1. Armando Malheiro da Silva
Fernanda Ribeiro
DAS «CIÊNCIAS» DOCUMENTAIS À
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Ensaio epistemológico para um
novo modelo curricular
Edições Afrontamento
2. 28 DAS «CIÊNCIAS» DOCUMENTAIS À CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
2. INFORMAÇÃO SOCIAL - UMA DEFINIÇÃO PARADIGMÁTICA
Desfeito esse insidioso equívoco podemos reter o contributo que levou Sanchez-
-Bravo Cenjor a considerar a «estrutura da informação» como fenomenológica o que
quer dizer que temos que partir da experiência, que temos de voltar às coisas mesmas,
que temos de superar todo o tipo de preconceito para informar estruturalmente com
verdade que os factos puros não existem, que existe um facto mais um acto que o
detecta e descreve ou transmite, que todo o problema da cultura vai ligado ao da sua
transmissão e, finalmente, que a consciência é intencional 19.
Para Husserl a fenomenologia pura é o estudo das essências que parte da dúvida
básica e transcendente face à afirmação arbitrária, numa busca exigente do recôndito e
do peculiar ou originário que cada ser e cada coisa têm em si mesmos, longe do arti-
ficial, do falso ou do aparente. Este método visa, como meta última, a descrição do que
se nos apresenta por traços essenciais e não por dados acidentais, relacionando-se com
as questões gerais e fundamentais da teoria do conhecimento. Daí que, segundo a
afirmação do próprio Husserl nas suas Investigações lógicas, a fenomenologia das
realidades lógicas tenha por objecto procurar uma compreensão descritiva (e não
empírico-psicológica) tão ampla como necessária para essas realidades psíquicas e para
o sentido que ocultam ou têm, com o fim de oferecer a todos os conceitos lógicos
fundamentais significações rigorosas. Isto é, significações que, clarificadas por um
retorno às relações de essência, aprofundadas analiticamente, entre a intenção e a
realização significativas, sejam, ao mesmo tempo, compreensíveis e seguras na sua
função de conhecimento possível. Em resumo, significações reclamadas pelo interesse
da lógica pura e, antes de tudo, pelo interesse da visão evidente, exigida por uma crítica
do conhecimento.
Os conceitos lógicos e noéticos fundamentais têm sido até agora imperfeitamente
clarificados: estão repletos de equívocos perniciosos e são dificilmente determináveis e
retidos como distintos. Assente nestas bases, Husserl procurou demonstrar a inten-
cionalidade da consciência (toda a consciência é consciência de algo) e a aplicação
metodológica da redução ou epoché. A redução é uma operação radical que perante os
ídolos, potências da tradição e preconceitos de todo o género, impõe o direito da razão
autónoma como única autoridade em matéria de verdade - julgar as coisas de uma
19
. SANCHEZ-BRAVO CENJOR, Antonio - Op. cit. p. 118.
3. 29 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
maneira racional e científica é tomar como regra as coisas mesmas, porque o retorno a
estas e o abandono dos pressupostos ou preconceitos constitui o grande objectivo
metodológico. Em síntese, a base do método fenomenológico é a busca da essência ou
daquilo que justifica a vida para além das aparências.
Trata-se, portanto, de uma perspectiva filosófica que Sanchez-Bravo Cenjor20 adap-
tou à Informação periodística e que nós julgamos possível aplicar, de forma livre e
necessariamente crítica, à Informação em geral, concebendo-a, assim, como algo de
essencial (não imutável, mas modelada por um conjunto fixo de propriedades intrinse-
camente subjectivas e intersubjectivas) que está para além dos suportes físicos/materiais
que o «coisificam», porque só o acto humano (individual), pleno de consciência
intencional, de racionalidade e de liberdade, é informacional. E nele se acha implicada,
como frisámos atrás, a comunicação, processo ínsito à condição humana, mas que con-
voca apenas a alteridade (o fecundo relacionamento com os outros) e as questões
específicas que lhe são inerentes. À pergunta o que é a comunicação? John Fiske res-
pondeu:
A comunicação é uma daquelas actividades humanas que todos reconhe-
cemos, mas que poucos sabem definir satisfatoriamente. Comunicação é
falarmos uns com os outros, é a televisão, é divulgar informação, é o nosso
penteado, é a crítica literária: a lista é interminável.
