000). 2. De acordo com Canário (1999), o funciona- mento da organização escolar caracteriza­‑se pela compartimentação estandardizada dos tempos, espaços, saberes, que se encontra articulada com uma concepção cumulativa do conhecimento e da aprendizagem. O autor identifica as convergências entreestaformadeorganizaçãoeaconcepçãotaylo- rista dos processos de produção, orientada para a produção e o consumo de massas. 3.SegundoDominicé(1989),oscursosescolares e a tradição didáctica assentam sobre esta concep- ção, que se reflecte tanto nas universidades como na formação contínua. Também Canário (1999, p. 100) evidencia que o funcionamento da organização escolar, do ponto de vista da relação com o saber, “subestima e desvaloriza as aquisições, os interes- seseasexperiênciasdosalunos,bemcomoascarac- terísticas sócio­‑culturais do seu contexto”. 4. O conceito de aprendizagem experiencial apre- senta proximidade conceptual com o de formação experiencial, educação informal (Pain, 1991), educa- ção experiencial (Gelpi, 1989). Este conceito foi enri- quecido com os contributos de Kolb, Landry, Theil, Barkatoolah,Roelens,Pineau,Enriotti,Finger,McGill eWeil.AestepropósitoverPires(2002,2005). 5. Evidenciado nos trabalhos de Dewey, Rogers, Knowles, Kolb, Mezirow e Freire, entre outros. Ver Pires (2002, 2005). 6. De acordo com Correia (1997), as concepções da “racionalidade técnica e adaptativa” e da “racio- nalidadeexpressivaeemancipatória”sobreossabe- res experienciais traduzem­‑se em diferentes for- mas de definir e responder aos problemas; a pers- pectiva crítica, defensora de “modelos de interven- ção preocupados com o aprofundamento das valên- cias emancipatórias da formação”, procura a “reabi- litação das experiências inserindo­‑as num processo cuja pertinência já não se defina pela sua adequabi- lidade relativamente aos saberes formais e suscep- tíveis de serem transmitidos, mas pelo sentido que lhes atribuem os indivíduos e os grupos em forma- ção. (…) Para além de se preocupar com o reconhe- cimentodestessaberes,otrabalhodeformaçãopro- curainduzirsituaçõesemqueosindivíduossereco- nheçam nos seus saberes e sejam capazes de incor- porar no seu património experiencial os próprios saberes produzidos pelas experiências de forma- ção” (op.cit., p. 37). Segundo o autor, o que está em causa é a “reapropriação da formatividade”. Também Canário (1999) aponta a necessidade de se evoluir da lógica dominante das “necessidades” (visãonegativadosujeito,quedávisibilidadeaosdéfi- ceseàslacunas)paraalógicados“adquiridos”(enten- didoscomopotencialidades),perspectivandooadulto comoo“principalrecursodasuaformação”. 7.Uma“poçãomágica”,deacordocomBjornavold (2000).TambémparaRodrigueseNóvoa“Aquestão (doreconhecimento)nãoseresolvecomamultiplica- çãode‘centros’ondeseprocedeaanálise,validaçãoe certificação dos ‘documentos’ de uma vida. O essen- cial passa pela inscrição de determinadas práticas de formação no dia­‑a­‑dia das pessoas e das institui- ções”, fazendo parte da cultura dos organismos onde seinserem.(CanárioCabrito,2005,p.12). Referências bibliográficas Aubret, Jacques Gilbert, Patrick (1994). Recon- naissance et validation des acquis. Paris: PUF. Aubret,J.Gilbert,P.(2003).Valorisationetvalida- tion de l’expérience professionnelle. Paris: Dunod. Bjornavold,Jens(1997).Identificationetvalidation des acquis antérieurs et/ou non­‑formels; Expé- riences, innovations et problémes. Rev. Pano- rama. Thessalonique: CEDEFOP. Bjornavold, Jens (2000). Making learning visible — identification, assessment and recognition of non­‑formal learning in Europe. Luxembourg: Pub. CEDEFOP. Canário, Rui (1999). Educação de Adultos: um campo e uma problemática. Lisboa: Educa. Canário, R. Cabrito, B. (orgs.) (2005). Educa- ção e Formação de Adultos. Mutações e Conver- gências. Lisboa: Educa. Carneiro, Roberto (2001). Nota introdutória. Novo Conhecimento, Nova Aprendizagem. