1. 10 OPINIÃO CASCAIS DESTAQUE DESPORTO AMBIENTE CULTURA AGENDA
DESTAQUE
CASCAIS É UM LUGAR DIFERENTE, VINTE ANOS
DEPOIS: PROGRAMA ESPECIAL DE REALOJAMENTO
De 1300 barracas em 1993 para zero em 2012. Fomos conhecer as pessoas que
viram nascer o PER e mudar vidas ao mesmo tempo que mudavam Cascais
Texto: Marta Silvestre | Fotos: Luís Bento e DR
Há 20 anos, o concelho de Cas- multiplicado como cogumelos. trabalho com técnicos da divisão sucesso do projeto. O outro foi a
cais era um lugar bastante dife- E o arranque do processo dá-se de habitação, da divisão de as- proximidade. Porque cada caso é
rente daquele que os cascalen- com um indispensável recen- suntos sociais, pessoas do pla- um caso, todas as intervenções
ses hoje conhecem. As imagens seamento que registou 1302 neamento estratégico, da segu- foram conduzidas pelos técnicos
sedutoras de modernidade e de barracas, o correspondente a rança social…. não funcionamos da CMC e pelas equipas mul-
progresso típicas da Costa do 5371 indivíduos, 2039 agrega- em circuito fechado. Durante um tidisciplinares de forma muito
Sol, baralhavam-se, sem se con- dos familiares e 120 núcleos de ano trabalhámos, e esse trabalho próxima das pessoas, tanto das
fundir, com um concelho de Cas- barracas espalhadas por todo o deu origem a um planeamento que foram alvo de realojamento
cais que não vinha nos postais. concelho. Logo aí, começaram a estruturado”, prossegue Isabel como nas que se situavam nas
Um Cascais de desespero, de desenhar-se as diferenças para Pinto Gonçalves, assumindo o áreas de acolhimento.
desigualdade, de sombras que outros PER na região da Área objetivo. “Não quisemos repe- “Uma das maiores, e das melho-
se estendiam do ‘Fim do Mundo’ Metropolitana de Lisboa. “Foi tir erros de outras experiências res heranças deste projeto foi
às “Marianas”. Um concelho, em um processo muito bem pensado conhecidas. Quisemos e tentá- deixar uma marca diferente de
muitos aspetos, indigno das pes- e muito discutido. Houve um en- mos fazer melhor.” como o poder autárquico se rela-
soas, sem futuro nem esperança. volvimento muito grande de to- Desta reflexão saíram um con- ciona com os seus cidadãos; de
Esse tempo acabou. dos os parceiros”, relembra San- junto de estratégias que foram como o poder passou a olhar
Ao longo dos últimos 20 anos, e dra Henriques, uma das técnicas depois alvo de uma discussão para os munícipes atendendo às
com resultados mais rápidos e que acompanhou o PER desde o que envolveu decisores políticos, suas necessidades específicas,
mais duradouros que outros mu- seu início. Percebia-se que a fór- da autarquia e das juntas, técni- porque trabalhar em Trajouce
nicípios do país, a intervenção mula para o sucesso do PER em cos e cidadãos. “Esta experiência não é igual a trabalhar na Torre,
territorial assumiu-se como prio- Cascais teria de ser muito mais de trabalho fez com que, a nível ou no Estoril”, reforça a dire-
ridade estratégica da Câmara de do que apenas políticas de realo- nacional, a Câmara de Cascais tora.
Cascais que fez do Programa Es- jamento ou de ordenamento do seja talvez a única que tem ainda Contudo, o PER não esteve isen-
pecial de Realojamento (PER) a espaço público. hoje equipas que trabalham em to de dificuldades ao longo do
principal ferramenta para trans- Isabel Pinto Gonçalves, diretora determinados territórios e que tempo. Houve momentos de “Não quisemos repe-
formar a face do concelho. Para do Departamento de Habitação não estão lá por causa de um de- tensão que passaram, sobretudo,
perceber a dimensão da mudan- Social (DHS), acompanha o PER terminado realojamento”, cons- pelas reivindicações dos chama- tir erros de outras
ça, recuemos a 1993, altura em desde a primeira hora, reforça a tata a diretora do DHS. dos “sem direito” – pessoas que experiências conheci-
que começam as operações para
acabar com os bairros de lata
ideia de que o programa foi de-
senvolvido em várias dimensões:
Para os envolvidos, a multidis-
ciplinariedade das equipas foi
não se recensearam no início do
projeto e que, por isso, não ti-
das. Quisemos e tenta-
que, durante décadas, se tinham “Foi feito um pequeno grupo de um dos pontos-chave para o nham direito legal a habitação. mos fazer melhor.”