E, apesar de tamanha diversidade, o autor, embora subsumindo a Informação no
processo comunicacional 21, acaba por aderir a uma definição geral muito expressiva: a
comunicação é a interacção social através de mensagens 22.
Ao clarificarmos bem a distinção conceptual entre mensagens e comunicação esta-
mos a responder melhor a algumas das questões atrás colocadas. E desde logo é-nos
possível afirmar que a Informação é algo em si mesma e anterior à coisificação/mate-
rialização que lhe dá temporalidade e espacialidade.
Foi, aliás, essa coisificação que tornou possível a noção comum e antiga de Docu-
mento ou de Documentação, sobrevalorizada pelo senso comum e pela conversação
quotidiana e trivial. José López Yepes23 e K. J. McGarry, que se socorreram do
contributo epistemológico dos três mundos de Karl Popper - onde o mundo um é o
mundo dos objectos e estados físicos, o mundo dois compreende os estados de
consciência e o mundo três integra o conhecimento no sentido objectivo, entrando nesta
categoria a informação em sentido objectivo porque é a expressão de pensamentos
20. SANCHEZ-BRAVO CENJOR, Antonio - Op. cit. p. 90-112.
21. O exemplo cabal dessa abusiva redução acha-se nos capítulos 3 - Comunicação, significação e signos, 4 - Códigos e –
5 Significação, em que procedeu a uma abordagem semiótica do processo comunicacional subentendendo aí a Informação
(ver: SANCHEZ-BRAVO CENJOR, Antonio - Op. cit. p.61-136).
22. FlSKE, John - Introdução ao estudo da comunicação. Porto: Edições Asa, 1993. p. 13-14. 23. Ver: LÓPEZ YEPES,
José - Hacia una teoria de la documentación. In Manual de información y documentación. Coord. José López Yepes.
Madrid: Ediciones Pirámide, 1996. p. 63-95.
4. 30 DAS «CIÊNCIAS» DOCUMENTAIS A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
científicos, literários e artísticos codificados em bibliotecas e museus, assim como
todos os registos da cultura humana24 - só admitem a Informação única e
exclusivamente como Documentação, ou seja, registo de letras, números, traços,
imagens num suporte material. Esta é, aliás, uma ideia fixa propalada e reproduzida por
muitos autores até hoje, sendo facilmente envolvida e contaminada pela deriva
empírica (sensorial) e patrimonialista.
Glosando também a discutível proposta popperiana, Bertram C. Brookes 25 não hesi-
tou em aplicá-la à caracterização do objecto da information science, associando o
mundo três - o do conhecimento objectivo, formado pelos produtos ou artefactos da
mente humana armazenados, sob a forma de códigos linguísticos, de artes, de ciências e
de tecnologias, por todo o planeta - ao domínio específico e concreto da informação,
materializado nos suportes clássicos da era pós-invenção da escrita (livros impressos e
manuscritos vários) e nos novos suportes electrónicos. E concluiu desta forma:
O Mundo 3 de Popper deve recomendar-se à biblioteconomia e à
ciência da informação porque, pela primeira vez, oferece uma
abordagem racional às suas actividades profissionais, a qual pode ser
expressa noutros termos que não meramente práticos (...) E a tarefa
teorizadora consiste em estudar as interacções entre o Mundo 2 e o 3,
descrevê-los e explicá-los se possível e também ajudar a organizar
mais o 26conhecimento que o documento com vista a um uso
efectivo .
O autor inflectiu, deste modo, na aceitação de um mundo de coisas sensíveis e
objectivas e, dentro da enunciação dos aspectos filosóficos 27, enfatizou a equação
fundamental implicada pela relação entre informação e conhecimento, concluindo que
a absorção da informação pela estrutura do conhecimento pode causar não simples-
mente uma adição, mas algum ajustamento à estrutura tal como uma mudança nas
relações envolvendo dois ou mais conceitos já admitidos. Nas ciências, o incremento
da informação tem conduzido, por vezes, a uma reestruturação catastrófica 28. A ideia-
-força de Brookes consiste, pois, em demonstrar que a Informação, verbal e não-verbal,
permite observar, objectivamente, o modo como crescem e evoluem as estruturas do
conhecimento individual. Para este autor, não só é possível medir o fluxo informa-
cional, como também se torna possível aplicar determinadas medidas para objectivar o
conhecimento.
