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Um Homem sem Compaixão
Anne Hamson
Uma viagem a Chipre para rever velhos amigos e deixar-se envolver pela
paisagem do mar Mediterrâneo talvez fosse a solução para Helen esquecer o
casamento desfeito de modo tão brutal. Ainda estava muito vivo em sua memória
aquele trágico acidente em que seu marido morrera... nos braços de outra mulher.
Mas embora Helen não quisesse mais amar, o destino lhe preparava uma cilada
colocando em seu caminho Leon Petrou, um homem de alma de gelo e coração de
pedra, para quem as mulheres não passavam de empreendimentos comerciais de que
se deveria tirar todo o lucro possível!
CAPÍTULO I
A proposta era agradável, admitiu Helen,observando sua amiga com interesse. Voltaria
mais uma vez à bonita ilha de Chipre, com despesas pagas e uma remuneração por seu
trabalho. Aliás, não se tratava propriamente de trabalho, mas apenas de acompanhar duas
crianças numa viagem, entregando-as, depois, aos cuidados do tio, Leon Petrou, um grego
cipriota que vivia na encantadora aldeia de Lapithos, nas montanhas, a oito milhas de Kyrenia,
na costa norte da ilha.
— Foi bom você ter se lembrado de mim — disse ela, com uma súbita vivacidade que
lhe apagou a tristeza do rosto, devolvendo-lhe a suave e delicada beleza. — Como você sabe,
eu não tenho férias há quase três anos.
— Por isso mesmo eu pensei em você, logo que meus amigos me falaram sobre esse
trabalho. Será uma mudança maravilhosa, depois de sua doença. Novembro é um mês
excelente para férias; não é muito quente, e você ainda pode tomar banhos de mar e se
bronzear na praia. Além disso, você tem uma amiga na ilha, que poderá hospedá-la por uma
ou duas semanas.
— Ela gostará de minha visita — respondeu Helen, segurando o bule e oferecendo a
Brenda um pouco mais de chá. — Trudy é casada com um cipriota, já lhe contei? Eles têm um
apartamento bem perto de Nicósia.
Trudy era uma velha amiga de escola e Helen Stewart não a encontrava desde que a
outra se casara com Tasos, seis anos atrás. Ele era um rapaz elegante, e Trudy o conhecera
durante um de seus períodos de férias, em Chipre.
Apesar da distância e da longa separação, elas continuavam boas amigas e se
correspondiam regularmente. Trudy convidara Helen diversas vezes para ir à ilha, passar férias
com eles. Esta seria uma ótima oportunidade e Helen sentiu um interesse crescente enquanto
Brenda lhe dava mais detalhes sobre o novo trabalho.
— Como eu já lhe disse, Bill e Jean, esses meus amigos, são vizinhos do pai das
crianças. Quando ele foi para o hospital, meus amigos pensaram que ele voltaria logo para
casa e se ofereceram para cuidar das crianças. Mas o pobre homem vai ficar no hospital por
vários meses e Bill e Jean não podem cuidar das crianças indefinidamente. A casa é pequena
e eles têm filhos. O pai achou melhor que elas fossem para a casa do tio, em Chipre.
Brenda tomou seu chá e ambas estiveram pensativas por um momento.
— É bom que você saiba também — disse Brenda, preocupada — que esse tio relutou
muito em aceitar as crianças. Parece que ele não se interessa muito por elas. Aparentemente
ele odeia as mulheres — acrescentou Brenda, com uma pequena risada. — Não deve ser uma
pessoa muito agradável.
— Acho que você tem razão — concordou Helen, reprovando a idéia de duas
criancinhas terem de viver com um homem desse tipo. — E uma pena que esses seus amigos
não possam continuar com elas.
— É impossível — disse Brenda, tomando outro gole de chá. Helen ficou um instante
em silêncio e depois murmurou, quase que para si mesma: — E além de tudo, ele não gosta de
mulheres! — Helen pensou em sua própria atitude em relação aos homens e perguntou a si
mesma: — Será que alguma mulher o desiludiu? — Brenda ouviu a pergunta e respondeu:
— Aparentemente ele odeia as mulheres pelo que a esposa de seu irmão fez. Ela o
abandonou por outro homem, deixando o marido com dois bebês. Chippy tinha dois anos e
Fiona apenas um ano de idade.
Alguns homens também eram egoístas, pensou Helen em silêncio, recordando os três
anos que vivera com Gregory.
Um casamento normal e feliz, ou pelo menos ela havia acreditado nisso. Mas quando
seu marido foi encontrado morto, em meio aos destroços de seu carro, uma jovem do escritório
estava com ele. Uma amiga, para confortá-la, lhe dissera a tradicional frase, aplicável à
circunstância: "A esposa é sempre a última a saber". Forçada a aceitar o fato de que o
romance já durava um ano, Helen foi tomada de uma grande mágoa. Aquilo era o pior que ela
poderia ter imaginado. Sua fé nos homens acabou-se para sempre e ela jurou nunca mais
confiar neles, e muito menos dar oportunidade para que isto ocorresse novamente. Em
decorrência do choque, Helen adoecera e se esgotara, física e financeiramente. Depois de dois
anos, sua saúde se restabelecera e ela agora tinha esperanças de conseguir um cargo no es-
critório em que trabalhara antes de seu casamento. Mas o lugar só ficaria vago depois do Natal
e, por esta razão Helen estava livre para aproveitar a oportunidade de visitar Chipre.
— Que idade têm as crianças agora? — perguntou subitamente, como se despertasse
de seus devaneios.
— Chippy está com oito anos e Fiona com sete. Eles são muito levados e você pode ter
certeza que merecerá o dinheiro ganho.
— Claro, uma proposta como essa nunca é feita a troco de nada — retrucou Helen,
Seus lindos olhos azuis pareciam mais tristes e ela pensava em seu próprio filho, que estaria
agora com quatro anos. Mas ela e Gregory o tiveram por menos de seis meses. — Em todo
caso, gosto de crianças peraltas — disse ela.
— Tenho medo de que esses dois malandrinhos sejam peraltas demais — advertiu
Brenda. — Provavelmente eles se tornarão cansativos antes do fim da viagem. O pai deles,
certa vez, sofreu um acidente numa aterrissagem e por esta razão não os mandaria de avião.
Mas você poderia voltar de avião, se quisesse... e, é claro, se estiver interessada na proposta...
— Lógico que estou — respondeu Helen.
Depois de visitar o pai das crianças e lhe causar uma impressão favorável, Helen foi
com Brenda ver Chippy e Fiona. Uma semana mais tarde, após viajar até Atenas, de trem,
Helen e as crianças estavam a bordo do Knossos, seguindo para Chipre.
As crianças estavam em pé, junto à amurada do navio, fascinadas pelo maravilhoso pôr-
do-sol, e Helen, de sua cadeira no convés, a pouca distância, não as perdia de vista. Por volta
das dez horas da manhã seguinte, Helen deveria deixá-las para sempre. Esse pensamento lhe
trouxe um sentimento de melancolia e ela não pôde deixar de pensar em como as crianças
haviam se tornado rapidamente tão queridas para ela. Diante dessa constatação, sentiu-se
ansiosa quanto ao futuro de Chippy e Fiona e ao seu relacionamento com o tio, que não
gostava nem de mulheres nem de crianças. O que aconteceria a eles? Censurando-se por se
preocupar em demasia com esses assuntos, Helen resolveu deixá-los de lado, pois sua única
obrigação era entregar as crianças ao tio. Depois disso, estaria livre para desfrutar suas férias
na ilha. O que eventualmente acontecesse a Chippy e a Fiona não era problema seu.
— Venha ver, senhora Stewart — gritou Fiona, voltando-se para Helen e estendendo
sua mão — Olhe a luz brilhando na água!
Levantando-se, Helen colocou seu livro sobre a cadeira e caminhou até a amurada,
segurando a mão que lhe era estendida. A mãozinha era pequena e morna; os dedos en-
rolaram-se procurando proteção e Helen sentiu um peso no coração, ao compreender que
aquela pobre criança talvez nunca tivesse sentido o amor de uma mãe.
— Não é bonito? — perguntou Chippy, voltando-se para ela e lhe segurando a outra
mão, para não ser "vencido" pela irmã. — Parece que o mar está pegando fogo.
— Sim... é muito bonito — concordou Helen, observando o rápido declínio do sol.
Enquanto este submergia, cada vez mais a linha de fogo sobre o mar se afastava do navio, em
direção à ilha.
— Está escurecendo. Por que está ficando escuro tão rápido? — quis saber Fiona,
virando-se, admirada e confusa, para Helen. Esta então lhe explicou que naquela parte do
mundo o sol se punha muito depressa e por isso a noite caía com maior rapidez.
— Então não poderemos brincar na rua ao anoitecer? — perguntou Fiona, com uma
expressão de desapontamento. — Acho que não vou gostar daqui.
— Claro que vai gostar — disse Chippy. — Sinta como o clima é agradável. Onde
morávamos faz muito frio e, de qualquer maneira, você não podia brincar fora de casa!
— Chippy está certo — concordou Helen, divertida com a expressão de Fiona —, você
vai usar novamente suas roupas de verão... poderá usá-las durante o ano todo.
— O ano todo? — Fiona abriu ainda mais os seus já imensos olhos castanhos. — Não
existe inverno aqui?
Helen negou com a cabeça e achou que não era necessário explicar que havia um
período de inverno muito curto, mesmo porque o clima ainda estava bastante quente.
Eles assistiram em silêncio ao anoitecer e então Fiona deu um triste suspiro.
— Eu gostaria que ficasse conosco, senhora Stewart. Não gosto de pensar que a
senhora vai embora, deixando-nos com tio Leon.
— Eu também não — acrescentou Chippy. — Tio Leon é ruim, ele não deixa você fazer
nada. Faz você ficar quieto. E se você não fica quieto, ele olha para você assim... — E Chippy
contorceu tanto seu rosto que Helen não pôde deixar de rir, apesar de ter voltado toda sua
preocupação para a felicidade das crianças.
— Tenho quase certeza de que ele não olha assim — respondeu Helen. E acrescentou,
curiosa: — Então vocês conhecem seu tio?
— Sim, ele nos visitou algumas vezes.
— Somente duas vezes, Chippy — corrigiu com rigor Fiona, mas Chippy negou:
— Três vezes. Você não se lembra da primeira porque era muito pequena.
— Sou apenas um ano mais nova que você!
— Bem, você era apenas um bebê quando ele nos visitou pela primeira vez, mas eu me
lembro porque ele disse ao papai que eu devia apanhar.
— Por quê? O que você fez?
— Não sei, mas papai sempre disse que o tio Leon não entende as crianças.
— Mas a senhora entende — disse Fiona, apertando a mão de Helen. — A senhora
pode ficar conosco?
— Receio que isto não seja possível, querida Fiona.
— É por que a senhora não quer?
— Não é isso. Mas seu tio não iria me querer.
— A senhora ficará se nós pedirmos a ele?
Rindo da solução que Chippy encontrara, Helen disse ter certeza de que o tio Leon já
havia arrumado uma pessoa que tomasse conta deles.
— Mas nós queremos a senhora — insistiu Fiona, com voz meiga. — Porque tem de
voltar? A senhora tem filhos?
— Não, não tenho — respondeu Helen. Fiona lhe deu um aperto na mão e Helen sentiu
que a menina, com sua sensibilidade infantil, havia percebido a tristeza no tom de sua voz.
Emocionada, Helen também apertou carinhosamente os dedos da menina.
— Olhem, estão vendo a silhueta de um castelo? — Helen apontou para a ilha, tentando
distrair as crianças; mas não conseguiu interessá-las. Pareciam desanimadas por perceberem
que a viagem chegava ao fim.
O desânimo continuou durante o jantar e Helen se lembrou de como lhe haviam descrito
Chippy e Fiona como duas crianças travessas.
Mais tarde, na cabina, Helen tentou tirá-las da melancolia dizendo-lhes que, se não se
sentissem felizes com o tio, isto seria somente por uma temporada, pois iriam voltar para o pai
depois de poucos meses.
— A senhora volta direto para sua casa, quando nos deixar de manhã? — perguntou
Chippy, negando-se a ser consolado.
— Antes disso passarei férias com uma amiga minha que mora em Chipre —
respondeu Helen, inclinando-se para endireitar a coberta de Chippy. — Depois voltarei para
casa, na Inglaterra.
— Quanto tempo a senhora vai ficar aqui?
— Provavelmente duas semanas — disse Helen. Havia uma incerteza em sua voz, pois
embora tivesse telegrafado, avisando Trudy, sabia que a resposta só chegaria depois do
embarque, pensou, esperando que sua visita não atrapalhasse Trudy e seu marido.
A ilha já estava à vista quando, às sete horas da manhã seguinte, Helen deixou as
crianças dormindo e foi para o convés. O navio dirigia-se para o leste, percorrendo a costa sul
da ilha, a uma certa distância.
— Paphos — disse alguém atrás de Helen, e ela se voltou, curiosa. Ali estava Robert
Storey, que viajava sozinho, voltando da Inglaterra, onde fora visitar seus pais. Durante a
viagem ficara bastante tempo com Helen e as crianças, ocupando a mesma mesa durante as
refeições e sentando-se com elas no convés. Tiveram o navio praticamente para eles, porque
novembro era um mês pouco escolhido para viagens, e havia somente umas poucas pessoas a
bordo. — Em mais ou menos três horas estaremos desembarcando — disse Robert, com uma
certa ansiedade.
— Três horas?! — exclamou Helen, surpreendida, olhando novamente para a ilha. —
Parece tão perto.
— É quase a distância de Paphos até Limassol. Paphos, como você pode ver, fica logo
no lado oeste da ilha. — Ele se aproximou de Helen, que não saiu do canto em que estava.
Embora não se interessasse mais pelos homens, não pôde deixar de gostar de Robert, com
sua expressão sincera e seus claros olhos azuis. Ele era um solteirão e havia lhe contado que,
depois de ter passado longas férias na ilha, apaixonara-se tanto por ela que comprara uma
pequena casa ao lado de uma colina e se mudara para lá. Ele era um artista e morava em
Lapithos. Conhecia Leon Petrou, o tio das crianças, mas somente de vista.
— Ele tem um temperamento terrível — contou Robert, quando Helen mencionou a
razão de sua viagem. — É um solteirão inveterado, mas, logicamente, deve ter seus
divertimentos.
Helen corou levemente, mas Robert apenas riu e, para seu total embaraço, completou
dizendo que nenhum cipriota podia viver sem uma mulher.
— Eles irão contar-lhe isso. O clima é a desculpa deles, ou talvez a "explicação", que é
uma palavra melhor, pois um cipriota nunca sonha em desculpar sua conduta.
— Como é a casa dele? — perguntou Helen, curiosa.
— Ah... é uma maravilha! — replicou Robert, admirado.
— Foi construída sobre colunas, no sopé da montanha; um bangalô grande, branco,
com varandas em todos os cômodos. Do lado das varandas você tem a vista panorâmica de
ambos: montanha e mar. E realmente muito bonito, romântico demais; e parece uma casa de
contos de fadas para um velho rabugento como Leon Petrou.
— Velho? Pensei que fosse bastante jovem.
— Talvez esteja com mais de trinta e cinco anos. Mas tem um ar de arrogância que ihe
dá uma aparência carrancuda...
— Espero que as crianças fiquem bem com ele — murmurou Helen, quase certa de não
existir essa possibilidade. — O que ele faz?
— Bem, em primeiro lugar, possui diversos depósitos em Famagusta, o lugar onde toda
a fruta da área é empacotada para exportação. Ele negocia com terras, pois tem muitas
propriedades, em várias partes da ilha. E todos que têm propriedades aqui, hoje em dia, podem
se tornar milionários da noite para o dia.
Robert falou de outros detalhes sobre o tio das crianças, deixando Helen ainda mais
preocupada. Fiona e Chippy já tinham sofrido o suficiente para serem infelizes também com
esse tio de atitudes severas, que certamente não apreciava a idéia de tê-los em casa.
— Olhe só este sol e este céu — dizia Robert, despertando Helen de seu devaneio. — É
uma ilha maravilhosa! E uma lástima que você não viva aqui. — Após uma pequena pausa,
Robert acrescentou: — Mas você disse que ficará algumas semanas, não? Posso levá-la a
passear algumas vezes?
— Estarei com amigos meus — sorriu Helen —, mas obrigada da mesma maneira. —
Ela não queria a companhia de Robert nem a de qualquer outro homem, mas não lhe diria isso.
— Além disso — completou —, eu estarei em Nicósia. Acho que passearemos por aquelas
redondezas, isto é, se minha amiga e o marido tiverem tempo de me levar.
Robert encolheu os ombros, mas disse que lhe daria o número do telefone e que ela
deveria chamá-lo, caso se encontrasse desocupada em alguma ocasião.
— Obrigada — respondeu Helen, sem a mínima intenção de aceitar a oferta.
O Knossos aportou em Limassoi às dez horas e um carro os esperava. Mesmo antes
que Chippy dissesse qualquer coisa, Helen sabia que o homem que se aproximava não era
Leon Petrou.
— Esse não é tio Leon.
— É a senhora Stewart? — O homem era baixo e moreno, com um sorriso espontâneo e
amigo. Ele sorriu para as crianças e passou a mão nos escuros cabelos de Fiona. — O senhor
Petrou mandou-me aqui — continuou o recém-chegado, assim que Helen meneou a cabeça
como resposta. — Ele não pôde vir porque um cliente telefonou inesperadamente para o
escritório. Mas eu a levo até ele.
— Eu? Ele disse que eu tenho de acompanhar as crianças? Eu entendi que as deixava
aqui, em Limassol.
Nisto, uma pequena mão se agarrou a ela, fazendo-a olhar para baixo e ver um olhar de
súplica no rosto de Fiona.
— Foi o que ele disse. — Por um momento o homem pareceu incerto. — A senhora
acha que eu cometi um engano? — Mas imediatamente negou com a cabeça: — Não! Não
cometi engano, porque ele disse à secretária que telefonasse ao hotel e reservasse uma mesa
com quatro lugares para o almoço.
Helen sentiu que Fiona relaxava seu tenso aperto de mão e lhe sorriu carinhosamente.
— Vamos então — disse ela alegremente, enquanto o homem abria a porta do carro. —
Para onde estamos indo? — Virou-se para o motorista: — Para Lapithos?
— Não, para Nicósia, é onde o senhor Petrou tem seu escritório.
Essa carona viera bem a calhar, pois Helen pensara que precisaria de um táxi que a
levasse até a casa de Trudy.
O escritório de Leon ficava no centro da cidade. Um edifício novo, com varandas
espaçosas, parecia mais uma moderna casa de campo do que um escritório e Helen soltou
uma exclamação de surpresa quando o motorista, depois de parar o carro, desceu e abriu a
porta.
Momentos mais tarde, Helen estava no suntuoso escritório, em pé, ao lado da
escrivaninha, olhando Leon, que, à sua entrada, havia-se levantado e agora lhe estendia a
mão. Ela chegou até a escrivaninha e sentiu a firmeza do aperto de mão, enquanto Leon lhe
dizia, num tom entrecortado e calmo:
— Bom dia, senhora Stewart. Espero que sua viagem não tenha sido cansativa demais.
— Ele falava de uma maneira tão leve e tão vazia de entusiasmo que sua voz era quase
imperceptível.
— Desfrutei-a imensamente, obrigada, senhor Petrou. — Ela não sorriu, enquanto
retirava a mão, e, por um momento, ele esteve observando-a em silêncio. Então seus olhos
desviaram-se para as crianças. Helen as havia repreendido, dizendo que o tio não podia ser
tão severo quanto queriam fazê-la acreditar. Mas agora ela entendera que as crianças haviam
acertado na descrição. Observou a dureza e a rigidez de seus traços: era de uma beleza
desconcertante, mas, como Robert havia insinuado, essa grande beleza parecia quase que
apagada pela sua expressão áspera e arrogante. Não era difícil acreditar que ele não gostava
de mulheres e de crianças.
— Fico aliviado ouvindo isso — disse Leon, dando-lhe sua atenção mais uma vez. —
Conhecendo meus sobrinhos como os conheço, estava certo de que lhe causariam algum
problema. — Olhava-os severamente, enquanto falava, e completou: — Devo agradecer-lhe
por trazê-los ilesos até aqui.
Helen sentiu sua temperatura subir, às primeiras palavras, e disse, mais asperamente do
que pretendia:
— Não tive qualquer problema com eles, senhor Petrou. Como disse, realmente
aproveitei muito bem a viagem até aqui.
A arrogância e a contrariedade demonstradas pelo baixo tom de voz com que ele falava
fizeram com que Helen sentisse suas faces ficarem vermelhas. Aquele homem era descon-
certante! Sentiu que poderia chegar a odiá-lo sem muito esforço. Suas perguntas sobre a
viagem e seus agradecimentos soaram superficiais, parecendo surgir simplesmente da ne-
cessidade de mostrar cortesia e boas maneiras. Helen sentiu novamente uma profunda
ansiedade, ao pensar na vida das crianças com ele. Curioso, refletiu, há apenas uma semana
eram estranhas, e agora sentia-se triste, pois dentro em breve se despediria delas para
sempre. Porque, na verdade, não tinha intenção alguma de aceitar qualquer convite de Leon
Petrou para almoçar. Uma semana... parecia impossível. Mas crianças eram assim mesmo;
podiam mostrar-se amáveis para um adulto compreensivo, especialmente crianças como
Chippy e Fiona.
Determinada a controlar a perturbação que rapidamente se apoderava dela, Helen
perguntou ao senhor Petrou como poderia chamar um táxi.
— A senhora já vai embora? Eu tinha planejado levar todos vocês para almoçar.
— Muito obrigada, mas... — A pequena mão de Fiona procurou a sua mão. Helen sentiu
um nó na garganta. Aquele homem ainda não havia dirigido uma palavra sequer às crianças.
— Terei muito prazer em almoçar com o senhor — respondeu, para seu próprio espanto.
— Há também a questão do pagamento — acrescentou ele, aprovando a resolução de
Helen com nada mais do que uma leve inclinação da cabeça. — Meu irmão adiantou-lhe uma
parte do dinheiro para a viagem, certo?
— Correto. Esta viagem possibilitou-me passar férias aqui, em Nicósia, com amigos.
Estou bastante satisfeita — completou apressadamente, enquanto ele começou a tirar algumas
notas da carteira de couro que tirara do bolso.
— Este é nosso dinheiro, naturalmente, mas a senhora achará fácil lidar com ele. Nossa
libra é equivalente à libra inglesa e a senhora verá que os preços das mercadorias nas lojas
daqui são dados tanto em libra esterlina quanto em moeda corrente na ilha — Ele estendeu-lhe
as notas; Helen abriu a boca para recusar, mas alguma coisa lhe bloqueou as palavras.
— Acho que esta quantia é suficiente para cobrir as despesas ocorridas durante a
viagem — disse Petrou. Embora contra sua vontade, pois estava certa de que recebia muito
mais do que havia gastado, Helen viu-se aceitando o dinheiro,
— Obrigada — murmurou, colocando o dinheiro na bolsa. As crianças a olhavam,
esperando para pegar em suas mãos novamente. Percebendo a atitude delas, o tio, afinal, lhes
deu atenção. Por algum milagre, seus lábios, agora, entreabriram-se num sorriso.
— Gostaram da viagem? Não se cansaram demais no navio? — Não se dirigia a
nenhum deles em particular, e foi Chippy que respondeu:
— A noite, dormíamos em beliches, foi muito engraçado. A minha cama era a de cima.
Fiona a queria também, mas tinha medo da escada.
— Não tinha, não. Queria dormir com a senhora Stewart, por isto não quis a cama de
cima.
— E de dia, não se sentiam cansados pela longa viagem?
— Algumas vezes sim, mas a senhora Stewart nos contava histórias. E brincávamos
também.
— Parece muito eficiente, senhora Stewart. — Depois de uma pausa, ele perguntou: —
A senhora é casada? — Havia curiosidade em seu tom de voz e em seus olhos.
— Sou viúva — respondeu Helen, muito calma, e ele murmurou uma condolência. E
completou:
— A senhora é muito jovem para ser viúva.
— Tenho vinte e seis anos. Meu marido morreu num acidente, dois anos atrás. — Leon
transmitiu-lhe novamente suas condolências e então perguntou se tinha filhos. — Nosso bebê
morreu com seis meses de idade — disse ela, e um súbito tremor transpareceu em sua voz.
