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1. TÍTULO
Vinicius de Moraes: a voz poética do sofrimento humano
2. LINHA DE PESQUISA
PERSPECTIVA TEÓRICA NO ESTUDO DA LITERATURA (PTEL)
3. RESUMO
Este trabalho de pesquisa analisará a estética do grotesco como o elemento construtor do
cenário relacionado à problemática social, em que a degradação humana é retratada em tom
de denúncia social nos poemas do modernista brasileiro Vinicius de Moraes. Quanto à nossa
hipótese de pesquisa é de que o poeta, representado na voz do sujeito lírico, reconstrói em
suas baladas os problemas sociais existentes. Para isso, ele lança mão da estética do grotesco
e incorpora-o na realidade social e histórica, construindo a atmosfera poética do horror e da
morte em tom de denúncia. Sobre a relevância desse trabalho, ele colabora para ampliar a
pesquisa científica voltada para as problemáticas de questões sociais, e também reforçar o
compromisso social, político e histórico da literatura contra as atrocidades humanas. Para
isso, o corpus deste estudo recorrerá a dois poemas: “Balada no Mangue”, presente no livro
Poemas, Sonetos e Baladas (1946), e “Balada dos Mortos dos Campos de Concentração”,
presente no livro Antologia Poética (1954). Para tanto, será primeiramente investigada a
relação dos fatores sociais e históricos com a literatura. E, como a literatura impacta a
sociedade. Assim, analisaremos como tais fatores desencadearam uma realidade imersa em
problemas sociais. Para isso, seremos guiados pela leitura de Candido (2006). Logo depois,
iremos averiguar como a estética do feio colaborou na composição dessas problematização
social, adquirindo, assim, o tom de denúncia. Para tal intuito, estaremos fundamentados na
leitura de Hugo (1988). Como suporte sobre a simbologia das palavras, recorreremos a
Chevalier e Gheerbrant (1992). Em seguida, analisaremos a relação estabelecida entre o
grotesco e o universo distópico, e se essa relação se aplica em ambos os poemas. Com esse
propósito nos apropriaremos da concepção de Cioran (1994). Por fim, tomaremos como base
a autora Ferraz (2006), na qual mostraremos como o gênero balada contribuiu para a recriação
da problemática social presente na poética de Moraes.
4. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
Este trabalho de pesquisa analisará a estética do grotesco como elemento construtor do
cenário relacionado à problemática social, em que a degradação humana é retratada em tom
1
de denúncia social nos poemas do modernista brasileiro Vinicius de Moraes. Quanto à nossa
hipótese de pesquisa é de que o poeta, representado na voz do sujeito lírico, reconstrói em
suas baladas os problemas sociais existentes. Para isso, ele lança mão da estética do grotesco
e incorpora-o na realidade social e histórica, construindo a atmosfera poética do horror e da
morte em tom de denúncia. Sobre a relevância desse trabalho, ele colabora para ampliar a
pesquisa científica voltada para as problemáticas de questões sociais, e também reforçar o
compromisso social, político e histórico da literatura contra as atrocidades humanas. Para
isso, o corpus deste estudo recorrerá a dois poemas, são eles: “Balada no Mangue”, presente
no livro Poemas, Sonetos e Baladas (1946) e “Balada dos Mortos dos Campos de
Concentração”, presente no livro Antologia Poética (1954). Esses poemas foram escolhidos
por anunciar a degradação social ocorridas em lugares e contextos históricos distintos. Para
descrever tais contextos, o poeta se apodera da estética do grotesco e constrói uma atmosfera
poética em que predomina a desumanização, terror e morte. Para melhor compreensão, é
necessário apresentar quem foi Vinicius de Moraes, e depois, quais os contextos sociais que
produziram ambas as baladas. Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes nasceu em 1913, no
Rio de Janeiro. Foi advogado, escritor, roteirista, compositor e Itamaraty. Em 1930, compõe a
segunda geração do Modernismo. E, também, teve participação essencial na MPB e na Bossa
Nova.
Se partirmos da concepção de que o contexto social é o alicerce do fazer literário, se
torna possível conceber a poética de denúncia social de Vinicius de Moraes. Para isso,
usaremos como base o crítico Antônio Candido, em seu livro Literatura e Sociedade (2006).
Para o autor, a fusão entre texto e contexto se torna indissociáveis na literatura, pois no
processo da construção literária o fator externo (social) passa a ser o próprio agente da
estrutura interna, e por isso, ele deixa de ser elemento externo e passa a ser elemento interno
do texto. A esse respeito, Candido afirma: “tudo é tecido num conjunto, cada coisa vive e atua
sobre a outra”. (2006, p.14) Os vários estudos sociológicos em literatura apontam para a
importância do fator social servindo de matéria na composição da obra, ou para a
circunstância do meio que influenciaram a sua produção, ou para o seu papel na sociedade.
Entretanto, é preciso levar em consideração que o escritor ao observar e transcrever o que vê
(mesmo de forma precisa) utiliza a sua liberdade fantasiosa, e assim, modifica a ordem do
mundo e torna a obra mais expressiva, desenvolvendo no leitor o sentimento da verdade.
Portanto, o trabalho artístico possui relação arbitrária e deformante com a realidade. Quanto a
isso, Candido afirma:
2
Tal paradoxo está no cerne do trabalho literário e garante a sua eficácia como
representação do mundo. Achar, pois, que basta aferir a obra com a realidade
exterior para entendê-la é correr o risco de uma perigosa simplificação causal.
Mas se tomarmos o cuidado de considerar os fatores sociais (como foi
exposto) no seu papel de formadores da estrutura, veremos que tanto eles
quanto os psíquicos são decisivos para a análise literária, (2006, p.22)
Por isso a relação entre artista e contexto sociocultural ocorre, porque o artista age,
aborda determinados temas e usa certas formas conforme os valores da sua época. O
resultado desses fatores atua sobre o meio. Por isso o fazer artístico é inseparável de sua
repercussão, pois a obra só é concluída ao se repercutir e atuar. Desse modo, temos a obra de
arte como concepção individual do artista em que ela está sujeita às condições sociais
(subordinada aos valores e as ideologias) que influenciam seu conteúdo e a sua forma. Acerca
disso, Candido afirma que "mesmo quando pensamos ser nós mesmos, somos públicos,
pertencemos a uma massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e do meio".
(CANDIDO, 2006, p. 46)
Assim, a função social da literatura não depende nem da vontade e nem da consciência
do autor e do leitor, pois está intrínseca à sua própria natureza, dominada por valores culturais
e pela característica expressiva, envolvidos pela comunicação. Então, espera-se que o artista
mostre ao público algum aspecto da realidade. Para isso, no ato da construção e da recepção
da obra existe uma função específica chamada função ideológica, é ela que determinará o
destino da obra e seu enaltecimento crítico. A obra de arte também representa o mundo não
somente pela sua função ideológica social, mas também pelo universo da fantasia. A esse
respeito, Candido diz que:
O poema ajusta o coração a um novo intuito, sem mudar os desejos eternos do
coração humano. Ele faz isto projetando o homem num mundo de fantasia,
que é superior à sua realidade presente, ainda não compreendida, e cuja
compreensão requer a própria poesia, que a antecipa de maneira fantasiosa.
Aqui podem ocorrer vários erros, pois o poema sugere alguma coisa cujo
próprio tratamento poético é justificado pelo fato de não podermos tocá-la,
cheirá-la ou prová-la. Mas só por meio dessa ilusão pode ser trazida à
existência uma realidade que de outra maneira não existiria. (2006, p. 65).