Mas esta posição teórica, aqui genericamente sumariada, merece, sobretudo, o
seguinte reparo: a pretensa «coisificação» da informação é impossível porque por mais
24. MCGARRY, K. J. - Op. cit. p. 87.
25. Veja-se: BROOKES, Bertram C. - The Foundations of information science. Part I - Philosophical aspects. Journal of
Information Science. Amsterdam; New York. 2 (1980) 125-133.
26. BROOKES, Bertram C. - Op. cit. p. 128; ver também: POPPER, Karl R. - Objective knowledge: an evolutionary approach.
Oxford: University Press, 1972.
27. BROOKES, Bertram C. - Op. cit.
28. BROOKES, Bertram C. - Op. cit. p. 131.
5. 31 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
concretos e externos ao observador que sejam os «artefactos informacionais» (livros,
periódicos, manuscritos, etc.), eles são extensões do pensamento e da acção humana e
social, contendo, por isso, uma margem variável de imprecisão 29 e de representação
subjectiva, sem que, contudo, tal margem inviabilize formas mais elaboradas de
conhecimento.
Este aspecto parece-nos crucial, porque facilmente se podem formar subtis equívo-
cos ou confusões perduráveis e assimiláveis pela «opinião pública» e até pelo «senso
comum».
Julgar que um texto (produto informacional «puro») perde a subjectividade original e
ganha objectividade ao ser registado, isto é, ao materializar-se num suporte (papel,
electrónico ou digital) é confundir a sua natureza (ideias, conceitos e imagens
codificadas pela língua ou por outros códigos) com a natureza do(s) suporte(s), o que
nos parece ser um erro grosseiro.
Que intrínseca semelhança há entre o acto de pensar e de produzir discurso e o de
fazer (tecnologia do) papel ou de fazer em série peças de hardware computacional? Se
não há nenhuma, a subjectividade original do discurso mantém-se, seja ele registado ou
não, ainda que, como se verá adiante, o cientista da informação, ao contrário de outros
cientistas sociais, não careça tanto do imperativo de interpretar, embora isto não
signifique a recusa da hermenêutica, importante e decisiva no estudo da informação e
de uma das suas propriedades - a transmissibilidade -, pela qual se torna inevitável a
ligação fenoménica ao processo da comunicação. Mas a faceta processual, ao acentuar
a valorização dos procedimentos e das técnicas de produção, armazenamento e
recuperação, traz em si um grau de objectividade maior do que o que é possível atingir
na generalidade dos fenómenos humanos e sociais.
Uma parte substancial do exposto talvez possa ser melhor entendida através de
exemplos adequados.
A bibliografia descritiva não se reduz à catalogação e à classificação dos livros ou
dos periódicos em suporte papel, indo mais longe na caracterização do(s) objecto(s)
informacional(ais). Mas para cumprir o seu objectivo ela tem de enfrentar,
inevitavelmente, uma profunda cisão de dois níveis materialmente unidos, mas
essencialmente distintos: o texto (informação) e o suporte. Num livro é, pois,
necessário distinguir entre o que é a essência informacional e o que é existencial no
sentido de que corresponde à presença material, à durabilidade e ao uso (recuperação)
permanente. Pode, graficamente, esquematizar-se em duas colunas (ver quadro na
página seguinte).
E se quisermos complicar a «tese» passemos à Arte e consideremos um quadro de
Rembrandt ou de Picasso. Quadro único e uno em que, no entanto, podemos «isolar» a
Informação (ou seja, as formas, as cores e a imagem pictórica global) do suporte (tela,
tintas e moldura). E que é possível separar o «conteúdo» do «continente» prova-o a
fácil abundância de cópias e a digitalização das imagens... 30
29. Veja-se, a este propósito: MOLES, Abraham; ROHMER, Elisabeth - As Ciências do impreciso. Porto: Edições
Afrontamento, 1995.
30. Esta visão tem todo o sentido do ponto de vista informacional, que não é, naturalmente, o mesmo numa
perspectiva ontológica ou estética, em que a obra de arte é objecto de análise em si mesma e na sua unidade
intrínseca.
