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"Um fósforo, um rebuçado de mentol, um café e um jornal” – 1ª Parte.


Da primeira vez foi acidental. Pelo menos para mim. Não tinha sido minha
intenção parar naquele lugar.


Estava a guiar há horas, e, já cansado da estrada, resolvi descansar por aquela
noite antes de chegar a São Francisco. O hotel ficava num bosque de sequóias,
de frente para o Pacífico. Quando cheguei à recepção, o sol estava a
desaparecer e o bosque a mergulhar na escuridão.


Logo no primeiro instante, algo me disse que estava num lugar especial.


O hall do hotel estava iluminado com luz suave. Painéis de sequóia reflectiam a
luz sobre sofás com almofadas bege, encostados nas três paredes que cercavam
o balcão da recepção. Em frente da porta de entrada havia uma comprida mesa
de madeira escura. Sobre ela vi uma enorme cesta de vime, cheia de frutas
frescas. Ao lado da cesta havia um candeeiro de bronze, cuja luz brilhante se
reflectia sobre as frutas, contribuindo para o ar festivo do ambiente. A mesa
estava coberta com uma toalha feita em complicado ponto de croché que quase
tocava o chão, e que, com seu desenho exótico, acentuava as cores das frutas, o
bronze do candeeiro e o ocre avermelhado das paredes.


Além da mesa, na outra parede, uma ampla lareira com o lume aceso enchia a
sala com o alegre estalar dos lenhos de carvalho.


Mesmo que não me estivesse a sentir tão cansado, o contraste entre o calor das
chamas no meu rosto e o frio da noite nas minhas costas teria sido suficiente
para me atrair para dentro do hall. Nestas condições, quase morri de prazer.


Atrás do balcão da recepção estava uma rapariga que usava uma blusa
vermelha, verde e branca, recém-engomada, e uma saia em ocre avermelhado.
Um alfinete de peito com o emblema do hotel, sobre uma fita no mesmo tom
ocre, enfeitava a blusa, tal como uma medalha de honra. Uma fita idêntica
mantinha os cabelos afastados do rosto alegre.


Saudou-me amavelmente: “Bem-vindo ao Venetia!”
Não necessitou de mais de três minutos entre essa saudação e minha entrada
no quarto, levado pelo mensageiro, apesar de não ter feito nenhuma reserva.
Fiquei impressionado com a facilidade do procedimento.


E que quarto! A principal impressão foi de discreta opulência – carpetes
espessas, em discreta cor pastel, indo de parede a parede; uma cama de
baldaquino, enorme, de pinho branco, coberta com uma magnífica colcha
branca, impecavelmente limpa; gravuras originais, com paisagens e pássaros do
Noroeste Pacífico, enfeitavam a tosca elegância das paredes cobertas com cedro
natural; uma lareira, com lenha de carvalho para o lume que alguém previra que
eu ia precisar, o papel colocado por baixo da grade e um apropriado fósforo,
em posição perfeitamente alinhada sobre a lareira, à espera de ser riscado.


Encantado com minha sorte, mudei de roupa para o jantar (a rapariga da
recepção fizera a minha reserva juntamente com o registo) e saí pela noite à
procura do restaurante. Uma placa no passeio do lado de fora do quarto guiou-
me através do bosque escuro. O ar nocturno estava parado e limpo. Eu podia
ouvir o bater rítmico das ondas do Pacífico. Ou seria apenas a minha
imaginação? Pouco importava; o local era cercado por uma aura de magia.


O restaurante estava localizado sobre um outeiro, com vista para o hotel e o
mar. No caminho não encontrei uma única pessoa, mas o restaurante estava
lotado. Dei o meu nome ao gerente e imediatamente fui conduzido a uma mesa,
apesar de haver outras pessoas à espera. Com toda a certeza, neste restaurante
as reservas eram respeitadas.