Quanto à atuação da literatura no tempo, para melhor compressão da produção poética
do Modernismo brasileiro, no qual Vinicius de Moraes pertence, é necessário contextualizar
historicamente os fatores que propiciaram o fazer literário do artista moderno. Assim,
Candido divide a literatura brasileira em dois momentos históricos que alteraram o rumo e
concentraram a inteligência: o Romantismo (1836-1870) e o Modernismo (1922-1945).
Ambos possuíam o particularismo literário da dialética do local e cosmopolita, e, ao mesmo
tempo, se inspiraram na cultura europeia. Enquanto os românticos tentavam se desvencilhar
3
da influência portuguesa e reafirmar a literatura brasileira como independente, os modernos
rompem com Portugal e não aceitam mais a imposição academicista lusa e nem a brasileira. E
por conta disso, fez surgir no Brasil do século XX, uma literatura particular e rebelde que se
divide em: primeira fase de 1880-1922, a segunda de 1922-1945 e a terceira se inicia em
1945. Sendo assim, houve um importante evento ocorrido em 1922, que Candido define como
o agente catalisador da nova literatura: A Semana da Arte Moderna em São Paulo. Na qual
tivemos importante renovação na poesia, no ensaio, na música e nas artes plásticas,
inaugurando um período literário chamado Modernismo. Todavia, ainda era possível de se
notar que os novos escritores continuavam se inspirando na estética do idealismo Simbolista e
no Naturalismo convencional. A primeira corrente modernista usufruiu da lírica psicológica,
dos ensaios metafísicos e do idealismo estético que abarcava o ético e religioso. Porém, o que
era concernente à literatura burguesa europeia e que serviu de espelho para a literatura
brasileira, foi posto de lado. Porque tal inspiração não foi capaz de transformar o
academicismo cosmopolita, diletante e pós-naturalista. Daí vem a ruptura dos Modernos.
Quanto à isto, Candido diz:
O Modernismo rompe com as duas tendências, mas, sobretudo esta, que ataca
com a cooperação assustada dos espiritualistas. Na verdade, ele inaugura um
novo momento na dialética do universal e do particular, inscrevendo-se neste
com força e até arrogância, por meio de armas tomadas a princípio ao arsenal
daquele. Deixa de lado a corrente literária estabelecida, que continua a fluir;
mas retoma certos temas que ela e o Espiritualismo simbolista haviam
deixado no ar. Dentre estes, a pesquisa lírica tanto no plano dos temas quanto
dos meios formais; a indagação sobre o destino do homem e, sobretudo, do
homem brasileiro; a busca de uma forte convicção. Dentre os primeiros, o
culto do pitoresco nacional, o estabelecimento de uma expressão inserida na
herança européia e de uma literatura que exprimisse a sociedade. (CANDIDO,
2006, p.126)
Todavia, Candido ressalta que o decênio mais importante foi o de 1930. Pois, os
desencadeamentos históricos ocorridos afetaram e trouxeram profundas transformações na
literatura. Por exemplo, a Revolução de Outubro põe fim no agito antioligárquico; a prosa está
amadurecida tanto no conto quanto no romance Neonaturalista, este abordava as ocorrências
do país, como o declínio das oligarquias e os grupos do proletariado se formando. Os
problemas dos personagens estão relacionados às características que marcaram esse período,
que possuía vinculado com o meio social, a paisagem e a política. O crítico atribui ao
Modernismo como o movimento mais autêntico do pensamento brasileiro. Responsável pelo
amadurecimento (1930-1940) da nossa literatura. Nele, tudo se liberta: o academicismo, a
subordinação histórica, a educação política e a reforma social. Em relação ao amadurecimento
literário e os fatores sociais ocorridos na década de 1930, Candido diz:
4
A sua expansão coincidiu com a radicalização posterior à crise de 1929, que
marcou em todo o mundo civilizado uma fase nova de inquietação social e
ideológica. Em consequência, manifestou-se uma "ida ao povo", um V Narod,
por toda parte e também aqui, onde foi o coroamento natural da pesquisa
localista, da redefinição cultural desencadeada em 1922. A alegria turbulenta
e iconoclasta dos modernistas prepararam, no Brasil, os caminhos para a arte
interessada e a investigação histórico-sociológica do decênio de 1930. A
instauração do Estado Novo ditatorial e antidemocrático marcaria o início de
uma fase nova. Ele coincide realmente com o zênite do Modernismo
ideológico e uma recrudescência do Espiritualismo, estético e ideológico, que
vimos perdurar ao lado dele, tendo começado antes e, mais de uma vez,
convergido nos seus esforços de luta contra o academismo. (CANDIDO,
2006, p.132)
Ainda sobre esse decênio, o autor diz que tanto o Espiritualismo, quanto o Simbolismo
católico e a defesa do nacionalismo foram amplamente usados. Mas, também, originaram
várias vertentes estéticas e ideológicas que romperam com algumas ideologias modernistas.
Por exemplo, foi posto de lado o Neorrealismo, no tocante a visão radical que este tinha sobre
a sociedade. Surge a poesia de Murilo Mendes e Augusto Friedrich Schmidt. No campo social
e político temos Tristão de Ataíde, representante da moral religiosa. E, com uma visão
extremista que tende para o Fascismo, surge Plínio Salgado. Segundo Candido, esse
paradigma político-social do Brasil é reflexo da tensão europeia que se intensificou após a
Segunda Guerra Mundial, e se misturou ao nosso progresso econômico. A literatura incorpora
esses elementos político-sociais que se agregam às vertentes direitistas e esquerdistas e dão
palco para:
Populismo literário e problemas psicológicos; socialismo e neotomismo;
Surrealismo e Neo-realismo; laicismo e arregimentação católica; libertação
nos costumes, formação da opinião política; eis alguns traços marcados e
frequentemente contraditórios do decênio de 1930, assinalando, que a
projeção estética e ideológica do Modernismo, quer a reação do
Espiritualismo literário e ideológico. (CANDIDO, 2006, p.133)
Se na literatura nacional de 1920 até 1930, contávamos com a fidelidade da temática
localista, do regionalismo, do folclórico, do libertino e do populista. Foi após 1940 que
passamos a ter aversão do local, predominando o pitoresco e o extralinguístico, em que o
fazer expressivo literário se volta para a inteligência formal e a pesquisa interior. Para
Candido, um traço característico dessa nova fase foi a separação entre preocupação estética e
a preocupação social. Os artistas possuíam posições políticas muito bem definidas e
acentuadas (dentro da própria esquerda e direita) se tornam sectários, sendo propagandistas e
panfletários de suas ideologias políticas. Por outro lado, os artistas com olhar mais estético
estavam envolvidos pelo descaso quanto à realidade social. Perpetuavam-se alguns figurões
da fase anterior, dentre eles: Vinicius de Moraes com Poemas, Sonetos e Baladas (1946).
5
Enfim, a nova fase literária poderia não ser criativa, mas foi muito engenhosa. Candido nos
chama a atenção para o campo da poesia, pois ela:
No entanto, como conjunto e como experiência, os novos poetas representam
algo apreciável: com a sua exigência crítica e psicológica, representam a
barragem que será estourada quando as correntes represadas da inspiração
adquirirem, na experiência individual e coletiva, energia suficiente para
superar as atuais experiências técnicas, mais de poética do que de poesia.
(CANDIDO, 2006, p. 136)
Por fim, os estudos sociológicos foram o arsenal da nossa construção literária que se
misturava a história, a economia, a política, a filosofia e a arte. E, foi no Modernismo, que
alcançou o equilíbrio cultural relacionado aos fatores sociais e ideológicos. Sendo que, estes
últimos já sofriam mudanças desde o final da Monarquia, e, que se acentuaram na Primeira
Guerra Mundial. Sendo assim, o forte impacto dos anos de 1920-1935 veio de uma gama de
acontecimentos entre literatura e fatores sociais que se entrelaçam na sociedade brasileira,
marcando para sempre a nossa História. Com uma visão mais atual da nossa literatura
brasileira, segundo Candido (2006), o Modernismo foi um movimento cultural ocorrido entre
as duas guerras, em que a literatura se relacionava com os demais setores intelectuais,
permitindo, de um lado, a criação de novos: recursos expressivos, e do outro: recursos
interpretativos. Isso foi possível porque as massas foram compreendidas como elemento
construtivo da sociedade, e também devido às novas condições políticas e econômicas que
proporcionaram abertura maior às camadas populares.