Não deixaria nunca de pensar que, se a criança fosse viva, Gregory estaria a seu lado até
então.
— Peço-lhe desculpas, senhora Stewart — disse ele, e sua voz pareceu ter perdido um
pouco da aspereza inicial, enquanto completava: — Sua vida é muito triste para uma pessoa
tão jovem.
As crianças prestavam atenção com interesse e, obviamente, ambas haviam entendido,
pois Fiona perguntou:
— Seu marido morreu, senhora Stewart?
— Sim, Fiona.
— E seu bebezinho também? — interveio Chippy, comprimindo sua mão em volta dos
dedos dela.
— Sim, meu bebê também.
— Não perguntem coisas assim. — Leon olhou severo para as crianças. — A senhora
não deve responder-lhes, senhora Stewart.
— Está tudo bem — sorriu ela. — Não me importo com isso.
Pareceu-lhe que Leon ainda queria acrescentar um último comentário, mas algo o fez
mudar de idéia. Ele mandou buscar refrescos e uma hora mais tarde estavam almoçando no
restaurante. Quando terminaram e já estavam ao lado do carro, Leon perguntou a Helen sobre
o endereço de sua amiga.
— Eu a levarei até lá — disse ele, examinando o papel que ela lhe dera. — Sim... não é
muito longe daqui.
— É muita gentileza sua levar-me — agradeceu Helen, graciosa, enquanto se sentava
no carro, ao lado dele.
— Seria difícil para a senhora achar o caminho — admitiu ele —, mas um táxi a levaria à
porta certa. — As crianças tagarelavam com Helen, mas havia tristeza velada em cada palavra.
Ela própria se sentia muito mal e começava a ficar com medo de que as férias que tanto
esperava transcorressem de maneira enfadonha.
— Esta é a rua... — Leon virava a esquina e ia, agora, bastante devagar, observando os
edifícios. — Deve ser desse lado... Ah! É aqui.
— Vou pegar minha bagagem — disse Helen, ao descer do carro. Esperou que Leon
abrisse o porta-malas, mas ele lhe disse que era melhor que se certificasse de que seus
amigos estavam em casa. — Sim, claro.
— Podemos ir com a senhora? — perguntou Chippy, deprimido, determinado a tê-la até
o último momento.
— Lógico. — Heien consultou Leon com os olhos e este, para sua surpresa, não fez
objeção alguma. As crianças a seguiram na escada, até o primeiro andar do prédio em que
Trudy e Tasos moravam.
— A senhora procura a madame Pavlos? — perguntou uma mulher que aparecera à
porta do apartamento ao lado, quando Helen se preparava para tocar a campainha pela
terceira vez.
— Sim... a senhora sabe onde posso encontrá-la?
— Ela e o marido foram para o Egito, na segunda-feira passada. Ele foi tratar de
negócios.
— A senhora sabe quando estarão de volta?
— Vão ficar fora dois meses, mais ou menos. A senhora vem de longe para vê-los?
— Sim... sim, venho da Inglaterra. — Foi tomada por um amargo desapontamento.
Depois de toda a distância percorrida para chegar até ali e não poder ver Trudy. Tentou sorrir
para a mulher, enquanto agradecia, e virou-se para sair.
— A amiga da senhora Stewart foi viajar — informou Chippy ao tio.
— E estará de volta só daqui dois meses — completou Fiona — Helen fitou-os. As
crianças estavam radiantes!
— Ela pode ficar conosco até que a amiga volte? — perguntou Chippy.
— Não, Chippy. Não posso ficar aqui dois meses — começou Helen, olhando com
tristeza para Leon. — Se o senhor puder me levar para um hotel, serei eternamente grata.
— Sinto muito, mas não posso — respondeu ele com firmeza. — A senhora ficará em
minha casa.
— Oh, não! Não quero incomodá-lo tanto.
— A senhora não ouviu nada sobre a hospitalidade cipriota? A senhora fez um favor ao
meu irmão e isto é suficiente para que eu não a deixe sozinha em um hotel. — Ele estava
segurando, aberta, a porta do carro. — Receio que tenhamos de voltar ao escritório, mas
terminarei meu serviço em uma hora. E então a levarei para minha casa, em Lapithos.
CAPÍTULO II
As três horas estavam a caminho. Felizes pela inesperada mudança dos
acontecimentos, as crianças tagarelavam sem cessar, até que seu tio lhes disse que ficassem
quietas. Elas pararam, mas quando Helen se virou para ver a reação delas, surpreendeu Fiona
mostrando a língua para Leon, que se encontrava de costas para ela. Helen reprovou-a,
franzindo as sobrancelhas.
— Receio que tenhamos perdido o comboio — estava dizendo Leon, enquanto
passavam pelo subúrbio norte de Nicósia. — Nossa viagem levará uma hora. — Os turcos
tinham o controle do atalho através das montanhas e somente estrangeiros tinham permissão
de transitar nessa pequena estrada, sem acompanhamento. Todos os gregos necessitavam de
escolta das Nações Unidas ou tinham que usar a estrada mais longa. Isto, obviamente,
causava grandes inconvenientes aos gregos, mas Leon falava sobre o assunto sem qualquer
sinal de animosidade e, mais tarde, Helen soube, com grande espanto, que Leon Petrou era a
favor dos turcos, como, aliás, muitos outros gregos.
Por alguns momentos, todos se calaram, no carro, e Helen, sentada no banco de trás,
sentiu-se estranhamente relaxada, embevecida com a beleza dos lugares pelos quais estavam
passando. A primeira reação de Helen, ao saber que Trudy e Tasos estavam viajando, foi a de
querer voltar para a Inglaterra imediatamente, mas Leon lhe disse que poderia ficar em sua
casa por quanto tempo quisesse, e assim ela decidiu aceitar a oferta e ficar por duas semanas.
Poderia então visitar os lugares de seu interesse e, se Leon permitisse, levaria as crianças com
ela nos passeios que pretendia fazer, tornando assim sua estada ainda mais agradável.
— Atravessaremos a montanha agora — disse Leon, enquanto, fora do carro, começava
a ventar. — O cenário aqui é ainda mais interessante.
A casa de Leon era exatamente como Robert descrevera, e, ao chegar, Helen ficou
alguns momentos perto do carro, apreciando os arredores. As montanhas atrás, a grande ex-
tensão de mar azul na frente. Como pode uma casa estar rodeada de tão linda paisagem?
Mais tarde, quando estava se preparando para o jantar, Helen ficou um instante
pensando nas pessoas que havia encontrado; pessoas que compunham a família de Leon. Ha-
via sua irmã, Koula, muito educada e que se casaria no fim de janeiro. Tinha apenas vinte e
dois anos e trabalhava num escritório em Nicósia. Seu noivo, Theodore, que todos chamavam
de Teddy, era quatro anos mais velho que ela e também trabalhava em Nicósia. Helen não
havia ainda conhecido o rapaz, mas Koula tinha lhe mostrado sua fotografia. Era moreno e
bonito, e a garota estava perdidamente apaixonada por ele.
— Fui forçada a acreditar que a maior parte dos cipriotas se casam por conveniência —
disse Helen, notando um lampejo nos lindos olhos de Koula. — Mas, obviamente, o seu é um
casamento por amor.
— Sim — respondeu Koula. Um rubor tomou conta de seu rosto e ela ficou séria de
repente. — Oitenta por cento dos casamentos cipriotas são por conveniência — disse ela
fatalmente. — Não são muitos os que se amam. — Depois de uma pausa, completou: — Se
meu irmão casasse, seria por conveniência, pois ele não é o tipo de homem que ama. — Sua
voz baixa e rouca sugeria um sentimento de pesar. Era fácil perceber que nutria uma profunda
afeição por Leon, embora os sentimentos deste para com a irmã não fossem evidentes. Ele
havia sido frio e quase bruto, quando a apresentara a Helen.
Os outros membros da família de Leon aos quais Helen tinha sido apresentada eram
Asmena, tia de Leon, e seu marido Vasilios. Asmena interessou-se por Helen, perguntando-lhe
sobre sua vida e sua casa na Inglaterra; enquanto que Vasilios apenas a fitava, impassível, e
brincava com um rosário. Na verdade, a única impressão que Helen teve dele foi a de um
ininterrupto chocalhar daquelas contas.
A mãe de Leon, uma mulher corpulenta, mas muito elegante, aparentando ser mais
velha do que era na realidade, estava só de visita. Vivia em Paphos com a filha casada, mas
vinha duas vezes por ano ver os filhos.
— Tive que deixar mamãe e vir morar com Leon — disse Koula, como se a explicação
fosse necessária. — Trabalho em Nicósia. Não era possível viajar de Nicósia para Paphos
todos os dias.
Helen soube, mais tarde, que Asmena e Vasilio ficariam com Leon somente até janeiro.
Estavam construindo uma casa e, embora sabendo que esta demoraria a ficar pronta, tinham
vendido a antiga residência ao receberem uma boa oferta por ela.
O tocar de um sino no andar inferior trouxe a atenção de Helen de volta para suas
roupas e seus cabelos. Leon havia lhe dito que o sino seria ouvido dez minutos antes de a
refeição ser colocada à mesa. Tinha tomado um banho e de fato estava quase pronta. Mas que
roupa usaria? Não que isso preocupasse Helen, que não se preocupava mais em se vestir bem
desde que resolvera não se interessar pelos homens. Acabou escolhendo um vestido bem
sóbrio, de cor cinza, e desceu para o jantar.
Koula estava bem diferente de Helen. Usava um vestido de algodão florido; num dos
pulsos, um lindo bracelete, no outro um elegante relógio, presente de Teddy pelo noivado.
Estava adorável! "O amor fez isto por você", pensou Helen tristemente, recordando o período
de idílio do seu próprio noivado.
O seu lugar à mesa era ao lado direito de Leon; as crianças estavam no lado oposto,
ambas um tanto envergonhadas mas sorridentes, ao verem Helen se sentar. Com a típica
cortesia cipriota, Leon afastou a cadeira de Helen e agora lhe oferecia sopa. A sopeira era
muito pesada, e como Helen não tivesse certeza de gostar da sopa, serviu-se de uma pequena
quantidade. A concha foi tirada de sua mão.
— A senhora gostará — disse Leon, adivinhando seus pensamentos e vertendo mais
sopa no prato de Helen. Embora, a princípio, achasse que não conseguiria tomar tudo aquilo,
Helen acabou conseguindo e, como Leon havia dito, gostou muito. Mas as crianças
detestaram. A sopa era feita de leite de cabra e tinha um sabor ligeiramente picante. Helen
entendeu a aversão das crianças pela sopa, mas o tio fez com que elas continuassem a tomá-
la. Somente quando Chippy começou a sentir náuseas é que ele consentiu que colocassem a
colher sobre a mesa. Apesar do sofrimento do menino, Helen não pôde deixar de sorrir. O
irmão de Leon havia dito que ele nada entendia de crianças. E como estava certo! Pois a
primeira coisa que se sabe sobre crianças ê que nunca devem ser forçadas a comer.
A mesa estava abarrotada de pratos diferentes e ela própria teve de se cuidar, pois, de
outra maneira, sentiria o mesmo que Chippy. Nunca havia visto tamanha variedade numa só
refeição. A travessa com frutas era frequentemente passada entre os presentes. Laranjas e
tangerinas, tâmaras e figos e até mesmo bananas, todas as frutas do pomar de Leon.
Acabada a refeição, deixaram a sala e foram até a varanda para tomar café, preparado à
maneira turca, e servido em pequenas xícaras. Fiona tomou apenas um pequeno gole e fez
uma careta.
— Ah! — exclamou ela, deixando que a xícara lhe escapasse das mãos. O líquido negro
e espesso se espalhou pelo seu vestido ricamente bordado. Leon olhou furioso para a
sobrinha.
— É hora de vocês dois irem para a cama — disse ele de maneira ríspida; e voltando-
se para Helen: — A senhora se importaria em levá-los? Araté cuidará deles depois, mas,
enquanto a senhora estiver aqui, poderá fazê-lo? — Araté era a criada que lhes servira o café;
parecia inflexível, e ante a idéia de aquela mulher tomar conta das crianças, Helen sentiu um
baque no coração.
— Certamente que sim — respondeu Helen, sorvendo jogo em seguida seu café.
O quarto de Fiona tinha uma varanda com vista para o mar, enquanto o de Chippy, para
as montanhas. Isto agradara bastante às crianças, mas agora, sentadas sobre a cama de
Fiona, enquanto Helen fechava as janelas, seus semblantes estavam carregados.
— Agora que a senhora o conhece, não acha que ele é terrível?
— Vocês se acostumarão com ele — respondeu Helen. — Vá para o seu quarto,
Chippy, e você Fiona, tire a roupa.
— Está bem. — O menino desceu da cama e obedientemente saiu do quarto.
— Quanto tempo a senhora ficará aqui? — perguntou Fiona momentos depois.
— Duas semanas, caso seu tio não se importe. — Puxou o lençol e prendeu-o sob os
ombros de Fiona.
— Gostaria que a senhora ficasse conosco por bastante tempo. Isso agradaria a todos.
— Isso é impossível, meu anjo. — Num impulso, Helen inclinou-se e beijou o rosto de
Fiona. — Boa noite, querida, durma bem.
Estavam sentados sob um guarda-sol colorido e alegre, na enseada de Kyrenia. Diante
deles havia inúmeros navios de pequeno porte, atracados. Quando as crianças acabaram de
tomar seus refrigerantes, saíram da mesa correndo para olhá-los melhor.
— Tomem cuidado — preveniu Helen, quando elas se aproximaram perigosamente da
beira do cais. — Chippy, saia já daí!
— São crianças ótimas — disse Koula, quando Chippy obedeceu imediatamente ao
chamado de Helen. A moça havia dito a frase com alguma surpresa, e Helen se lembrou de
que Koula sempre se admirava quando, depois de alguma ordem, as crianças obedeciam sem
argumentar.
— Você fala como se esperasse que elas fossem crianças malcriadas. — Helen pegou
seu copo e segurou-o junto aos lábios, observando com atenção sua companheira, que parecia
um tanto agitada. Afinal Koula falou:
— Leon visitou-os na Inglaterra uma ou duas vezes. Bem, ele não os achou
particularmente bem educados.
— Tem horas em que eles são travessos — admitiu Helen, recordando-se de uma ou
duas ocasiões durante a viagem em que fora forçada a refrear um ou outro. — Mas se uma
criança é muito dócil — acrescentou —, mais tarde pode se tornar um adulto estúpido.
— Estou vendo que você gosta de crianças. — Koula sorveu sua bebida e, como Helen
não tivesse replicado, continuou: — Também adoro crianças. Teddy e eu queremos quatro, no
mínimo.
Uma tristeza muito forte desceu sobre Helen. Caso sua única criança estivesse viva e se
tivesse mantido Gregory com ela, poderia estar com mais um filho agora... ou, quem sabe,
dois. Olhou para Koula; não, não sentia inveja pela sorte da companheira, e ainda... Helen
franziu as sobrancelhas e olhou para o infinito. Não, definitivamente não invejava Koula, que
estava prestes a se casar. Oh! A pobre moça pensava que conhecia Teddy, mas a mulher
nunca conhece o homem totalmente até se casar com ele. Então, todos os seus defeitos se
revelam — e daí é tarde demais para se fazer alguma coisa. Não, ela não invejava Koula; pelo
contrário, sentia pena da moça. Mas, no presente, Koula estava cheia de felicidade, radiante, e
Helen disse gentilmente:
— Onde vocês passarão a lua-de-mel? Pretendem viajar logo depois das núpcias?
— Queria ir a Paris, mas Teddy já esteve lá várias vezes. Ele quer ir a Londres.
— E para onde resolveram viajar, então?
— Para Londres. — E como se houvesse lido o pensamento de Helen, Koula
imediatamente acrescentou: — Mas eu projetei a casa, planejei cada cantinho. Na cozinha terei
todo o conforto, pois temos a aparelhagem mais moderna. Garanto a você que gostarei de ficar
lá dentro.
— Então Teddy permitiu que você escolhesse tudo ao seu gosto?
— É lógico. — Levantou o queixo por urna fração de segundo. — A casa é minha.
— Sua? — Helen pestanejou. — Sua propriedade, você quer dizer, você é que está
construindo?
— Claro!
— Mas... — Koula tinha apenas vinte e dois anos e casas eram muito caras. — Você
deve ser rica! — disse, percebendo que Koula esperava algum comentário.
— Meu pai deixou-me algum dinheiro para meu prika, e Leon colocou o restante que
faltava.
— Prika? Você quer dizer um dote?
— Isso! As garotas gregas levam a casa como dote. Este é o costume. Na Inglaterra
vocês não fazem isso porque sempre se casam por amor, não é?
— Mas, Koula, você havia me dito que estava se casando por amor...
— É verdade, mas ainda levo a casa porque meu pai me deixou o dinheiro. Leon
somente o completou porque os preços subiram muito. Veja, meu pai foi previdente e pensou
na possibilidade de eu me casar com um homem que insistisse no dote.
— Que aconteceria se... Bem, eu sei que não são frequentes, por aqui, os casamentos
que se acabam, mas suponha que isto aconteça. A casa ficaria com o marido?
— Não. — Koula a olhou pasmada. — Se meu casamento acabar, e espero que isso
nunca aconteça, é claro, a casa fica comigo e Teddy é que terá de ir embora.
— Sei. — Estava sendo cínica em não fazer comentário, pois não pôde deixar de pensar
que esta era a razão pela qual tão poucos casamentos se acabavam. Aparentemente, o
homem estava na posição mais precária. Caso se portasse mal, podia ficar sem um teto sobre
a cabeça. Ela percebeu que devia dizer qualquer coisa sobre essa tradição.
— Você disse que oitenta por cento dos casamentos, aqui, são arranjados. Casamentos
por conveniência. A proporção me parece muito alta. — Koula não prestava atenção a ela.
Seus lábios abriram-se num sorriso, e Helen se voltou instintivamente. Leon estava atrás de
sua cadeira.
— É verdade, senhora Stewart. Mas os costumes na ilha não mudam de maneira rápida
— comentou ele calmamente, sentando-se em uma das cadeiras vagas, enquanto procurava
as crianças com os olhos. — Não se preocupe: esses casamentos por conveniência em geral
são bem-sucedidos. — Olhou para ela de maneira estranha e Helen notou algo mais do que
um simples olhar.
Suas férias estavam no fim, pensou Helen com um suspiro. Ficara uma semana a mais
do que havia anteriormente determinado, mas quando mencionara sua partida, Leon e Koula
lhe pediram que ficasse por mais algum tempo. Helen e Koula tornaram-se boas amigas e,
sempre que a moça tinha algum tempo livre, vinham à enseada conversar e aproveitar o sol.
Koula levou Helen, algumas vezes, para conhecer as redondezas.
Começou a escurecer e a brasa incandescente sobre o mar se tornou purpúrea,
enquanto ainda estavam lá. Helen, Koula e as crianças tinham vindo de Lapithos de ônibus,
mas, como Leon chegara de carro, voltariam para casa con-fortavelmente. Sentada na frente,
ao lado dele, Helen ficou curiosa por saber por que ele tinha ido à enseada, já que, ao saírem
de casa, ele ficara trabalhando na biblioteca. Koula disse algo e Leon replicou que tinha ido
especialmente para buscá-los, pois sua mãe lhe havia dito onde eles se encontravam. Quanta
consideração!
Parecia realmente um homem muito estranho. Sua atitude para com as crianças era, às
vezes, muito severa. Em duas ocasiões Chippy recebeu algumas palmadas nas pernas e
Helen ficara enfurecida com essa atitude de Leon, mas quando o menino certa vez caíra e
arranhara o braço, fora o próprio Leon quem fizera o curativo. Jamais esqueceria seu espanto
nem a sensação estranha que tivera ao ver Leon com o menino, nessa ocasião. Seus dedos
pareciam bastante delicados e ele mesmo enxugava as lágrimas de Chippy. A atitude de Leon
para com ela era cortês, mas de uma frieza e indiferença tão grandes que provava, sem dú-
vida, a afirmação de Brenda sobre a sua falta de interesse pelas mulheres. A cortesia com que
ele a tratava fazia parte das tradições cipriotas; seria dispensada a qualquer pessoa que ele
conhecesse. No entanto, o convite para que ficasse um pouco mais com eles havia sido
sincero e, na verdade, ele parecia ansioso por tê-la como hóspede por um período mais longo.
Esforçando-se por descobrir qual a razão disso, Helen só pôde concluir que Leon estava
agradecido pelos seus cuidados para com Chippy e Fiona.
Uma parte da estrada de Kyrenia para Lapithos era paralela ao mar e outra afastava-se
em direção às colinas. A pista tornava-se mais estreita e cheia de pedregulhos à medida que
subiam rumo à encantadora casa branca. Viajaram em silêncio até a entrada da casa. Fiona
saltou e dirigindo-se a Helen exclamou:
— A senhora está triste por ter que voltar? — perguntou Fiona, e, sem esperar uma
resposta, acrescentou: — Eu estou triste porque a senhora vai embora. — Havia um pouco de
esperança em sua voz quando completou: — A senhora não poderia ficar mais um pouco
conosco?
— Fiquei uma semana a mais do que havia planejado, querida. E eu tenho minha casa,
você sabe...
— Mas a senhora é sozinha — disse Chippy, chegando-se a elas. — Não é bom viver
só. Eu acharia muito ruim não ter ninguém.
— Você está certo — concordou Helen, sorrindo —-, mas eu já estou acostumada a
viver sozinha.
— A senhora não parece ter muita certeza disso — comentou Leon, incrédulo, vindo do
outro lado do carro. Depois de um eletrizante silêncio entre ambos, ele disse: — Quero
conversar com a senhora em particular, depois do jantar, quando a senhora já tiver colocado as
crianças na cama.
— Em particular? — Por que esse tremor dentro dela?
— Devo encontrá-lo na biblioteca?
— Se me fizer este favor, não seremos incomodados lá.
— O tom de sua voz era baixo e em seus olhos permanecia o olhar gélido de sempre. A
linha de sua boca estava dura e inflexível como sempre. Ele esperou por um momento alguma
pergunta e, como Helen tivesse continuado em silêncio, entrou na casa. Helen seguiu-o em
estado de torpor, apenas consciente de que as crianças estavam agarradas às suas mãos.
Embora cheia de curiosidade, com o coração batendo mais depressa do que o normal,
Helen estava totalmente despreparada para o que Leon tinha a lhe dizer, quando, mais tarde,
entrou na biblioteca. Depois de aproximar uma cadeira e convidá-la a sentar-se, Leon iniciou a
conversa com a voz tão fria e ríspida que Helen ficou estonteada.
— Senhora Stewart, estava falando sério, hoje, quando lhe disse que a maior parte de
nossos casamentos por conveniência são bem-sucedidos, — Pegou uma cadeira para si e
acomodou-se diante dela. — Durante nossas conversas concluí que a senhora não deseja um
segundo casamento baseado no amor. Acha que interpretei de maneira correta?
— S-sim — gaguejou Helen, sentindo-se incapaz de se lembrar da conversa que ele
mencionara. Se ela realmente lhe dissera tal coisa, devia ter sido incidentalmente, pois esta
não era a espécie de assunto sobre a qual conversaria com qualquer pessoa, exceto, talvez,
com alguma amiga. De qualquer forma, não queria outro casamento, e isto era tudo.
— Assim pensei eu. E como não existe qualquer possibilidade de eu me apaixonar
profundamente por uma mulher, quero lhe fazer uma proposta. Na semana passada chegou-
me a notícia de que meu irmão não ficará curado de sua doença; na realidade, tem, no
máximo, um mês de vida.
— As crianças ficarão órfãs! Oh, mas que coisa horrível!
— As crianças têm mãe — lembrou ele secamente, admitindo com isso que ela
soubesse dos detalhes da história de Chippy e Fiona. — Mas isso não importa, pois a mãe não
se preocupa com elas. Terão de ficar comigo, não há outra alternativa. Tenho observado vocês
durante estes dias, com bastante atenção, e é evidente que as crianças sentem uma grande
afeição pela senhora, como a senhora em relação a elas. Por isso, desejo persuadi-la a cuidar
delas.
— Oh... — deixou escapar Helen, com um suspiro. — Isso é tudo? Eu certamente
pensarei na proposta. — Helen calou-se, ao sentir o olhar irritado que ele lhe dirigiu.
— Peço-lhe que não me interrompa — disse ele, e um rubor surgiu na face de Helen.
