Este artigo discute o impacto do bem-estar animal nas atividades esportivas com cavalos e sua importância econômica. O doping em cavalos de competição é analisado e defendido que o respeito ao bem-estar é essencial para o futuro destes esportes. A vaquejada é citada como exemplo onde o bem-estar animal ainda precisa ser aprimorado.
1. O futuro da Eqüinocultura
depende do bem-estar animal
Este artigo discute o impacto econômico das obstáculo. Esta dor maior faria com que, em pró-
alterações relacionadas ao bem-estar dos eqüi- xima oportunidade, o cavalo buscasse um salto
nos, como nas atividades esportivas. Trata-se de mais alto para fugir do mal estar. Aliás, a prática
tema ainda em estudo, sem respostas conclusi- de provocar dor no animal para que ele salte mais
vas, mas importantes para um debate mais am- alto é objeto de diversos relatos sobre o uso de
Roberto Arruda de plo, envolvendo tanto aqueles preocupados exclu- caneleiras com tachinhas, elevação da altura da
Souza Lima sivamente com o retorno financeiro das ativida- vara quando o cavalo vai saltar, entre outros. O
Engenheiro agrônomo,
Doutor em des eqüestres quanto para aqueles mais preocu- debate sobre bem-estar do animal atleta não se
Economia Aplicada, pados com o animal e sua saúde. A discussão ini- limita às provas de salto. Ao contrário, a discus-
Prof. da ESALQ/USP ,
Pesquisador do CEPEA
cia-se nas práticas esportivas. são é mais forte em outras áreas. Destaca-se,
raslima@esalq.usp.br Encerrados os Jogos Olímpicos de 2008, um entre elas, a vaquejada.
Hélio Lauro Soares dos pontos que chamaram a atenção foi à quanti- A vaquejada é uma festa genuinamente brasi-
Vasco Neto dade de animais que apresentaram resultado po- leira, com uma tradição de mais de 100 anos. Nos
Graduando de
Medicina Veterinária
sitivo no exame antidoping. Exemplos mais próxi- últimos dez anos vêm se modernizando e profis-
da Universidade mos e lamentados por nós, brasileiros, foram os sionalizando tornando-se reconhecida como es-
Federal Rural de casos envolvendo os cavalos de Bernardo Alves porte através da Lei Pelé e regulamentada pela
Pernambuco
e de Rodrigo Pessoa. Mais preocupante é a pos- Lei Federal nº 4.495/98 e pela Lei do Estado do
Daniel Dias da Silva sibilidade de diversos casos não terem sido de- Rio de Janeiro nº 3021 de 23 de julho de 1998.
Graduando de
Zootecnia da tectados, ou por terem passado despercebidos ou Apesar de concentrar-se nas regiões Norte, Nor-
Universidade Federal simplesmente porque a ordem natural dos acon- deste e Centro Oeste, atualmente são realizadas
Rural de Pernambuco
tecimentos é primeiro surgir novas formas de do- mais de 1.000 vaquejadas por ano em todo Bra-
ping para, então, desenvolver novos exames anti- sil. A importância da vaquejada vai além do as-
doping. Mas por que ocorre o doping? pecto cultural (que por si só justifica sua prote-
São várias as respostas possíveis para esta ção, de acordo com a Lei nº 4.495/98). Esse es-
questão. Em primeiro lugar, a exigência dos atle- porte desempenha relevante papel para econo-
tas (assim como ocorre com os humanos) tem mia local e, muitas vezes, regional. A movimenta-
sido elevada a cada ano, com maior esforço e ção financeira atinge cerca de dois milhões de
atletas cada dia mais jovens. Assim como nossos reais em uma só vaquejada por município, geran-
futebolistas – apenas para ilustrar com os de mai- do diversos empregos e ocupações diretas e indi-
or projeção internacional: Ronaldo, Ronaldinho e retas. Apesar de toda essa importância, ainda é
Kaká – prematuramente apresentam lesões que questionável o nível de bem-estar do animal em
os afastam de competições e provocam carrei- grande parte dessas competições. Mas em todas
ras mais curtas que a dos craques do passado, os as atividades esportivas, inclusive na vaquejada,
animais de ponta também não permitem proje- a regra deve ser a preocupação com o bem-estar
ções alegres para saúde no longo prazo. O uso animal, deixando os casos de desrespeito para as
de analgésicos e outros medicamentos são ne- exceções, ou melhor, eliminando esses casos.