Enfim, devido ao paradigma sócio-político brasileiro, eis que emerge a maravilhosa
Balada do Mangue que pertence ao livro: Poemas, Sonetos e Baladas (1946), publicado em
São Paulo pela editora Gaveta. A obra possui diferentes temáticas poéticas, como também
apresenta variações referentes à forma. Por exemplo, a particularidade da forma “poemas”, se
sustenta quando analisamos o conjunto, porque é diferente dos outros dois. Porquanto a
balada foi reinventada pelo autor, e o “soneto” é o único que se apresenta com a forma fixa.
Quando a Balada do Mangue foi feita, o Rio de Janeiro atravessava um contexto alarmante de
pobreza: os subúrbios aumentavam, moradias ineptas ao redor do Centro e as favelas se
intensificaram nos morros. Simultaneamente a isto, a cidade se tornava uma metrópole. E de
forma precária o saneamento básico era distribuído para a população pobre. Além disso, a
zona do Mangue era uma região de extrema pobreza que cortava o Centro da capital do Rio,
sendo propícia ao baixo meretrício de mulheres negras, francesas e polonesas que chegaram
até lá por meio das organizações de prostituições com fins lucrativos. É para as prostitutas
dessa região geográfica do Rio que o eu lírico destina a sua balada. Na qual, o tom mórbido
6
do poema denuncia a realidade violenta de degradação físicas a que as mulheres eram
submetidas, formando uma imagem repleta de horrores. Sendo assim, a atmosfera poética do
pavor é recriada por meio das metáforas da mulher, que a princípio é relacionada às: “flores”,
“orquídeas” e “dália”. Como também, pelas palavras com adjetivos de valor negativo:
“gonocócicas” (doenças sexualmente transmissíveis), “tóxicas”, “murchas” e
“desmilinguidas”. Logo adiante, a mulher aparece metaforizada em animal: “jaulas”,
“cadelas” e “hienas”. Sendo adjetivada como “veneno putrefato”. Para Chevalier e
Gheerbrant, no Dicionário de Símbolos (1992, p.437), a flor é símbolo de passividade,
enquanto o animal representa o inconsciente e o instinto. No poema, ora a mulher se apresenta
como símbolo de fragilidade, ora como símbolo feroz. Em relação à semântica do “putrefato”,
de acordo com Chevalier e Gheerbrant (p.748), putrefação significa cair na podridão, isso nos
sugere que eu-lírico associou a situação deplorável da região geográfica “Zona do Mangue”,
ao bioma manguezal, formado por solo lodoso, lamacento, salobre e mal arejado. E devido à
baixa oxigenação, exala um odor desagradável para o olfato humano. Esse bioma é visto
como algo sujo, pantanoso, inapto ao ser humano. Desse modo, podemos associar as
prostitutas como sujas e imundas e, de certa forma, repudiadas pela sociedade. O sofrimento
dessas mulheres termina quando o eu-lírico sugere que elas ateiam fogo em si, em sinal de
revolta contra a sociedade que as marginaliza. Como também simboliza remissão dos erros
“atear fogo” e “lançais como tocha”. Sendo assim, segundo Chevalier e Gheerbrant (pg.440) o
fogo é símbolo de purificação e regeneração dos pecados.
Quanto ao poema “Balada dos Mortos nos Campos de Concentração”, ele faz parte do
livro Antologia Poética (1954), publicado no Rio de Janeiro, pela editora A Noite. É o
primeiro livro de antologia de Vinicius de Moraes. A obra possui diferentes temáticas
poéticas, como também apresenta variações referentes à forma. Sendo assim, eis que o autor
compõe essa balada se inspirando no contexto histórico dos campos de concentração,
originados pela ideologia nazista, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E que,
contou com a ascensão do extremista Adolfo Hitler, na Alemanha, em 1933. O cenário
político era de terror, na qual uma onda de perseguições foi vivenciada na Europa. Os nazistas
fizeram milhões de pessoas como prisioneiros em nome da “raça ariana”, sobretudo os judeus
(antissemitismo). Desse modo, os prisioneiros eram enviados aos campos de concentração
onde eram exterminados em massa. E, em 1945, a Segunda Guerra chega ao fim com os
nazistas sendo derrotados e os prisioneiros libertos dos campos de extermínio, pondo fim na
Segunda Guerra Mundial. Acerca disso, Moraes destina a sua balada para os prisioneiros
mortos, nomeando os lugares com o nome de cidades alemãs onde se encontrava os campos
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de concentração: “Nordhausen Erla”, “Belsen” e “Buchenwald!”. O eu-lírico utiliza
substantivos e adjetivos com carga semântica negativa para recriar a atmosfera de morte do
poema e formar a imagem de degradação física em que os prisioneiros estão metaforizados
como: “cadáveres” e “espantalhos”, que estão: “ocos”, “flácidos”, “necrosados” e
“putrefatos”. A personificação negativada dos cadáveres a seres humanos “beijos
estupefatos”, “sorrisos de giocondas” e “braços em cruz” podem significar o martírio dos
prisioneiros, uma vez que em Chevalier e Gheerbrant (p.310), a cruz, na tradição cristã, é
relacionada à crucificação de Jesus, simbolizando martírio e tormento. No final do poema os
nazistas “Monstro” fizeram dos campos de concentração um “patíbulo”, o que ressalta a
tentativa do eu-lírico em nos dizer que devido ao extermínio em massa, a vida nos campos de
concentração tinha um único fim: a morte.
Em ambos os poemas foi possível observar que na construção da imagem poética,
ainda que esta possua um minucioso realismo, ela consegue trazer a claro a tragédia da
realidade. Na qual o poeta recorre à semântica das palavras de valor negativo e forma o tom
mórbido do poema, e também recria a atmosfera de monstruosidade. Para isso, o poeta toma
posse da estética do grotesco, usado em ambas as baladas como componente para denunciar
as atrocidades contra seres humanos. Segundo Victor Hugo, em seu livro Do Grotesco e do
Sublime (1988), diz que o grotesco surge para criar contrastes, porque é ele quem dá
movimento à arte. Temos como exemplo na primeira balada em que as mulheres passam de
flores a animais, já na segunda os prisioneiros passam a ser cadáveres que se beijam e sorri.
Todavia, o grotesco não exclui o belo nem o sublime, mas faz com que estes apareçam
na arte com grande vivacidade. Portanto, o grotesco é completado pelo sublime. Nas palavras
do autor:
Com efeito, na poesia nova, enquanto o sublime representará a alma tal como
ela é purificada pela moral cristã, ele representa o papel da besta humana. O
primeiro tipo, livre de toda mescla impura, terá como apanágio todos os
encantos, todas as graças, todas as belezas [...] O segundo tomará todos os
ridículos, todas as enfermidades, todas as feiuras. Nesta partilha da
humanidade e da criação, é a ele que caberão as paixões, os vícios, os crimes;
é ele que será luxurioso, rastejante, guloso, avaro, pérfido, enredador,
hipócrita; [...](HUGO, 1988,p. 33)
É na arte que Hugo atribuiu o nome de Moderna que se apresentam essas duas
estéticas que se contrastam, uma vez que Hugo denomina que na verdadeira poesia, a
completa, tem como característica “a reunião harmônica dos contrários” (p.42). Em que o
Sublime é o oposto do feio, pois o primeiro está relacionado ao divino e ao belo, enquanto o
8
segundo a maldade e a baixeza humana, por isso ele se faz presente em tudo. Portanto, nos
dois poemas o que seria natural e belo “flores”, e “beijos” ganham sentidos repulsivos.
