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O quê que é isso, ex-companheiro Lula?
Para o título deste livro, o autor buscou uma frase muito dita por Lula – “quê
que é isso, companheiro?” – quando queria censurar alguém. Lembrou-se também do
título do livro de Fernando Gabeira, O que é isso, companheiro, uma crítica pertinaz
aos anos de ditadura. É pois, uma crítica ao atual governo.
Aqui, o autor faz uma análise psico-política do governante Lula e de seu
governo. Tenta compreender sua trajetória política a partir de uma personalidade que,
graças a sua inteligência e aptidões, somadas a uma persistente busca de ascensão
social, levaram-no à presidência da República.
Para chegar aonde chegou, Lula usou de artifícios aprendidos na luta para
sobreviver às adversas circunstâncias de vida, a começar de sua infância pobre de
retirante nordestino, depois nas lutas sindicais e, por fim, na liderança de um partido
político. Alcançando o poder, Lula e o PT fizeram alianças e acordos espúrios,
sacrificaram companheiros e programas partidários, traíram seus eleitores. De fato,
tinham, como ainda hoje têm, apenas um projeto de poder, não de governo.
O fisiologismo e o nepotismo continuam sendo uma prática rotineira no controle
partidário da máquina pública. Os programas sociais não passam de captadores de
votos e apoio popular, a educação e a saúde encontram-se abandonadas, a violência
aumenta, a reforma agrária é mera balela, a política econômica, como no governo
anterior, tem como objetivo básico atender aos interesses do sistema financeiro
internacional e nacional, continua-se pagando juros reais de uma fictícia dívida externa.
A miséria, a corrupção e a impunidade permanecem sendo as grandes vergonhas
nacionais. Há muita esperança, mas pouca mudança, muita retórica e pouca ação,
muita demagogia e pouca verdade. O governo Lula revelou-se uma continuidade
piorada de FHC.
Omisso diante dos problemas que tem de enfrentar, inábil como condutor de
sua equipe e inapto como líder maior do país, Lula tornou-se o grande engodo, o maior
blefe já acontecido na nossa história republicana recente. E que poderá vir a se tornar
um desastre nacional de proporções imprevisíveis.
Esta é a análise que o autor oferece aos leitores deste livro, numa tentativa de
entender, de forma crítica, um momento de nossa história contemporânea.
Marcos Goursand de Araújo é psicólogo social. Formou-se em Psicologia na
PUC-MG, em Belo Horizonte, doutorou-se pela PUC-SP e fez pós-doutorado na
Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Foi professor de várias universidades,
dentre elas a UNESP, a Metodista de Piracicaba e as federais de Santa Catarina, do
Espírito Santo e Minas Gerais. Participouda fundação de sociedades de Psicologia, do
primeiro sindicato da classe e do Conselho Federal de Psicologia.
Esteve também na reorganização do PSB em 1985, fechado pela ditadura em
1965. Foi seu vice-presidente, em Minas Gerais, em 1989, quando participou do
lançamento da candidatura de Lula à Presidência, tendo acompanhado Lula e Bisol em
comícios, encontros e caminhadas.
Atualmente é professor da UEMG em Divinópolis e preside a Sociedade
Brasileira de Biosofia, organização não-governamental sem fins lucrativos.
E-mail: goursand@gmail.com
3
Marcos Goursand de Araujo
O QUÊ QUE É ISSO,
EX-COMPANHEIRO LULA?
UMA AVALIAÇÃO PSICO-POLÍTICA DO ATUAL
GOVERNO
Belo Horizonte
Setembro de 2004
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Copyright © 2004 by Marcos Goursand de Araújo. Todos os direitos reservados.
E-mails do autor: mgdearaujo@hotmail.com e biosofia@uol.com.br
Ficha Catalográfica
Impresso no Brasil
Printed in Brasil
Araújo, Marcos G.
O quê que é isso, ex-companheiro Lula? Uma avaliação psico-política do seu
governo. . Belo Horizonte: Ed. do autor, 2004.
1. Psicologia. – 2. Política. – 3. Poder. – 4. Governo. – 5. Lula.
Registro no. 320.062 - Livro: 589 - Folha: 436, em 11/06/2004.