cessários face a este esforço extraordinário exi- Esporte só pode evoluir quando associado ao
gido dos atletas. bem-estar e saúde. Em entrevista ao site Mundo
Mais grave é o uso de medicamentos fora das do Cavalo, Aluisio Marins sintetizou bem a idéia
condições prescritas originalmente. Por exemplo, ao afirmar que “doping, stress, treinamentos er-
a nonivamida (a mesma substância detectada no rados, ferramentas sendo utilizadas de forma er-
cavalo Rufus, de Rodrigo Pessoa, na Olimpíada), rada etc., serão cada vez mais abolidos do mer-
que deveria ser utilizada para aliviar dores, mui- cado”. Aluisio Marins ilustra a questão com o
tas vezes é aplicada devido às suas característi- exemplo do enduro na categoria de 160 km. Se
cas hipersensibilizantes. Há quem utilize substân- no regulamento da prova não houvesse forte pre-
cias sensibilizadoras nas canelas dos animais de ocupação com bem-estar, não haveria mais pro-
salto, para que o cavalo sinta mais dor ao tocar no va no mundo, pois muitos animais morreriam. A
2. regulamentação dos esportes – assunto que de-
veria ser prioridade das associações de criadores
– é essencial inclusive para orientar os pratican-
tes na correta utilização das ferramentas e técni-
cas para manutenção do bem-estar animal. Con-
cordamos com Aluisio Marins ao afirmar que “re-
gulamentar significa preservar o bem estar dos
animais, entre outras coisas”.
Retornando ao tema Olimpíada, destacam-se
as recentes declarações da Princesa Haya, pre-
FONTE: FAWC(1993) APUD OLIVEIRA (2008).
sidente da FEI (Fèdération Equestre Internatio-
nale), temendo pela continuidade dos esportes
eqüestres como olímpicos, inclusive levantando a
possibilidade de já nos próximos jogos, em Lon-
dres, não ocorrer provas com cavalos. A razão
pela potencial exclusão dos esportes eqüestres é,
além da baixa popularidade, as dificuldades asso-
ciadas ao bem-estar e riscos para animais e ca- Figura 1: As cinco liberdades referentes à condição de bem-estar animal
valeiros.
Neste momento cabe uma primeira reflexão zembro de 1993 (relativa à proteção dos animais
sobre a relação entre bem-estar animal e interes- no abate e/ou occisão) e Diretiva 91/628/CEE de
ses econômicos. A visão muito divulgada de que 19 de novembro de 1991 (relativa à proteção dos
o grande inimigo do bem-estar dos animais atle- animais durante o transporte).
tas são os interesses da indústria de medicamen- Cabe destacar que o respeito ao bem-estar ani-
tos merece ser vista de outra forma. Uma em- mal, importante, como visto, também sob a ótica
presa séria, de qualquer ramo incluindo o veteri- econômica, inclui a observância das “Cinco Li-
nário, trabalha com os olhos no longo prazo, preo- berdades” divulgadas pelo Conselho de Bem-Es-
cupada com sua sobrevida, consolidação e cres- tar de Animais de Produção (FAWC), expostos
cimento no mercado. Para tanto, a busca oportu- na Figura 1. No caso dos eqüinos, atenção adici-
nista de curto prazo, pela venda a qualquer custo onal deve ser dispensada aos maus tratos alimen-
(inclusive em termos de bem-estar), corresponde tares e às agressões ao pêlo.
ao popularmente denominado tiro no pé. Somente O Brasil deve seguir a tendência mundial de
em um ambiente saudável, valorizando o bem-es- priorizar o bem estar e a saúde dos animais. Aque-
tar, é que haverá mercado no futuro, com maior les proprietários, treinadores, praticantes e demais
número de animais e maior exposição na mídia profissionais da eqüinocultura que estiverem aten-
em eventos em que predomine a ética. tos ao bem-estar animal serão os vencedores no
É importante destacar, como bem lembrado mercado e nas competições esportivas (sem des-
pela Profa Andréa Oliveira em palestra realizada classificações por doping ou condutas inadequa-
em agosto último, “o bem-estar animal tem forte das).
presença nos códigos morais e nos pilares éticos Os agentes do agronegócio do cavalo, ao pro-
de vários países”. Isto tem fortes implicações eco- moverem a melhoria das condições de vida dos
nômicas. Nas operações e atividades que envol- animais, estarão lhes garantindo o bem-estar. Po-
vem parceiros externos, o bem-estar animal é, rém, conforme palavras de Mariângela F.A. Sou-
felizmente, um aspecto restritivo. Por exemplo, za, “exige-se um grande e imediato esforço con-
no caso de exportação de carne eqüina (mercado junto – das autoridades governamentais, dos le-
em que o Brasil ocupa posição de destaque), os gisladores, dos educadores, dos fiscais e aplica-
frigoríficos instalados no Brasil devem respeitar dores da lei, da própria sociedade – primeiro, para
tanto a legislação nacional – Decreto nº 24.645, que se crie uma consciência de respeito em rela-
de 10 de julho de 1934, e Instrução Normativa nº ção a essas criaturas e, segundo, para que se ga-
3, de 17 de janeiro de 2000 (Regulamento Técni- rantam as condições apropriadas para sua manu-
co de Métodos de Insensibilização para o Abate tenção e o controle rigoroso da sua utilização. Com
Humanitário de Animais de Açougue) – quanto certeza não serão apenas os animais que vão ga-
as normas da União Européia – Diretiva 93/119/ nhar com essas medidas, mas, também, toda a
CE do Conselho da União Européia de 22 de de- sociedade”.