Leon esperou um momento, e então continuou: — Como a senhora sabe, minha irmã se casa
no próximo mês e meus tios irão embora na mesma época. Na Inglaterra é comum que uma
mulher entre na casa de um homem e se torne pajem de suas crianças, mesmo que ele não
tenha uma esposa. Aqui, infelizmente, isto não é visto com bons olhos; nos preocupamos muito
mais com as convenções sociais do que em seu país. Como vê, é indispensável, para a
felicidade das crianças, que eu lhe peça que se case comigo.
Mesmo tendo pressentido o que Leon acabara de dizer, Helen permaneceu em silêncio.
Como podia um pedido de casamento ser feito com tão fria deliberação... e com apenas três
semanas de convivência?! Ele não disse mais nada e lhe deu tempo para se recompor. Ainda
que entorpecida pela proposta, Helen sentiu que estava gradualmente aceitando o fato de que
o casamento seria a única forma de resolver as dificuldades de Leon, pois, como ele havia dito,
ali uma mulher não poderia viver sozinha na casa de um homem sem ser esposa dele. Os
empregados, Araté e o marido tinham sua própria casa ao pé da colina, mas, mesmo que eles
dormissem na casa de Leon, não faria diferença. Nesta parte do mundo, mulher sozinha que
vivesse na casa de um homem, não importava por que motivo, era sempre vista com extrema
suspeita e desfavor, como também o homem que a acolhesse.
— Não posso casar-me com o senhor — respondeu afinal.
— Consideraria a proposta de vir cuidar de Chippy e Fiona, mas casar... — Sentia-se
indecisa, pois, na verdade, nutria um carinho profundo pelas crianças. Sabia que elas ficariam
terrivelmente infelizes quando ela fosse embora. Já haviam sofrido o suficiente durante suas
vidas e agora... agora sofreriam muito mais, quando soubessem a verdade sobre o pai...
— Não sei o que lhe dizer, senhor Petrou — murmurou, fixando-o com olhar brilhante.
— Não posso nem mesmo pensar.
Helen concluiu que Leon era um homem inteligente e astuto, quando, num tom suave e
até mesmo gentil, lhe disse que entendia o conflito que ela deveria estar experimentando. Ele
não esperava uma decisão imediata; Helen deveria pensar no assunto, deveria medir muito
bem as vantagens e possíveis desvantagens que ela e as crianças teriam. Quanto ao
casamento, da parte dele, ela não tinha nada a temer. Tudo o que lhe pediria era que fosse
reservada e que nunca o submetesse a qualquer humilhação por uma conduta que pudesse,
mesmo remotamente, ser descrita como indiscreta.
— Não se preocupe quanto a isso. — Helen ficou atônita, por ter transmitido seus
pensamentos em voz alta.
Leon sorriu, diante de sua confusão, e Helen se surpreendeu com a transformação
ocorrida no rosto dele, sempre tão sério. Sim, ele era muito bonito! Gregory também era muito
bonito, e, consequentemente, as mulheres corriam atrás dele... mas se as mulheres corressem
atrás de Leon, ela não poderia ficar magoada e nem mesmo se importar com isto. Mas que
pensamentos eram aqueles? Estava fora de cogitação casar-se com ele. Não, nem mesmo
pela segurança que isso lhe proporcionaria, nem mesmo pelas crianças, por nada ela se
casaria pela segunda vez. Além disso, Leon sentia um grande desprezo pelas mulheres, da
mesma forma que ela detestava e desconfiava de todos os homens. A idéia de um casamento
entre duas pessoas assim lhe parecia ridícula.
CAPITULO III
Casaram-se dois meses depois, quando a primavera chegara à ilha. Em todo lugar
brilhavam verdes brotos que surgiam aqui e ali, vestindo as planícies, e as encostas das
montanhas transformavam-se com o colorido das flores silvestres que cresciam rapidamente.
Da varanda de seu quarto, Helen olhava sonhadoramente através da estreita costa, para
a grande extensão de mar.
Entretanto no quarto, viu sua imagem refletida no espelho. Estava fora de moda,
dissera-lhe asperamente Trudy, quando Helen a visitara na semana anterior.
— Por que essa maneira de se vestir, agora que é casada? Desse jeito você não vai
segurá-lo, estou lhe avisando. Não é preciso muito para que esses cipriotas se desviem do
bom caminho. Um rostinho bonito, e eles estão perdidos... a menos que tenham alguma coisa
melhor em casa.
— Você está falando por experiência própria?
— Lógico que não. Meu Tasos é diferente. Oh, sim, ele é, não precisa rir. Mas a regra
geral... bem, como eu disse, eu a estou prevenindo porque você é minha amiga. Você é linda,
Helen, por que então esse ar tão sério? E o comprimento de sua saia?
— Tia Helen... onde a senhora está? — gritou Fiona ao chegar em casa, tirando Helen
daqueles momentos de devaneios.
— Já vou, querida — respondeu Helen, dirigindo-se para a cozinha onde se encontrava
a criança.
— Largue essa mochila. Não, pendure-a no lugar certo, por favor.
Sorrindo travessa, Fiona foi pendurar sua mochila no armário do corredor. Voltou e
sentou-se à mesa; e enquanto aguardava com expectativa o que Helen lhe arranjava para
comer, balançava suas pernas no banquinho, alto demais para ela. Por um momento Helen
ficou a olhar a menina, lembrando-se da reação que ela tivera quando Leon contara às duas
crianças sobre seu pai, depois que este morrera. Primeiro seu terno rostinho se crispara, e
então, sobre o peito de Helen, ela soluçara de maneira comovente, durante bastante tempo.
Chippy, segurando as lágrimas, tentara ser forte e corajoso, mas não o conseguira por muito
tempo. Esta cena tão triste e a expressão de ansiedade nos olhos de Leon provaram muita
coisa a Helen.
Sua decisão fora impulsiva, admitiu ela, resultante de uma forte emoção, porém
passageira. Haveria de se arrepender, por certo, daquele casamento, pois morar com aquele
estrangeiro moreno e austero, cujos costumes e a própria maneira de viver eram tão diferentes
dos seus, não poderia dar certo por muito tempo, Robert lhe assegurara categoricamente que
nenhum cipriota poderia viver sem uma mulher e, embora este aspecto da vida particular de
Leon não lhe dissesse respeito, a consciência de que essas mulheres existiam nunca a
deixaria em paz. Conseguia dominar suas inquietações e ainda não se arrependera do ato que
praticara. No seu íntimo sabia que esse tipo de casamento combinava com ela. Não havia um
envolvimento emocional profundo nem o despertar de emoções; portanto, não existiam os
riscos de uma segunda desilusão.
— Tia Helen, oh, ande logo!
Rindo, Helen foi até o armário e trouxe os pedaços de bolo; depois colocou um copo de
leite na frente de Fiona.
— Por onde anda Chippy? — perguntou Helen, enquanto a menina estava com a boca
cheia de bolo. — Por que ele sempre chega mais tarde que você?
— Ele está com uns meninos. Chippy consegue conversar com eles, mas eu não. É
difícil aprender o grego, embora a professora seja boa; ela me ensina todas as palavras.
— E você as esquece na hora.
— Mas a senhora disse ao tio Leon que nunca aprenderá.
— É que sou mais velha, e a aprendizagem de línguas se torna mais difícil conforme as
pessoas vão ficando mais velhas. Espero que consiga aprender o suficiente para minhas
necessidades. — Helen olhou para a janela quando Chippy apareceu na varanda. Passou pela
porta de vidro e um momento mais tarde sua mochila rolou pelo chão polido.
— Guarde sua mochila — disse Helen, ríspida.
— Fiona. — Gesticulando, Chippy indicou a mochila.
— Eu não vou guardar sua sacola feia e velha! Guarde-a você! Ele mandou que eu
limpasse seus sapatos, hoje de manhã.
— Limpar seus sapatos! — Helen fitou-o, incrédula. — Você mandou sua irmã limpar
seus sapatos?
— Mandei sim — replicou Chippy calmamente. — Aqui as irmãs sempre servem seus
irmãos. Os meninos é que são importantes; as meninas só servem para trabalhar e... e tudo —
finalizou de maneira vaga.
— E quem, me diga, quem lhe ensinou tudo isso?
— Os meninos — respondeu ele, de maneira afetada. — Todas as irmãs cuidam deles.
Eu me senti um bobo, quando lhes contei que não pedia que minha irmã fizesse algo por mim,
porque todos riram e disseram que eu era um afeminado.
— Não acredito que eles tenham usado esta palavra.
— Usaram outra, em grego, mas é a mesma coisa.
— Bem, afeminado ou não, é você quem vai limpar seus próprios sapatos. Agora guarde
sua mochila.
— Mas a senhora não entendeu, tia Helen.
— O que tia Helen não entende? — Leon estava na porta. Embora falasse com Chippy,
seus olhos estavam fixos nela, examinando-a dos pés à cabeça. Pela primeira vez, Helen
sentiu-se mal pela sua aparência deselegante. A atenção dele voltou-se para Chippy. — Bem...
— Sua voz era áspera e Helen desconfiou de que ele talvez tivesse ouvido a conversa antes
de entrar. — Você perdeu a língua?
O ar superior e convencido de Chippy havia se evaporado. Disse, quase com humildade.
— Nada, tio Leon.
Leon voltou-se para Helen, que se viu forçada a responder pela criança. Falou
despreocupada e de maneira brincalhona:
— Chippy está se tornando um verdadeiro cipriota, muito depressa. Imagine que ele
considera o sexo feminino inferior.
— É mesmo?
— Ele quer mandar em mim e me obriga a limpar seus sapatos — disse Fiona.
— Não é bem verdade — contemporizou Helen. — Ele somente pediu para você limpá-
los.
Como Leon não demonstrasse surpresa, Helen concluiu que ele ouvira mesmo a
conversa. Leon virou-se muito suave para o sobrinho.
— Desça do banco e guarde sua mochila — mandou ele, tocando-a com a ponta do
sapato.
— Sim, tio Leon. — Chippy obedeceu prontamente, mas ficou furioso com a irmã, que,
por sua vez, o olhava triunfante. — Todos os garotos, na escola, têm suas irmãs fazendo
serviços para eles — disse Chippy quando voltou, não se dirigindo a ninguém em especial. E
completou, quase num desafio: — Tia Koula faz serviços para o senhor. O senhor manda que
ela faça e pegue coisas.
Seguiu-se um silêncio a essa pequena explosão e então Leon mandou que o menino
fosse para seu quarto.
— Oh, não! — protestou Helen. — Chippy não teve intenção de ser rude. Os meninos
lhe contaram muitas coisas e agora ele já sabe que aqui, é costume as garotas servirem seus
irmãos.
— Chippy, faça o que eu disse. — A voz de Leon era baixa e ameaçadora; até mesmo
Helen estremeceu, ao ouvi-la.
— O que o fez pensar que, em Chipre, as mulheres são inferiores? — perguntou Leon,
indo em direção à porta da varanda, no momento que as crianças deixavam a cozinha.
— É um fato, não é?
— Depende de como você interpreta a atitude dos homens para com as mulheres —
disse ele, observando-a mais uma vez, com curiosidade, e manifestando um total interesse por
seu rosto. Helen teve a impressão de que ele examinava cada linha, cada curva, e,
constrangida, tirou os pratos e os copos que estavam sobre a mesa, carregando-os para a pia.
— No seu país, a mulher “é" igual ao homem, mas me parece que, ao ganhar essa igualdade,
ela perdeu algo ainda mais precioso.
— O que foi que ela perdeu?
— Frequentemente não é tratada com respeito ou cortesia. Mas, mais do que isto, não é
observada como uma mulher; quero dizer, não é tratada com atenção pelo sexo masculino,
não é mimada como deveria ser.
— Mimada? — Seus grandes olhos azuis mostravam estupefação. Estas não eram
palavras de um inimigo das mulheres. — Não me tem sido dado a entender que os cipriotas
mimam suas esposas.
— Então você está desinformada. Nós mimamos todas as nossas mulheres. Refiro-me
à regra geral, pois é claro que sempre existem exceções. Alguns homens aqui não são gentis
para com suas mulheres, mas posso lhe garantir que eles são minoria.
— Não sei como você pode dizer isso. Pelo que tenho visto, as mulheres aqui são
tratadas como criadas, quase mesmo como escravas.
— Isso é um absurdo! — Ele estava zangado e sua voz era mordaz. — As mulheres
trabalham em casa porque é natural que façam isto. O homem traz o dinheiro.
— As mulheres trabalham no campo — disse ela, enxaguando os copos — Vejo-as com
frequência.
— É verdade, mas os homens trabalham ao lado delas. As mulheres gostam de
trabalhar nos campos; elas gostam de estar fora de casa.
Leon virou a cabeça e observou Helen, que guardava os copos numa prateleira alta. O
vestido da moça subira e, quando ela se voltou, ele olhava suas pernas, cuja beleza estava
oculta por meias marrons muito grossas. Subitamente, Leon mudou de assunto:
— Helen, você está com pouco dinheiro?
— Não, não, eu tenho bastante. — Um rubor coloriu suas faces e em seus olhos
transpareceu uma tímida surpresa. Sua mesada era generosa. Ele devia saber que ela não
estava com pouco dinheiro.
— Eu só estava pensando e por isso falei, você não precisa esperar que eu lhe dê
dinheiro. Quando precisar, basta pedir.
Helen arregalou os olhos. Ele estaria insinuando que ela deveria comprar algumas
roupas? Bem, não tinha intenção alguma de fazer isto. Helen andava notando como Leon, nos
últimos tempos, a olhava de maneira tão intensa que a deixava quase sem ação. Esses olhares
insinuantes faziam com que a moça não se esquecesse do que Robert dissera sobre o fato de
os cipriotas não viverem sem mulheres. Leon normalmente chegava muito tarde, e Helen tinha
suas próprias idéias sobre o que ele ficava fazendo. Mas havia épocas em que ia diretamente
do escritório para casa. Ainda que não sentisse atração por Leon, gostaria de saber como sua
mente funcionava. Concluiu que tanto uma mulher como outra eram a mesma coisa para esse
cipriota impetuoso... Mas logo a seguir Helen resolveu não pensar mais sobre o assunto.
Viver era agradável; tinha as crianças e uma casa bonita. Era absurdo querer complicar sua
vida e correr o risco de despertar algum desejo no seu marido. Não, ela não era atraente para
ele — e pretendia continuar assim.
— Você não vai deixar Chippy de castigo por muito tempo, não é? — perguntou, num
tímido tom de súplica. — Ele é muito criança ainda e apenas deu ouvidos aos garotos. E, além
do mais, está na idade em que precisa sentir-se importante. — Caminhou em direção a Leon,
que se virou para o lado, num mudo convite para que ela viesse à varanda. Ela sorriu e
acelerou o passo; ele estava ao seu lado e Helen percebeu que sua cabeça tocava, levemente,
o ombro dele.
— Você é muito branda com Chippy e Fiona — disse ele. E embora a sua voz fosse
áspera, Helen teve a impressão de que, de fato, ele não censurava sua maneira de lidar com
as crianças.
— Eles são muito pequenos, e têm seus problemas.
— Mas se adaptaram muito bem e rapidamente à nova vida. — Seus lábios abriram-se
num sorriso e o constante brilho metálico abandonou seus olhos enquanto completava: —
Você é boa para eles, Helen. Não, não quero deixá-lo de castigo por muito tempo, mas Chippy
tem de aprender que não pode tratar sua irmã como pessoa inferior. Ele deve entender que
nós esperamos que ele tome conta dela.
Ela olhou-o estarrecida. Que homem estranho! Sentiria realmente desprezo pelas
mulheres? De certo, a experiência de seu irmão o afetara, pois, por menos que quisesse de-
monstrá-lo, Helen o percebera, quando lhe propusera o casamento. "Será que ele realmente
nunca se apaixonou perdidamente por uma mulher?", pensou ela.
Helen refletiu em sua atitude para com ela desde o casamento. Era cortês e amigo,
embora frio algumas vezes. Mas nenhuma vez lhe falara com dureza; nunca lhe havia dado
alguma ordem ou adotado um ar de superioridade perante ela. Não haveria desculpas, caso
fizesse tal coisa, é lógico. Leon pedira-lhe que se casasse com ele e, ao aceitar, ela o
favorecera. Portanto, isso lhe dava o direito de ser tratada como uma igual. No entanto, estava
sempre presente aquela arrogância que era um traço permanente de sua personalidade. Em
certas ocasiões, essa presença podia ser sentida profundamente e em outras era apenas
dissimulada.
Ela o fitou mais uma vez, percebendo a linha firme de seu queixo e o rápido movimento
de um músculo. Seu sorriso se apagara e sua boca estava fixa, firme naquela linha tensa, tão
familiar, que o deixava com um aspecto bastante rude e desfigurava sobremaneira suas
feições tão belas. Como ficaria ele quando estivesse fora de si? Desviando os olhos para sua
boca mais uma vez, Helen sentiu um estranho tremor e desejou com muito ardor que nunca
entrasse em conflito com ele. De repente convenceu-se de que ele poderia tornar-se cruel.
Sim, pensou Helen novamente, ele era um homem estranho em muitas coisas, um
enigma nos traços constantes de seu caráter. As vezes firme e inflexível, em especial com as
crianças. Sua atitude para com as mulheres era também muito estranha. Embora interessado
por apenas um motivo, não deixava que nem mesmo uma alusão de menosprezo
transparecesse em sua voz quando falava nelas. Com sua mãe era gentil, com sua irmã,
generoso. Mas numa ocasião em que se referira à mãe das crianças, sua voz fora tão
implacável que Helen imaginara que ele seria capaz de matá-la. Leon, agora, estava de perfil,
e ela o fitou, desejando uma vez mais que em nenhuma ocasião ocorresse um conflito entre
eles. Tempos depois, à noite, entretanto, haveria um choque de opiniões e, pela primeira vez,
Helen sentiria o impacto da força da personalidade de Leon. Helen combinara visitar Trudy
uma vez por semana; estaria fora na tarde seguinte, quando as crianças chegassem da escola
e achou que deveria mencionar o fato.
— Eles ficarão bem com Araté, por mais ou menos uma hora? Estarei de volta logo
depois das três.
— Lógico que sim. — Leon chegara cedo do trabalho e estavam tomando café e
conversando na varanda. — A que horas você vai?
— Por volta de nove horas. — No dia anterior encontrara Robert na aldeia, e este lhe
dissera que iria a Nicósia comprar telas e tintas. Ao saber que Helen também desejava ir,
oferecera-se para levá-la e ela tinha aceitado.
— Nove horas?! — Uma pequena ruga apareceu na fronte de Leon. — Se você fosse
mais cedo, eu a levaria.
— Não se preocupe, Leon — sorriu. — Aquele rapaz que eu conheci durante a viagem,
e de quem lhe falei, vai para a cidade, e eu irei com ele.
— Prefiro que não aceite a condução. Eu vou junto com a escolta porque amanhã
preciso chegar bem cedo ao escritório, mas não vejo razão para que você não vá comigo.
— Mas o comboio parte às sete e meia. Chegarei lá muito cedo.
— Você pode ficar no escritório por uma hora ou mais. — Havia uma nota de
inflexibilidade em sua voz; Helen estava indignada pela calma com que ele falava. Ele é que
lhe dizia o que devia ou não fazer.
— Eu vou aproveitar a condução, se você não se importar. Resolverei tudo da maneira
mais simples.
— Eu me importo, Helen. — Sua voz, embora ainda fosse tranquila, começara a tornar-
se áspera. —Araté estará aqui e poderá mandar as crianças para a escola.
— Mas eu não quero ir tão cedo.
— Então receio que você tenha de ir de ônibus, ou, se preferir, eu chamo um táxi.
— Eu vou com Robert — disse Helen, com voz calma. — Como disse, é muito simples.
Acho ridículo até mesmo pensar em um táxi, quando tenho uma condução ao meu dispor.
— Helen — disse suavemente —, ou você vai à cidade por algum dos meios que eu
mencionei, ou não vai. de maneira nenhuma.
Por um momento ela conseguiu apenas arregalar os olhos, mas sentia sua temperatura
subindo. E respondeu, um pouco mais brusca do que havia desejado:
— Eu aceitei que Robert me levasse. Sinto muito ir contra seus desejos, Leon, mas não
vou aceitar ser dominada por você. Lembre-se de que eu sou inglesa.
— Você é minha esposa e fará o que eu disser.
— Já combinei com Robert. Ele virá me buscar.
— Ele virá aqui? — Parecia zangado. — Você lhe disse que viesse buscá-la em minha
casa?
— E por que não? — Para Helen não havia nada de errado em que Robert viesse a sua
casa buscá-la, mas, pela expressão de Leon, esse tipo de coisa definitivamente não deveria
ser feito. Era de se admirar que Robert não lhe tivesse explicado isso, pois ele parecia ter
conhecimento considerável sobre os costumes locais.
— Se você preferir, eu telefono a ele dizendo que me espere na aldeia.
— Você telefonará, sim, mas para cancelar o que foi combinado. Eu lhe expus de
maneira bastante clara, logo no começo, que esperava que você agisse com discrição em
todos os sentidos e que não me sujeitasse a qualquer forma de humilhação. Você está agora
diante de uma atitude que pode me levar ao ridículo.
— Isso é estúpido! Por que uma simples viagem com Robert até a cidade pode expor
você ao ridículo?
— Estamos numa aldeia muito pequena, e, de qualquer maneira, em Chipre cada um
cuida de sua vida pensando na dos vizinhos. E não estou querendo ter o nome de minha
esposa ligado ao desse inglês. — Agora, era impossível enganar-se quanto à inflexibilidade de
sua voz, e sua expressão era dura e arrogante. Ao mesmo tempo que relutava em aceitar a
decisão dele, Helen convencia-se de que aquele argumento não tinha sido usado em vão, pois
podia resultar na sua própria humilhação. Leon agia daquela maneira sempre... e não somente
numa situação como aquela. Olhou-o, sentindo mais uma vez aquela inquietação que já experi-
mentara em diversas ocasiões. Essa inquietação lhe trouxe prudência; não persistiria na
oposição à vontade dele.
— Se para você isso é tão grave, farei como manda e cancelarei o compromisso.
— Você irá comigo? — perguntou, e ela assentiu. — Teremos de levantar bem cedo.
Desculpe-me por isso, mas não posso fazer nada. Amanhã terei um dia atarefado e será bom
começar cedo.
A manhã estava clara e radiante, com o sol brilhando num céu sem nuvens. O carro era
grande e confortável. Helen relaxou-se no banco e estava surpresa por sentir que desfrutaria
da viagem. Depois de Kyrenia, uniram-se à escolta. Havia inúmeros veículos — caminhões,
ônibus e carros particulares. A chapa de cada um deles era anotada e só depois de uma
parada rápida é que seguiam, acompanhados pelas tropas das Nações Unidas, que usavam
uniformes azuis e dirigiam jipes. Um enorme cartaz dizia aos viajantes que os turcos lhes
desejavam liberdade, segurança, e justiça. Tudo em ordem; além dos ocasionais postos de
guardas e da advertência de que era proibido tirar fotografias, não havia indicação de que a
estrada estivesse sendo controlada. Lançando alguns olhares para o lado, Helen viu que o
rosto de seu marido estava tranquilo. Não mostrava qualquer sinal de preocupação por se
encontrar naquela situação insólita para um cipriota.
Ao chegar à beira da estrada, que dizia: "Bem-vindo ao Setor Livre", o comboio se
dividiu e cada veículo seguiu seu próprio caminho. Leon aumentou a velocidade de seu carro,
passando por jumentos carregados, por camponesas com grandes cestas amarradas às costas
e por extravagantes motocicletas que corriam muito, algumas vezes com garotas no assento
traseiro, e que pareciam excessivamente inseguras.
— O que você vai fazer agora? — perguntou Leon, assim que chegaram ao escritório.
Parou o carro e se virou. — É muito cedo para você ir à casa de sua amiga?
— Acho que sim. Ficarei aqui por algum tempo, se não lhe causar inconveniente.
— Eu lhe disse que poderia ficar — lembrou ele, manobrando o carro. Para surpresa de
Helen, ele lhe abriu a porta do veículo. — Vamos tomar um café.
— Não faço questão de tomar café. Sei que você tem pressa de começar a trabalhar.
Mas ele insistiu. O homem que trouxera Helen e as crianças de Limassol até ali já
chegara. Chamava-se Theophilos; sorriu quando Leon disse a Helen que o chamasse de Theo.