6. 32 DAS «CIÊNCIAS» DOCUMENTAIS À CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Informação Suporte
texto/discurso/linguagem incorporando códigos diversos cadernos de papel formato 4°,8°,16°
paginação números de folhas e suas medidas
autor(es) e títulos de livros ou de periódicos brochura ou encadernação
sumários e índices tinta (do texto)
indicação de 1.ª ou mais edições gramagem e tipo de papel
ilustrações, gravuras ou «extra-textos» bolsas para material acompanhante
A divisória proposta aplica-se a qualquer tipo de Informação registada em suporte
físico, nomeadamente o electrónico, embora este apresente uma sofisticação tecnológica
ímpar a ponto de ser constituído por uma base «mecânica» ou hardware e outra de tipo
«lógico» - programação/software - que é um género especial de informação
indispensável na criação, memorização e recuperação da Informação em sentido mais
comum. Mas mesmo neste caso é possível traçar a linha que separa a «essência» da
mera base instrumental.
Essa linha divisória serve, sobretudo, para se refutar com vigor a «escola» espanhola
de López Yepez, defensora de uma Ciência documental ou Ciência da Documentação
distinta da Ciência da Informação por se tratar - a documentação - de informação sobre
informação. É, poderia dizer-se, ao menos como ponto de partida, informação elevada
ao quadrado. É, simultaneamente, informação e fonte de informação31. No mínimo uma
distinção epistemologicamente redundante!...
Vincado este ponto - o carácter epifenoménico da Documentação, inscrito, portanto,
no fenómeno32 da Informação -, parece-nos necessário repisar a característica
fundamental, já atrás referida, do código simbólico que exprime as ideias, os conceitos
ou as impressões produzidas pelo ser humano, individualmente considerado.
Qualquer código tem as suas regras e meandros e, por exemplo, a língua compreende
duas componentes básicas: uma sintáctica/gramatical e outra semântica/retórica.
31. LÓPEZ YEPES, José; ROS GARClA, Juan - Qué es documentación?: teoria e história del concepto en
España. Madrid: Editorial Síntesis, 1993. p. 112.
32. Cingimo-nos, aqui, ao sentido comum patente num vulgar glossário filosófico, como, por exemplo, o da
História da Filosofia de Brian Magee (Lisboa: Círculo de Leitores, 1999. p. 229-230) a saber: Fenómeno. Uma
experiência que está imediatamente presente. Se olharmos para um objecto, o objecto tal como é experimentado por
mim é um fenómeno. Kant distinguiu isto do próprio objecto, independentemente de este ser experimentado: a isto
chama-se Númeno. (.,.) Númeno. A realidade desconhecida por detrás do que se apresenta à consciência humana,
sendo o último conhecido como Fenómeno. A uma coisa, tal como é, independentemente de ter sido experimentada,
chama-se «um númeno», «O numenal» tornou-se, portanto, uma expressão para a natureza suprema da realidade.
A expressão alemã para a «coisa em si» é Ding-an-sich que também foi utilizada em outras línguas e significa o
mesmo que númeno.
7. 33 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
À Linguística e suas escolas (designadamente a estruturalista), assim como à Psicolin-
guística, cabe o estudo sistemático da sintáctica, enquanto à Semiologia/Semiótica
compete a desconstrução da semântica (constructo social). E ao fazê-lo será que inci-
dem em pleno na Informação? Parece-nos que não, embora tais estudos sejam, natu-
ralmente, complementares. No entanto, a complementaridade cobre, sobretudo, o
ambiente genésico e as margens do fenómeno. Ao mesmo tempo, a fenomenalidade
informacional determina um campo científico próprio.
Para se entender melhor o que pretendemos dizer atente-se no esboço de definição,
entre várias possíveis33, extraído do Harrod's librarians' glossary: Informação é um
conjunto de dados registados de uma forma compreensível em papel ou em algum outro
meio, e capaz de comunicação34.
São vários os limites desta definição demasiado simplificada. O primeiro reside na
expressão inicial - conjunto de dados. A este propósito é legítima a questão sobre se a
Informação é um dado35 ou um processo, embora ela nos pareça mal colocada. Se dado
corresponde a facto, notícia ou referência concreta de algo cognoscível constitui, então,
uma parcela muito reduzida do que é ou do que pode ser a Informação como conjunto
ou universo lato de representações (mentais e afectivas ou emocionais) que não se
esgota - frisámo-lo já - na faculdade humana/psíquica de conhecer. E mesmo que a
Informação fosse só dado(s) isso implicava, também, a acção humana em perpétuo
movimento, sendo consequentemente processo. Daqui se infere a pobreza inaceitável do
conceito de dado e a subjacente noção de processo porque a Informação produz-se,
memoriza-se e recupera-se dinamicamente, isto é, em processo. A outra limitação
consiste no laconismo de numa forma compreensível em vez de ficar expresso que esse
conjunto de dados, ou melhor, de representações implica um ou mais tipos de código,
podendo ser registado em papel ou noutro suporte qualquer. E não fica, por último,
claro na definição citada que só pela codificação das representações se potencializa a
transmissão/comunicação.