A refeição foi tão deliciosa como tudo que tinha experimentado até então. O
prato lindamente preparado; o serviço muito atencioso. Saboreei um cálice de
conhaque, ao som dos acordes de um violino, cujo executante tocava obras de
Bach para os presentes.


Assinei a conta e voltei ao quarto, notando no caminho que as luzes tinham sido
acendidas para compensar a profunda escuridão. Ao chegar lá, comecei a sentir
o frio da noite. Estava ansioso pelo fogo da lareira e, quem sabe, por mais um
conhaque antes de me deitar.


Alguém se tinha antecipado.
Já havia lume na lareira. A cama estava preparada, as almofadas arrumadas,
com um rebuçado de mentol sobre cada uma. Sobre a mesa de cabeceira havia
um cálice de conhaque e um cartão. Peguei no cartão e li:


Bem-vindo à sua primeira estadia no Venetia. Espero que esteja a gostar! Se
houver qualquer coisa que possa fazer por si, de dia ou de noite, por favor não
hesite em chamar-me. Kathi


Ao adormecer naquela noite, senti-me muito bem servido.


                           *****


Na manhã seguinte acordei com um estranho som de borbulhar vindo da casa
de banho. Saí da cama para investigar. Uma cafeteira, ligada por um
temporizador automático, estava a preparar o meu café. Um cartão dizia: A sua
marca predilecta de café. Bom apetite! K.”


E era mesmo. Como é que eles podiam conhecer este detalhe? De repente
lembrei-me. No jantar perguntaram-me qual era a minha marca preferida de
café. E aqui estava ela!


Ouvi um leve toque na porta. Fui abrir. Não havia ninguém, mas no chão em
frente à porta, jazia um jornal. O meu jornal “The New York Times”. Como é que
era possível saberem disto? Voltei a lembrar-me. Quando me registei,
perguntaram-me qual o jornal que eu preferia. Nem pensara mais no assunto. E
aqui estava ele!


E este ritual tem-se repetido de cada vez que volto àquele lugar.


Depois daquela primeira vez, nunca mais me perguntaram sobre as minhas
preferências. Tinha-me tornado parte, quase família, do sistema de gestão do
hotel. E nunca, nunca falharam. Pelo sistema sabem do que gosto, e são
tomadas as providências para que eu o receba da mesma maneira e à mesma
hora.


O que é que, exactamente, o sistema forneceu?


Um fósforo, um rebuçado de mentol, um café e um jornal!
No entanto, não foi isso que me deixou feliz. Foi o facto de alguém me ter
ouvido e continuado a ouvir todas as vezes!


No mesmo instante, quando entrei no quarto e percebi o lume na lareira, soube
então que se tinham lembrado de mim. Tinham pensado nos meus desejos.


Eu não dissera uma única palavra, mas ouviram-me na mesma.


No instante em que vi os rebuçados sobre as almofadas, a cama preparada e o
conhaque na mesa de cabeceira, sabia que alguém se tinha lembrado de mim.
Tinha pensado nos meus desejos.


Eu não dissera uma única palavra, mas ouviram-me na mesma.


No instante em que ouvi a cafeteira a borbulhar na casa de banho e vi o cartão
com a identificação da minha marca preferida, lembrei-me de que alguém tinha
perguntado pela minha preferência.


E eles ouviram minha resposta.


No instante em que vi o jornal e reconheci o meu jornal preferido, lembrei-me
de que alguém tinha perguntado. E eles ouviram a minha resposta.


Tudo totalmente automático!


Cada componente individual era uma solução orquestrada, programada para
produzir um resultado de marketing, um componente integrado do sistema da
gestão do hotel.


Depois da minha terceira estadia no hotel, pedi para conversar com o gerente.
Queria descobrir como conseguia ele surpreender-me! Como podia ele ter
certeza de que alguém ia fazer as perguntas certas, no momento certo. Como
era possível obter tais resultados para cada hóspede? Seria por contratar
pessoas extremamente competentes? Seriam os empregados sócios? Era algum
sistema especial de incentivos?"