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 11­‑15. Colardyn,D.Bjornavold,J.(2005).Thelearning continuity:EuropeanInventoryonvalidatingnon­ ‑formal learning. National Policies and practices 18 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 21. invalidationgnon­‑formalandinformallearning. CEDEFOP Panorama Series, 117. Luxembourg: Publications of the European Comunities. Correia, José Alberto (1997). Formação e Traba- lho: contributos para uma transformação dos modos de os pensar na sua articulação. In R. Canário (org.), Formação e Situações de Traba- lho. Porto: Porto Editora, pp. 13­‑41. Comissão Europeia (1995). Livro Branco sobre a Educação/Formação. Ensinar e Aprender, rumo à Sociedade Cognitiva. Bruxelas. Comissão Europeia (2000). Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida. Bruxelas. Comissão Europeia (2001). Making a European area of Lifelong Learning a reality. Brussels. Comissão Europeia (2002). Commission’s action plan for skills and mobility. Brussels. Comissão Europeia (2004). Common European principles for validation of informal and non formal learning. Brussels. Dominicé, Pierre (1989). Expérience et apprentis- sage: faire de la nécéssité vertu. Education Per- manente, 100,101, pp. 57­‑65. Farzad, M. Paivandi, S. (2000). Reconnaissance et Validation des Acquis en Formation. Paris: Ed Anthropos. Feutrie, Michel (1997). Identification, validation et accréditationdel`apprentissageantérieuretinformel —France.Thessalonique:CEDEFOPPanorama. Feutrie, Michel (2005). Comunicação apresentada naEUCENBergenConference,28­‑30April2005, “Workshop Validation of Non­‑formal and Infor- mal learning” (documento policopiado). Gelpi, Ettore (1989). Quelques propos politiques surl’éducationexpérientielle.EducationPerma- nente, 100, 101, pp. 67­‑78. Kalika, Michel (1998). Quelles conditions les sys- tèmes d’accreditation doivent­‑ils remplir? In L’Accreditation des Compétences dans la Societé Cognitive — Actes de la Conférence organisé à Marseille les 2 et 3 Février 1998. France: Éditions de L’Aube, pp. 117­‑129. LeBoterf,Guy(2000).Construirelescompétencesindi- viduellesetcollectives.Paris:Ed.d’Organisation. Liétard, Bernard (1997). Se reconnaitre dans le maquis des acquis. Education Permanente, 133. Paris, pp. 65­‑74. Merle, Vincent (1997). L`évolution des systémes de validation et de certification — quels modéles possiblesetquelsenjeuxpourlaFrance?Forma- tion Professionnelle, 12, pp. 37­‑49. Nóvoa,António(2001).Étatsdeslieuxdel’Éducation comparée, paradigmes, avancées et impasses. In R. Sirota (dir.), Autour du comparatisme en Éducation. Paris: PUF, pp. 41­‑68. Pain, Abraham (1991). Education Informelle: les mots...et la chose (réponses à un praticien). In B. Courtois B. G. Pineau, La Formation Expe- rientielle des Adultes. Paris: La Documentation Française, pp. 59­‑65. Pineau, Gaston et al. (coords.) (1991/1997). Recon- naitre les Acquis — Démarches d`Exploration Personnalisée. Paris: La Mesonance. Pires, Ana Luisa (2003). L’Éducation/Formation tout au Long de la Vie et la formation des enseig- nants et formateurs: nouveaux défis, nouvelles questions? Colloque International de l’AFIRSE/ UNESCO, 29 a 31 Maio 2003. Paris. Pires, Ana Luisa (2004a). O reconhecimento e a validação das aprendizagens dos adultos: con- tributos para a reflexão educativa. Revista Tra- jectos, 4. Lisboa: ISCTE. Pires, Ana Luisa (2004b). Educação/Formação e Trabalho: uma abordagem educativa sobre a problemática das competências. In Actas do XIII Colóquio da Afirse/AIPELF, Regulação da Educa- ção e Economia — Organização, Financiamento e Gestão. Universidade de Lisboa, 20/22 Novem- bro 2003. Pires, Ana Luisa (2005). Educação e Formação ao Longo da Vida: análise crítica dos sistemas e dispositivos de reconhecimento e validação de aprendizagens e de competências. Tese de Dou- toramento (2005, 2002) FCT/UNL. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Pires, Ana Luisa (2006). O Reconhecimento e a Validação da Experiência e a Investigação. In G. Figari et al. (orgs.), Avaliação das Competências e Aprendizagens Experienciais. Saberes, modelos e métodos. Lisboa: Educa, pp. 437­‑450. Rodrigues, Cristina Nóvoa, António (2005). Prefácio. In R. Canário B. Cabrito (orgs.), Educação e Formação de Adultos. Mutações e convergências. Lisboa: Educa, pp. 7­‑14. sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais 19
  • 22. 20 sísifo 2 | ana luisa de oliveira pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
  • 23. s í s i f o / r e v i s ta de c i ê nc i a s da e duc aç ão · n.º 2 · ja n/a b r 0 7 i s s n 1646 ‑4 9 9 0 Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências: Complexidade e novas actividades profissionais Cármen Cavaco Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa semblana@hotmail.com Resumo: O texto foi elaborado a partir de um conjunto de informação recolhida em três Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC). O trabalho rea- lizado nos CRVCC consiste na avaliação de competências através da experiência de vida. O processo de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) é com- plexo e difícil tanto para os adultos como para os profissionais envolvidos, o que resulta de um conjunto de factores. Neste texto, optou­‑se por problematizar a complexidade ine- rente aos elementos que se consideram estruturantes do processo — as competências, a experiência de vida e a avaliação. As questões que orientam a problematização e reflexão aolongodotextosãoasseguintes:Qualéanaturezadoselementosqueestãoassociadosao reconhecimento e validação e que tornam este processo complexo? Que profissões emer- gem através do trabalho realizado nos CRVCC? As equipas dos CRVCC recorrem a um conjunto de estratégias (p.e. modelo metodológico híbrido, acompanhamento do adulto, triangulação da informação) para contornar a complexidade, as tensões e as dificuldades que marcam o processo de RVCC. A qualidade e equidade do processo dependem muito da orientação e do profissionalismo das equipas que trabalham nos Centros. Palavras­‑Chave: Reconhecimento, validação e certificação de competências, educação e formação de adul- tos, perfil dos profissionais de RVC, aprendizagem experiencial. Cavaco, Cármen (2007). Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências: Complexi- dade e novas actividades profissionais. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 2, pp. 21‑34 Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt 21
  • 24. Introdução A investigação que suporta o presente texto1 enquadra­‑se num projecto de Doutoramento em CiênciasdaEducação—FormaçãodeAdultos,cujo objectivo é compreender as lógicas da oferta forma- tiva direccionada para adultos pouco escolarizados eapercepçãoqueosadultostêmdessasoportunida- desformativas.Otextocentra­‑seapenasnumdomí- nio do mencionado estudo, o processo de reconhe- cimento, validação e certificação de competências e é baseado num conjunto de dados empíricos reco- lhidos em três Centros de Reconhecimento, Valida- ção e Certificação de Competências2 (CRVCC), que surgiram em Portugal, no ano 2001. Os dados empí- ricos consistiram na realização de entrevistas semi­ ‑directivas aos elementos das equipas dos 3 Centros (entrevistas a 8 profissionais de RVC, entrevistas a 7 formadores de RVC e entrevistas a 3 coordenado- ras) e a alguns adultos certificados (14 entrevistas a adultos). Através do reconhecimento de competên- ciasestesCentrospermitemacertificaçãoescolarde indivíduos, com mais de 18 anos, que não possuem o 9º de escolaridade. Os certificados3 atribuídos são