Passemos, entretanto, da análise crítica da definição, muito vulgarizada, mas também
muito resumida do Harrod's librarians' glossary, para a versão provisória (ou paper de
1986) do Programme général d'information et Unisist da UNESCO sobre consolidação
33. A este propósito, consultar, por exemplo: MCGARRY, K. J. - Op. Cit. Cap. 1.
34. Harrod's Librarians' glossary of terms used in Librarianship, documentation and the book crafts
and reference book. Compilo by Ray Prytherch. 6th ed. Hants: Gower, copo 1987. p. 381. Parece aproximar-se desta
definição a de dado (representação de factos, conceitos ou instruçães, de um modo convencional e adequado à
comunicação, interpretação ou tratamento por meios humanos ou automáticos), tomado expressamente como
sinónimo de informação, in ALVES, Ivone [et al.] - Dicionário de terminologia arquivística. Lisboa: Instituto da
Biblioteca Nacional e do Livro, 1993. p. 30 e 57.
35. O termo tornou-se corrente na informática de gestão. É comum a expressão «base de dados» e até não falta
quem defina informação como conjunto de dados com significado, como se pudesse haver dados (um nome, uma
coisa...) vazios de sentido ou significado!... (ver: SOUSA, Alexandre O Laboratório de aprendizagem na transição
para uma economia de serviços de informação. Sistemas de Informação. Braga. 1 (1993) 56).
8. 34 DAS «CIÊNCIAS" DOCUMENTAIS À CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
da informação. Deparamo-nos aí com quatro definições consideradas pelos autores do
projecto - Tefko Saracevic e Judith B. Wood - particularmente aplicáveis ao conceito de
consolidação de informação, correspondendo cada uma a um ponto de vista diferente e a
uma propriedade ou característica diversa da informação.
Na primeira definição, a Informação é uma escolha diante de um conjunto de men-
sagens disponíveis, uma escolha que reduz a incerteza e nesta medida podemos dizer
que a Informação é o que atenua a incerteza. É patente aqui a influência da conhecida
teoria da informação ou da transmissão de sinais de Claude Shannon36.
Na segunda, a Informação é o sentido que um ser humano atribui aos dados usando
convenções conhecidas que servem para os representar. O American National Standards
Institute subscreveu esta perspectiva, baseada, aliás, no conceito operatório de sentido
como sendo a significação que a informação tem para o sistema que a trata.
Na terceira, a Informação é a estrutura de todo o texto que é capaz de modificar a
imagem-estrutura de um receptor: um texto é uma colecção de signos deliberadamente
estrutura dos pelo emissor com a intenção de modificar a imagem-estrutura do receptor.
Esta definição em uso na Ciência da Informação acha-se mais articulada com o fim
visado pela consolidação da informação e, dentro desta óptica, o importante será a
modificação - adição, supressão, confirmação e reorganização - do conhecer ou do ser
de uma pessoa, a «imagem de si».
Na quarta e última definição, a Informação é o conjunto dos dados que têm um valor
para a tomada de decisões, pois que a Informação em si mesma não tem valor algum e
só o seu uso é que confere valor para o indivíduo e a sociedade. Inspirada na teoria da
decisão e da gestão vigente nas chamadas ciências empresariais 37.
Todas estas vertentes se completam e associam com a noção de conhecimento
público, definido por Tefko Saracevic e Judith B. Wood, como o consenso racional de
ideias e de informação. Fixaram, assim, o patamar de onde evoluíram para uma carac-
terização operatória da Informação consolidada através de três gradações ou níveis:
1 ° Actividades de Consolidação da Informação - correspondem à
função exerci da pelos indivíduos, dos Serviços ou das Organizações,
tendente a avaliar e a condensar os documentos pertinentes a fim de
fornecer a certos grupos de utilizadores novos corpora de
conhecimentos fiáveis e concisos;
2° A Avaliação - nível operatório que distingue a consolidação da
indexação, da elaboração de resumos ou abstracts e de outros
procedimentos; e
3° A Informação Consolidada impõe-se, portanto, como o
conhecimento público expressamente escolhido, analisado, avaliado e
eventualmente reorganizado e recondicionado em função de certas
decisões imediatas, de certos problemas e das necessidades de
informação de uma clientela ou de um grupo social preciso que, sem
36. Sobre este tema, ver, por exemplo: EPSTEIN, Isaac - Teoria da informação. 2" ed. São Paulo: Editora Ática,
1988.