(Fim da 1º Parte)

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Um fósforo, um rebuçado, um café e um jornal

  • 1. "Um fósforo, um rebuçado de mentol, um café e um jornal” – 1ª Parte. Da primeira vez foi acidental. Pelo menos para mim. Não tinha sido minha intenção parar naquele lugar. Estava a guiar há horas, e, já cansado da estrada, resolvi descansar por aquela noite antes de chegar a São Francisco. O hotel ficava num bosque de sequóias, de frente para o Pacífico. Quando cheguei à recepção, o sol estava a desaparecer e o bosque a mergulhar na escuridão. Logo no primeiro instante, algo me disse que estava num lugar especial. O hall do hotel estava iluminado com luz suave. Painéis de sequóia reflectiam a luz sobre sofás com almofadas bege, encostados nas três paredes que cercavam o balcão da recepção. Em frente da porta de entrada havia uma comprida mesa de madeira escura. Sobre ela vi uma enorme cesta de vime, cheia de frutas frescas. Ao lado da cesta havia um candeeiro de bronze, cuja luz brilhante se reflectia sobre as frutas, contribuindo para o ar festivo do ambiente. A mesa estava coberta com uma toalha feita em complicado ponto de croché que quase tocava o chão, e que, com seu desenho exótico, acentuava as cores das frutas, o bronze do candeeiro e o ocre avermelhado das paredes. Além da mesa, na outra parede, uma ampla lareira com o lume aceso enchia a sala com o alegre estalar dos lenhos de carvalho. Mesmo que não me estivesse a sentir tão cansado, o contraste entre o calor das chamas no meu rosto e o frio da noite nas minhas costas teria sido suficiente para me atrair para dentro do hall. Nestas condições, quase morri de prazer. Atrás do balcão da recepção estava uma rapariga que usava uma blusa vermelha, verde e branca, recém-engomada, e uma saia em ocre avermelhado. Um alfinete de peito com o emblema do hotel, sobre uma fita no mesmo tom ocre, enfeitava a blusa, tal como uma medalha de honra. Uma fita idêntica mantinha os cabelos afastados do rosto alegre. Saudou-me amavelmente: “Bem-vindo ao Venetia!”
  • 2. Não necessitou de mais de três minutos entre essa saudação e minha entrada no quarto, levado pelo mensageiro, apesar de não ter feito nenhuma reserva. Fiquei impressionado com a facilidade do procedimento. E que quarto! A principal impressão foi de discreta opulência – carpetes espessas, em discreta cor pastel, indo de parede a parede; uma cama de baldaquino, enorme, de pinho branco, coberta com uma magnífica colcha branca, impecavelmente limpa; gravuras originais, com paisagens e pássaros do Noroeste Pacífico, enfeitavam a tosca elegância das paredes cobertas com cedro natural; uma lareira, com lenha de carvalho para o lume que alguém previra que eu ia precisar, o papel colocado por baixo da grade e um apropriado fósforo, em posição perfeitamente alinhada sobre a lareira, à espera de ser riscado. Encantado com minha sorte, mudei de roupa para o jantar (a rapariga da recepção fizera a minha reserva juntamente com o registo) e saí pela noite à procura do restaurante. Uma placa no passeio do lado de fora do quarto guiou- me através do bosque escuro. O ar nocturno estava parado e limpo. Eu podia ouvir o bater rítmico das ondas do Pacífico. Ou seria apenas a minha imaginação? Pouco importava; o local era cercado por uma aura de magia. O restaurante estava localizado sobre um outeiro, com vista para o hotel e o mar. No caminho não encontrei uma única pessoa, mas o restaurante estava lotado. Dei o meu nome ao gerente e imediatamente fui conduzido a uma mesa, apesar de haver outras pessoas à espera. Com toda a certeza, neste restaurante as reservas eram respeitadas. A refeição foi tão deliciosa como tudo que tinha experimentado até então. O prato lindamente preparado; o serviço muito atencioso. Saboreei um cálice de conhaque, ao som dos acordes de um violino, cujo executante tocava obras de Bach para os presentes. Assinei a conta e voltei ao quarto, notando no caminho que as luzes tinham sido acendidas para compensar a profunda escuridão. Ao chegar lá, comecei a sentir o frio da noite. Estava ansioso pelo fogo da lareira e, quem sabe, por mais um conhaque antes de me deitar. Alguém se tinha antecipado.