Após algumas instruções de Leon, Theo saiu e voltou quase em seguida, com a bandeja de
café, duas pequenas xícaras e os inevitáveis copos de água gelada. Helen sentou-se ao lado
da escrivaninha de Leon. Ele a fitava de maneira estranha enquanto ela bebia seu café.
— Você vai fazer compras aqui? — E mais uma vez Helen perguntou a si mesma se ele
estava insinuando que ela deveria comprar roupas,
— Não preciso de nada — respondeu de imediato. Quando Helen estava saindo do
escritório, ele lhe dissera que Theo iria levá-la ao apartamento de Trudy e, às quatro e meia,
voltaria pára apanhá-la.
— E as crianças? — protestou Helen. — Posso ir embora mais cedo, de ônibus.
— Elas não terão problemas — disse ele. — Tenha um bom dia e divirta-se.
Mais tarde, na casa da amiga, Helen aceitava uma bebida logo após instalar-se numa
poltrona e observou quando Trudy trouxera a bandeja notando como estava magra e bonita.
"Eu era assim", refletiu Helen, levando seu pensamento de volta aos dias em que as duas eram
adolescentes. Todos os rapazes tinham atração por elas; as duas podiam escolher. Com Helen
foi amor à primeira vista, quando encontrou Gregory. Ambos começaram a juntar dinheiro
avidamente e se casaram dois anos depois. E tudo acontecera muito rápido entre o
conhecimento, namoro e casamento. Houvera neste período um bom relacionamento e Helen
fora feliz, embora não exultasse de alegria. O primeiro período de deleite não continuara, ela
bem o sabia, e embora a tristeza por essa perda a perturbasse um pouco, acabara se adap-
tando. Quando seu filho nascera, experimentara a realização maravilhosa que a maioria das
mulheres experimenta com a maternidade.
Quando o bebê morrera, Helen esperara que seu marido a consolasse e que, ao menos
nos primeiros meses, se aproximasse dela novamente. Mas seu relacionamento continuara o
mesmo: vazio e distante.
Trudy fora mais afortunada, pois ela e Tasos amavam-se tanto agora quanto no início do
casamento. Devotado à esposa, Tasos nunca ia a lugar algum sem ela. Não era visto na
companhia de amigos, sentado nos bares ou jogando cartas. Tudo o que ele queria fazer era
chegar em casa e ficar com sua esposa.
— Fale-me sobre Leon — pediu Trudy, sentando-se no lado oposto à janela. Seus olhos
agitaram-se, enquanto completava, meio hesitante: — Você me falou tão pouco sobre seu
casamento! Aliás, não contou praticamente nada.
— Qualquer hora eu lhe conto — começou ela, bastante embaraçada. — Ou pode ser
agora mesmo. Leon e eu nos casamos por causa das crianças.
— Crianças? — Trudy pestanejou. — Chippy e Fiona?
— Já lhe contei que o pai das crianças morreu e que Leon teve de ficar com elas. Bem,
pediu-me que mudasse para cá para cuidar delas. Parece que não seria bem visto o fato de eu
viver na casa dele sem... sem sermos casados, e assim... -— Desviou os olhos para a rua mais
uma vez. Trudy esperava e Helen foi forçada a continuar: — Esta é a razão pela qual não tinha
lhe contado muita coisa. É só uma espécie de casamento.
— Que espécie?
— Quero dizer... não é normal. — A esta resposta, os olhos de Trudy se abriram tanto
quanto podiam.
— Do que você está falando?
Ainda experimentando dificuldades, Helen afinal explicou o acordo e como sua amiga
continuasse a fixá-la incrédula, uma nota de desafio transpareceu em sua voz.
— Você sabe que eu nunca me casaria novamente por amor. Já lhe disse isso muitas
vezes.
— Você sempre me disse que nunca se casaria — corrigiu Trudy. — Assim, acho que
mereço ser desculpada por ter concluído que, se você casou, foi por amor. Mas admito que
notei algo estranho nisso tudo, pois você está muito fechada e taciturna. É por isso que você
não liga para sua aparência? Oh, tenho sido muito áspera, até mesmo rude, se quiser, mas
você costumava se cuidar tanto! Não quer que Leon se apaixone?
— É claro que não — replicou Helen, um pouco magoada. — Ainda penso da mesma
maneira como pensava quando Gregory morreu. Nunca deixarei meu coração se envolver de
novo. Esse casamento foi conveniente para mim, é a isso que me refiro quando digo que não
quero nem mesmo que Leon me note.
— Não, não pode ser. Podemos ler histórias sobre casamentos assim, mas é
impossível que aconteçam na vida real.
— Este é um deles. — Helen se sentia menos embaraçada e viu sua amiga observá-la
com desconfiança. — Leon e eu somos menos do que estranhos um para o outro.
— Você nunca...? Não, não posso acreditar. Não um cipriota! Um cipriota não consegue
viver assim. Nenhum deles consegue.
— Sei tudo sobre como vivem. Têm seus passatempos. — disse Helen.
— E você não se importa?
— E por que deveria? Como lhe disse, esse casamento é exclusivamente um contrato
de negócios. A única razão para que tenha acontecido foi não dar motivos para que outras
pessoas falassem mal de nós. Não, não me importo com o que Leon faz. Sua vida particular
não me diz respeito.
— Mas... — A expressão de Trudy ainda era de incredulidade. — Você realmente
acredita, Helen, que continue assim a vida inteira?
— E por que não?
— Não é possível — disse Trudy, com firme convicção. — Não com um cipriota. Ele não
pode!
— O que você quer dizer com "não pode"?
— Não pode viver na mesma casa que você e não ser... não ser normal.
— Já lhe disse, ele tem seus passatempos.
— Como você sabe?
— Ele sai toda noite.
— A maioria dos homens, aqui, sai a noite. Vão para bares, clubes e restaurantes. Você
não pode dizer que ele esteja com uma mulher.
— Não creio que ele passe o tempo só conversando com amigos.
Trudy balançou a cabeça, confusa ante a indiferença calma de Helen.
— Você não se importa mesmo?!
— Já lhe disse, não há motivo para que eu me importe. Não sinto nada por ele. — Helen
mostrou uma ligeira impaciência: — Você sabe exatamente como me sinto com relação aos
homens, Trudy. Não tenho qualquer intenção de me envolver emocionalmente com um
homem, seja ele esse meu marido ou não.
— Bem, vou lhe dizer uma coisa: se você pretende ou não se envolver emocionalmente
com alguém, é outro problema; o que você não pode fazer é viver o resto de seus dias numa
situação como essa.
— Não vejo razão para você dizer isso — respondeu Helen, mas sua amiga negou com
um gesto de cabeça.
— Leon com certeza vai... vai...
— Ele prometeu. E, além disso, me acha completamente sem atrativos.
Trudy observou-a por um instante, detendo-se no traje de Helen, na palidez de sua face
e de seus lábios, na seriedade de seu penteado.
— Como sabe que ele não sente atração por você?
— Dificilmente ele olha para mim. — Enquanto dizia isto, franziu as sobrancelhas,
lembrando-se das ocasiões em que Leon a observava. — Ele prometeu — repetiu Helen, e
perguntou a si própria se não estava querendo se convencer disto.
— Prometeu! — Trudy deu uma risada. — Honestamente, você acredita que ele vai
manter sua palavra?
— Acho que posso confiar nele — respondeu Helen, e uma expressão de pena
atravessou as feições de sua amiga.
— Como você sabe pouco! Eu não daria tanto valor à promessa dele quanto você.
Esses orientais são o que são, ou o que a cultura do lugar faz com que eles sejam. Casei-me
com um deles e sei disto. Sinto desiludi-la, mas você cometeu o maior erro de sua vida, se
pensa que vai manter seu marido de braços cruzados indefinidamente. Os homens não são
assim, e isto não é natural para nenhum de vocês. Oh, Helen, pode confiar na minha palavra.
Quando Leon decidir quebrar sua promessa, a quebrará,
sem nenhuma cerimônia.
— Mas... e meus sentimentos? Ele deve considerá-los!
— Oh, por Deus, Helen! Você não é tão inocente. Quando o homem se dispõe a... a... —
Trudy, encolheu os ombros, impaciente, mas completou depois de um momento: — Com o
passar do tempo, nem mesmo ele se lembrará de ter feito alguma promessa; portanto, você
deve se resignar,
— Leon tem seus divertimentos. Ele nunca vai me querer.
— Você não tem provas de que ele tenha... divertimentos, como você os chama — disse
Trudy, rindo da maneira como Helen colocara isso. — Em todo caso, é muito mais conveniente
aproveitar o que você possui ao alcance da mão. Não será para sempre que ele sairá de casa
para buscar seu entretenimento...
— Por favor, Trudy! — Helen corou. — Acho que deveríamos mudar de assunto.
O resto do dia foi agradável para as duas. Depois do almoço, servido na varanda, foram
para o centro da cidade fazer compras.
Tudo o que Helen comprou foram meias para as crianças. Trudy estava interessada
principalmente em comida. Quando acabaram as compras, entraram em um bar para tomar
refrescos.
Quando voltaram ao apartamento, faltava ainda meia hora para que Theo viesse buscar
Helen, e Trudy levou-a ao seu quarto para mostrar as roupas novas que tinha comprado em
sua recente viagem ao Egito.
— Ainda acho que as roupas inglesas são as melhores que já vi, mas o que pensa
destas? — Comprara diversos vestidos e terninhos. Helen apreciou-os, comentando o bom
gosto de Trudy.
— Obrigada... mas acho que me enganei com este aqui — disse Trudy, pegando um
vestido de linho azul. Seu decote era um tanto largo. — Não ficou bem para mim. Eu o vi na
vitrine, sabia que era meu número e comprei-o sem experimentar. Tasos detestou-o.
— Mas é tão bonito — protestou Helen, pegando-o. — Tenho certeza de que lhe fica
bem. — Segurou-o na frente de Trudy e teve de admitir que a amiga estava certa. — É a cor;
não é o tom certo de azul.
— Mas é a sua cor — disse Trudy. — Coloque-o na sua frente.
— Sim, é minha cor — admitiu, e colocou o vestido sobre a cama.
— Fique com ele — tornou Trudy. — Não fica bem para mim.
— Oh, mas você pode usá-lo de vez em quando. Não é pelo fato de não ficar muito bom
em você que eu sonharia em levá-lo. É quase novo.
— Não lhe ofereceria se pensasse em usá-lo. — Trudy pegou o vestido e colocou mais
uma vez na frente de Helen. — É você... sim, é você quem deve usá-lo. — Dobrou-o e o
entregou a Helen.
CAPITULO IV
Leon estava inclinado no vão da porta da varanda, olhando o mar, com a cabeça atirada
para trás. Helen uniu-se a ele, depois de colocar as crianças na cama. Moveu-se para o
lado e, embora a face dele estivesse nas sombras, sentiu-lhe o sorriso quando chegou à
varanda. Ficaram assim por instantes e então Leon estendeu a mão e acendeu a luz.
— O que quer beber?
— Nada, obrigada.
Ele entrou na casa e voltou trazendo uma garrafa de cristal, com licor, e dois copos.
Helen não disse nada quando ele lhe deu a bebida, mas assim que Leon se sentou, ela lhe
perguntou:
— Não vai sair?
— Esta noite não. — Ele olhava diretamente para Helen, que sentiu as batidas de seu
coração mais rápidas. Por que ele ia ficar em casa? Leon já não saía havia quase uma
semana. Ela sabia por que seu coração batia depressa, por que estava apreensiva. Desde a
dura afirmação de Trudy de que Leon quebraria sua promessa, Helen observava-o, tentando
sondar cada olhar, desejando, ao fim de cada dia, que ele saísse.
— Está uma noite bonita — murmurou ela, inconscientemente calma e delicada. — É
uma pena ficar trancado em casa.
— Não estamos trancados em casa.
— Não disse por mim... pensei... Bem, você ficou no escritório durante o dia todo...
— Você tem razão, estava quente e abafado, devido a algum problema no ar
condicionado. — Uma pausa e então: — Beba seu licor e sairemos para caminhar.
O copo estava tocando os lábios dela; de súbito, todo o seu corpo estremeceu. Isso não
estava em seus planos.
— Estou certa de que você preferiria sair com seus... seus amigos.
— Eu não estaria aqui, se não quisesse.
— Estou com dor de cabeça. — E com um gesto mecânico levou a mão à testa.
— Sinto muito. — Seu tom de voz era frio e cortês como sempre, mas deixava
transparecer uma nota de ansiedade. Leon levantou-se da cadeira. — O ar fresco vai curá-la.
Vou lhe dizer o que faremos: vamos de carro até a praia e então caminharemos perto da água.
Logo a brisa afastará sua dor de cabeça.
— As crianças... não posso deixá-las sozinhas.
— Direi a Araté que fique aqui até voltarmos.
— Acho que seria melhor ir deitar-me — disse ela, quase com desespero. — Você deve
ir... — Não, ela não queria ir deitar-se! — Talvez você esteja certo, a brisa do mar vai me fazer
bem.
— Está se sentindo mal? — perguntou ele, examinando-lhe intensamente a face tão
pálida. — Há alguma coisa além da dor de cabeça?
— Não, Leon, não há nada comigo. É minha cabeça... acho que tomei o licor muito
depressa.
— Decerto foi isso. Como você não está acostumada a beber, deveria ter mais cuidado.
Já no carro, Helen se sentiu mais sossegada. Estava segura, pelo menos por enquanto.
Leon estacionou no flanco da montanha, deixando o carro aberto.
— Não seria melhor fechá-lo? — perguntou Helen, enquanto caminhavam em direção à
beira do mar.
— Aqui, as pessoas não roubam — foi a resposta calma. — E além do mais, não há
ninguém nas imediações. — Era verdade; não havia uma pessoa sequer em toda a praia.
A lua saiu de trás das nuvens e isto fez com que uma grande faixa prateada
atravessasse o mar. Nenhum som, além do leve murmúrio das ondas, desmanchando-se sua-
vemente sobre a areia. Helen nunca vira um mar tão calmo como o Mediterrâneo. Esqueceu
seu temor enquanto caminhavam, Leon tão alto ao lado dela, algumas vezes conversando em
voz baixa, outras caindo no silêncio.
— Sua dor de cabeça melhorou? — disse Leon.
— Sim, obrigada, Leon. — Suas palavras soaram formais. Estava começando a
experimentar embaraço quando se encontrava na presença dele. Lamentava ter conversado
sobre isso com Trudy. Até então, seus temores haviam sido somente murmúrios; tentava
dissimulá-los, mas eles persistiam. Agora, Helen se perguntava quanto tempo passaria até que
ela voltasse a confiar na promessa de Leon. No entanto, naquele momento, estava em paz e
com sua mente livre de receios. Era agradável caminhar pela praia silenciosa e estar com
Leon... contanto que ele também permanecesse em silêncio. Era somente quando ele
pronunciava algo que Helen se sentia insegura. Por mais que ele fosse suave, Helen se sentia
inquieta, não sabendo o que poderia ocorrer no momento seguinte.
Chegaram ao banco e, com uma das atitudes que sempre a surpreendiam, Leon pegou
seu lenço e limpou o lugar em que ela ia se sentar. Sem dúvida alguma, a cortesia era quase
uma arte para o cipriota. E para Helen isso parecia animador, pois nunca recebera tais
atenções de Gregory, nem mesmo durante os primeiros meses de seu casamento. Sorriu ao
perceber a atitude de Leon e lhe agradeceu com outro sorriso.
— Eu vou para Famagusta na próxima semana e ficarei lá alguns dias. Meus
empregados farão algumas modificações no serviço e quero estar por perto para supervisionar.
Você não gostaria de ir comigo? — disse Leon, sentando-se.
— Não sei... — Teriam de se hospedar num hotel... — As crianças não podem ficar
sozinhas — disse asperamente. — Araté gosta de dormir em sua própria casa, já me disse isso
diversas vezes.
— Isso porque o marido dela dorme lá — sorriu ele. — Enquanto estivermos fora, seu
marido ficará no bangalô... e Araté estará satisfeita. Não, não precisamos nos preocupar com
as crianças, não terão problema algum por poucos dias. E eu sinto que precisa mudar um
pouco. Ultimamente ando preocupado com você.
— Não sei, Leon — começou Helen novamente; mas ele bruscamente interrompeu.
— Do que você tem medo, Helen? — Sua voz era baixa mas insistente. Ela quis saber
se ele percebera seu embaraço e esperou um momento para responder.
— Medo? — Agitou-se e então deu uma risada insegura. — Do que eu teria medo?
— É o que lhe perguntei — replicou Leon suavemente. — E você não me respondeu.
Negou com a cabeça, olhando para o mar, enquanto se "esforçava para achar alguma
razão convincente que lhe assegurasse que ele não descobriria a verdade.
— Não estou com medo de nada — mentiu, desviando o olhar. — Não há nada de que
eu possa ter medo.
— Neste caso... — a resposta veio tranquila — não há razão para que você não me
acompanhe a Famagusta. Vou lhe dar algum dinheiro e você comprará umas roupas.
— Oh, não! — A exclamação lhe escapou antes que tivesse tempo de pensar, e ela
completou, mais calma: — Tenho roupa de sobra Leon.
— Tem? Então elas devem estar guardadas em seu guarda-roupa.
Sua aspereza chocou-a, mas ela se lembrou de que, afinal de contas, ele era seu
marido. Estranho, nunca pensara nela mesma como esposa e, por isso, não estava preparada
para ouvi-lo falar daquele modo, o que era natural em tal circunstância.
— Ora, eu devo vestir o que eu gosto — protestou.
— Você usará roupas que agradem a seu marido. — Ele parou e, sentindo a sua
angústia, procurou suavizar a voz, completando: — Levarei você ao hotel Rei George; é o
melhor de Famagusta... e gostaria de sentir orgulho de você. Lá encontraremos alguns
comerciantes.
Então era essa a razão! Todo seu corpo cedeu, enquanto um longo suspiro de alívio lhe
escapou. Censurou-se pelos seus temores e por permitir que sua imaginação cometesse
excessos. Não havia nenhuma alusão ao desejo, em sua voz. Como era estúpida! E tudo isso
acontecera por influência das palavras que Trudy dissera tão seriamente. Sua mente começou
a divagar, ante a expectativa desses poucos dias em Famagusta. Como Leon dissera, seria
uma mudança. Por mais que adorasse as crianças, elas eram peraltas demais, chegando
mesmo a deixá-la meio tonta com tantas diabruras. O trabalho a envolvera, e a
responsabilidade de cuidar delas mudara por completo sua vida, que era tão calma desde que
ficara só. Por isso, Helen se sentia tão cansada, em certas ocasiões. Talvez seu cansaço
contribuísse para sua aparência deselegante, refletiu, apesar dessa idéia
não a perturbar.
— Você acha que Chippy e Fiona ficarão bem? — murmurou, ansiosa.
— Lógico que ficarão bem. E não sofrerão qualquer dano com Araté e Nikos por perto. E
terão de se acostumar, pois, mais tarde, levarei você comigo para Paphos. Estou pensando em
comprar terras por lá.
— Talvez possamos levá-los conosco — sugeriu Helen.
— Algum dia os levaremos — concordou Leon, para sua surpresa. — Logo todos nós
sairemos em férias, como uma família.
Como uma família... Uma sombra passou momentaneamente pelo rosto de Helen.
Sempre que via uma família fazendo piqueniques, ou em férias, ou mesmo fazendo compras,
ela experimentava o terrível vazio de sua perda. Viajar com Leon e as crianças, como uma
família... seria maravilhoso. Num impulso, ela disse:
— Não podemos levá-los desta vez? — Havia um apelo inconsciente em sua voz, mas
Leon passou por cima disso e respondeu em tom firme e decidido:
— Não desta vez, minha cara. Disse-lhe que seria uma mudança para você. Não será
nem mesmo um descanso, se levarmos esses dois peraltas conosco.
No caminho de volta para casa, ele virou na estrada e parou em um bar, pequeno e
branco. Era bastante iluminado por luzes coloridas e havia um espaçoso terraço de frente para
o mar. Para surpresa e agrado de Helen, havia diversos ingleses sentados à mesa para a qual
Leon a conduziu. Instantaneamente eles sorriram, dando boas-vindas, e um rapaz foi logo
buscar mais duas cadeiras.
— Leon, que bom ver você! Nós todos achávamos que estava... ahn... hibernando
desde seu casamento. — O homem que disse estas palavras tinha a barba crescida e a pele
tostada pelo sol. Outro artista, pensou Helen, antes mesmo que Leon a apresentasse.
— Phil ainda não foi aclamado, mas logo o será — disse Leon, rindo, ante o olhar de
protesto dos amigos. — Ele é bom, Helen, e um dia colocará Lapithos no mapa.
— Lapithos já está no mapa — protestou outro rapaz, indignado. E virando-se para
Helen: — Temos uma pequena comunidade de artistas aqui, mas é provável que você já saiba.
— Tenho ouvido falar deles — respondeu ela, sorrindo. — Conheci um deles durante a
viagem para cá,
— Robert... sim, ele fala muito sobre você! Ele vai muito bem agora, tem quadros em
todas as lojas da ilha que vendem lembranças. Sim, ele falou de você... gosta de você um
bocado!
Um sorriso de satisfação transformou o rosto de Helen; virou-se impulsivamente para o
marido... e o sorriso congelou-se em seus lábios. O que fizera? Ele tinha a expressão
carregada e zangada. Rapidamente ela baixou seus olhos e, com grande alívio, ouviu Phil
perguntar a Leon o que beberia. Helen, uma vez mais, perguntou-se o que havia feito. Foi
apresentada a outras pessoas e logo todos, inclusive Leon, estavam de bom humor, divertidos
e amigáveis. As mulheres presentes lançavam olhares dissimulados para Helen, pois estavam
curiosas por saber o que o belo Leon Petrou vira nela. Sua escolha devia parecer enigmática,
já que ele tinha a reputação de desprezar as mulheres. Se tal homem se apaixonasse, seria
por alguma mulher muito linda, alguém a quem não pudesse resistir. E ali estava Leon, casado
com uma mulher tão deselegante... Helen pôde adivinhar todos esses pensamentos sem
qualquer esforço, e quando viu seu marido observando-a criticamente, sentiu que ele devia
estar muito envergonhado por sua causa. Mas por que a trouxera para conhecer seus amigos?
Não havia necessidade de fazer isso. De repente, Helen reparou que ele sorriu, e, por
alguma razão incompreensível, ela exultou; um pouco depois, ela também estava tão alegre
quanto qualquer outra pessoa, esquecendo, inclusive, sua aparência desarrumada.
Conversava desinteressadamente com Phil sobre seu trabalho.
— Robert contou-me que você pinta — disse ele, após ter falado sobre seu trabalho.
— Minhas pinturas não são muito boas. Nunca frequentei nenhuma escola de arte nem
tive qualquer orientação — disse Helen.
— Os verdadeiros artistas pintam de coração — declarou Jerry.
Ele também morava em Lapithos mas trabalhava em Nicósia. Sua situação na ilha era
precária; a cada seis meses, seu patrão tinha que requerer nova permissão de trabalho para
ele. Um dia ela seria recusada, tinha certeza disso.
— Você deve deixar-nos ver alguns de seus trabalhos, Helen; todos temos interesse em
outros tipos de pintura, você sabe.
— Ainda não vi nenhum deles — comentou Leon, levando seu copo aos lábios. —
Minha esposa é uma artista modesta, acho.
— Não pintei nenhum quadro desde que cheguei aqui — explicou ela, e com uma ligeira
risada, acrescentou: — Não tenho tido muitas oportunidades.
— Ele faz você trabalhar o tempo todo? — Phil fez um sinal de advertência com o dedo
e continuou prevenindo. — Esses cipriotas são ótimas pessoas, mas insistem em manter suas
mulheres ali. — Virou o indicador para baixo e apontou o chão. Leon abriu a boca para
protestar mas acabou rindo. — Não ligue, Helen, seu marido é muito diferente de nós, os
pobres; ele pode dar-lhe muitos empregados.