37. SARACEVIC, Tefko; WOOD, Judith B. - Consolidation de I'information: guide pour I'évaluation, la
réorganisation et le reconditionnement de I'information scientifique et technique: version provisoire. Paris:
Organisation des Nations Unies pour l'Éducation, la Science et la Culture, 1986. (PGI-81jWSj16). p. 6-7.
9. 35 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
isso, não está talvez em condições de aceder a este conhecimento tal
qual ele38se apresenta na massa dos documentos ou sob a sua forma
original .
Chegados a este ponto de apuramento conceptual os autores reconheceram, muito
lucidamente, que a Informação Consolidada é uma forma particular de representação da
informação na qual todos os aspectos gerais têm sempre pleno curso, mas que é sujeita
a certos constrangimentos, a saber:
- é um conjunto de mensagens que pode
provavelmente/potencialmente reduzir a incerteza, mas só numa
condição precisa: a mensagem ou o conjunto de mensagens deve
ser escolhido, avaliado e estruturado em função das necessidades
dos receptores potenciais;
- é um sentido atribuído aos dados, após as convenções usadas
para os representar, convenções que são conhecidas tanto pelo
emissor como pelo receptor, e que são mais particularmente
escolhidas em função do ponto de vista do receptor;
- é um texto estruturado que está pronto para agir sobre o conheci-
mento do receptor, enquanto a estrutura do texto é
essencialmente construída em função das necessidades do
receptor; e
- ela adquire naturalmente valor na tomada de decisões, enquanto
os problemas e as etapas dos decisores são a preocupação
primordial na sua selecção, avaliação e estrutura 39.
Configurada deste modo, a Informação consolidada resulta de um processo faseado
e complexo, que convoca a comunicação40 enquanto processo fundamental ou sequên-
cia de procedimentos que produzem alguns efeitos41. E por causa deste «processo fun-
damental» os autores enumeraram oito operações directamente envolvidas na consoli-
dação informacional e retomadas em manual posterior 42: (1) estudo dos utilizadores
38. Cf. SARACEVIC, Tefko; WOOD, Judith B. - Op. cit. p. 8. Estes autores foram ainda mais longe ao
apresentarem uma definição ligeiramente mais concisa e mais ampla, a saber: A Informação Consolidada é um texto
ou uma mensagem (ou um conjunto de textos ou de mensagens) deliberadamente estruturada a partir do
conhecimento público existente, de maneira a agir sobre o conhecimento privado e as decisões do indivíduo que, sem
isso, não está talvez em condições de aceder a esse conhecimento público tal qual ele se apresenta na massa original
dos documentos ou na estrutura e sob a sua forma original, nem de o utilizar de maneira eficaz e eficiente.
39. SARACEVIC, Tefko; WOOD, Judith B. - Op. cit. p. 9.
40. Os autores fornecem duas definições de comunicação. Uma breve e genérica: A Comunicação é um processo pelo
qual a informação é veiculada entre os membros de uma população no seio de um sistema comum de símbolos. E
outra mais desenvolvida: A Comunicação é um processo pelo qual a informação é transferida, por uma ou várias
vias determinadas, de uma fonte, ou emissor, a um destino, ou receptor. O processo pode ir nos dois sentidos, o que
implica um retorno de informação do receptor para o emissor; pode igualmente comportar uma atitude de
autoregulação. Compreende, habitualmente, um certo número de etapas. Há por vezes também uma fonte de ruído,
quer dizer, uma fonte de informação «parasita» (SARACEVIC, Tefko; WOOD, Judith B. - Op. cit. p. 9).
41. SARACEVIC, Tefko; WOOD, Judith B. - Op. cit. p. 9.
42. SARACEVIC, Tefko - Cours de consolidation de l'information: manuel de formation théorique et pratique à
l'analyse, à la synthèse et au reconditionnement de l'information: version préliminaire. Paris: UNESCO, 1986. (PGI-
86jWSj14).