  • 3. Já havia lume na lareira. A cama estava preparada, as almofadas arrumadas, com um rebuçado de mentol sobre cada uma. Sobre a mesa de cabeceira havia um cálice de conhaque e um cartão. Peguei no cartão e li: Bem-vindo à sua primeira estadia no Venetia. Espero que esteja a gostar! Se houver qualquer coisa que possa fazer por si, de dia ou de noite, por favor não hesite em chamar-me. Kathi Ao adormecer naquela noite, senti-me muito bem servido. ***** Na manhã seguinte acordei com um estranho som de borbulhar vindo da casa de banho. Saí da cama para investigar. Uma cafeteira, ligada por um temporizador automático, estava a preparar o meu café. Um cartão dizia: A sua marca predilecta de café. Bom apetite! K.” E era mesmo. Como é que eles podiam conhecer este detalhe? De repente lembrei-me. No jantar perguntaram-me qual era a minha marca preferida de café. E aqui estava ela! Ouvi um leve toque na porta. Fui abrir. Não havia ninguém, mas no chão em frente à porta, jazia um jornal. O meu jornal “The New York Times”. Como é que era possível saberem disto? Voltei a lembrar-me. Quando me registei, perguntaram-me qual o jornal que eu preferia. Nem pensara mais no assunto. E aqui estava ele! E este ritual tem-se repetido de cada vez que volto àquele lugar. Depois daquela primeira vez, nunca mais me perguntaram sobre as minhas preferências. Tinha-me tornado parte, quase família, do sistema de gestão do hotel. E nunca, nunca falharam. Pelo sistema sabem do que gosto, e são tomadas as providências para que eu o receba da mesma maneira e à mesma hora. O que é que, exactamente, o sistema forneceu? Um fósforo, um rebuçado de mentol, um café e um jornal!
  • 4. No entanto, não foi isso que me deixou feliz. Foi o facto de alguém me ter ouvido e continuado a ouvir todas as vezes! No mesmo instante, quando entrei no quarto e percebi o lume na lareira, soube então que se tinham lembrado de mim. Tinham pensado nos meus desejos. Eu não dissera uma única palavra, mas ouviram-me na mesma. No instante em que vi os rebuçados sobre as almofadas, a cama preparada e o conhaque na mesa de cabeceira, sabia que alguém se tinha lembrado de mim. Tinha pensado nos meus desejos. Eu não dissera uma única palavra, mas ouviram-me na mesma. No instante em que ouvi a cafeteira a borbulhar na casa de banho e vi o cartão com a identificação da minha marca preferida, lembrei-me de que alguém tinha perguntado pela minha preferência. E eles ouviram minha resposta. No instante em que vi o jornal e reconheci o meu jornal preferido, lembrei-me de que alguém tinha perguntado. E eles ouviram a minha resposta. Tudo totalmente automático! Cada componente individual era uma solução orquestrada, programada para produzir um resultado de marketing, um componente integrado do sistema da gestão do hotel. Depois da minha terceira estadia no hotel, pedi para conversar com o gerente. Queria descobrir como conseguia ele surpreender-me! Como podia ele ter certeza de que alguém ia fazer as perguntas certas, no momento certo. Como era possível obter tais resultados para cada hóspede? Seria por contratar pessoas extremamente competentes? Seriam os empregados sócios? Era algum sistema especial de incentivos?" (Fim da 1º Parte)