Na poética de denúncia social, Vinicius de Moraes usa o feio como elemento
concernente à realidade e pertencente ao universo distópico. A esse respeito, Emil Cioran, em
seu livro História e Utopia (2014), diz que nos cenários utópicos os personagens não são
verdadeiros porque lhes faltam instintos psicológicos. Caracterizam-se como personagens
puros, limpos e sem maldades. Vivem em um ambiente benéfico onde o ruim não existe. Em
um mundo utópico não existe o mal, os vícios e os pecados. Nele predomina o Bem. A
tragédia não ocorre, porque a construção da cidade é um ambiente perfeito e os problemas são
inexistentes. Nas palavras do autor acerca da utopia:
Para melhor apreender a própria derrota, ou a do próximo, é preciso passar
pelo mal e, se necessário, mergulhar nele: como consegui-lo nessas cidades e
nessas ilhas de onde o mal está excluído por princípio e por razão de Estado?
Aí as trevas estão proibidas, só a luz é admitida. Nenhum vestígio de
dualismo: a utopia é, por essência, antimaniqueísta. Hostil à anomalia, ao
disforme, ao irregular, tende para o fortalecimento do homogêneo, do modelo,
da repetição e da ortodoxia. (CIORAN, 1994, p. 73)
Já a distopia é o lugar onde perambula a maldade humana, nela a sociedade está
imersa em conflitos e a tragédia é permitida. Quanto à isto, o autor fala:
Mas a vida é ruptura, heresia, abolição das normas da matéria. E o homem,
em relação à vida, é heresia em segundo grau, vitória do individual, do
capricho, aparição aberrante, animal cismático que a sociedade – soma de
monstros adormecidos – pretende reconduzir ao caminho reto. Herético por
excelência, o monstro desperto, solidão encarnada, infração da ordem
universal, se compraz em sua excepcionalidade, isola-se em seus privilégios
onerosos, e é sendo duração que paga o que ganha sobre seus “semelhantes”:
quanto mais se distingue deles, mais frágil e perigoso será, pois é à custa de
sua longevidade que perturba a paz dos outros e que cria para si, no seio da
cidade, um estatuto de indesejável. (CIORAN, 1994, p. 74)
Se tomarmos a concepção de Cioran sobre utopia, não conseguiremos aplicar tal
conceito nas baladas vinicianas propostas como estudo nesse corpus, uma vez que elas estão
inseridas em um cenário repleto de maldade em que predomina conflitos, misérias, doenças,
mortes e guerras. Na qual os homens são retratados como “aparição aberrante”. Na utopia as
mulheres não seriam prostitutas, e os campos de concentração sumiriam, pois tudo tende para
o Belo. Portanto, o que temos é a predominância da distopia, na qual tudo tende para o feio,
revelando a degradação social da sociedade.
Quanto à opção pela forma do gênero balada, segundo Eucanaã Ferraz, no seu livro
Vinicius de Moraes (2006), o poeta não seguiu a forma fixa, mesmo tendo como característica
a musicalidade dos versos e o conteúdo narrativo. Porém, ele reinventa a balada de forma
9
livre e pessoal. A dramaticidade da balada viniciana não tem exageros sentimentais, mesmo
que o gênero seja usado para temas com forte intensidade dramática. Para isso, ele se apropria
da estética do expressionismo para despertar o sentimento e a atenção do leitor. Sobre isso,
Ferraz diz: O Pathos encontra lugar na opção por uma estética que se poderia chamar de
expressionista, onde o horror, o absurdo e a morbidez entrelaçam-se com vocabulário, adjetivação e
imagens contrastantes. (FERRAZ, 2006, p. 26)
Por fim, o que Ferraz diz sobre a estrutura do gênero balada de Moraes, recai sobre o
que foi analisado e observado nesse corpus: como a estética do feio recria a imagem poética
do horror e do absurdo, num contexto concernente à realidade. Para tal fim, o sujeito poético
lança mão dos recursos linguísticos com simbologia negativa, como também forma contrastes
com os sentidos das palavras, e assim, associa ao expressionismo, formando a tensão. Por fim,
essa construção resultou na poesia denunciativa social de Vinicius de Moraes.
5. OBJETIVOS
5.1 GERAL
Analisaremos como o contexto social reflete no fazer literário, assim como a literatura
com seu papel social consegue impactar fortemente na sociedade. A partir disso, será
investigado como a problemática do contexto social denuncia a realidade por meio da estética
do grotesco nas baladas: Balada do Mangue (1946) e Balada dos Mortos nos Campos de
Concentração (1954) do poeta modernista brasileiro Vinicius de Moraes.
5.2 ESPECÍFICOS
i) Estabelecer a relação entre contexto social e literatura; ii) Analisar o contexto social
que influenciou os problemas sociais existentes em ambas as baladas; iii) Investigar como a
estética do grotesco constrói esse cenário de problematização social; iv) Averiguar se o
grotesco recria a realidade distópica; v) Analisar como o gênero balada contribuiu na
construção dos problemas sociais e na incorporação do grotesco no fazer poético.
6. METODOLOGIA
Em primeiro lugar, será realizada uma pesquisa de natureza bibliográfica e crítica
sobre a vida e a poesia social de Vinicius de Moraes. Para isso, será lida a fortuna crítica de
Vinicius de Moraes, do autor (Castello, 1994; Pecci, 1994). Para relacionar o contexto social
com a literatura, assim como os problemas sociais que influenciaram as baladas estudadas no
corpus usaremos (Candido, 2006). Quanto à estética do grotesco como elemento construtor da
10
problemática social da poética denunciativa viniciana, recorreremos a (Hugo, 1988). Para
estabelecer o significado de algumas palavras no contexto poético usaremos como base
(Chevalier e Gheerbrant, 1992). Para relacionar a estética do grotesco ao cenário distópico
recorreremos a (Cioran, 1994). Quanto ao uso das baladas para construir tal cenário, será
usado (Ferraz, 2006). Foi a partir desse corpus que analisamos como a estética do grotesco é
responsável por construir a imagem poética de denúncia social na poesia social de Vinicius de
Moraes.
7. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO
Atividade/semestre 1
º
2
º
1
º
2
º
1
º
2
º
Levantamento e fichamento da bibliografia X X
Cumprimento de créditos junto ao programa de
Pós-graduação
X X
Releitura e análise das obras de Vinicius de Moraes X X
Elaboração dos capítulos da dissertação X X
Apresentação das análises de pesquisa em eventos acadêmicos X X X X X
Redação final da dissertação para exame de qualificação X X
Qualificação da dissertação X
Redação da versão final da dissertação X
Defesa da dissertação de mestrado X
Entrega dos Relatórios de Pesquisa X
8. BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.
BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
11
CANDIDO, Antônio. Um poema de Vinicius de Moraes. In: MORAES, Vinicius de. Poemas,
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CASTELLO, José. Vinicius de Moraes: o poeta da paixão: uma biografia. São Paulo:
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CHEVALIER, J. E GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes,
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FERRAZ, Eucanaã. Vinicius de Moraes. São Paulo: Publifolha, 2006.
FRIEDRICH, H. A estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do
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HUGO, V. Do grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cromwell. Trad. e notas de
Célia Berrettini. São Paulo: Perspectiva, 1998.