— Mas então, eu não teria nada para fazer e logo me tornaria entediada. —
Percebendo a expressão de uma das mulheres, Helen novamente adivinhou seus
pensamentos. Entediada? Com um marido como Leon, por perto! Pegando seu copo, Helen
observou a expressão da mulher, percebendo que o olhar dela, agora, estava fixo no perfil
moreno de Leon. A mulher a invejava! Quem seria? Helen sentira uma animosidade secreta
sob seu sorriso, ao serem apresentadas, mas havia de imediato rejeitado essa idéia, e mesmo
quando, mais tarde, surpreendera uma expressão quase maligna nos olhos da mulher, não lhe
dera importância, dizendo para si mesma que ela devia estar preocupada com problemas seus.
Mas agora... Quem seria ela? Helen perguntou-se novamente, desejando ter prestado mais
atenção nas apresentações. Ficou em silêncio, afastando-se da conversa somente para ouvir e
tentar descobrir algo sobre a desconhecida. Tudo o que conseguiu saber foi que ela negociava
terras para o governo. Mais tarde, no entanto, Helen saberia um pouco mais e, com isso,
descobriria a razão óbvia para que Paula a detestasse.
Todos se despediram e os carros já saíam do estacionamento. Leon dirigiu-se ao seu
carro, esperando que Helen o seguisse, mas foi Paula quem o fez. Enquanto Helen hesitava
nos degraus, olhando-os e querendo saber se tratavam de negócios àquela hora, Phil segurou-
a pelo braço, para que o esperasse.
— Sei que não é delicado, de minha parte, dizer isto — segredou ele —, mas não confie
nela. Ela e Leon foram... bem, amigos, por assim dizer, e apesar de todos os rumores de que
ele não pensava em casamento, ela desejava um dia tornar-se a senhora Petrou. Não é
necessário entrar nos detalhes de como ela reagiu, ao saber que ele se casara com outra
pessoa. Não é da minha conta, eu sei, e é provável que você esteja pensando que falo por
maldade, mas você é uma boa pessoa, e ela, uma mulher sem escrúpulos. Além disso, tem
atração por homens... quero dizer, por alguns homens. É melhor você ir... Leon está
esperando... mas cuidado com Paula Maxwell!
Sim, certamente o vestido a modificara. Helen afastou-se do espelho para se observar à
distância. Seus braços estavam nus e o decote do vestido revelava a bonita curva do pescoço.
O vestido tinha um corte muito elegante, pensou Helen, franzindo as sobrancelhas e baixando
os olhos para examiná-lo melhor; suas pernas estavam bem delineadas.
Seu agasalho estava sobre a cadeira; jogou-o em seus ombros e, pegando sua bolsa,
saiu e caminhou pela colina, em direção à aldeia. Não chegara muito longe, quando um carro
parou e ela entrou nele.
— Pontual, hein? Não sou mesmo um bom menino? — Robert tirou o pé da embreagem
e o carro se moveu aos trancos sobre as pedras do atalho, até que alcançaram a rua.
— Qual a distância até esse lugar? — perguntou Helen, encostando-se no banco,
— Não é muito longe. Você ainda não foi até lá? Pensei que Leon tivesse levado você a
Monte Maré. Todos vão. Todos os ingleses se reúnem lá... e, é lógico, em alguns outros
lugares. Mas esse lugar em particular é popular entre os ingleses, e lá as noites de sábado são
ótimas. Estou feliz por você poder conhecê-lo.
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  • 3. ele odeia as mulheres — acrescentou Brenda, com uma pequena risada. — Não deve ser uma pessoa muito agradável. — Acho que você tem razão — concordou Helen, reprovando a idéia de duas criancinhas terem de viver com um homem desse tipo. — E uma pena que esses seus amigos não possam continuar com elas. — É impossível — disse Brenda, tomando outro gole de chá. Helen ficou um instante em silêncio e depois murmurou, quase que para si mesma: — E além de tudo, ele não gosta de mulheres! — Helen pensou em sua própria atitude em relação aos homens e perguntou a si mesma: — Será que alguma mulher o desiludiu? — Brenda ouviu a pergunta e respondeu: — Aparentemente ele odeia as mulheres pelo que a esposa de seu irmão fez. Ela o abandonou por outro homem, deixando o marido com dois bebês. Chippy tinha dois anos e Fiona apenas um ano de idade. Alguns homens também eram egoístas, pensou Helen em silêncio, recordando os três anos que vivera com Gregory. Um casamento normal e feliz, ou pelo menos ela havia acreditado nisso. Mas quando seu marido foi encontrado morto, em meio aos destroços de seu carro, uma jovem do escritório estava com ele. Uma amiga, para confortá-la, lhe dissera a tradicional frase, aplicável à circunstância: "A esposa é sempre a última a saber". Forçada a aceitar o fato de que o romance já durava um ano, Helen foi tomada de uma grande mágoa. Aquilo era o pior que ela poderia ter imaginado. Sua fé nos homens acabou-se para sempre e ela jurou nunca mais confiar neles, e muito menos dar oportunidade para que isto ocorresse novamente. Em decorrência do choque, Helen adoecera e se esgotara, física e financeiramente. Depois de dois anos, sua saúde se restabelecera e ela agora tinha esperanças de conseguir um cargo no es- critório em que trabalhara antes de seu casamento. Mas o lugar só ficaria vago depois do Natal e, por esta razão Helen estava livre para aproveitar a oportunidade de visitar Chipre. — Que idade têm as crianças agora? — perguntou subitamente, como se despertasse de seus devaneios. — Chippy está com oito anos e Fiona com sete. Eles são muito levados e você pode ter certeza que merecerá o dinheiro ganho. — Claro, uma proposta como essa nunca é feita a troco de nada — retrucou Helen, Seus lindos olhos azuis pareciam mais tristes e ela pensava em seu próprio filho, que estaria agora com quatro anos. Mas ela e Gregory o tiveram por menos de seis meses. — Em todo caso, gosto de crianças peraltas — disse ela. — Tenho medo de que esses dois malandrinhos sejam peraltas demais — advertiu Brenda. — Provavelmente eles se tornarão cansativos antes do fim da viagem. O pai deles, certa vez, sofreu um acidente numa aterrissagem e por esta razão não os mandaria de avião. Mas você poderia voltar de avião, se quisesse... e, é claro, se estiver interessada na proposta... — Lógico que estou — respondeu Helen. Depois de visitar o pai das crianças e lhe causar uma impressão favorável, Helen foi com Brenda ver Chippy e Fiona. Uma semana mais tarde, após viajar até Atenas, de trem, Helen e as crianças estavam a bordo do Knossos, seguindo para Chipre. As crianças estavam em pé, junto à amurada do navio, fascinadas pelo maravilhoso pôr- do-sol, e Helen, de sua cadeira no convés, a pouca distância, não as perdia de vista. Por volta das dez horas da manhã seguinte, Helen deveria deixá-las para sempre. Esse pensamento lhe trouxe um sentimento de melancolia e ela não pôde deixar de pensar em como as crianças haviam se tornado rapidamente tão queridas para ela. Diante dessa constatação, sentiu-se ansiosa quanto ao futuro de Chippy e Fiona e ao seu relacionamento com o tio, que não gostava nem de mulheres nem de crianças. O que aconteceria a eles? Censurando-se por se preocupar em demasia com esses assuntos, Helen resolveu deixá-los de lado, pois sua única obrigação era entregar as crianças ao tio. Depois disso, estaria livre para desfrutar suas férias na ilha. O que eventualmente acontecesse a Chippy e a Fiona não era problema seu. — Venha ver, senhora Stewart — gritou Fiona, voltando-se para Helen e estendendo sua mão — Olhe a luz brilhando na água!
  • 4. Levantando-se, Helen colocou seu livro sobre a cadeira e caminhou até a amurada, segurando a mão que lhe era estendida. A mãozinha era pequena e morna; os dedos en- rolaram-se procurando proteção e Helen sentiu um peso no coração, ao compreender que aquela pobre criança talvez nunca tivesse sentido o amor de uma mãe. — Não é bonito? — perguntou Chippy, voltando-se para ela e lhe segurando a outra mão, para não ser "vencido" pela irmã. — Parece que o mar está pegando fogo. — Sim... é muito bonito — concordou Helen, observando o rápido declínio do sol. Enquanto este submergia, cada vez mais a linha de fogo sobre o mar se afastava do navio, em direção à ilha. — Está escurecendo. Por que está ficando escuro tão rápido? — quis saber Fiona, virando-se, admirada e confusa, para Helen. Esta então lhe explicou que naquela parte do mundo o sol se punha muito depressa e por isso a noite caía com maior rapidez. — Então não poderemos brincar na rua ao anoitecer? — perguntou Fiona, com uma expressão de desapontamento. — Acho que não vou gostar daqui. — Claro que vai gostar — disse Chippy. — Sinta como o clima é agradável. Onde morávamos faz muito frio e, de qualquer maneira, você não podia brincar fora de casa! — Chippy está certo — concordou Helen, divertida com a expressão de Fiona —, você vai usar novamente suas roupas de verão... poderá usá-las durante o ano todo. — O ano todo? — Fiona abriu ainda mais os seus já imensos olhos castanhos. — Não existe inverno aqui? Helen negou com a cabeça e achou que não era necessário explicar que havia um período de inverno muito curto, mesmo porque o clima ainda estava bastante quente. Eles assistiram em silêncio ao anoitecer e então Fiona deu um triste suspiro. — Eu gostaria que ficasse conosco, senhora Stewart. Não gosto de pensar que a senhora vai embora, deixando-nos com tio Leon. — Eu também não — acrescentou Chippy. — Tio Leon é ruim, ele não deixa você fazer nada. Faz você ficar quieto. E se você não fica quieto, ele olha para você assim... — E Chippy contorceu tanto seu rosto que Helen não pôde deixar de rir, apesar de ter voltado toda sua preocupação para a felicidade das crianças. — Tenho quase certeza de que ele não olha assim — respondeu Helen. E acrescentou, curiosa: — Então vocês conhecem seu tio? — Sim, ele nos visitou algumas vezes. — Somente duas vezes, Chippy — corrigiu com rigor Fiona, mas Chippy negou: — Três vezes. Você não se lembra da primeira porque era muito pequena. — Sou apenas um ano mais nova que você! — Bem, você era apenas um bebê quando ele nos visitou pela primeira vez, mas eu me lembro porque ele disse ao papai que eu devia apanhar. — Por quê? O que você fez? — Não sei, mas papai sempre disse que o tio Leon não entende as crianças. — Mas a senhora entende — disse Fiona, apertando a mão de Helen. — A senhora pode ficar conosco? — Receio que isto não seja possível, querida Fiona. — É por que a senhora não quer? — Não é isso. Mas seu tio não iria me querer. — A senhora ficará se nós pedirmos a ele? Rindo da solução que Chippy encontrara, Helen disse ter certeza de que o tio Leon já havia arrumado uma pessoa que tomasse conta deles. — Mas nós queremos a senhora — insistiu Fiona, com voz meiga. — Porque tem de voltar? A senhora tem filhos? — Não, não tenho — respondeu Helen. Fiona lhe deu um aperto na mão e Helen sentiu que a menina, com sua sensibilidade infantil, havia percebido a tristeza no tom de sua voz. Emocionada, Helen também apertou carinhosamente os dedos da menina.
  • 5. — Olhem, estão vendo a silhueta de um castelo? — Helen apontou para a ilha, tentando distrair as crianças; mas não conseguiu interessá-las. Pareciam desanimadas por perceberem que a viagem chegava ao fim. O desânimo continuou durante o jantar e Helen se lembrou de como lhe haviam descrito Chippy e Fiona como duas crianças travessas. Mais tarde, na cabina, Helen tentou tirá-las da melancolia dizendo-lhes que, se não se sentissem felizes com o tio, isto seria somente por uma temporada, pois iriam voltar para o pai depois de poucos meses. — A senhora volta direto para sua casa, quando nos deixar de manhã? — perguntou Chippy, negando-se a ser consolado. — Antes disso passarei férias com uma amiga minha que mora em Chipre — respondeu Helen, inclinando-se para endireitar a coberta de Chippy. — Depois voltarei para casa, na Inglaterra. — Quanto tempo a senhora vai ficar aqui? — Provavelmente duas semanas — disse Helen. Havia uma incerteza em sua voz, pois embora tivesse telegrafado, avisando Trudy, sabia que a resposta só chegaria depois do embarque, pensou, esperando que sua visita não atrapalhasse Trudy e seu marido. A ilha já estava à vista quando, às sete horas da manhã seguinte, Helen deixou as crianças dormindo e foi para o convés. O navio dirigia-se para o leste, percorrendo a costa sul da ilha, a uma certa distância. — Paphos — disse alguém atrás de Helen, e ela se voltou, curiosa. Ali estava Robert Storey, que viajava sozinho, voltando da Inglaterra, onde fora visitar seus pais. Durante a viagem ficara bastante tempo com Helen e as crianças, ocupando a mesma mesa durante as refeições e sentando-se com elas no convés. Tiveram o navio praticamente para eles, porque novembro era um mês pouco escolhido para viagens, e havia somente umas poucas pessoas a bordo. — Em mais ou menos três horas estaremos desembarcando — disse Robert, com uma certa ansiedade. — Três horas?! — exclamou Helen, surpreendida, olhando novamente para a ilha. — Parece tão perto. — É quase a distância de Paphos até Limassol. Paphos, como você pode ver, fica logo no lado oeste da ilha. — Ele se aproximou de Helen, que não saiu do canto em que estava. Embora não se interessasse mais pelos homens, não pôde deixar de gostar de Robert, com sua expressão sincera e seus claros olhos azuis. Ele era um solteirão e havia lhe contado que, depois de ter passado longas férias na ilha, apaixonara-se tanto por ela que comprara uma pequena casa ao lado de uma colina e se mudara para lá. Ele era um artista e morava em Lapithos. Conhecia Leon Petrou, o tio das crianças, mas somente de vista. — Ele tem um temperamento terrível — contou Robert, quando Helen mencionou a razão de sua viagem. — É um solteirão inveterado, mas, logicamente, deve ter seus divertimentos. Helen corou levemente, mas Robert apenas riu e, para seu total embaraço, completou dizendo que nenhum cipriota podia viver sem uma mulher. — Eles irão contar-lhe isso. O clima é a desculpa deles, ou talvez a "explicação", que é uma palavra melhor, pois um cipriota nunca sonha em desculpar sua conduta. — Como é a casa dele? — perguntou Helen, curiosa. — Ah... é uma maravilha! — replicou Robert, admirado. — Foi construída sobre colunas, no sopé da montanha; um bangalô grande, branco, com varandas em todos os cômodos. Do lado das varandas você tem a vista panorâmica de ambos: montanha e mar. E realmente muito bonito, romântico demais; e parece uma casa de contos de fadas para um velho rabugento como Leon Petrou. — Velho? Pensei que fosse bastante jovem. — Talvez esteja com mais de trinta e cinco anos. Mas tem um ar de arrogância que ihe dá uma aparência carrancuda... — Espero que as crianças fiquem bem com ele — murmurou Helen, quase certa de não existir essa possibilidade. — O que ele faz?
  • 6. — Bem, em primeiro lugar, possui diversos depósitos em Famagusta, o lugar onde toda a fruta da área é empacotada para exportação. Ele negocia com terras, pois tem muitas propriedades, em várias partes da ilha. E todos que têm propriedades aqui, hoje em dia, podem se tornar milionários da noite para o dia. Robert falou de outros detalhes sobre o tio das crianças, deixando Helen ainda mais preocupada. Fiona e Chippy já tinham sofrido o suficiente para serem infelizes também com esse tio de atitudes severas, que certamente não apreciava a idéia de tê-los em casa. — Olhe só este sol e este céu — dizia Robert, despertando Helen de seu devaneio. — É uma ilha maravilhosa! E uma lástima que você não viva aqui. — Após uma pequena pausa, Robert acrescentou: — Mas você disse que ficará algumas semanas, não? Posso levá-la a passear algumas vezes? — Estarei com amigos meus — sorriu Helen —, mas obrigada da mesma maneira. — Ela não queria a companhia de Robert nem a de qualquer outro homem, mas não lhe diria isso. — Além disso — completou —, eu estarei em Nicósia. Acho que passearemos por aquelas redondezas, isto é, se minha amiga e o marido tiverem tempo de me levar. Robert encolheu os ombros, mas disse que lhe daria o número do telefone e que ela deveria chamá-lo, caso se encontrasse desocupada em alguma ocasião. — Obrigada — respondeu Helen, sem a mínima intenção de aceitar a oferta. O Knossos aportou em Limassoi às dez horas e um carro os esperava. Mesmo antes que Chippy dissesse qualquer coisa, Helen sabia que o homem que se aproximava não era Leon Petrou. — Esse não é tio Leon. — É a senhora Stewart? — O homem era baixo e moreno, com um sorriso espontâneo e amigo. Ele sorriu para as crianças e passou a mão nos escuros cabelos de Fiona. — O senhor Petrou mandou-me aqui — continuou o recém-chegado, assim que Helen meneou a cabeça como resposta. — Ele não pôde vir porque um cliente telefonou inesperadamente para o escritório. Mas eu a levo até ele. — Eu? Ele disse que eu tenho de acompanhar as crianças? Eu entendi que as deixava aqui, em Limassol. Nisto, uma pequena mão se agarrou a ela, fazendo-a olhar para baixo e ver um olhar de súplica no rosto de Fiona. — Foi o que ele disse. — Por um momento o homem pareceu incerto. — A senhora acha que eu cometi um engano? — Mas imediatamente negou com a cabeça: — Não! Não cometi engano, porque ele disse à secretária que telefonasse ao hotel e reservasse uma mesa com quatro lugares para o almoço. Helen sentiu que Fiona relaxava seu tenso aperto de mão e lhe sorriu carinhosamente. — Vamos então — disse ela alegremente, enquanto o homem abria a porta do carro. — Para onde estamos indo? — Virou-se para o motorista: — Para Lapithos? — Não, para Nicósia, é onde o senhor Petrou tem seu escritório. Essa carona viera bem a calhar, pois Helen pensara que precisaria de um táxi que a levasse até a casa de Trudy. O escritório de Leon ficava no centro da cidade. Um edifício novo, com varandas espaçosas, parecia mais uma moderna casa de campo do que um escritório e Helen soltou uma exclamação de surpresa quando o motorista, depois de parar o carro, desceu e abriu a porta. Momentos mais tarde, Helen estava no suntuoso escritório, em pé, ao lado da escrivaninha, olhando Leon, que, à sua entrada, havia-se levantado e agora lhe estendia a mão. Ela chegou até a escrivaninha e sentiu a firmeza do aperto de mão, enquanto Leon lhe dizia, num tom entrecortado e calmo: — Bom dia, senhora Stewart. Espero que sua viagem não tenha sido cansativa demais. — Ele falava de uma maneira tão leve e tão vazia de entusiasmo que sua voz era quase imperceptível.
  • 7. — Desfrutei-a imensamente, obrigada, senhor Petrou. — Ela não sorriu, enquanto retirava a mão, e, por um momento, ele esteve observando-a em silêncio. Então seus olhos desviaram-se para as crianças. Helen as havia repreendido, dizendo que o tio não podia ser tão severo quanto queriam fazê-la acreditar. Mas agora ela entendera que as crianças haviam acertado na descrição. Observou a dureza e a rigidez de seus traços: era de uma beleza desconcertante, mas, como Robert havia insinuado, essa grande beleza parecia quase que apagada pela sua expressão áspera e arrogante. Não era difícil acreditar que ele não gostava de mulheres e de crianças. — Fico aliviado ouvindo isso — disse Leon, dando-lhe sua atenção mais uma vez. — Conhecendo meus sobrinhos como os conheço, estava certo de que lhe causariam algum problema. — Olhava-os severamente, enquanto falava, e completou: — Devo agradecer-lhe por trazê-los ilesos até aqui. Helen sentiu sua temperatura subir, às primeiras palavras, e disse, mais asperamente do que pretendia: — Não tive qualquer problema com eles, senhor Petrou. Como disse, realmente aproveitei muito bem a viagem até aqui. A arrogância e a contrariedade demonstradas pelo baixo tom de voz com que ele falava fizeram com que Helen sentisse suas faces ficarem vermelhas. Aquele homem era descon- certante! Sentiu que poderia chegar a odiá-lo sem muito esforço. Suas perguntas sobre a viagem e seus agradecimentos soaram superficiais, parecendo surgir simplesmente da ne- cessidade de mostrar cortesia e boas maneiras. Helen sentiu novamente uma profunda ansiedade, ao pensar na vida das crianças com ele. Curioso, refletiu, há apenas uma semana eram estranhas, e agora sentia-se triste, pois dentro em breve se despediria delas para sempre. Porque, na verdade, não tinha intenção alguma de aceitar qualquer convite de Leon Petrou para almoçar. Uma semana... parecia impossível. Mas crianças eram assim mesmo; podiam mostrar-se amáveis para um adulto compreensivo, especialmente crianças como Chippy e Fiona. Determinada a controlar a perturbação que rapidamente se apoderava dela, Helen perguntou ao senhor Petrou como poderia chamar um táxi. — A senhora já vai embora? Eu tinha planejado levar todos vocês para almoçar. — Muito obrigada, mas... — A pequena mão de Fiona procurou a sua mão. Helen sentiu um nó na garganta. Aquele homem ainda não havia dirigido uma palavra sequer às crianças. — Terei muito prazer em almoçar com o senhor — respondeu, para seu próprio espanto. — Há também a questão do pagamento — acrescentou ele, aprovando a resolução de Helen com nada mais do que uma leve inclinação da cabeça. — Meu irmão adiantou-lhe uma parte do dinheiro para a viagem, certo? — Correto. Esta viagem possibilitou-me passar férias aqui, em Nicósia, com amigos. Estou bastante satisfeita — completou apressadamente, enquanto ele começou a tirar algumas notas da carteira de couro que tirara do bolso. — Este é nosso dinheiro, naturalmente, mas a senhora achará fácil lidar com ele. Nossa libra é equivalente à libra inglesa e a senhora verá que os preços das mercadorias nas lojas daqui são dados tanto em libra esterlina quanto em moeda corrente na ilha — Ele estendeu-lhe as notas; Helen abriu a boca para recusar, mas alguma coisa lhe bloqueou as palavras. — Acho que esta quantia é suficiente para cobrir as despesas ocorridas durante a viagem — disse Petrou. Embora contra sua vontade, pois estava certa de que recebia muito mais do que havia gastado, Helen viu-se aceitando o dinheiro, — Obrigada — murmurou, colocando o dinheiro na bolsa. As crianças a olhavam, esperando para pegar em suas mãos novamente. Percebendo a atitude delas, o tio, afinal, lhes deu atenção. Por algum milagre, seus lábios, agora, entreabriram-se num sorriso. — Gostaram da viagem? Não se cansaram demais no navio? — Não se dirigia a nenhum deles em particular, e foi Chippy que respondeu: — A noite, dormíamos em beliches, foi muito engraçado. A minha cama era a de cima. Fiona a queria também, mas tinha medo da escada.