10. 36 DAS «CIÊNCIAS» DOCUMENTAIS À CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
potenciais que determina os critérios aplicáveis a todos os outros processos; (2) escolha
da ou das fontes de informação que contenha(m) a informação potencialmente mais útil
do ponto de vista dos problemas e das necessidades do utilizador, podendo a selecção
ser operada a partir de uma gama de fontes primárias e secundárias; (3) avaliação da
informação tendo em conta o valor intrínseco da sua validade e fiabilidade; (4) análise
com vista a determinar e a extrair as características mais marcantes; (5) reorganização
da informação extraída num conteúdo que possa ser usado da maneira mais eficaz e
mais eficiente pelos utilizadores, podendo implicar nomeadamente a síntese, a
condensação, a reescrita, a simplificação, revisão e estado da questão; (6)
acondicionamento e recondicionamento (aspecto formal) da informação reorganizada
sob uma forma que acrescente o seu potencial de utilização; (7) difusão ou dissemi-
nação da informação segundo as modalidades que encorajarão e favorecerão o seu uso,
implicando também a formação dos utilizadores no uso da informação e a respectiva
comercialização; e (8) retroacção ou a informação em retorno fornecido pelos uti-
lizadores, avaliação dos esforços e dos ajustamentos43.
Partindo destas operações fica mais fácil desenhar a crítica que o contributo focado
nos suscita.
Se parece óbvio que a Informação seja texto e o que isto implica (representações
codificadas, não importa como, desde que humana e socialmente inteligíveis), é óbvia
também a diferença dos olhares problematizadores que interpelam o mesmo objecto. Ao
contrário de Popper diremos que há objecto para lá do sujeito, mas concordamos com
ele quando acrescentamos que esse objecto também é construído através de um corpus
homogéneo de problemas e de perspectivas formuladas pelo sujeito. Ora, algumas
dessas operações centradas num tipo específico de Informação (a consolidada, para
usarmos o termo de Saracevic e Woods) assemelham-se muito a procedimentos
metodológicos próprios de ciências sociais e humanas como a História, a Sociologia ou
a Antropologia e neste sentido teríamos de concluir haver uma profunda «promis-
cuidade» epistémica entre elas e a disciplina científica orientada para o estudo espe-
cífico do fenómeno informacional. Julgamos, porém, que não deve haver tal, nem há de
facto e a prova contundente desta nossa opinião passa pela linha divisória que é possível
traçar entre a análise de conteúdo (indexação) e a avaliação/reorganização (produção de
sínteses e de resumos). Aquela insere-se plenamente no estudo da Informação em si
mesma, enquanto esta penetra em segmentos temáticos especializados que só podem ser
reorganizados ou resumidos com desenvoltura por quem os conheça em pormenor - o
químico, o técnico de electrónica, o físico, o historiador, o psicólogo, o médico, o
jurista, etc.
Temos, assim, que a Informação consolidada é, antes de mais, Informação e o acto
de consolidação remete mais para o contexto orgânico de produção (veja-se, por
43. SARACEVIC, Tefko; WOOD, Judith B. - Op. cit. p. 16.
11. 37 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
exemplo, o caso de uma Assessoria Jurídica de empresa ou instituição que faça resumos
e condensados de leis e de disposições normativas para apoio à acção da respectiva
entidade), do que para a função científico-técnica de um bibliotecário, documentalista
ou arquivista. Há, portanto, limites à esfera científica destes últimos, situada a montante
do processo comunicacional.
Tais limites justificam a tentativa de uma definição de Informação, talvez ainda
imperfeita, mas mais completa: conjunto estruturado de representações mentais
codificadas (símbolos significantes) socialmente contextualizadas e passíveis de
serem registadas num qualquer suporte material (papel, filme, banda magnética,
disco compacto, etc.) e, portanto, comunicadas de forma assíncrona e multi-
direccionada.
Deste tentame definitório podemos seguir para outra definição do Harrod's
librarians' glossary sobre sistema de informação, que serve para colmatar a
compreensão do modo prático como se estruturam as representações, numa palavra, a
Informação: Sistema de Informação é um procedimento organizado para colectar,
processar, armazenar e recuperar informação a fim de satisfazer uma variedade de fins
ou necessidades44.