MORAES, V. Poemas, sonetos e baladas: com 22 desenhos de Carlos Leão. São Paulo:
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Holocausto. Disponível em:
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PAZ, Octavio. O poema. In: _. A imagem. In: _. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. 2. ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p.119-138.
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  • 1. 1. TÍTULO Vinicius de Moraes: a voz poética do sofrimento humano 2. LINHA DE PESQUISA PERSPECTIVA TEÓRICA NO ESTUDO DA LITERATURA (PTEL) 3. RESUMO Este trabalho de pesquisa analisará a estética do grotesco como o elemento construtor do cenário relacionado à problemática social, em que a degradação humana é retratada em tom de denúncia social nos poemas do modernista brasileiro Vinicius de Moraes. Quanto à nossa hipótese de pesquisa é de que o poeta, representado na voz do sujeito lírico, reconstrói em suas baladas os problemas sociais existentes. Para isso, ele lança mão da estética do grotesco e incorpora-o na realidade social e histórica, construindo a atmosfera poética do horror e da morte em tom de denúncia. Sobre a relevância desse trabalho, ele colabora para ampliar a pesquisa científica voltada para as problemáticas de questões sociais, e também reforçar o compromisso social, político e histórico da literatura contra as atrocidades humanas. Para isso, o corpus deste estudo recorrerá a dois poemas: “Balada no Mangue”, presente no livro Poemas, Sonetos e Baladas (1946), e “Balada dos Mortos dos Campos de Concentração”, presente no livro Antologia Poética (1954). Para tanto, será primeiramente investigada a relação dos fatores sociais e históricos com a literatura. E, como a literatura impacta a sociedade. Assim, analisaremos como tais fatores desencadearam uma realidade imersa em problemas sociais. Para isso, seremos guiados pela leitura de Candido (2006). Logo depois, iremos averiguar como a estética do feio colaborou na composição dessas problematização social, adquirindo, assim, o tom de denúncia. Para tal intuito, estaremos fundamentados na leitura de Hugo (1988). Como suporte sobre a simbologia das palavras, recorreremos a Chevalier e Gheerbrant (1992). Em seguida, analisaremos a relação estabelecida entre o grotesco e o universo distópico, e se essa relação se aplica em ambos os poemas. Com esse propósito nos apropriaremos da concepção de Cioran (1994). Por fim, tomaremos como base a autora Ferraz (2006), na qual mostraremos como o gênero balada contribuiu para a recriação da problemática social presente na poética de Moraes. 4. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Este trabalho de pesquisa analisará a estética do grotesco como elemento construtor do cenário relacionado à problemática social, em que a degradação humana é retratada em tom 1
  • 2. de denúncia social nos poemas do modernista brasileiro Vinicius de Moraes. Quanto à nossa hipótese de pesquisa é de que o poeta, representado na voz do sujeito lírico, reconstrói em suas baladas os problemas sociais existentes. Para isso, ele lança mão da estética do grotesco e incorpora-o na realidade social e histórica, construindo a atmosfera poética do horror e da morte em tom de denúncia. Sobre a relevância desse trabalho, ele colabora para ampliar a pesquisa científica voltada para as problemáticas de questões sociais, e também reforçar o compromisso social, político e histórico da literatura contra as atrocidades humanas. Para isso, o corpus deste estudo recorrerá a dois poemas, são eles: “Balada no Mangue”, presente no livro Poemas, Sonetos e Baladas (1946) e “Balada dos Mortos dos Campos de Concentração”, presente no livro Antologia Poética (1954). Esses poemas foram escolhidos por anunciar a degradação social ocorridas em lugares e contextos históricos distintos. Para descrever tais contextos, o poeta se apodera da estética do grotesco e constrói uma atmosfera poética em que predomina a desumanização, terror e morte. Para melhor compreensão, é necessário apresentar quem foi Vinicius de Moraes, e depois, quais os contextos sociais que produziram ambas as baladas. Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes nasceu em 1913, no Rio de Janeiro. Foi advogado, escritor, roteirista, compositor e Itamaraty. Em 1930, compõe a segunda geração do Modernismo. E, também, teve participação essencial na MPB e na Bossa Nova. Se partirmos da concepção de que o contexto social é o alicerce do fazer literário, se torna possível conceber a poética de denúncia social de Vinicius de Moraes. Para isso, usaremos como base o crítico Antônio Candido, em seu livro Literatura e Sociedade (2006). Para o autor, a fusão entre texto e contexto se torna indissociáveis na literatura, pois no processo da construção literária o fator externo (social) passa a ser o próprio agente da estrutura interna, e por isso, ele deixa de ser elemento externo e passa a ser elemento interno do texto. A esse respeito, Candido afirma: “tudo é tecido num conjunto, cada coisa vive e atua sobre a outra”. (2006, p.14) Os vários estudos sociológicos em literatura apontam para a importância do fator social servindo de matéria na composição da obra, ou para a circunstância do meio que influenciaram a sua produção, ou para o seu papel na sociedade. Entretanto, é preciso levar em consideração que o escritor ao observar e transcrever o que vê (mesmo de forma precisa) utiliza a sua liberdade fantasiosa, e assim, modifica a ordem do mundo e torna a obra mais expressiva, desenvolvendo no leitor o sentimento da verdade. Portanto, o trabalho artístico possui relação arbitrária e deformante com a realidade. Quanto a isso, Candido afirma: 2
  • 3. Tal paradoxo está no cerne do trabalho literário e garante a sua eficácia como representação do mundo. Achar, pois, que basta aferir a obra com a realidade exterior para entendê-la é correr o risco de uma perigosa simplificação causal. Mas se tomarmos o cuidado de considerar os fatores sociais (como foi exposto) no seu papel de formadores da estrutura, veremos que tanto eles quanto os psíquicos são decisivos para a análise literária, (2006, p.22) Por isso a relação entre artista e contexto sociocultural ocorre, porque o artista age, aborda determinados temas e usa certas formas conforme os valores da sua época. O resultado desses fatores atua sobre o meio. Por isso o fazer artístico é inseparável de sua repercussão, pois a obra só é concluída ao se repercutir e atuar. Desse modo, temos a obra de arte como concepção individual do artista em que ela está sujeita às condições sociais (subordinada aos valores e as ideologias) que influenciam seu conteúdo e a sua forma. Acerca disso, Candido afirma que "mesmo quando pensamos ser nós mesmos, somos públicos, pertencemos a uma massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e do meio". (CANDIDO, 2006, p. 46) Assim, a função social da literatura não depende nem da vontade e nem da consciência do autor e do leitor, pois está intrínseca à sua própria natureza, dominada por valores culturais e pela característica expressiva, envolvidos pela comunicação. Então, espera-se que o artista mostre ao público algum aspecto da realidade. Para isso, no ato da construção e da recepção da obra existe uma função específica chamada função ideológica, é ela que determinará o destino da obra e seu enaltecimento crítico. A obra de arte também representa o mundo não somente pela sua função ideológica social, mas também pelo universo da fantasia. A esse respeito, Candido diz que: O poema ajusta o coração a um novo intuito, sem mudar os desejos eternos do coração humano. Ele faz isto projetando o homem num mundo de fantasia, que é superior à sua realidade presente, ainda não compreendida, e cuja compreensão requer a própria poesia, que a antecipa de maneira fantasiosa. Aqui podem ocorrer vários erros, pois o poema sugere alguma coisa cujo próprio tratamento poético é justificado pelo fato de não podermos tocá-la, cheirá-la ou prová-la. Mas só por meio dessa ilusão pode ser trazida à existência uma realidade que de outra maneira não existiria. (2006, p. 65). Quanto à atuação da literatura no tempo, para melhor compressão da produção poética do Modernismo brasileiro, no qual Vinicius de Moraes pertence, é necessário contextualizar historicamente os fatores que propiciaram o fazer literário do artista moderno. Assim, Candido divide a literatura brasileira em dois momentos históricos que alteraram o rumo e concentraram a inteligência: o Romantismo (1836-1870) e o Modernismo (1922-1945). Ambos possuíam o particularismo literário da dialética do local e cosmopolita, e, ao mesmo tempo, se inspiraram na cultura europeia. Enquanto os românticos tentavam se desvencilhar 3