  • 8. — Não tinha, não. Queria dormir com a senhora Stewart, por isto não quis a cama de cima. — E de dia, não se sentiam cansados pela longa viagem? — Algumas vezes sim, mas a senhora Stewart nos contava histórias. E brincávamos também. — Parece muito eficiente, senhora Stewart. — Depois de uma pausa, ele perguntou: — A senhora é casada? — Havia curiosidade em seu tom de voz e em seus olhos. — Sou viúva — respondeu Helen, muito calma, e ele murmurou uma condolência. E completou: — A senhora é muito jovem para ser viúva. — Tenho vinte e seis anos. Meu marido morreu num acidente, dois anos atrás. — Leon transmitiu-lhe novamente suas condolências e então perguntou se tinha filhos. — Nosso bebê morreu com seis meses de idade — disse ela, e um súbito tremor transpareceu em sua voz. Não deixaria nunca de pensar que, se a criança fosse viva, Gregory estaria a seu lado até então. — Peço-lhe desculpas, senhora Stewart — disse ele, e sua voz pareceu ter perdido um pouco da aspereza inicial, enquanto completava: — Sua vida é muito triste para uma pessoa tão jovem. As crianças prestavam atenção com interesse e, obviamente, ambas haviam entendido, pois Fiona perguntou: — Seu marido morreu, senhora Stewart? — Sim, Fiona. — E seu bebezinho também? — interveio Chippy, comprimindo sua mão em volta dos dedos dela. — Sim, meu bebê também. — Não perguntem coisas assim. — Leon olhou severo para as crianças. — A senhora não deve responder-lhes, senhora Stewart. — Está tudo bem — sorriu ela. — Não me importo com isso. Pareceu-lhe que Leon ainda queria acrescentar um último comentário, mas algo o fez mudar de idéia. Ele mandou buscar refrescos e uma hora mais tarde estavam almoçando no restaurante. Quando terminaram e já estavam ao lado do carro, Leon perguntou a Helen sobre o endereço de sua amiga. — Eu a levarei até lá — disse ele, examinando o papel que ela lhe dera. — Sim... não é muito longe daqui. — É muita gentileza sua levar-me — agradeceu Helen, graciosa, enquanto se sentava no carro, ao lado dele. — Seria difícil para a senhora achar o caminho — admitiu ele —, mas um táxi a levaria à porta certa. — As crianças tagarelavam com Helen, mas havia tristeza velada em cada palavra. Ela própria se sentia muito mal e começava a ficar com medo de que as férias que tanto esperava transcorressem de maneira enfadonha. — Esta é a rua... — Leon virava a esquina e ia, agora, bastante devagar, observando os edifícios. — Deve ser desse lado... Ah! É aqui. — Vou pegar minha bagagem — disse Helen, ao descer do carro. Esperou que Leon abrisse o porta-malas, mas ele lhe disse que era melhor que se certificasse de que seus amigos estavam em casa. — Sim, claro. — Podemos ir com a senhora? — perguntou Chippy, deprimido, determinado a tê-la até o último momento. — Lógico. — Heien consultou Leon com os olhos e este, para sua surpresa, não fez objeção alguma. As crianças a seguiram na escada, até o primeiro andar do prédio em que Trudy e Tasos moravam. — A senhora procura a madame Pavlos? — perguntou uma mulher que aparecera à porta do apartamento ao lado, quando Helen se preparava para tocar a campainha pela terceira vez. — Sim... a senhora sabe onde posso encontrá-la?
  • 9. — Ela e o marido foram para o Egito, na segunda-feira passada. Ele foi tratar de negócios. — A senhora sabe quando estarão de volta? — Vão ficar fora dois meses, mais ou menos. A senhora vem de longe para vê-los? — Sim... sim, venho da Inglaterra. — Foi tomada por um amargo desapontamento. Depois de toda a distância percorrida para chegar até ali e não poder ver Trudy. Tentou sorrir para a mulher, enquanto agradecia, e virou-se para sair. — A amiga da senhora Stewart foi viajar — informou Chippy ao tio. — E estará de volta só daqui dois meses — completou Fiona — Helen fitou-os. As crianças estavam radiantes! — Ela pode ficar conosco até que a amiga volte? — perguntou Chippy. — Não, Chippy. Não posso ficar aqui dois meses — começou Helen, olhando com tristeza para Leon. — Se o senhor puder me levar para um hotel, serei eternamente grata. — Sinto muito, mas não posso — respondeu ele com firmeza. — A senhora ficará em minha casa. — Oh, não! Não quero incomodá-lo tanto. — A senhora não ouviu nada sobre a hospitalidade cipriota? A senhora fez um favor ao meu irmão e isto é suficiente para que eu não a deixe sozinha em um hotel. — Ele estava segurando, aberta, a porta do carro. — Receio que tenhamos de voltar ao escritório, mas terminarei meu serviço em uma hora. E então a levarei para minha casa, em Lapithos. CAPÍTULO II As três horas estavam a caminho. Felizes pela inesperada mudança dos acontecimentos, as crianças tagarelavam sem cessar, até que seu tio lhes disse que ficassem quietas. Elas pararam, mas quando Helen se virou para ver a reação delas, surpreendeu Fiona mostrando a língua para Leon, que se encontrava de costas para ela. Helen reprovou-a, franzindo as sobrancelhas. — Receio que tenhamos perdido o comboio — estava dizendo Leon, enquanto passavam pelo subúrbio norte de Nicósia. — Nossa viagem levará uma hora. — Os turcos tinham o controle do atalho através das montanhas e somente estrangeiros tinham permissão de transitar nessa pequena estrada, sem acompanhamento. Todos os gregos necessitavam de escolta das Nações Unidas ou tinham que usar a estrada mais longa. Isto, obviamente, causava grandes inconvenientes aos gregos, mas Leon falava sobre o assunto sem qualquer sinal de animosidade e, mais tarde, Helen soube, com grande espanto, que Leon Petrou era a favor dos turcos, como, aliás, muitos outros gregos. Por alguns momentos, todos se calaram, no carro, e Helen, sentada no banco de trás, sentiu-se estranhamente relaxada, embevecida com a beleza dos lugares pelos quais estavam passando. A primeira reação de Helen, ao saber que Trudy e Tasos estavam viajando, foi a de querer voltar para a Inglaterra imediatamente, mas Leon lhe disse que poderia ficar em sua casa por quanto tempo quisesse, e assim ela decidiu aceitar a oferta e ficar por duas semanas. Poderia então visitar os lugares de seu interesse e, se Leon permitisse, levaria as crianças com ela nos passeios que pretendia fazer, tornando assim sua estada ainda mais agradável. — Atravessaremos a montanha agora — disse Leon, enquanto, fora do carro, começava a ventar. — O cenário aqui é ainda mais interessante. A casa de Leon era exatamente como Robert descrevera, e, ao chegar, Helen ficou alguns momentos perto do carro, apreciando os arredores. As montanhas atrás, a grande ex- tensão de mar azul na frente. Como pode uma casa estar rodeada de tão linda paisagem? Mais tarde, quando estava se preparando para o jantar, Helen ficou um instante pensando nas pessoas que havia encontrado; pessoas que compunham a família de Leon. Ha- via sua irmã, Koula, muito educada e que se casaria no fim de janeiro. Tinha apenas vinte e dois anos e trabalhava num escritório em Nicósia. Seu noivo, Theodore, que todos chamavam
  • 10. de Teddy, era quatro anos mais velho que ela e também trabalhava em Nicósia. Helen não havia ainda conhecido o rapaz, mas Koula tinha lhe mostrado sua fotografia. Era moreno e bonito, e a garota estava perdidamente apaixonada por ele. — Fui forçada a acreditar que a maior parte dos cipriotas se casam por conveniência — disse Helen, notando um lampejo nos lindos olhos de Koula. — Mas, obviamente, o seu é um casamento por amor. — Sim — respondeu Koula. Um rubor tomou conta de seu rosto e ela ficou séria de repente. — Oitenta por cento dos casamentos cipriotas são por conveniência — disse ela fatalmente. — Não são muitos os que se amam. — Depois de uma pausa, completou: — Se meu irmão casasse, seria por conveniência, pois ele não é o tipo de homem que ama. — Sua voz baixa e rouca sugeria um sentimento de pesar. Era fácil perceber que nutria uma profunda afeição por Leon, embora os sentimentos deste para com a irmã não fossem evidentes. Ele havia sido frio e quase bruto, quando a apresentara a Helen. Os outros membros da família de Leon aos quais Helen tinha sido apresentada eram Asmena, tia de Leon, e seu marido Vasilios. Asmena interessou-se por Helen, perguntando-lhe sobre sua vida e sua casa na Inglaterra; enquanto que Vasilios apenas a fitava, impassível, e brincava com um rosário. Na verdade, a única impressão que Helen teve dele foi a de um ininterrupto chocalhar daquelas contas. A mãe de Leon, uma mulher corpulenta, mas muito elegante, aparentando ser mais velha do que era na realidade, estava só de visita. Vivia em Paphos com a filha casada, mas vinha duas vezes por ano ver os filhos. — Tive que deixar mamãe e vir morar com Leon — disse Koula, como se a explicação fosse necessária. — Trabalho em Nicósia. Não era possível viajar de Nicósia para Paphos todos os dias. Helen soube, mais tarde, que Asmena e Vasilio ficariam com Leon somente até janeiro. Estavam construindo uma casa e, embora sabendo que esta demoraria a ficar pronta, tinham vendido a antiga residência ao receberem uma boa oferta por ela. O tocar de um sino no andar inferior trouxe a atenção de Helen de volta para suas roupas e seus cabelos. Leon havia lhe dito que o sino seria ouvido dez minutos antes de a refeição ser colocada à mesa. Tinha tomado um banho e de fato estava quase pronta. Mas que roupa usaria? Não que isso preocupasse Helen, que não se preocupava mais em se vestir bem desde que resolvera não se interessar pelos homens. Acabou escolhendo um vestido bem sóbrio, de cor cinza, e desceu para o jantar. Koula estava bem diferente de Helen. Usava um vestido de algodão florido; num dos pulsos, um lindo bracelete, no outro um elegante relógio, presente de Teddy pelo noivado. Estava adorável! "O amor fez isto por você", pensou Helen tristemente, recordando o período de idílio do seu próprio noivado. O seu lugar à mesa era ao lado direito de Leon; as crianças estavam no lado oposto, ambas um tanto envergonhadas mas sorridentes, ao verem Helen se sentar. Com a típica cortesia cipriota, Leon afastou a cadeira de Helen e agora lhe oferecia sopa. A sopeira era muito pesada, e como Helen não tivesse certeza de gostar da sopa, serviu-se de uma pequena quantidade. A concha foi tirada de sua mão. — A senhora gostará — disse Leon, adivinhando seus pensamentos e vertendo mais sopa no prato de Helen. Embora, a princípio, achasse que não conseguiria tomar tudo aquilo, Helen acabou conseguindo e, como Leon havia dito, gostou muito. Mas as crianças detestaram. A sopa era feita de leite de cabra e tinha um sabor ligeiramente picante. Helen entendeu a aversão das crianças pela sopa, mas o tio fez com que elas continuassem a tomá- la. Somente quando Chippy começou a sentir náuseas é que ele consentiu que colocassem a colher sobre a mesa. Apesar do sofrimento do menino, Helen não pôde deixar de sorrir. O irmão de Leon havia dito que ele nada entendia de crianças. E como estava certo! Pois a primeira coisa que se sabe sobre crianças ê que nunca devem ser forçadas a comer. A mesa estava abarrotada de pratos diferentes e ela própria teve de se cuidar, pois, de outra maneira, sentiria o mesmo que Chippy. Nunca havia visto tamanha variedade numa só
  • 11. refeição. A travessa com frutas era frequentemente passada entre os presentes. Laranjas e tangerinas, tâmaras e figos e até mesmo bananas, todas as frutas do pomar de Leon. Acabada a refeição, deixaram a sala e foram até a varanda para tomar café, preparado à maneira turca, e servido em pequenas xícaras. Fiona tomou apenas um pequeno gole e fez uma careta. — Ah! — exclamou ela, deixando que a xícara lhe escapasse das mãos. O líquido negro e espesso se espalhou pelo seu vestido ricamente bordado. Leon olhou furioso para a sobrinha. — É hora de vocês dois irem para a cama — disse ele de maneira ríspida; e voltando- se para Helen: — A senhora se importaria em levá-los? Araté cuidará deles depois, mas, enquanto a senhora estiver aqui, poderá fazê-lo? — Araté era a criada que lhes servira o café; parecia inflexível, e ante a idéia de aquela mulher tomar conta das crianças, Helen sentiu um baque no coração. — Certamente que sim — respondeu Helen, sorvendo jogo em seguida seu café. O quarto de Fiona tinha uma varanda com vista para o mar, enquanto o de Chippy, para as montanhas. Isto agradara bastante às crianças, mas agora, sentadas sobre a cama de Fiona, enquanto Helen fechava as janelas, seus semblantes estavam carregados. — Agora que a senhora o conhece, não acha que ele é terrível? — Vocês se acostumarão com ele — respondeu Helen. — Vá para o seu quarto, Chippy, e você Fiona, tire a roupa. — Está bem. — O menino desceu da cama e obedientemente saiu do quarto. — Quanto tempo a senhora ficará aqui? — perguntou Fiona momentos depois. — Duas semanas, caso seu tio não se importe. — Puxou o lençol e prendeu-o sob os ombros de Fiona. — Gostaria que a senhora ficasse conosco por bastante tempo. Isso agradaria a todos. — Isso é impossível, meu anjo. — Num impulso, Helen inclinou-se e beijou o rosto de Fiona. — Boa noite, querida, durma bem. Estavam sentados sob um guarda-sol colorido e alegre, na enseada de Kyrenia. Diante deles havia inúmeros navios de pequeno porte, atracados. Quando as crianças acabaram de tomar seus refrigerantes, saíram da mesa correndo para olhá-los melhor. — Tomem cuidado — preveniu Helen, quando elas se aproximaram perigosamente da beira do cais. — Chippy, saia já daí! — São crianças ótimas — disse Koula, quando Chippy obedeceu imediatamente ao chamado de Helen. A moça havia dito a frase com alguma surpresa, e Helen se lembrou de que Koula sempre se admirava quando, depois de alguma ordem, as crianças obedeciam sem argumentar. — Você fala como se esperasse que elas fossem crianças malcriadas. — Helen pegou seu copo e segurou-o junto aos lábios, observando com atenção sua companheira, que parecia um tanto agitada. Afinal Koula falou: — Leon visitou-os na Inglaterra uma ou duas vezes. Bem, ele não os achou particularmente bem educados. — Tem horas em que eles são travessos — admitiu Helen, recordando-se de uma ou duas ocasiões durante a viagem em que fora forçada a refrear um ou outro. — Mas se uma criança é muito dócil — acrescentou —, mais tarde pode se tornar um adulto estúpido. — Estou vendo que você gosta de crianças. — Koula sorveu sua bebida e, como Helen não tivesse replicado, continuou: — Também adoro crianças. Teddy e eu queremos quatro, no mínimo. Uma tristeza muito forte desceu sobre Helen. Caso sua única criança estivesse viva e se tivesse mantido Gregory com ela, poderia estar com mais um filho agora... ou, quem sabe, dois. Olhou para Koula; não, não sentia inveja pela sorte da companheira, e ainda... Helen franziu as sobrancelhas e olhou para o infinito. Não, definitivamente não invejava Koula, que estava prestes a se casar. Oh! A pobre moça pensava que conhecia Teddy, mas a mulher nunca conhece o homem totalmente até se casar com ele. Então, todos os seus defeitos se revelam — e daí é tarde demais para se fazer alguma coisa. Não, ela não invejava Koula; pelo
  • 12. contrário, sentia pena da moça. Mas, no presente, Koula estava cheia de felicidade, radiante, e Helen disse gentilmente: — Onde vocês passarão a lua-de-mel? Pretendem viajar logo depois das núpcias? — Queria ir a Paris, mas Teddy já esteve lá várias vezes. Ele quer ir a Londres. — E para onde resolveram viajar, então? — Para Londres. — E como se houvesse lido o pensamento de Helen, Koula imediatamente acrescentou: — Mas eu projetei a casa, planejei cada cantinho. Na cozinha terei todo o conforto, pois temos a aparelhagem mais moderna. Garanto a você que gostarei de ficar lá dentro. — Então Teddy permitiu que você escolhesse tudo ao seu gosto? — É lógico. — Levantou o queixo por urna fração de segundo. — A casa é minha. — Sua? — Helen pestanejou. — Sua propriedade, você quer dizer, você é que está construindo? — Claro! — Mas... — Koula tinha apenas vinte e dois anos e casas eram muito caras. — Você deve ser rica! — disse, percebendo que Koula esperava algum comentário. — Meu pai deixou-me algum dinheiro para meu prika, e Leon colocou o restante que faltava. — Prika? Você quer dizer um dote? — Isso! As garotas gregas levam a casa como dote. Este é o costume. Na Inglaterra vocês não fazem isso porque sempre se casam por amor, não é? — Mas, Koula, você havia me dito que estava se casando por amor... — É verdade, mas ainda levo a casa porque meu pai me deixou o dinheiro. Leon somente o completou porque os preços subiram muito. Veja, meu pai foi previdente e pensou na possibilidade de eu me casar com um homem que insistisse no dote. — Que aconteceria se... Bem, eu sei que não são frequentes, por aqui, os casamentos que se acabam, mas suponha que isto aconteça. A casa ficaria com o marido? — Não. — Koula a olhou pasmada. — Se meu casamento acabar, e espero que isso nunca aconteça, é claro, a casa fica comigo e Teddy é que terá de ir embora. — Sei. — Estava sendo cínica em não fazer comentário, pois não pôde deixar de pensar que esta era a razão pela qual tão poucos casamentos se acabavam. Aparentemente, o homem estava na posição mais precária. Caso se portasse mal, podia ficar sem um teto sobre a cabeça. Ela percebeu que devia dizer qualquer coisa sobre essa tradição. — Você disse que oitenta por cento dos casamentos, aqui, são arranjados. Casamentos por conveniência. A proporção me parece muito alta. — Koula não prestava atenção a ela. Seus lábios abriram-se num sorriso, e Helen se voltou instintivamente. Leon estava atrás de sua cadeira. — É verdade, senhora Stewart. Mas os costumes na ilha não mudam de maneira rápida — comentou ele calmamente, sentando-se em uma das cadeiras vagas, enquanto procurava as crianças com os olhos. — Não se preocupe: esses casamentos por conveniência em geral são bem-sucedidos. — Olhou para ela de maneira estranha e Helen notou algo mais do que um simples olhar. Suas férias estavam no fim, pensou Helen com um suspiro. Ficara uma semana a mais do que havia anteriormente determinado, mas quando mencionara sua partida, Leon e Koula lhe pediram que ficasse por mais algum tempo. Helen e Koula tornaram-se boas amigas e, sempre que a moça tinha algum tempo livre, vinham à enseada conversar e aproveitar o sol. Koula levou Helen, algumas vezes, para conhecer as redondezas. Começou a escurecer e a brasa incandescente sobre o mar se tornou purpúrea, enquanto ainda estavam lá. Helen, Koula e as crianças tinham vindo de Lapithos de ônibus, mas, como Leon chegara de carro, voltariam para casa con-fortavelmente. Sentada na frente, ao lado dele, Helen ficou curiosa por saber por que ele tinha ido à enseada, já que, ao saírem de casa, ele ficara trabalhando na biblioteca. Koula disse algo e Leon replicou que tinha ido especialmente para buscá-los, pois sua mãe lhe havia dito onde eles se encontravam. Quanta consideração!
  • 13. Parecia realmente um homem muito estranho. Sua atitude para com as crianças era, às vezes, muito severa. Em duas ocasiões Chippy recebeu algumas palmadas nas pernas e Helen ficara enfurecida com essa atitude de Leon, mas quando o menino certa vez caíra e arranhara o braço, fora o próprio Leon quem fizera o curativo. Jamais esqueceria seu espanto nem a sensação estranha que tivera ao ver Leon com o menino, nessa ocasião. Seus dedos pareciam bastante delicados e ele mesmo enxugava as lágrimas de Chippy. A atitude de Leon para com ela era cortês, mas de uma frieza e indiferença tão grandes que provava, sem dú- vida, a afirmação de Brenda sobre a sua falta de interesse pelas mulheres. A cortesia com que ele a tratava fazia parte das tradições cipriotas; seria dispensada a qualquer pessoa que ele conhecesse. No entanto, o convite para que ficasse um pouco mais com eles havia sido sincero e, na verdade, ele parecia ansioso por tê-la como hóspede por um período mais longo. Esforçando-se por descobrir qual a razão disso, Helen só pôde concluir que Leon estava agradecido pelos seus cuidados para com Chippy e Fiona. Uma parte da estrada de Kyrenia para Lapithos era paralela ao mar e outra afastava-se em direção às colinas. A pista tornava-se mais estreita e cheia de pedregulhos à medida que subiam rumo à encantadora casa branca. Viajaram em silêncio até a entrada da casa. Fiona saltou e dirigindo-se a Helen exclamou: — A senhora está triste por ter que voltar? — perguntou Fiona, e, sem esperar uma resposta, acrescentou: — Eu estou triste porque a senhora vai embora. — Havia um pouco de esperança em sua voz quando completou: — A senhora não poderia ficar mais um pouco conosco? — Fiquei uma semana a mais do que havia planejado, querida. E eu tenho minha casa, você sabe... — Mas a senhora é sozinha — disse Chippy, chegando-se a elas. — Não é bom viver só. Eu acharia muito ruim não ter ninguém. — Você está certo — concordou Helen, sorrindo —-, mas eu já estou acostumada a viver sozinha. — A senhora não parece ter muita certeza disso — comentou Leon, incrédulo, vindo do outro lado do carro. Depois de um eletrizante silêncio entre ambos, ele disse: — Quero conversar com a senhora em particular, depois do jantar, quando a senhora já tiver colocado as crianças na cama. — Em particular? — Por que esse tremor dentro dela? — Devo encontrá-lo na biblioteca? — Se me fizer este favor, não seremos incomodados lá. — O tom de sua voz era baixo e em seus olhos permanecia o olhar gélido de sempre. A linha de sua boca estava dura e inflexível como sempre. Ele esperou por um momento alguma pergunta e, como Helen tivesse continuado em silêncio, entrou na casa. Helen seguiu-o em estado de torpor, apenas consciente de que as crianças estavam agarradas às suas mãos. Embora cheia de curiosidade, com o coração batendo mais depressa do que o normal, Helen estava totalmente despreparada para o que Leon tinha a lhe dizer, quando, mais tarde, entrou na biblioteca. Depois de aproximar uma cadeira e convidá-la a sentar-se, Leon iniciou a conversa com a voz tão fria e ríspida que Helen ficou estonteada. — Senhora Stewart, estava falando sério, hoje, quando lhe disse que a maior parte de nossos casamentos por conveniência são bem-sucedidos, — Pegou uma cadeira para si e acomodou-se diante dela. — Durante nossas conversas concluí que a senhora não deseja um segundo casamento baseado no amor. Acha que interpretei de maneira correta? — S-sim — gaguejou Helen, sentindo-se incapaz de se lembrar da conversa que ele mencionara. Se ela realmente lhe dissera tal coisa, devia ter sido incidentalmente, pois esta não era a espécie de assunto sobre a qual conversaria com qualquer pessoa, exceto, talvez, com alguma amiga. De qualquer forma, não queria outro casamento, e isto era tudo. — Assim pensei eu. E como não existe qualquer possibilidade de eu me apaixonar profundamente por uma mulher, quero lhe fazer uma proposta. Na semana passada chegou- me a notícia de que meu irmão não ficará curado de sua doença; na realidade, tem, no máximo, um mês de vida.