Fundação Biblioteca Nacional:
Rua da Imprensa, 16 - sala 1205 - Centro - Rio de Janeiro/RJ
Tel. (21) 2220-0039 - Fax. (21) 2240-9179 - E-mail: eda@bn.br
Capa: Adriana Nunes
Impressão: Gráfica Sidil Ltda.
Av. Paraná, 1480 - Divinópolis/MG
5
Aosdesprovidosde:
paz,osafligidos;
saber,osincultos;
valor,oshumilhados;
bens,osempobrecidos;
razão,osenlouquecidos;
autonomia,ossubmetidos;
direitos,osinjustiçados;
liberdade,osoprimidos.
Enfim,atodasasvítimasdosabusosdopoder.
6
Existem até teorias prontas para explicar todas as derrotas da esquerda, e
evidentemente, deixar de explicar a derrota específica que a gente está querendo
examinar. Uma delas, reza que a vanguarda tem, sistematicamente, falhado na
condução das revoluções. As revoluções estão maduras, as massas estão prontas,
mas são permanentemente traídas por suas vanguardas. Era como se as
vanguardas tivessem uma tendência intrínseca à traição ou fossem, cronicamente,
incapazes de realizar sua tarefa. (Fernando Gabeira, em O que é isso,
companheiro?)
Tudo nos é proibido, a não ser cruzarmos os braços? A pobreza não está
escrita nos astros; o subdesenvolvimento não é fruto de um obscuro desígnio de
Deus. As classes dominantes põem as barbas de molho, e ao mesmo tempo
anunciam o inferno para todos. De certo modo, a direita tem razão quando se
identifica com a tranqüilidade e a ordem; é a ordem, de fato, da cotidiana humilhação
das maiorias, mas ordem em última análise; a tranqüilidade de que a injustiça
continue sendo injusta e a fome faminta. (Eduardo Galeano, em As veias abertas da
América Latina)
7
8
Ho Chi Minh: um ideal, uma luta, um modelo
Ho Chi Minh talvez possa ser considerado o maior estadista do Século XX, não
apenas porque era o líder de uma nação que foi a única até hoje a impor uma
humilhante derrota militar aos americanos, na Guerra do Vietnã, mas também porque
reunificou o seu país e colocou sua vida inteiramente a serviço de seu povo. Professor
e também operário, pois trabalhou como jardineiro, marinheiro e cozinheiro, Ho Chi
Minh não recebeu ainda o devido reconhecimento da História, pois deveria ser
colocado, pelo menos ao lado, senão acima, de outros grandes estadistas e
libertadores.
Ho Chi Minh nasceu em 19 de maio de 1890 e morreu em 3 de setembro de
1969. Apesar da infância pobre, vivida numa cabana de palha, estudou numa escola
de Hué, no sul do Vietnã. Foi jardineiro, lavador de pratos, cozinheiro, marinheiro,
professor e poeta. Falava fluentemente francês, inglês, alemão, russo e chinês.
Comandou os vietnamitas na luta contra as forças francesas, japonesas e americanas
que sucessivamente dominaram o país, a antiga Indochina. Suas tropas, denominadas
Vietminh, assumiram o controle do país, em 1945, depois da rendição do Japão (que
havia ocupado o país em 1941), proclamando a República Democrática do Vietnã, da
qual passou a ser o presidente. Reagindo a reconhecer a independência de sua antiga
colônia, a França deu início à guerra pela retomada da Indochina. Durante oito anos,
as guerrilhas do Vietminh combateram as tropas francesas, derrotando-as finalmente
na batalha de Dien Bien Phu, em 1954. Mas no acordo celebrado em Genebra, os
representantes de oito nações, incluindo os Estados Unidos, dividiram o Vietnã em
duas partes: o do Norte, liderado por Ho, e o do sul, onde impuseram o imperador Bao
Daí. Ho Chi Minh comandou a luta no Vietnã do Norte, na década de sessenta, quando
a guerra recomeçou.
Os Estados Unidos mandaram tropas para ocupar o Vietnã do Sul e, a partir de
1965, iniciaram os bombardeios militares contra o Vietnã do Norte, promovendo um
verdadeiro genocídio que custou a vida de mais de 2 milhões de pessoas. Finalmente,
em 1975, os americanos foram derrotados e o país foi reunificado sob a denominação
de Vietnã.