2. QUINTA-FEIRA, 18 OUTUBRO 2012 11
DESTAQUE
“Para os técnicos isto era natu- Trajouce, onde houve “grande afixadas publicamente durante
ralmente um constrangimento contestação” à chegada de novos duas semanas, o que permitiu
embora também soubéssemos moradores. Descontentamento trocas entre as pessoas e ajustes
que havia uma “baliza de tempo” justificado, sobretudo, pela falta diversos. “As pessoas eram cor-
e que não podíamos fazer nada” de infraestruturas. Por isso, o responsáveis pelas escolhas,
refere Carlos Gaspar, um dos PER em Cascais avançou em não era um técnico que as fazia
estreantes do processo. Ainda dois sentidos: requalificaram-se e isso foi muito importante. Em
assim, quem não tinha direito o as zonas degradadas de barracas Cascais, as pessoas foram visi-
realojamento era acompanhado ao mesmo tempo que se investiu tar obra, escolhiam a casa, esco-
pelas equipas municipais em nos bairros de acolhimento. Tra- lhiam e conheciam os vizinhos
questões ligadas a saúde ou edu- jouce, no caso, com o PER ganhou antes de se mudarem (mesmo
cação. Para Helena Bonzinho, uma nova escola, entre outros de outros bairros), ajustavam
esta fase correspondeu a uma equipamentos e melhoramentos. as suas necessidades e era pos-
“aprendizagem muito impor- sível em maquete ter uma ideia
tante” na medida em que “per- de como eram as assoalhadas e
mitiu responder a um problema A PRIORIDADE ÀS PESSOAS como as podiam mobilar. Esta
concreto de uma pessoa e ao Quando comparada com a ex- valorização ao longo do tempo
mesmo tempo recolher informa- periência de outros concelhos, a de todo o processo foi muito
ção para projetar outras respos- grande marca distintiva do PER importante”, prossegue Sandra
tas mais estruturadas ao nível da Cascais é o elevado nível de en- Henriques. A qualidade do tra-
comunidade”, lembra a técnica. volvimento popular. “As popula- balho desenvolvido em Cascais
Outro ponto de resistência sur- ções foram chamadas a partici- não passou despercebido a nin-
giu na contestação das comuni- par no processo todo. Quando guém. Em Maio do ano 2000,
dades de acolhimento. “Em vez chegava a entrega das chaves, em Oslo, o Conselho da Europa
de fugirmos do conflito, con- era mais uma proforma do que elege o PER Cascais como um
seguimos fazer diversos fóruns uma surpresa.” dos dezoito projetos europeus
entre as partes para se conhe- A dimensão do envolvimento, mais inovadores e a Câmara exi-
cerem, para desmitificar precon- tanto dos que recebiam como be, ainda hoje, orgulhosa, o “Pré-
ceitos. Correu bem.” Isabel Pinto dos que chegavam, era medida mio Conselho da Europa para a
Gonçalves não disfarça a satisfa- em processos tão simples como Coesão Social”. Ao invés de ter
ção pelo resultado da estratégia o preenchimento das fichas de sido um ponto de chegada, o
de afrontamento do preconceito. casa onde era pedido aos novos prémio foi só mais um ponto de
E a verdade é que toda a gestão moradores que fizessem esco- partida para o que viria a seguir.
de relações foi feita de modo a lhas tão importantes como o O trabalho continua e é com or-
que a relação de um determina- prédio, o andar ou a sinalização gulho que, depois de um inves-
do grupo com a comunidade de de preferência por compra ou timento de 81 milhões de euros,
acolhimento fosse natural e não arrendamento. “Muitas pessoas Cascais passou de 1300 para
imposta. não sabiam escrever, mas as fi- zero barracas em 20 anos. Duas
Parte do trabalho dos técnicos chas apareceram todas preenchi- décadas em que se construíram
passou, igualmente, por ofere- das, pois a comunidade sabia a projetos de vida e sonhos indi-
cer compensações às comuni- importância da escolha”, reforça viduais, ao mesmo tempo que
dades de acolhimento. Helena Sandra Henriques. Devidamente se construiu um Cascais mais
Bonzinho recupera o exemplo de preenchidas, as opções eram solidário e próspero.