referentesaonívelB1(4ºanodeescolaridade),B2(6º ano de escolaridade) e B3 (9º ano de escolaridade). A decisão do nível escolar a atribuir depende essen- cialmente de dois factores: do nível de escolaridade que o adulto possui ao ingressar no Centro; e das competências que consegue demonstrar ao longo das várias fases do processo. Os Centros realizam um trabalho de reconhecimento, validação e certi- ficação de competências adquiridas pelos adultos pouco escolarizados ao longo da vida, em diversos contextos (familiar, social, profissional e escolar/ formação profissional). A reflexão e problematização realizada ao longo do texto são orientadas pelas seguintes questões: Qual é a natureza dos elementos que estão associa- dosaoreconhecimentoevalidaçãodecompetências e que tornam este processo complexo? Que pro- fissões emergem através do trabalho realizado nos CRVCC? Que profissões são profundamente alte- radas no contexto do trabalho dos CRVCC? Que implicações tem o processo de reconhecimento e validação de competências de adultos pouco esco- larizados nas funções e atitudes dos colaboradores dos Centros? O texto está organizado em dois pon- tos: o primeiro diz respeito à análise da natureza dos elementos inerentes ao processo de RVCC — as competências, a experiência de vida e a avaliação; e o segundo é referente à sistematização e reflexão sobre as funções e competências do profissional de RVC e do formador de RVC. Pressupostos e dificuldades ­inerentes ao processo de reconhecimento e validação de competências Os CRVCC em estudo baseiam­‑se no pressupos- to que há continuidade entre a aprendizagem e a experiência, os processos de aprendizagem são interdependentes da acumulação de experiên- 22 sísifo 2 | cármen cavaco | reconhecimento, validação e certificação de competências
  • 25. cias, tornando­‑se por isso pertinente reconhecer e validar as aprendizagens que os adultos pouco escolarizados realizaram ao longo da vida, dando­ ‑lhes visibilidade social, através da certificação. Reconhece­‑se que aprendizagem resulta da neces- sidade de responder aos desafios e imprevistos que a vida quotidiana coloca, sendo “um direito inalie- nável que cada um tem para sobreviver” (Grone- meyer, 1989, p. 81), como tal, ocorre aprendizagem ao longo da vida e nos vários contextos, através de modalidades informais, não­‑formais e formais. Os adultos que aderem ao RVCC são encarados como indivíduos portadores de uma experiência de vida única, que é o seu principal recurso para a realiza- ção do processo. Faz­‑se uma “leitura pela positiva”, emquesepretendeidentificarevalorizaraquiloque a pessoa aprendeu ao longo da vida. Neste processo de RVCC a educação é entendida como um proces- so contínuo no tempo e no espaço e uma “produ- ção de si, por si”, em que o indivíduo “se utiliza a si próprio como recurso” (Charlot, 1997, citado em Canário, 2000, p. 133). Nos CRVCC em estu- do as equipas reconhecem a centralidade do sujeito no processo de aprendizagem, e enquadram­‑se na “perspectiva da produção de saber que se situa nas antípodas da concepção cumulativa, molecular e transmissiva própria da forma escolar tradicional” (Canário,2000,p.133).Estespressupostostêmpro- fundas implicações na organização do dispositivo, nas metodologias, nos instrumentos e nas funções e postura dos actores envolvidos. O carácter complexo dos elementos inerentes ao reconhecimento, validação e certificação de compe­ tências — as competências, a experiência de vida e a avaliação — está na base da maior parte das difi- culdades e desafios que se colocam às equipas res- ponsáveis pelo processo nos CRVCC. O processo de reconhecimento e validação de competências é complexo e difícil tanto para o adulto envolvido como para as equipas dos Centros. Um dos motivos dessa complexidade e dificuldade resulta da natu- reza do próprio objecto