  • 14. — As crianças ficarão órfãs! Oh, mas que coisa horrível! — As crianças têm mãe — lembrou ele secamente, admitindo com isso que ela soubesse dos detalhes da história de Chippy e Fiona. — Mas isso não importa, pois a mãe não se preocupa com elas. Terão de ficar comigo, não há outra alternativa. Tenho observado vocês durante estes dias, com bastante atenção, e é evidente que as crianças sentem uma grande afeição pela senhora, como a senhora em relação a elas. Por isso, desejo persuadi-la a cuidar delas. — Oh... — deixou escapar Helen, com um suspiro. — Isso é tudo? Eu certamente pensarei na proposta. — Helen calou-se, ao sentir o olhar irritado que ele lhe dirigiu. — Peço-lhe que não me interrompa — disse ele, e um rubor surgiu na face de Helen. Leon esperou um momento, e então continuou: — Como a senhora sabe, minha irmã se casa no próximo mês e meus tios irão embora na mesma época. Na Inglaterra é comum que uma mulher entre na casa de um homem e se torne pajem de suas crianças, mesmo que ele não tenha uma esposa. Aqui, infelizmente, isto não é visto com bons olhos; nos preocupamos muito mais com as convenções sociais do que em seu país. Como vê, é indispensável, para a felicidade das crianças, que eu lhe peça que se case comigo. Mesmo tendo pressentido o que Leon acabara de dizer, Helen permaneceu em silêncio. Como podia um pedido de casamento ser feito com tão fria deliberação... e com apenas três semanas de convivência?! Ele não disse mais nada e lhe deu tempo para se recompor. Ainda que entorpecida pela proposta, Helen sentiu que estava gradualmente aceitando o fato de que o casamento seria a única forma de resolver as dificuldades de Leon, pois, como ele havia dito, ali uma mulher não poderia viver sozinha na casa de um homem sem ser esposa dele. Os empregados, Araté e o marido tinham sua própria casa ao pé da colina, mas, mesmo que eles dormissem na casa de Leon, não faria diferença. Nesta parte do mundo, mulher sozinha que vivesse na casa de um homem, não importava por que motivo, era sempre vista com extrema suspeita e desfavor, como também o homem que a acolhesse. — Não posso casar-me com o senhor — respondeu afinal. — Consideraria a proposta de vir cuidar de Chippy e Fiona, mas casar... — Sentia-se indecisa, pois, na verdade, nutria um carinho profundo pelas crianças. Sabia que elas ficariam terrivelmente infelizes quando ela fosse embora. Já haviam sofrido o suficiente durante suas vidas e agora... agora sofreriam muito mais, quando soubessem a verdade sobre o pai... — Não sei o que lhe dizer, senhor Petrou — murmurou, fixando-o com olhar brilhante. — Não posso nem mesmo pensar. Helen concluiu que Leon era um homem inteligente e astuto, quando, num tom suave e até mesmo gentil, lhe disse que entendia o conflito que ela deveria estar experimentando. Ele não esperava uma decisão imediata; Helen deveria pensar no assunto, deveria medir muito bem as vantagens e possíveis desvantagens que ela e as crianças teriam. Quanto ao casamento, da parte dele, ela não tinha nada a temer. Tudo o que lhe pediria era que fosse reservada e que nunca o submetesse a qualquer humilhação por uma conduta que pudesse, mesmo remotamente, ser descrita como indiscreta. — Não se preocupe quanto a isso. — Helen ficou atônita, por ter transmitido seus pensamentos em voz alta. Leon sorriu, diante de sua confusão, e Helen se surpreendeu com a transformação ocorrida no rosto dele, sempre tão sério. Sim, ele era muito bonito! Gregory também era muito bonito, e, consequentemente, as mulheres corriam atrás dele... mas se as mulheres corressem atrás de Leon, ela não poderia ficar magoada e nem mesmo se importar com isto. Mas que pensamentos eram aqueles? Estava fora de cogitação casar-se com ele. Não, nem mesmo pela segurança que isso lhe proporcionaria, nem mesmo pelas crianças, por nada ela se casaria pela segunda vez. Além disso, Leon sentia um grande desprezo pelas mulheres, da mesma forma que ela detestava e desconfiava de todos os homens. A idéia de um casamento entre duas pessoas assim lhe parecia ridícula. CAPITULO III
  • 15. Casaram-se dois meses depois, quando a primavera chegara à ilha. Em todo lugar brilhavam verdes brotos que surgiam aqui e ali, vestindo as planícies, e as encostas das montanhas transformavam-se com o colorido das flores silvestres que cresciam rapidamente. Da varanda de seu quarto, Helen olhava sonhadoramente através da estreita costa, para a grande extensão de mar. Entretanto no quarto, viu sua imagem refletida no espelho. Estava fora de moda, dissera-lhe asperamente Trudy, quando Helen a visitara na semana anterior. — Por que essa maneira de se vestir, agora que é casada? Desse jeito você não vai segurá-lo, estou lhe avisando. Não é preciso muito para que esses cipriotas se desviem do bom caminho. Um rostinho bonito, e eles estão perdidos... a menos que tenham alguma coisa melhor em casa. — Você está falando por experiência própria? — Lógico que não. Meu Tasos é diferente. Oh, sim, ele é, não precisa rir. Mas a regra geral... bem, como eu disse, eu a estou prevenindo porque você é minha amiga. Você é linda, Helen, por que então esse ar tão sério? E o comprimento de sua saia? — Tia Helen... onde a senhora está? — gritou Fiona ao chegar em casa, tirando Helen daqueles momentos de devaneios. — Já vou, querida — respondeu Helen, dirigindo-se para a cozinha onde se encontrava a criança. — Largue essa mochila. Não, pendure-a no lugar certo, por favor. Sorrindo travessa, Fiona foi pendurar sua mochila no armário do corredor. Voltou e sentou-se à mesa; e enquanto aguardava com expectativa o que Helen lhe arranjava para comer, balançava suas pernas no banquinho, alto demais para ela. Por um momento Helen ficou a olhar a menina, lembrando-se da reação que ela tivera quando Leon contara às duas crianças sobre seu pai, depois que este morrera. Primeiro seu terno rostinho se crispara, e então, sobre o peito de Helen, ela soluçara de maneira comovente, durante bastante tempo. Chippy, segurando as lágrimas, tentara ser forte e corajoso, mas não o conseguira por muito tempo. Esta cena tão triste e a expressão de ansiedade nos olhos de Leon provaram muita coisa a Helen. Sua decisão fora impulsiva, admitiu ela, resultante de uma forte emoção, porém passageira. Haveria de se arrepender, por certo, daquele casamento, pois morar com aquele estrangeiro moreno e austero, cujos costumes e a própria maneira de viver eram tão diferentes dos seus, não poderia dar certo por muito tempo, Robert lhe assegurara categoricamente que nenhum cipriota poderia viver sem uma mulher e, embora este aspecto da vida particular de Leon não lhe dissesse respeito, a consciência de que essas mulheres existiam nunca a deixaria em paz. Conseguia dominar suas inquietações e ainda não se arrependera do ato que praticara. No seu íntimo sabia que esse tipo de casamento combinava com ela. Não havia um envolvimento emocional profundo nem o despertar de emoções; portanto, não existiam os riscos de uma segunda desilusão. — Tia Helen, oh, ande logo! Rindo, Helen foi até o armário e trouxe os pedaços de bolo; depois colocou um copo de leite na frente de Fiona. — Por onde anda Chippy? — perguntou Helen, enquanto a menina estava com a boca cheia de bolo. — Por que ele sempre chega mais tarde que você? — Ele está com uns meninos. Chippy consegue conversar com eles, mas eu não. É difícil aprender o grego, embora a professora seja boa; ela me ensina todas as palavras. — E você as esquece na hora. — Mas a senhora disse ao tio Leon que nunca aprenderá. — É que sou mais velha, e a aprendizagem de línguas se torna mais difícil conforme as pessoas vão ficando mais velhas. Espero que consiga aprender o suficiente para minhas necessidades. — Helen olhou para a janela quando Chippy apareceu na varanda. Passou pela porta de vidro e um momento mais tarde sua mochila rolou pelo chão polido. — Guarde sua mochila — disse Helen, ríspida.
  • 16. — Fiona. — Gesticulando, Chippy indicou a mochila. — Eu não vou guardar sua sacola feia e velha! Guarde-a você! Ele mandou que eu limpasse seus sapatos, hoje de manhã. — Limpar seus sapatos! — Helen fitou-o, incrédula. — Você mandou sua irmã limpar seus sapatos? — Mandei sim — replicou Chippy calmamente. — Aqui as irmãs sempre servem seus irmãos. Os meninos é que são importantes; as meninas só servem para trabalhar e... e tudo — finalizou de maneira vaga. — E quem, me diga, quem lhe ensinou tudo isso? — Os meninos — respondeu ele, de maneira afetada. — Todas as irmãs cuidam deles. Eu me senti um bobo, quando lhes contei que não pedia que minha irmã fizesse algo por mim, porque todos riram e disseram que eu era um afeminado. — Não acredito que eles tenham usado esta palavra. — Usaram outra, em grego, mas é a mesma coisa. — Bem, afeminado ou não, é você quem vai limpar seus próprios sapatos. Agora guarde sua mochila. — Mas a senhora não entendeu, tia Helen. — O que tia Helen não entende? — Leon estava na porta. Embora falasse com Chippy, seus olhos estavam fixos nela, examinando-a dos pés à cabeça. Pela primeira vez, Helen sentiu-se mal pela sua aparência deselegante. A atenção dele voltou-se para Chippy. — Bem... — Sua voz era áspera e Helen desconfiou de que ele talvez tivesse ouvido a conversa antes de entrar. — Você perdeu a língua? O ar superior e convencido de Chippy havia se evaporado. Disse, quase com humildade. — Nada, tio Leon. Leon voltou-se para Helen, que se viu forçada a responder pela criança. Falou despreocupada e de maneira brincalhona: — Chippy está se tornando um verdadeiro cipriota, muito depressa. Imagine que ele considera o sexo feminino inferior. — É mesmo? — Ele quer mandar em mim e me obriga a limpar seus sapatos — disse Fiona. — Não é bem verdade — contemporizou Helen. — Ele somente pediu para você limpá- los. Como Leon não demonstrasse surpresa, Helen concluiu que ele ouvira mesmo a conversa. Leon virou-se muito suave para o sobrinho. — Desça do banco e guarde sua mochila — mandou ele, tocando-a com a ponta do sapato. — Sim, tio Leon. — Chippy obedeceu prontamente, mas ficou furioso com a irmã, que, por sua vez, o olhava triunfante. — Todos os garotos, na escola, têm suas irmãs fazendo serviços para eles — disse Chippy quando voltou, não se dirigindo a ninguém em especial. E completou, quase num desafio: — Tia Koula faz serviços para o senhor. O senhor manda que ela faça e pegue coisas. Seguiu-se um silêncio a essa pequena explosão e então Leon mandou que o menino fosse para seu quarto. — Oh, não! — protestou Helen. — Chippy não teve intenção de ser rude. Os meninos lhe contaram muitas coisas e agora ele já sabe que aqui, é costume as garotas servirem seus irmãos. — Chippy, faça o que eu disse. — A voz de Leon era baixa e ameaçadora; até mesmo Helen estremeceu, ao ouvi-la. — O que o fez pensar que, em Chipre, as mulheres são inferiores? — perguntou Leon, indo em direção à porta da varanda, no momento que as crianças deixavam a cozinha. — É um fato, não é? — Depende de como você interpreta a atitude dos homens para com as mulheres — disse ele, observando-a mais uma vez, com curiosidade, e manifestando um total interesse por seu rosto. Helen teve a impressão de que ele examinava cada linha, cada curva, e,
  • 17. constrangida, tirou os pratos e os copos que estavam sobre a mesa, carregando-os para a pia. — No seu país, a mulher “é" igual ao homem, mas me parece que, ao ganhar essa igualdade, ela perdeu algo ainda mais precioso. — O que foi que ela perdeu? — Frequentemente não é tratada com respeito ou cortesia. Mas, mais do que isto, não é observada como uma mulher; quero dizer, não é tratada com atenção pelo sexo masculino, não é mimada como deveria ser. — Mimada? — Seus grandes olhos azuis mostravam estupefação. Estas não eram palavras de um inimigo das mulheres. — Não me tem sido dado a entender que os cipriotas mimam suas esposas. — Então você está desinformada. Nós mimamos todas as nossas mulheres. Refiro-me à regra geral, pois é claro que sempre existem exceções. Alguns homens aqui não são gentis para com suas mulheres, mas posso lhe garantir que eles são minoria. — Não sei como você pode dizer isso. Pelo que tenho visto, as mulheres aqui são tratadas como criadas, quase mesmo como escravas. — Isso é um absurdo! — Ele estava zangado e sua voz era mordaz. — As mulheres trabalham em casa porque é natural que façam isto. O homem traz o dinheiro. — As mulheres trabalham no campo — disse ela, enxaguando os copos — Vejo-as com frequência. — É verdade, mas os homens trabalham ao lado delas. As mulheres gostam de trabalhar nos campos; elas gostam de estar fora de casa. Leon virou a cabeça e observou Helen, que guardava os copos numa prateleira alta. O vestido da moça subira e, quando ela se voltou, ele olhava suas pernas, cuja beleza estava oculta por meias marrons muito grossas. Subitamente, Leon mudou de assunto: — Helen, você está com pouco dinheiro? — Não, não, eu tenho bastante. — Um rubor coloriu suas faces e em seus olhos transpareceu uma tímida surpresa. Sua mesada era generosa. Ele devia saber que ela não estava com pouco dinheiro. — Eu só estava pensando e por isso falei, você não precisa esperar que eu lhe dê dinheiro. Quando precisar, basta pedir. Helen arregalou os olhos. Ele estaria insinuando que ela deveria comprar algumas roupas? Bem, não tinha intenção alguma de fazer isto. Helen andava notando como Leon, nos últimos tempos, a olhava de maneira tão intensa que a deixava quase sem ação. Esses olhares insinuantes faziam com que a moça não se esquecesse do que Robert dissera sobre o fato de os cipriotas não viverem sem mulheres. Leon normalmente chegava muito tarde, e Helen tinha suas próprias idéias sobre o que ele ficava fazendo. Mas havia épocas em que ia diretamente do escritório para casa. Ainda que não sentisse atração por Leon, gostaria de saber como sua mente funcionava. Concluiu que tanto uma mulher como outra eram a mesma coisa para esse cipriota impetuoso... Mas logo a seguir Helen resolveu não pensar mais sobre o assunto. Viver era agradável; tinha as crianças e uma casa bonita. Era absurdo querer complicar sua vida e correr o risco de despertar algum desejo no seu marido. Não, ela não era atraente para ele — e pretendia continuar assim. — Você não vai deixar Chippy de castigo por muito tempo, não é? — perguntou, num tímido tom de súplica. — Ele é muito criança ainda e apenas deu ouvidos aos garotos. E, além do mais, está na idade em que precisa sentir-se importante. — Caminhou em direção a Leon, que se virou para o lado, num mudo convite para que ela viesse à varanda. Ela sorriu e acelerou o passo; ele estava ao seu lado e Helen percebeu que sua cabeça tocava, levemente, o ombro dele. — Você é muito branda com Chippy e Fiona — disse ele. E embora a sua voz fosse áspera, Helen teve a impressão de que, de fato, ele não censurava sua maneira de lidar com as crianças. — Eles são muito pequenos, e têm seus problemas. — Mas se adaptaram muito bem e rapidamente à nova vida. — Seus lábios abriram-se num sorriso e o constante brilho metálico abandonou seus olhos enquanto completava: —
  • 18. Você é boa para eles, Helen. Não, não quero deixá-lo de castigo por muito tempo, mas Chippy tem de aprender que não pode tratar sua irmã como pessoa inferior. Ele deve entender que nós esperamos que ele tome conta dela. Ela olhou-o estarrecida. Que homem estranho! Sentiria realmente desprezo pelas mulheres? De certo, a experiência de seu irmão o afetara, pois, por menos que quisesse de- monstrá-lo, Helen o percebera, quando lhe propusera o casamento. "Será que ele realmente nunca se apaixonou perdidamente por uma mulher?", pensou ela. Helen refletiu em sua atitude para com ela desde o casamento. Era cortês e amigo, embora frio algumas vezes. Mas nenhuma vez lhe falara com dureza; nunca lhe havia dado alguma ordem ou adotado um ar de superioridade perante ela. Não haveria desculpas, caso fizesse tal coisa, é lógico. Leon pedira-lhe que se casasse com ele e, ao aceitar, ela o favorecera. Portanto, isso lhe dava o direito de ser tratada como uma igual. No entanto, estava sempre presente aquela arrogância que era um traço permanente de sua personalidade. Em certas ocasiões, essa presença podia ser sentida profundamente e em outras era apenas dissimulada. Ela o fitou mais uma vez, percebendo a linha firme de seu queixo e o rápido movimento de um músculo. Seu sorriso se apagara e sua boca estava fixa, firme naquela linha tensa, tão familiar, que o deixava com um aspecto bastante rude e desfigurava sobremaneira suas feições tão belas. Como ficaria ele quando estivesse fora de si? Desviando os olhos para sua boca mais uma vez, Helen sentiu um estranho tremor e desejou com muito ardor que nunca entrasse em conflito com ele. De repente convenceu-se de que ele poderia tornar-se cruel. Sim, pensou Helen novamente, ele era um homem estranho em muitas coisas, um enigma nos traços constantes de seu caráter. As vezes firme e inflexível, em especial com as crianças. Sua atitude para com as mulheres era também muito estranha. Embora interessado por apenas um motivo, não deixava que nem mesmo uma alusão de menosprezo transparecesse em sua voz quando falava nelas. Com sua mãe era gentil, com sua irmã, generoso. Mas numa ocasião em que se referira à mãe das crianças, sua voz fora tão implacável que Helen imaginara que ele seria capaz de matá-la. Leon, agora, estava de perfil, e ela o fitou, desejando uma vez mais que em nenhuma ocasião ocorresse um conflito entre eles. Tempos depois, à noite, entretanto, haveria um choque de opiniões e, pela primeira vez, Helen sentiria o impacto da força da personalidade de Leon. Helen combinara visitar Trudy uma vez por semana; estaria fora na tarde seguinte, quando as crianças chegassem da escola e achou que deveria mencionar o fato. — Eles ficarão bem com Araté, por mais ou menos uma hora? Estarei de volta logo depois das três. — Lógico que sim. — Leon chegara cedo do trabalho e estavam tomando café e conversando na varanda. — A que horas você vai? — Por volta de nove horas. — No dia anterior encontrara Robert na aldeia, e este lhe dissera que iria a Nicósia comprar telas e tintas. Ao saber que Helen também desejava ir, oferecera-se para levá-la e ela tinha aceitado. — Nove horas?! — Uma pequena ruga apareceu na fronte de Leon. — Se você fosse mais cedo, eu a levaria. — Não se preocupe, Leon — sorriu. — Aquele rapaz que eu conheci durante a viagem, e de quem lhe falei, vai para a cidade, e eu irei com ele. — Prefiro que não aceite a condução. Eu vou junto com a escolta porque amanhã preciso chegar bem cedo ao escritório, mas não vejo razão para que você não vá comigo. — Mas o comboio parte às sete e meia. Chegarei lá muito cedo. — Você pode ficar no escritório por uma hora ou mais. — Havia uma nota de inflexibilidade em sua voz; Helen estava indignada pela calma com que ele falava. Ele é que lhe dizia o que devia ou não fazer. — Eu vou aproveitar a condução, se você não se importar. Resolverei tudo da maneira mais simples. — Eu me importo, Helen. — Sua voz, embora ainda fosse tranquila, começara a tornar- se áspera. —Araté estará aqui e poderá mandar as crianças para a escola.
  • 19. — Mas eu não quero ir tão cedo. — Então receio que você tenha de ir de ônibus, ou, se preferir, eu chamo um táxi. — Eu vou com Robert — disse Helen, com voz calma. — Como disse, é muito simples. Acho ridículo até mesmo pensar em um táxi, quando tenho uma condução ao meu dispor. — Helen — disse suavemente —, ou você vai à cidade por algum dos meios que eu mencionei, ou não vai. de maneira nenhuma. Por um momento ela conseguiu apenas arregalar os olhos, mas sentia sua temperatura subindo. E respondeu, um pouco mais brusca do que havia desejado: — Eu aceitei que Robert me levasse. Sinto muito ir contra seus desejos, Leon, mas não vou aceitar ser dominada por você. Lembre-se de que eu sou inglesa. — Você é minha esposa e fará o que eu disser. — Já combinei com Robert. Ele virá me buscar. — Ele virá aqui? — Parecia zangado. — Você lhe disse que viesse buscá-la em minha casa? — E por que não? — Para Helen não havia nada de errado em que Robert viesse a sua casa buscá-la, mas, pela expressão de Leon, esse tipo de coisa definitivamente não deveria ser feito. Era de se admirar que Robert não lhe tivesse explicado isso, pois ele parecia ter conhecimento considerável sobre os costumes locais. — Se você preferir, eu telefono a ele dizendo que me espere na aldeia. — Você telefonará, sim, mas para cancelar o que foi combinado. Eu lhe expus de maneira bastante clara, logo no começo, que esperava que você agisse com discrição em todos os sentidos e que não me sujeitasse a qualquer forma de humilhação. Você está agora diante de uma atitude que pode me levar ao ridículo. — Isso é estúpido! Por que uma simples viagem com Robert até a cidade pode expor você ao ridículo? — Estamos numa aldeia muito pequena, e, de qualquer maneira, em Chipre cada um cuida de sua vida pensando na dos vizinhos. E não estou querendo ter o nome de minha esposa ligado ao desse inglês. — Agora, era impossível enganar-se quanto à inflexibilidade de sua voz, e sua expressão era dura e arrogante. Ao mesmo tempo que relutava em aceitar a decisão dele, Helen convencia-se de que aquele argumento não tinha sido usado em vão, pois podia resultar na sua própria humilhação. Leon agia daquela maneira sempre... e não somente numa situação como aquela. Olhou-o, sentindo mais uma vez aquela inquietação que já experi- mentara em diversas ocasiões. Essa inquietação lhe trouxe prudência; não persistiria na oposição à vontade dele. — Se para você isso é tão grave, farei como manda e cancelarei o compromisso. — Você irá comigo? — perguntou, e ela assentiu. — Teremos de levantar bem cedo. Desculpe-me por isso, mas não posso fazer nada. Amanhã terei um dia atarefado e será bom começar cedo. A manhã estava clara e radiante, com o sol brilhando num céu sem nuvens. O carro era grande e confortável. Helen relaxou-se no banco e estava surpresa por sentir que desfrutaria da viagem. Depois de Kyrenia, uniram-se à escolta. Havia inúmeros veículos — caminhões, ônibus e carros particulares. A chapa de cada um deles era anotada e só depois de uma parada rápida é que seguiam, acompanhados pelas tropas das Nações Unidas, que usavam uniformes azuis e dirigiam jipes. Um enorme cartaz dizia aos viajantes que os turcos lhes desejavam liberdade, segurança, e justiça. Tudo em ordem; além dos ocasionais postos de guardas e da advertência de que era proibido tirar fotografias, não havia indicação de que a estrada estivesse sendo controlada. Lançando alguns olhares para o lado, Helen viu que o rosto de seu marido estava tranquilo. Não mostrava qualquer sinal de preocupação por se encontrar naquela situação insólita para um cipriota. Ao chegar à beira da estrada, que dizia: "Bem-vindo ao Setor Livre", o comboio se dividiu e cada veículo seguiu seu próprio caminho. Leon aumentou a velocidade de seu carro, passando por jumentos carregados, por camponesas com grandes cestas amarradas às costas e por extravagantes motocicletas que corriam muito, algumas vezes com garotas no assento traseiro, e que pareciam excessivamente inseguras.
  • 20. — O que você vai fazer agora? — perguntou Leon, assim que chegaram ao escritório. Parou o carro e se virou. — É muito cedo para você ir à casa de sua amiga? — Acho que sim. Ficarei aqui por algum tempo, se não lhe causar inconveniente. — Eu lhe disse que poderia ficar — lembrou ele, manobrando o carro. Para surpresa de Helen, ele lhe abriu a porta do veículo. — Vamos tomar um café. — Não faço questão de tomar café. Sei que você tem pressa de começar a trabalhar. Mas ele insistiu. O homem que trouxera Helen e as crianças de Limassol até ali já chegara. Chamava-se Theophilos; sorriu quando Leon disse a Helen que o chamasse de Theo. Após algumas instruções de Leon, Theo saiu e voltou quase em seguida, com a bandeja de café, duas pequenas xícaras e os inevitáveis copos de água gelada. Helen sentou-se ao lado da escrivaninha de Leon. Ele a fitava de maneira estranha enquanto ela bebia seu café. — Você vai fazer compras aqui? — E mais uma vez Helen perguntou a si mesma se ele estava insinuando que ela deveria comprar roupas, — Não preciso de nada — respondeu de imediato. Quando Helen estava saindo do escritório, ele lhe dissera que Theo iria levá-la ao apartamento de Trudy e, às quatro e meia, voltaria pára apanhá-la. — E as crianças? — protestou Helen. — Posso ir embora mais cedo, de ônibus. — Elas não terão problemas — disse ele. — Tenha um bom dia e divirta-se. Mais tarde, na casa da amiga, Helen aceitava uma bebida logo após instalar-se numa poltrona e observou quando Trudy trouxera a bandeja notando como estava magra e bonita. "Eu era assim", refletiu Helen, levando seu pensamento de volta aos dias em que as duas eram adolescentes. Todos os rapazes tinham atração por elas; as duas podiam escolher. Com Helen foi amor à primeira vista, quando encontrou Gregory. Ambos começaram a juntar dinheiro avidamente e se casaram dois anos depois. E tudo acontecera muito rápido entre o conhecimento, namoro e casamento. Houvera neste período um bom relacionamento e Helen fora feliz, embora não exultasse de alegria. O primeiro período de deleite não continuara, ela bem o sabia, e embora a tristeza por essa perda a perturbasse um pouco, acabara se adap- tando. Quando seu filho nascera, experimentara a realização maravilhosa que a maioria das mulheres experimenta com a maternidade. Quando o bebê morrera, Helen esperara que seu marido a consolasse e que, ao menos nos primeiros meses, se aproximasse dela novamente. Mas seu relacionamento continuara o mesmo: vazio e distante. Trudy fora mais afortunada, pois ela e Tasos amavam-se tanto agora quanto no início do casamento. Devotado à esposa, Tasos nunca ia a lugar algum sem ela. Não era visto na companhia de amigos, sentado nos bares ou jogando cartas. Tudo o que ele queria fazer era chegar em casa e ficar com sua esposa. — Fale-me sobre Leon — pediu Trudy, sentando-se no lado oposto à janela. Seus olhos agitaram-se, enquanto completava, meio hesitante: — Você me falou tão pouco sobre seu casamento! Aliás, não contou praticamente nada. — Qualquer hora eu lhe conto — começou ela, bastante embaraçada. — Ou pode ser agora mesmo. Leon e eu nos casamos por causa das crianças. — Crianças? — Trudy pestanejou. — Chippy e Fiona? — Já lhe contei que o pai das crianças morreu e que Leon teve de ficar com elas. Bem, pediu-me que mudasse para cá para cuidar delas. Parece que não seria bem visto o fato de eu viver na casa dele sem... sem sermos casados, e assim... -— Desviou os olhos para a rua mais uma vez. Trudy esperava e Helen foi forçada a continuar: — Esta é a razão pela qual não tinha lhe contado muita coisa. É só uma espécie de casamento. — Que espécie? — Quero dizer... não é normal. — A esta resposta, os olhos de Trudy se abriram tanto quanto podiam. — Do que você está falando? Ainda experimentando dificuldades, Helen afinal explicou o acordo e como sua amiga continuasse a fixá-la incrédula, uma nota de desafio transpareceu em sua voz.