  • 4. da influência portuguesa e reafirmar a literatura brasileira como independente, os modernos rompem com Portugal e não aceitam mais a imposição academicista lusa e nem a brasileira. E por conta disso, fez surgir no Brasil do século XX, uma literatura particular e rebelde que se divide em: primeira fase de 1880-1922, a segunda de 1922-1945 e a terceira se inicia em 1945. Sendo assim, houve um importante evento ocorrido em 1922, que Candido define como o agente catalisador da nova literatura: A Semana da Arte Moderna em São Paulo. Na qual tivemos importante renovação na poesia, no ensaio, na música e nas artes plásticas, inaugurando um período literário chamado Modernismo. Todavia, ainda era possível de se notar que os novos escritores continuavam se inspirando na estética do idealismo Simbolista e no Naturalismo convencional. A primeira corrente modernista usufruiu da lírica psicológica, dos ensaios metafísicos e do idealismo estético que abarcava o ético e religioso. Porém, o que era concernente à literatura burguesa europeia e que serviu de espelho para a literatura brasileira, foi posto de lado. Porque tal inspiração não foi capaz de transformar o academicismo cosmopolita, diletante e pós-naturalista. Daí vem a ruptura dos Modernos. Quanto à isto, Candido diz: O Modernismo rompe com as duas tendências, mas, sobretudo esta, que ataca com a cooperação assustada dos espiritualistas. Na verdade, ele inaugura um novo momento na dialética do universal e do particular, inscrevendo-se neste com força e até arrogância, por meio de armas tomadas a princípio ao arsenal daquele. Deixa de lado a corrente literária estabelecida, que continua a fluir; mas retoma certos temas que ela e o Espiritualismo simbolista haviam deixado no ar. Dentre estes, a pesquisa lírica tanto no plano dos temas quanto dos meios formais; a indagação sobre o destino do homem e, sobretudo, do homem brasileiro; a busca de uma forte convicção. Dentre os primeiros, o culto do pitoresco nacional, o estabelecimento de uma expressão inserida na herança européia e de uma literatura que exprimisse a sociedade. (CANDIDO, 2006, p.126) Todavia, Candido ressalta que o decênio mais importante foi o de 1930. Pois, os desencadeamentos históricos ocorridos afetaram e trouxeram profundas transformações na literatura. Por exemplo, a Revolução de Outubro põe fim no agito antioligárquico; a prosa está amadurecida tanto no conto quanto no romance Neonaturalista, este abordava as ocorrências do país, como o declínio das oligarquias e os grupos do proletariado se formando. Os problemas dos personagens estão relacionados às características que marcaram esse período, que possuía vinculado com o meio social, a paisagem e a política. O crítico atribui ao Modernismo como o movimento mais autêntico do pensamento brasileiro. Responsável pelo amadurecimento (1930-1940) da nossa literatura. Nele, tudo se liberta: o academicismo, a subordinação histórica, a educação política e a reforma social. Em relação ao amadurecimento literário e os fatores sociais ocorridos na década de 1930, Candido diz: 4
  • 5. A sua expansão coincidiu com a radicalização posterior à crise de 1929, que marcou em todo o mundo civilizado uma fase nova de inquietação social e ideológica. Em consequência, manifestou-se uma "ida ao povo", um V Narod, por toda parte e também aqui, onde foi o coroamento natural da pesquisa localista, da redefinição cultural desencadeada em 1922. A alegria turbulenta e iconoclasta dos modernistas prepararam, no Brasil, os caminhos para a arte interessada e a investigação histórico-sociológica do decênio de 1930. A instauração do Estado Novo ditatorial e antidemocrático marcaria o início de uma fase nova. Ele coincide realmente com o zênite do Modernismo ideológico e uma recrudescência do Espiritualismo, estético e ideológico, que vimos perdurar ao lado dele, tendo começado antes e, mais de uma vez, convergido nos seus esforços de luta contra o academismo. (CANDIDO, 2006, p.132) Ainda sobre esse decênio, o autor diz que tanto o Espiritualismo, quanto o Simbolismo católico e a defesa do nacionalismo foram amplamente usados. Mas, também, originaram várias vertentes estéticas e ideológicas que romperam com algumas ideologias modernistas. Por exemplo, foi posto de lado o Neorrealismo, no tocante a visão radical que este tinha sobre a sociedade. Surge a poesia de Murilo Mendes e Augusto Friedrich Schmidt. No campo social e político temos Tristão de Ataíde, representante da moral religiosa. E, com uma visão extremista que tende para o Fascismo, surge Plínio Salgado. Segundo Candido, esse paradigma político-social do Brasil é reflexo da tensão europeia que se intensificou após a Segunda Guerra Mundial, e se misturou ao nosso progresso econômico. A literatura incorpora esses elementos político-sociais que se agregam às vertentes direitistas e esquerdistas e dão palco para: Populismo literário e problemas psicológicos; socialismo e neotomismo; Surrealismo e Neo-realismo; laicismo e arregimentação católica; libertação nos costumes, formação da opinião política; eis alguns traços marcados e frequentemente contraditórios do decênio de 1930, assinalando, que a projeção estética e ideológica do Modernismo, quer a reação do Espiritualismo literário e ideológico. (CANDIDO, 2006, p.133) Se na literatura nacional de 1920 até 1930, contávamos com a fidelidade da temática localista, do regionalismo, do folclórico, do libertino e do populista. Foi após 1940 que passamos a ter aversão do local, predominando o pitoresco e o extralinguístico, em que o fazer expressivo literário se volta para a inteligência formal e a pesquisa interior. Para Candido, um traço característico dessa nova fase foi a separação entre preocupação estética e a preocupação social. Os artistas possuíam posições políticas muito bem definidas e acentuadas (dentro da própria esquerda e direita) se tornam sectários, sendo propagandistas e panfletários de suas ideologias políticas. Por outro lado, os artistas com olhar mais estético estavam envolvidos pelo descaso quanto à realidade social. Perpetuavam-se alguns figurões da fase anterior, dentre eles: Vinicius de Moraes com Poemas, Sonetos e Baladas (1946). 5