em estudo — as competên- cias. A competência é referente à capacidade de mo- bilizar, num determinado contexto, um conjunto de saberes, situados ao nível do saber, saber­‑fazer e saber­‑ser, na resolução de problemas. A competên- cia não existe per se, está ligada a uma acção concre- ta e associada a um contexto específico. Conforme refere Sandra Bellier (2001, p. 254) “a compe­tência não é aquilo que se faz mas como se consegue fazê­ ‑lo de maneira satisfatória. É portanto aquilo que está subjacente à acção e não a própria acção”. O facto da competência ter por base uma acção, um contexto e procedimentos específicos coloca pro- blemas na avaliação de competências nos Centros em estudo, desde logo porque o processo de reco- nhecimento e validação ocorre diferido no tempo. Ou seja, o indivíduo não é avaliado no momento em que manifesta certa competência mas sim à pos- teriori. As equipas apercebem­‑se diariamente da dificuldade de captar com rigor as competências dos indivíduos; como forma de contornar esta si- tuação incidem no processo de auto­‑avaliação e op- tam pela triangulação de informação, recorrendo a várias fontes (p.e. provas sobre o percurso de vida, observações, análise do dossier e dos trabalhos re- alizados pelo adulto ao longo do processo), a vários instrumentos (p.e. exercícios de demonstração, instrumentos de mediação, situações­‑problema) e ao trabalho em equipa. Todavia, têm consciência que esse trabalho de reconhecimento e validação de competências nunca será perfeito, apesar dos seus esforços de melhoria, acontecerão, inevitavel- mente, casos de sobreavaliação e subavaliação de competências. A identificação das competências realiza­‑se, es- sencialmente, através da recolha de elementos sobre a experiência de vida do adulto pouco escolarizado, o que constitui outro motivo de dificuldade e com- plexidade do processo de RVCC. O conceito de ex- periência manifesta­‑se impreciso, englobando uma grande diversidade de significados. A experiência apresenta um carácter dinâmico, é questionada e alterada em função das novas situações vivenciais, o que permite a evolução do indivíduo, tornando­‑se umprocessointerminável,queresultanumprocesso de formação ao longo da vida. A amplitude do con- ceito de experiência resulta do facto da experiência “se confundir com a presença do sujeito no mundo, há permanentes interacções com o meio e consigo próprio, mesmo os não factos, as não­‑acções, as não­‑comunicações são também experiências” (Ver- mersch, 1991, p. 275). Também é necessário ter em atenção que “nem toda a experiência resulta neces- sariamente numa aprendizagem, mas a experiência constitui, ela própria, um potencial de aprendiza- sísifo 2 | cármen cavaco | reconhecimento, validação e certificação de competências 23
  • 26. gem” (Dominicé, 1989, p. 62). Perceber se se rea- lizaram aprendizagens não conscientes ou se pelo contrário a experiência não deu lugar a qualquer tipo de aprendizagem, torna­‑se uma tarefa bastan- te difícil e morosa, quer para o adulto, quer para as equipas.Comoformadeultrapassarestadificuldade as equipas recorrem a instrumentos do tipo descriti- vo, apelando à descrição dos acontecimentos, numa tentativa de facilitar o acesso à sequência das acções e às aprendizagens realizadas, para depois inferir as competências do adulto. A avaliação envolve sempre um juízo de valor que resulta da comparação entre uma situação exis- tente e uma situação desejável. Neste caso a situação existente é o percurso de vida do adulto e as com- petências que este evidencia (indicadores), e a situ- ação desejável é o referencial de competências­‑chave (critérios de comparação).A avaliação é um processo complexo, e quanto se trata de avaliar competências a situação ainda se apresenta mais delicada, o que constitui um domínio de dificuldade no