A notória fragilidade desta definição foi superada por Robert Hayes com a definição
publicada na ALA world encyclopedia of library and information services: a informação
é uma propriedade de dados resultante ou produzida por um processo desempenhado
sobre esses dados. O processo pode ser simplesmente transmissão de dados (neste caso,
são aplicáveis a definição e a medida usadas na teoria da comunicação); pode ser
selecção de dados; pode ser organização de dados; pode ser análise de dados45. Hayes
procurou sublinhar, ainda que de forma pouco precisa, as propriedades inerentes ao
fenómeno e pelas quais surge, se repete e renova, conserva e é passível de recuperação
sine die. Confirma-se, assim, a Informação como conjunto lato de representações e
como processo, sem que isso implique uma inevitável confusão com o processo
comunicacional. E infere-se ainda desta perspectiva que a Informação pode ser melhor
compreendida e conhecida no contexto de sistemas específicos. Por «sistemas de
informação» Hayes entendeu aquele conjunto de um sistema geral (um fenómeno
natural, um constructo físico ou um constructo lógico) que é identificado como
produzindo informação46.
Mas se a distinção entre informação e comunicação pode tornar-se evidente, como
atrás demonstrámos, a fronteira com o conhecimento e as demais faculdades da psiqué
humana afigura-se mais subtil, porque a Informação tem aí o seu locus e o seu
momento de gestação. Poderemos, por isso, considerar a Psicologia e outras ciências e
disciplinas afins implicadas no estudo científico da Informação? Tais ciências e disci-
plinas afiguram-se-nos complementares dado que não abrangem o núcleo central do
44. Harrod's librarians' glossary... (op. cit.), p. 385.
45. HAYES, Robert M. - Information Science education. In ALA world encyclopedia of library and information services.
20' ed. Chicago: American Library Association, 1986. p. 358.
46. Cf.: HAYES, Robert M. - Op. cit. p. 359.
12. 38 DAS «CIÊNCIAS» DOCUMENTAIS À CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
fenómeno em causa e nesta medida a Psicologia Cognitiva, por exemplo, não pode
explorar todas as propriedades da Informação e muito menos consegue acompanhar
quer o processo informacional com as operações de uso, de memorização e de recupe-
ração, quer os efeitos/reacções dos utentes que formam o chamado information beha-
viour (comportamento informacional). Fica, assim, espaço para uma disciplina científica
centrada nas características, propriedades e mutações dinâmicas do fenómeno, apesar da
crítica relativista de vários autores, que duvidam da relação entre o «sujeito» e o
«objecto» porquanto é impossível, para além de outros aspectos, encontrar uma óbvia
adequação entre o emissor da asserção e a compreensão do receptor e que o estudo do
«assunto» e o estudo do «objecto» acontecem numa diferente dimensão metodológica e
teorética47.
Romulo Enmark exprimiu o seu cepticismo sobre uma ciência que escolhe estudar a
Informação, significando esta o conteúdo de um documento físico e, ao mesmo tempo, a
compreensão mental desse mesmo conteúdo. A sua crítica de fundo abrange as defi-
nições de Informação que a projectam tanto na dimensão mental, como na dimensão
física. Ora esta duplicidade é falaciosa e contraproducente e neste ponto concordamos
com o autor sueco, embora nos afastemos das suas ilações. O registo material ou físico
faz a Informação existir, mas não a faz ser. A sua «essência» é de raiz psíquica e social,
ou seja, radica, por um Lado, na mente humana e, por outro, na interacção dos sujeitos
com o meio natural e entre si, interacção esta «coisificada» num código, como a Língua,
que é parte integrante do fenómeno, e do qual difere a materialização num suporte físico
externo à pessoa humana (a voz e o gesto são intrínsecos à natureza humana e por isso
não cabem dentro desse tipo de materialização...).
Para estudá-lo urge, pois, «isolá-lo» do conhecimento e da comunicação, sem esquecer
as respectivas interpenetrações. E é preciso também postulá-lo como entidade
objectivável em que há alguma implicação do sujeito cognoscente (em ciências sociais e
humanas o ser humano e social é sempre e de alguma forma sujeito e objecto), mas
dentro dos Limites possíveis de um conhecimento efectivo. Esta perspectiva, assim
ligeiramente esboçada, confronta-nos com o que poderemos entender por características
e propriedades intrínsecas da Informação.
47. ENMARK, Romulo - The Non-existing point: on the subject of defining library and information science and
the concept of information. In http://ifla.fr/IV/ifla64/029-94e.htm. 28 p. (Comunicação apresentada à 64th IFLA
General Conference, Amsterdam, 16-21 August 1998).