  • 6. Enfim, a nova fase literária poderia não ser criativa, mas foi muito engenhosa. Candido nos chama a atenção para o campo da poesia, pois ela: No entanto, como conjunto e como experiência, os novos poetas representam algo apreciável: com a sua exigência crítica e psicológica, representam a barragem que será estourada quando as correntes represadas da inspiração adquirirem, na experiência individual e coletiva, energia suficiente para superar as atuais experiências técnicas, mais de poética do que de poesia. (CANDIDO, 2006, p. 136) Por fim, os estudos sociológicos foram o arsenal da nossa construção literária que se misturava a história, a economia, a política, a filosofia e a arte. E, foi no Modernismo, que alcançou o equilíbrio cultural relacionado aos fatores sociais e ideológicos. Sendo que, estes últimos já sofriam mudanças desde o final da Monarquia, e, que se acentuaram na Primeira Guerra Mundial. Sendo assim, o forte impacto dos anos de 1920-1935 veio de uma gama de acontecimentos entre literatura e fatores sociais que se entrelaçam na sociedade brasileira, marcando para sempre a nossa História. Com uma visão mais atual da nossa literatura brasileira, segundo Candido (2006), o Modernismo foi um movimento cultural ocorrido entre as duas guerras, em que a literatura se relacionava com os demais setores intelectuais, permitindo, de um lado, a criação de novos: recursos expressivos, e do outro: recursos interpretativos. Isso foi possível porque as massas foram compreendidas como elemento construtivo da sociedade, e também devido às novas condições políticas e econômicas que proporcionaram abertura maior às camadas populares. Enfim, devido ao paradigma sócio-político brasileiro, eis que emerge a maravilhosa Balada do Mangue que pertence ao livro: Poemas, Sonetos e Baladas (1946), publicado em São Paulo pela editora Gaveta. A obra possui diferentes temáticas poéticas, como também apresenta variações referentes à forma. Por exemplo, a particularidade da forma “poemas”, se sustenta quando analisamos o conjunto, porque é diferente dos outros dois. Porquanto a balada foi reinventada pelo autor, e o “soneto” é o único que se apresenta com a forma fixa. Quando a Balada do Mangue foi feita, o Rio de Janeiro atravessava um contexto alarmante de pobreza: os subúrbios aumentavam, moradias ineptas ao redor do Centro e as favelas se intensificaram nos morros. Simultaneamente a isto, a cidade se tornava uma metrópole. E de forma precária o saneamento básico era distribuído para a população pobre. Além disso, a zona do Mangue era uma região de extrema pobreza que cortava o Centro da capital do Rio, sendo propícia ao baixo meretrício de mulheres negras, francesas e polonesas que chegaram até lá por meio das organizações de prostituições com fins lucrativos. É para as prostitutas dessa região geográfica do Rio que o eu lírico destina a sua balada. Na qual, o tom mórbido 6
  • 7. do poema denuncia a realidade violenta de degradação físicas a que as mulheres eram submetidas, formando uma imagem repleta de horrores. Sendo assim, a atmosfera poética do pavor é recriada por meio das metáforas da mulher, que a princípio é relacionada às: “flores”, “orquídeas” e “dália”. Como também, pelas palavras com adjetivos de valor negativo: “gonocócicas” (doenças sexualmente transmissíveis), “tóxicas”, “murchas” e “desmilinguidas”. Logo adiante, a mulher aparece metaforizada em animal: “jaulas”, “cadelas” e “hienas”. Sendo adjetivada como “veneno putrefato”. Para Chevalier e Gheerbrant, no Dicionário de Símbolos (1992, p.437), a flor é símbolo de passividade, enquanto o animal representa o inconsciente e o instinto. No poema, ora a mulher se apresenta como símbolo de fragilidade, ora como símbolo feroz. Em relação à semântica do “putrefato”, de acordo com Chevalier e Gheerbrant (p.748), putrefação significa cair na podridão, isso nos sugere que eu-lírico associou a situação deplorável da região geográfica “Zona do Mangue”, ao bioma manguezal, formado por solo lodoso, lamacento, salobre e mal arejado. E devido à baixa oxigenação, exala um odor desagradável para o olfato humano. Esse bioma é visto como algo sujo, pantanoso, inapto ao ser humano. Desse modo, podemos associar as prostitutas como sujas e imundas e, de certa forma, repudiadas pela sociedade. O sofrimento dessas mulheres termina quando o eu-lírico sugere que elas ateiam fogo em si, em sinal de revolta contra a sociedade que as marginaliza. Como também simboliza remissão dos erros “atear fogo” e “lançais como tocha”. Sendo assim, segundo Chevalier e Gheerbrant (pg.440) o fogo é símbolo de purificação e regeneração dos pecados. Quanto ao poema “Balada dos Mortos nos Campos de Concentração”, ele faz parte do livro Antologia Poética (1954), publicado no Rio de Janeiro, pela editora A Noite. É o primeiro livro de antologia de Vinicius de Moraes. A obra possui diferentes temáticas poéticas, como também apresenta variações referentes à forma. Sendo assim, eis que o autor compõe essa balada se inspirando no contexto histórico dos campos de concentração, originados pela ideologia nazista, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E que, contou com a ascensão do extremista Adolfo Hitler, na Alemanha, em 1933. O cenário político era de terror, na qual uma onda de perseguições foi vivenciada na Europa. Os nazistas fizeram milhões de pessoas como prisioneiros em nome da “raça ariana”, sobretudo os judeus (antissemitismo). Desse modo, os prisioneiros eram enviados aos campos de concentração onde eram exterminados em massa. E, em 1945, a Segunda Guerra chega ao fim com os nazistas sendo derrotados e os prisioneiros libertos dos campos de extermínio, pondo fim na Segunda Guerra Mundial. Acerca disso, Moraes destina a sua balada para os prisioneiros mortos, nomeando os lugares com o nome de cidades alemãs onde se encontrava os campos 7
  • 8. de concentração: “Nordhausen Erla”, “Belsen” e “Buchenwald!”. O eu-lírico utiliza substantivos e adjetivos com carga semântica negativa para recriar a atmosfera de morte do poema e formar a imagem de degradação física em que os prisioneiros estão metaforizados como: “cadáveres” e “espantalhos”, que estão: “ocos”, “flácidos”, “necrosados” e “putrefatos”. A personificação negativada dos cadáveres a seres humanos “beijos estupefatos”, “sorrisos de giocondas” e “braços em cruz” podem significar o martírio dos prisioneiros, uma vez que em Chevalier e Gheerbrant (p.310), a cruz, na tradição cristã, é relacionada à crucificação de Jesus, simbolizando martírio e tormento. No final do poema os nazistas “Monstro” fizeram dos campos de concentração um “patíbulo”, o que ressalta a tentativa do eu-lírico em nos dizer que devido ao extermínio em massa, a vida nos campos de concentração tinha um único fim: a morte. Em ambos os poemas foi possível observar que na construção da imagem poética, ainda que esta possua um minucioso realismo, ela consegue trazer a claro a tragédia da realidade. Na qual o poeta recorre à semântica das palavras de valor negativo e forma o tom mórbido do poema, e também recria a atmosfera de monstruosidade. Para isso, o poeta toma posse da estética do grotesco, usado em ambas as baladas como componente para denunciar as atrocidades contra seres humanos. Segundo Victor Hugo, em seu livro Do Grotesco e do Sublime (1988), diz que o grotesco surge para criar contrastes, porque é ele quem dá movimento à arte. Temos como exemplo na primeira balada em que as mulheres passam de flores a animais, já na segunda os prisioneiros passam a ser cadáveres que se beijam e sorri. Todavia, o grotesco não exclui o belo nem o sublime, mas faz com que estes apareçam na arte com grande vivacidade. Portanto, o grotesco é completado pelo sublime. Nas palavras do autor: Com efeito, na poesia nova, enquanto o sublime representará a alma tal como ela é purificada pela moral cristã, ele representa o papel da besta humana. O primeiro tipo, livre de toda mescla impura, terá como apanágio todos os encantos, todas as graças, todas as belezas [...] O segundo tomará todos os ridículos, todas as enfermidades, todas as feiuras. Nesta partilha da humanidade e da criação, é a ele que caberão as paixões, os vícios, os crimes; é ele que será luxurioso, rastejante, guloso, avaro, pérfido, enredador, hipócrita; [...](HUGO, 1988,p. 33) É na arte que Hugo atribuiu o nome de Moderna que se apresentam essas duas estéticas que se contrastam, uma vez que Hugo denomina que na verdadeira poesia, a completa, tem como característica “a reunião harmônica dos contrários” (p.42). Em que o Sublime é o oposto do feio, pois o primeiro está relacionado ao divino e ao belo, enquanto o 8