  • 21. — Você sabe que eu nunca me casaria novamente por amor. Já lhe disse isso muitas vezes. — Você sempre me disse que nunca se casaria — corrigiu Trudy. — Assim, acho que mereço ser desculpada por ter concluído que, se você casou, foi por amor. Mas admito que notei algo estranho nisso tudo, pois você está muito fechada e taciturna. É por isso que você não liga para sua aparência? Oh, tenho sido muito áspera, até mesmo rude, se quiser, mas você costumava se cuidar tanto! Não quer que Leon se apaixone? — É claro que não — replicou Helen, um pouco magoada. — Ainda penso da mesma maneira como pensava quando Gregory morreu. Nunca deixarei meu coração se envolver de novo. Esse casamento foi conveniente para mim, é a isso que me refiro quando digo que não quero nem mesmo que Leon me note. — Não, não pode ser. Podemos ler histórias sobre casamentos assim, mas é impossível que aconteçam na vida real. — Este é um deles. — Helen se sentia menos embaraçada e viu sua amiga observá-la com desconfiança. — Leon e eu somos menos do que estranhos um para o outro. — Você nunca...? Não, não posso acreditar. Não um cipriota! Um cipriota não consegue viver assim. Nenhum deles consegue. — Sei tudo sobre como vivem. Têm seus passatempos. — disse Helen. — E você não se importa? — E por que deveria? Como lhe disse, esse casamento é exclusivamente um contrato de negócios. A única razão para que tenha acontecido foi não dar motivos para que outras pessoas falassem mal de nós. Não, não me importo com o que Leon faz. Sua vida particular não me diz respeito. — Mas... — A expressão de Trudy ainda era de incredulidade. — Você realmente acredita, Helen, que continue assim a vida inteira? — E por que não? — Não é possível — disse Trudy, com firme convicção. — Não com um cipriota. Ele não pode! — O que você quer dizer com "não pode"? — Não pode viver na mesma casa que você e não ser... não ser normal. — Já lhe disse, ele tem seus passatempos. — Como você sabe? — Ele sai toda noite. — A maioria dos homens, aqui, sai a noite. Vão para bares, clubes e restaurantes. Você não pode dizer que ele esteja com uma mulher. — Não creio que ele passe o tempo só conversando com amigos. Trudy balançou a cabeça, confusa ante a indiferença calma de Helen. — Você não se importa mesmo?! — Já lhe disse, não há motivo para que eu me importe. Não sinto nada por ele. — Helen mostrou uma ligeira impaciência: — Você sabe exatamente como me sinto com relação aos homens, Trudy. Não tenho qualquer intenção de me envolver emocionalmente com um homem, seja ele esse meu marido ou não. — Bem, vou lhe dizer uma coisa: se você pretende ou não se envolver emocionalmente com alguém, é outro problema; o que você não pode fazer é viver o resto de seus dias numa situação como essa. — Não vejo razão para você dizer isso — respondeu Helen, mas sua amiga negou com um gesto de cabeça. — Leon com certeza vai... vai... — Ele prometeu. E, além disso, me acha completamente sem atrativos. Trudy observou-a por um instante, detendo-se no traje de Helen, na palidez de sua face e de seus lábios, na seriedade de seu penteado. — Como sabe que ele não sente atração por você?
  • 22. — Dificilmente ele olha para mim. — Enquanto dizia isto, franziu as sobrancelhas, lembrando-se das ocasiões em que Leon a observava. — Ele prometeu — repetiu Helen, e perguntou a si própria se não estava querendo se convencer disto. — Prometeu! — Trudy deu uma risada. — Honestamente, você acredita que ele vai manter sua palavra? — Acho que posso confiar nele — respondeu Helen, e uma expressão de pena atravessou as feições de sua amiga. — Como você sabe pouco! Eu não daria tanto valor à promessa dele quanto você. Esses orientais são o que são, ou o que a cultura do lugar faz com que eles sejam. Casei-me com um deles e sei disto. Sinto desiludi-la, mas você cometeu o maior erro de sua vida, se pensa que vai manter seu marido de braços cruzados indefinidamente. Os homens não são assim, e isto não é natural para nenhum de vocês. Oh, Helen, pode confiar na minha palavra. Quando Leon decidir quebrar sua promessa, a quebrará, sem nenhuma cerimônia. — Mas... e meus sentimentos? Ele deve considerá-los! — Oh, por Deus, Helen! Você não é tão inocente. Quando o homem se dispõe a... a... — Trudy, encolheu os ombros, impaciente, mas completou depois de um momento: — Com o passar do tempo, nem mesmo ele se lembrará de ter feito alguma promessa; portanto, você deve se resignar, — Leon tem seus divertimentos. Ele nunca vai me querer. — Você não tem provas de que ele tenha... divertimentos, como você os chama — disse Trudy, rindo da maneira como Helen colocara isso. — Em todo caso, é muito mais conveniente aproveitar o que você possui ao alcance da mão. Não será para sempre que ele sairá de casa para buscar seu entretenimento... — Por favor, Trudy! — Helen corou. — Acho que deveríamos mudar de assunto. O resto do dia foi agradável para as duas. Depois do almoço, servido na varanda, foram para o centro da cidade fazer compras. Tudo o que Helen comprou foram meias para as crianças. Trudy estava interessada principalmente em comida. Quando acabaram as compras, entraram em um bar para tomar refrescos. Quando voltaram ao apartamento, faltava ainda meia hora para que Theo viesse buscar Helen, e Trudy levou-a ao seu quarto para mostrar as roupas novas que tinha comprado em sua recente viagem ao Egito. — Ainda acho que as roupas inglesas são as melhores que já vi, mas o que pensa destas? — Comprara diversos vestidos e terninhos. Helen apreciou-os, comentando o bom gosto de Trudy. — Obrigada... mas acho que me enganei com este aqui — disse Trudy, pegando um vestido de linho azul. Seu decote era um tanto largo. — Não ficou bem para mim. Eu o vi na vitrine, sabia que era meu número e comprei-o sem experimentar. Tasos detestou-o. — Mas é tão bonito — protestou Helen, pegando-o. — Tenho certeza de que lhe fica bem. — Segurou-o na frente de Trudy e teve de admitir que a amiga estava certa. — É a cor; não é o tom certo de azul. — Mas é a sua cor — disse Trudy. — Coloque-o na sua frente. — Sim, é minha cor — admitiu, e colocou o vestido sobre a cama. — Fique com ele — tornou Trudy. — Não fica bem para mim. — Oh, mas você pode usá-lo de vez em quando. Não é pelo fato de não ficar muito bom em você que eu sonharia em levá-lo. É quase novo. — Não lhe ofereceria se pensasse em usá-lo. — Trudy pegou o vestido e colocou mais uma vez na frente de Helen. — É você... sim, é você quem deve usá-lo. — Dobrou-o e o entregou a Helen. CAPITULO IV
  • 23. Leon estava inclinado no vão da porta da varanda, olhando o mar, com a cabeça atirada para trás. Helen uniu-se a ele, depois de colocar as crianças na cama. Moveu-se para o lado e, embora a face dele estivesse nas sombras, sentiu-lhe o sorriso quando chegou à varanda. Ficaram assim por instantes e então Leon estendeu a mão e acendeu a luz. — O que quer beber? — Nada, obrigada. Ele entrou na casa e voltou trazendo uma garrafa de cristal, com licor, e dois copos. Helen não disse nada quando ele lhe deu a bebida, mas assim que Leon se sentou, ela lhe perguntou: — Não vai sair? — Esta noite não. — Ele olhava diretamente para Helen, que sentiu as batidas de seu coração mais rápidas. Por que ele ia ficar em casa? Leon já não saía havia quase uma semana. Ela sabia por que seu coração batia depressa, por que estava apreensiva. Desde a dura afirmação de Trudy de que Leon quebraria sua promessa, Helen observava-o, tentando sondar cada olhar, desejando, ao fim de cada dia, que ele saísse. — Está uma noite bonita — murmurou ela, inconscientemente calma e delicada. — É uma pena ficar trancado em casa. — Não estamos trancados em casa. — Não disse por mim... pensei... Bem, você ficou no escritório durante o dia todo... — Você tem razão, estava quente e abafado, devido a algum problema no ar condicionado. — Uma pausa e então: — Beba seu licor e sairemos para caminhar. O copo estava tocando os lábios dela; de súbito, todo o seu corpo estremeceu. Isso não estava em seus planos. — Estou certa de que você preferiria sair com seus... seus amigos. — Eu não estaria aqui, se não quisesse. — Estou com dor de cabeça. — E com um gesto mecânico levou a mão à testa. — Sinto muito. — Seu tom de voz era frio e cortês como sempre, mas deixava transparecer uma nota de ansiedade. Leon levantou-se da cadeira. — O ar fresco vai curá-la. Vou lhe dizer o que faremos: vamos de carro até a praia e então caminharemos perto da água. Logo a brisa afastará sua dor de cabeça. — As crianças... não posso deixá-las sozinhas. — Direi a Araté que fique aqui até voltarmos. — Acho que seria melhor ir deitar-me — disse ela, quase com desespero. — Você deve ir... — Não, ela não queria ir deitar-se! — Talvez você esteja certo, a brisa do mar vai me fazer bem. — Está se sentindo mal? — perguntou ele, examinando-lhe intensamente a face tão pálida. — Há alguma coisa além da dor de cabeça? — Não, Leon, não há nada comigo. É minha cabeça... acho que tomei o licor muito depressa. — Decerto foi isso. Como você não está acostumada a beber, deveria ter mais cuidado. Já no carro, Helen se sentiu mais sossegada. Estava segura, pelo menos por enquanto. Leon estacionou no flanco da montanha, deixando o carro aberto. — Não seria melhor fechá-lo? — perguntou Helen, enquanto caminhavam em direção à beira do mar. — Aqui, as pessoas não roubam — foi a resposta calma. — E além do mais, não há ninguém nas imediações. — Era verdade; não havia uma pessoa sequer em toda a praia. A lua saiu de trás das nuvens e isto fez com que uma grande faixa prateada atravessasse o mar. Nenhum som, além do leve murmúrio das ondas, desmanchando-se sua- vemente sobre a areia. Helen nunca vira um mar tão calmo como o Mediterrâneo. Esqueceu seu temor enquanto caminhavam, Leon tão alto ao lado dela, algumas vezes conversando em voz baixa, outras caindo no silêncio. — Sua dor de cabeça melhorou? — disse Leon. — Sim, obrigada, Leon. — Suas palavras soaram formais. Estava começando a experimentar embaraço quando se encontrava na presença dele. Lamentava ter conversado
  • 24. sobre isso com Trudy. Até então, seus temores haviam sido somente murmúrios; tentava dissimulá-los, mas eles persistiam. Agora, Helen se perguntava quanto tempo passaria até que ela voltasse a confiar na promessa de Leon. No entanto, naquele momento, estava em paz e com sua mente livre de receios. Era agradável caminhar pela praia silenciosa e estar com Leon... contanto que ele também permanecesse em silêncio. Era somente quando ele pronunciava algo que Helen se sentia insegura. Por mais que ele fosse suave, Helen se sentia inquieta, não sabendo o que poderia ocorrer no momento seguinte. Chegaram ao banco e, com uma das atitudes que sempre a surpreendiam, Leon pegou seu lenço e limpou o lugar em que ela ia se sentar. Sem dúvida alguma, a cortesia era quase uma arte para o cipriota. E para Helen isso parecia animador, pois nunca recebera tais atenções de Gregory, nem mesmo durante os primeiros meses de seu casamento. Sorriu ao perceber a atitude de Leon e lhe agradeceu com outro sorriso. — Eu vou para Famagusta na próxima semana e ficarei lá alguns dias. Meus empregados farão algumas modificações no serviço e quero estar por perto para supervisionar. Você não gostaria de ir comigo? — disse Leon, sentando-se. — Não sei... — Teriam de se hospedar num hotel... — As crianças não podem ficar sozinhas — disse asperamente. — Araté gosta de dormir em sua própria casa, já me disse isso diversas vezes. — Isso porque o marido dela dorme lá — sorriu ele. — Enquanto estivermos fora, seu marido ficará no bangalô... e Araté estará satisfeita. Não, não precisamos nos preocupar com as crianças, não terão problema algum por poucos dias. E eu sinto que precisa mudar um pouco. Ultimamente ando preocupado com você. — Não sei, Leon — começou Helen novamente; mas ele bruscamente interrompeu. — Do que você tem medo, Helen? — Sua voz era baixa mas insistente. Ela quis saber se ele percebera seu embaraço e esperou um momento para responder. — Medo? — Agitou-se e então deu uma risada insegura. — Do que eu teria medo? — É o que lhe perguntei — replicou Leon suavemente. — E você não me respondeu. Negou com a cabeça, olhando para o mar, enquanto se "esforçava para achar alguma razão convincente que lhe assegurasse que ele não descobriria a verdade. — Não estou com medo de nada — mentiu, desviando o olhar. — Não há nada de que eu possa ter medo. — Neste caso... — a resposta veio tranquila — não há razão para que você não me acompanhe a Famagusta. Vou lhe dar algum dinheiro e você comprará umas roupas. — Oh, não! — A exclamação lhe escapou antes que tivesse tempo de pensar, e ela completou, mais calma: — Tenho roupa de sobra Leon. — Tem? Então elas devem estar guardadas em seu guarda-roupa. Sua aspereza chocou-a, mas ela se lembrou de que, afinal de contas, ele era seu marido. Estranho, nunca pensara nela mesma como esposa e, por isso, não estava preparada para ouvi-lo falar daquele modo, o que era natural em tal circunstância. — Ora, eu devo vestir o que eu gosto — protestou. — Você usará roupas que agradem a seu marido. — Ele parou e, sentindo a sua angústia, procurou suavizar a voz, completando: — Levarei você ao hotel Rei George; é o melhor de Famagusta... e gostaria de sentir orgulho de você. Lá encontraremos alguns comerciantes. Então era essa a razão! Todo seu corpo cedeu, enquanto um longo suspiro de alívio lhe escapou. Censurou-se pelos seus temores e por permitir que sua imaginação cometesse excessos. Não havia nenhuma alusão ao desejo, em sua voz. Como era estúpida! E tudo isso acontecera por influência das palavras que Trudy dissera tão seriamente. Sua mente começou a divagar, ante a expectativa desses poucos dias em Famagusta. Como Leon dissera, seria uma mudança. Por mais que adorasse as crianças, elas eram peraltas demais, chegando mesmo a deixá-la meio tonta com tantas diabruras. O trabalho a envolvera, e a responsabilidade de cuidar delas mudara por completo sua vida, que era tão calma desde que ficara só. Por isso, Helen se sentia tão cansada, em certas ocasiões. Talvez seu cansaço contribuísse para sua aparência deselegante, refletiu, apesar dessa idéia
  • 25. não a perturbar. — Você acha que Chippy e Fiona ficarão bem? — murmurou, ansiosa. — Lógico que ficarão bem. E não sofrerão qualquer dano com Araté e Nikos por perto. E terão de se acostumar, pois, mais tarde, levarei você comigo para Paphos. Estou pensando em comprar terras por lá. — Talvez possamos levá-los conosco — sugeriu Helen. — Algum dia os levaremos — concordou Leon, para sua surpresa. — Logo todos nós sairemos em férias, como uma família. Como uma família... Uma sombra passou momentaneamente pelo rosto de Helen. Sempre que via uma família fazendo piqueniques, ou em férias, ou mesmo fazendo compras, ela experimentava o terrível vazio de sua perda. Viajar com Leon e as crianças, como uma família... seria maravilhoso. Num impulso, ela disse: — Não podemos levá-los desta vez? — Havia um apelo inconsciente em sua voz, mas Leon passou por cima disso e respondeu em tom firme e decidido: — Não desta vez, minha cara. Disse-lhe que seria uma mudança para você. Não será nem mesmo um descanso, se levarmos esses dois peraltas conosco. No caminho de volta para casa, ele virou na estrada e parou em um bar, pequeno e branco. Era bastante iluminado por luzes coloridas e havia um espaçoso terraço de frente para o mar. Para surpresa e agrado de Helen, havia diversos ingleses sentados à mesa para a qual Leon a conduziu. Instantaneamente eles sorriram, dando boas-vindas, e um rapaz foi logo buscar mais duas cadeiras. — Leon, que bom ver você! Nós todos achávamos que estava... ahn... hibernando desde seu casamento. — O homem que disse estas palavras tinha a barba crescida e a pele tostada pelo sol. Outro artista, pensou Helen, antes mesmo que Leon a apresentasse. — Phil ainda não foi aclamado, mas logo o será — disse Leon, rindo, ante o olhar de protesto dos amigos. — Ele é bom, Helen, e um dia colocará Lapithos no mapa. — Lapithos já está no mapa — protestou outro rapaz, indignado. E virando-se para Helen: — Temos uma pequena comunidade de artistas aqui, mas é provável que você já saiba. — Tenho ouvido falar deles — respondeu ela, sorrindo. — Conheci um deles durante a viagem para cá, — Robert... sim, ele fala muito sobre você! Ele vai muito bem agora, tem quadros em todas as lojas da ilha que vendem lembranças. Sim, ele falou de você... gosta de você um bocado! Um sorriso de satisfação transformou o rosto de Helen; virou-se impulsivamente para o marido... e o sorriso congelou-se em seus lábios. O que fizera? Ele tinha a expressão carregada e zangada. Rapidamente ela baixou seus olhos e, com grande alívio, ouviu Phil perguntar a Leon o que beberia. Helen, uma vez mais, perguntou-se o que havia feito. Foi apresentada a outras pessoas e logo todos, inclusive Leon, estavam de bom humor, divertidos e amigáveis. As mulheres presentes lançavam olhares dissimulados para Helen, pois estavam curiosas por saber o que o belo Leon Petrou vira nela. Sua escolha devia parecer enigmática, já que ele tinha a reputação de desprezar as mulheres. Se tal homem se apaixonasse, seria por alguma mulher muito linda, alguém a quem não pudesse resistir. E ali estava Leon, casado com uma mulher tão deselegante... Helen pôde adivinhar todos esses pensamentos sem qualquer esforço, e quando viu seu marido observando-a criticamente, sentiu que ele devia estar muito envergonhado por sua causa. Mas por que a trouxera para conhecer seus amigos? Não havia necessidade de fazer isso. De repente, Helen reparou que ele sorriu, e, por alguma razão incompreensível, ela exultou; um pouco depois, ela também estava tão alegre quanto qualquer outra pessoa, esquecendo, inclusive, sua aparência desarrumada. Conversava desinteressadamente com Phil sobre seu trabalho. — Robert contou-me que você pinta — disse ele, após ter falado sobre seu trabalho. — Minhas pinturas não são muito boas. Nunca frequentei nenhuma escola de arte nem tive qualquer orientação — disse Helen. — Os verdadeiros artistas pintam de coração — declarou Jerry.
  • 26. Ele também morava em Lapithos mas trabalhava em Nicósia. Sua situação na ilha era precária; a cada seis meses, seu patrão tinha que requerer nova permissão de trabalho para ele. Um dia ela seria recusada, tinha certeza disso. — Você deve deixar-nos ver alguns de seus trabalhos, Helen; todos temos interesse em outros tipos de pintura, você sabe. — Ainda não vi nenhum deles — comentou Leon, levando seu copo aos lábios. — Minha esposa é uma artista modesta, acho. — Não pintei nenhum quadro desde que cheguei aqui — explicou ela, e com uma ligeira risada, acrescentou: — Não tenho tido muitas oportunidades. — Ele faz você trabalhar o tempo todo? — Phil fez um sinal de advertência com o dedo e continuou prevenindo. — Esses cipriotas são ótimas pessoas, mas insistem em manter suas mulheres ali. — Virou o indicador para baixo e apontou o chão. Leon abriu a boca para protestar mas acabou rindo. — Não ligue, Helen, seu marido é muito diferente de nós, os pobres; ele pode dar-lhe muitos empregados. — Mas então, eu não teria nada para fazer e logo me tornaria entediada. — Percebendo a expressão de uma das mulheres, Helen novamente adivinhou seus pensamentos. Entediada? Com um marido como Leon, por perto! Pegando seu copo, Helen observou a expressão da mulher, percebendo que o olhar dela, agora, estava fixo no perfil moreno de Leon. A mulher a invejava! Quem seria? Helen sentira uma animosidade secreta sob seu sorriso, ao serem apresentadas, mas havia de imediato rejeitado essa idéia, e mesmo quando, mais tarde, surpreendera uma expressão quase maligna nos olhos da mulher, não lhe dera importância, dizendo para si mesma que ela devia estar preocupada com problemas seus. Mas agora... Quem seria ela? Helen perguntou-se novamente, desejando ter prestado mais atenção nas apresentações. Ficou em silêncio, afastando-se da conversa somente para ouvir e tentar descobrir algo sobre a desconhecida. Tudo o que conseguiu saber foi que ela negociava terras para o governo. Mais tarde, no entanto, Helen saberia um pouco mais e, com isso, descobriria a razão óbvia para que Paula a detestasse. Todos se despediram e os carros já saíam do estacionamento. Leon dirigiu-se ao seu carro, esperando que Helen o seguisse, mas foi Paula quem o fez. Enquanto Helen hesitava nos degraus, olhando-os e querendo saber se tratavam de negócios àquela hora, Phil segurou- a pelo braço, para que o esperasse. — Sei que não é delicado, de minha parte, dizer isto — segredou ele —, mas não confie nela. Ela e Leon foram... bem, amigos, por assim dizer, e apesar de todos os rumores de que ele não pensava em casamento, ela desejava um dia tornar-se a senhora Petrou. Não é necessário entrar nos detalhes de como ela reagiu, ao saber que ele se casara com outra pessoa. Não é da minha conta, eu sei, e é provável que você esteja pensando que falo por maldade, mas você é uma boa pessoa, e ela, uma mulher sem escrúpulos. Além disso, tem atração por homens... quero dizer, por alguns homens. É melhor você ir... Leon está esperando... mas cuidado com Paula Maxwell! Sim, certamente o vestido a modificara. Helen afastou-se do espelho para se observar à distância. Seus braços estavam nus e o decote do vestido revelava a bonita curva do pescoço. O vestido tinha um corte muito elegante, pensou Helen, franzindo as sobrancelhas e baixando os olhos para examiná-lo melhor; suas pernas estavam bem delineadas. Seu agasalho estava sobre a cadeira; jogou-o em seus ombros e, pegando sua bolsa, saiu e caminhou pela colina, em direção à aldeia. Não chegara muito longe, quando um carro parou e ela entrou nele. — Pontual, hein? Não sou mesmo um bom menino? — Robert tirou o pé da embreagem e o carro se moveu aos trancos sobre as pedras do atalho, até que alcançaram a rua. — Qual a distância até esse lugar? — perguntou Helen, encostando-se no banco, — Não é muito longe. Você ainda não foi até lá? Pensei que Leon tivesse levado você a Monte Maré. Todos vão. Todos os ingleses se reúnem lá... e, é lógico, em alguns outros lugares. Mas esse lugar em particular é popular entre os ingleses, e lá as noites de sábado são ótimas. Estou feliz por você poder conhecê-lo.