processo de RVCC. A análise da avaliação de competências rea- lizada nos Centros em estudo permite­‑nos efectuar uma reflexão sobre um conjunto de novos desafios que se colocam nos processos de avaliação.O estudo dos processos de avaliação de competências nos CR- VCC pode constituir uma oportunidade para rever e repensar as práticas de avaliação, nomeadamente, as presentes nas modalidades educativas formais.A ava- liação de competência no processo de RVCC é de- senvolvida numa perspectiva humanista,não é enten- dida apenas “para julgar” (Cardinet, 1989, citado em Paquay, 2000, p. 122) as competências manifestadas pelo adulto,mas também para dar sentido e valorizar o percurso de vida, a experiência, o adulto enquanto pessoa. Embora a principal finalidade das equipas dos Centros seja captar com rigor as competências do adulto e compará­‑las com as do referencial,de for- ma a avaliar a possibilidade e o grau de certificação,a metodologia de trabalho e os instrumentos utilizados permitem orientar o processo numa perspectiva de avaliação mobilizadora e humanista, com potenciali- dades ao nível da conscientização. O processo de reconhecimento e validação das competências nos CRVCC tem por objectivo “tor- nar visíveis” (Liétard, 1999) as competências que os adultos pouco escolarizados possuem mas que, na maioria dos casos, desconhecem, ignoram e desvalorizam; o que envolve um complexo e rigo- roso trabalho de avaliação de competências a par- tir da experiência de vida. O reconhecimento tem subjacente uma dimensão de auto­‑avaliação, que ocorre quando o adulto analisa as suas competên- cias; e uma dimensão de hetero­‑avaliação, quando os elementos da equipa dos Centros comparam as competências do adulto com as do referencial. O reconhecimento não se limita a um trabalho de descrição da experiência de vida, envolve rememo- ração, selecção e análise de informação, implica, sobretudo, um rigoroso processo de reflexividade e de distanciamento face ao vivido. A dinâmica que surge no decurso do processo de reconhecimento, exige uma grande implicação por parte do adulto e interfere com o seu “eu”, envolvendo mecanismos cognitivos e emotivos. O adulto para responder às questões: “Qual foi o meu percurso de vida ao nível profissional,familiar,socialeescolar/formaçãopro- fissional? Que competências adquiri ao longo do percurso de vida? Onde as usei?”, equaciona inevi- tavelmente a questão “Porque sou o que sou?”. O reconhecimento e validação de competências através da análise do percurso de vida do adulto en- volve um processo de avaliação que suscita questões muito sensíveis, o indivíduo pode sentir que está a ser avaliado enquanto pessoa, que é o seu percurso de vida que está a ser julgado. Conforme refere Pa- quay (2000,p.121),“desde o momento que se avalia uma competência, os sujeitos são necessariamente implicados, é o conjunto dos seus recursos cogni- tivos, afectivos e motores que são tidos em conta, eles sentem­‑se globalmente julgados, na sua pessoa, na sua identidade. Se o julgamento é negativo, sem dúvida que terá rapidamente efeitos desastrosos”. Como é que se pode contornar esta dificuldade no processo de RVCC? As equipas dos Centros em estudo contornam este problema optando por vá- rias estratégias: por um lado, tentam identificar no momento de inscrição ou nas primeiras sessões de reconhecimento as pessoas que à partida não têm o perfil adequado para realizar o processo com su- cesso, evitando criar falsas expectativas e reforçar uma imagem negativa; por outro lado, as metodo- logias, as técnicas e os instrumentos das sessões de reconhecimento são orientados sobretudo para a auto­‑análise,auto­‑reconhecimento e auto­‑avaliação; e por fim, os elementos da equipa dão ênfase e va- 24 sísifo 2 | cármen cavaco | reconhecimento, validação e certificação de competências