  • 9. segundo a maldade e a baixeza humana, por isso ele se faz presente em tudo. Portanto, nos dois poemas o que seria natural e belo “flores”, e “beijos” ganham sentidos repulsivos. Na poética de denúncia social, Vinicius de Moraes usa o feio como elemento concernente à realidade e pertencente ao universo distópico. A esse respeito, Emil Cioran, em seu livro História e Utopia (2014), diz que nos cenários utópicos os personagens não são verdadeiros porque lhes faltam instintos psicológicos. Caracterizam-se como personagens puros, limpos e sem maldades. Vivem em um ambiente benéfico onde o ruim não existe. Em um mundo utópico não existe o mal, os vícios e os pecados. Nele predomina o Bem. A tragédia não ocorre, porque a construção da cidade é um ambiente perfeito e os problemas são inexistentes. Nas palavras do autor acerca da utopia: Para melhor apreender a própria derrota, ou a do próximo, é preciso passar pelo mal e, se necessário, mergulhar nele: como consegui-lo nessas cidades e nessas ilhas de onde o mal está excluído por princípio e por razão de Estado? Aí as trevas estão proibidas, só a luz é admitida. Nenhum vestígio de dualismo: a utopia é, por essência, antimaniqueísta. Hostil à anomalia, ao disforme, ao irregular, tende para o fortalecimento do homogêneo, do modelo, da repetição e da ortodoxia. (CIORAN, 1994, p. 73) Já a distopia é o lugar onde perambula a maldade humana, nela a sociedade está imersa em conflitos e a tragédia é permitida. Quanto à isto, o autor fala: Mas a vida é ruptura, heresia, abolição das normas da matéria. E o homem, em relação à vida, é heresia em segundo grau, vitória do individual, do capricho, aparição aberrante, animal cismático que a sociedade – soma de monstros adormecidos – pretende reconduzir ao caminho reto. Herético por excelência, o monstro desperto, solidão encarnada, infração da ordem universal, se compraz em sua excepcionalidade, isola-se em seus privilégios onerosos, e é sendo duração que paga o que ganha sobre seus “semelhantes”: quanto mais se distingue deles, mais frágil e perigoso será, pois é à custa de sua longevidade que perturba a paz dos outros e que cria para si, no seio da cidade, um estatuto de indesejável. (CIORAN, 1994, p. 74) Se tomarmos a concepção de Cioran sobre utopia, não conseguiremos aplicar tal conceito nas baladas vinicianas propostas como estudo nesse corpus, uma vez que elas estão inseridas em um cenário repleto de maldade em que predomina conflitos, misérias, doenças, mortes e guerras. Na qual os homens são retratados como “aparição aberrante”. Na utopia as mulheres não seriam prostitutas, e os campos de concentração sumiriam, pois tudo tende para o Belo. Portanto, o que temos é a predominância da distopia, na qual tudo tende para o feio, revelando a degradação social da sociedade. Quanto à opção pela forma do gênero balada, segundo Eucanaã Ferraz, no seu livro Vinicius de Moraes (2006), o poeta não seguiu a forma fixa, mesmo tendo como característica a musicalidade dos versos e o conteúdo narrativo. Porém, ele reinventa a balada de forma 9
  • 10. livre e pessoal. A dramaticidade da balada viniciana não tem exageros sentimentais, mesmo que o gênero seja usado para temas com forte intensidade dramática. Para isso, ele se apropria da estética do expressionismo para despertar o sentimento e a atenção do leitor. Sobre isso, Ferraz diz: O Pathos encontra lugar na opção por uma estética que se poderia chamar de expressionista, onde o horror, o absurdo e a morbidez entrelaçam-se com vocabulário, adjetivação e imagens contrastantes. (FERRAZ, 2006, p. 26) Por fim, o que Ferraz diz sobre a estrutura do gênero balada de Moraes, recai sobre o que foi analisado e observado nesse corpus: como a estética do feio recria a imagem poética do horror e do absurdo, num contexto concernente à realidade. Para tal fim, o sujeito poético lança mão dos recursos linguísticos com simbologia negativa, como também forma contrastes com os sentidos das palavras, e assim, associa ao expressionismo, formando a tensão. Por fim, essa construção resultou na poesia denunciativa social de Vinicius de Moraes. 5. OBJETIVOS 5.1 GERAL Analisaremos como o contexto social reflete no fazer literário, assim como a literatura com seu papel social consegue impactar fortemente na sociedade. A partir disso, será investigado como a problemática do contexto social denuncia a realidade por meio da estética do grotesco nas baladas: Balada do Mangue (1946) e Balada dos Mortos nos Campos de Concentração (1954) do poeta modernista brasileiro Vinicius de Moraes. 5.2 ESPECÍFICOS i) Estabelecer a relação entre contexto social e literatura; ii) Analisar o contexto social que influenciou os problemas sociais existentes em ambas as baladas; iii) Investigar como a estética do grotesco constrói esse cenário de problematização social; iv) Averiguar se o grotesco recria a realidade distópica; v) Analisar como o gênero balada contribuiu na construção dos problemas sociais e na incorporação do grotesco no fazer poético. 6. METODOLOGIA Em primeiro lugar, será realizada uma pesquisa de natureza bibliográfica e crítica sobre a vida e a poesia social de Vinicius de Moraes. Para isso, será lida a fortuna crítica de Vinicius de Moraes, do autor (Castello, 1994; Pecci, 1994). Para relacionar o contexto social com a literatura, assim como os problemas sociais que influenciaram as baladas estudadas no corpus usaremos (Candido, 2006). Quanto à estética do grotesco como elemento construtor da 10
  • 11. problemática social da poética denunciativa viniciana, recorreremos a (Hugo, 1988). Para estabelecer o significado de algumas palavras no contexto poético usaremos como base (Chevalier e Gheerbrant, 1992). Para relacionar a estética do grotesco ao cenário distópico recorreremos a (Cioran, 1994). Quanto ao uso das baladas para construir tal cenário, será usado (Ferraz, 2006). Foi a partir desse corpus que analisamos como a estética do grotesco é responsável por construir a imagem poética de denúncia social na poesia social de Vinicius de Moraes. 7. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO Atividade/semestre 1 º 2 º 1 º 2 º 1 º 2 º Levantamento e fichamento da bibliografia X X Cumprimento de créditos junto ao programa de Pós-graduação X X Releitura e análise das obras de Vinicius de Moraes X X Elaboração dos capítulos da dissertação X X Apresentação das análises de pesquisa em eventos acadêmicos X X X X X Redação final da dissertação para exame de qualificação X X Qualificação da dissertação X Redação da versão final da dissertação X Defesa da dissertação de mestrado X Entrega dos Relatórios de Pesquisa X 8. BIBLIOGRAFIA BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994. BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006. 11
  • 12. CANDIDO, Antônio. Um poema de Vinicius de Moraes. In: MORAES, Vinicius de. Poemas, sonetos e baladas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 159-162. CASTELLO, José. Vinicius de Moraes: o poeta da paixão: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. CHEVALIER, J. E GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992. CIORAN, Emil Michel. História e Utopia. Tradução: Brum, J. T. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. FERRAZ, Eucanaã. Vinicius de Moraes. São Paulo: Publifolha, 2006. FRIEDRICH, H. A estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do século XX. Tradução: Marise M. Curioni. São Paulo: Duas cidades, 1978. HUGO, V. Do grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cromwell. Trad. e notas de Célia Berrettini. São Paulo: Perspectiva, 1998. MORAES, V. Poemas, sonetos e baladas: com 22 desenhos de Carlos Leão. São Paulo: Gaveta,1946. MORAES, V. Antologia Poética. Rio de Janeiro: A Noite, 1954. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Introdução ao Holocausto. Enciclopédia do Holocausto. Disponível em: <https://encyclopedia.ushmm.org/content/en/article/introduction-to-the-holocaust> Acesso em: 10 ago. 2022. PAZ, Octavio. O poema. In: _. A imagem. In: _. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p.119-138. 12