Ho Chi Minh era um asceta e levava uma vida simples e modesta, mesmo
enquanto presidiu o seu país, sem jamais ter se embriagado com o poder e as
vantagens do cargo. Ao morrer, em 1969, aos 79 anos, vitimado pelo câncer e por uma
tuberculose que o acometia desde moço, tornou-se um símbolo da luta que prosseguiu
até a expulsão dos americanos.
Que este valoroso líder possa servir de modelo para nossos governantes e que
o bravo povo vietnamita venha a se tornar um exemplo de luta, de trabalho e de
coragem para nós brasileiros. Estes são os meus anseios infactíveis!
9
ÍNDICE
PARTE 1
APRESENTAÇÃO, ANTECESSORES E ANTECEDENTES 10
A título de introdução: porque um psicólogo escrevendo sobre política? 12
Carta aberta ao presidente Lula 16
Carta aberta ao ex-companheiro Lula 18
Eleições no Brasil: o que os fatos vêm mostrando 20
Pesquisas pré-eleitorais: meio de informação ou manipulação? 26
Lula e o PT: o início de uma esperança 28
A campanha eleitoral de 2002, um aceno à direita 32
PARTE 2
O PT: UM PROJETO DE PODER, NÃO DE GOVERNO 38
O PT no governo: um partido centralista, autoritário e de direita 40
O fisiologismo e o nepotismo como meios para o controle partidário da
máquina pública 46
A nova ética petista 49
Os programas sociais: investindo em votos 55
O sistema financeiro, o novo parceiro do PT 61
A mídia, o quarto poder 69
PARTE 3
LULA E O NOVO PT: UMA ANÁLISE CRÍTICA 71
Lula, o ex-trabalhador : um perfil psico-político 73
Lula, uma personalidade borderline? 79
Lula, o grande blefe, a fabricação de um mito 83
O grupo palaciano 86
Muita esperança e pouca mudança, muita retórica e pouca ação, muita
demagogia e pouca verdade 92
Fraseologia: somos todos idiotas? Frases de Lula e frases sobre Lula 95
“Me engana que eu gosto”: os altos índices de aprovação de Lula 101
PARTE 4
AS FALSAS REFORMAS OU MUDAR PARA FICAR TUDO IGUAL. 104
Reforma, remendo ou rapinagem? 106
Reforma da previdência: além do que foi mostrado 107
Reforma tributária: aumentando a carga de impostos 113
Continuidade do governo anterior: mudança zero 117
As falsas promessas, as traições e omissões de Lula 122
10
PARTE 5
AS GRANDES QUESTÕES QUE NÃO SÃO ENFRENTADAS 128
Uma política econômica para perpetuar a injustiça e a desigualdade social 129
Um governo sem educação 136
Política de saúde ou indústria da doença? 142
Uma política externa de bravatas 144
Juros da dívida eterna 148
Reforma agrária, uma agrura sem fim 152
Corrupção: uma vergonha nacional 159
Política de segurança ou de violência? 161
PARTE 6
QUE PAÍS É ESSE? 175
O Brasil no divã 176
Ainda podemos esperar algo para o futuro? 186
11
PARTE 1
APRESENTAÇÃO, ANTECESSORES E
ANTECEDENTES
Comecei a escrever este livro em abril de 2003, quando já se
delineava a mudança de orientação política do governo petista
empossado em janeiro. Era ainda um dos poucos brasileiros já
decepcionados com o que se afigurava como uma traição aos eleitores
que haviam conduzidoLula à Presidência da República, acreditando nas
suas promessas de mudança rumo a um Brasil melhor.
De lá para cá, os fatos foram apenas confirmando aquilo que se
tornou o maior engodo que um presidente e seu partido fizeram ao povo
brasileiro em um período democrático de sua história. As verdadeiras
faces de Lula e do PT foram se delineando numa caracterização
impossívelde se imaginar poucosanos antes.As promessas eram meras
palavras, não havia projeto de governo e sim de poder, a democracia
petista era uma falácia, as mudanças eram falsas e o governante e seu
partido não eram de esquerda como quiseram fazer parecer.
O medo, que havia cedido à esperança, voltara. O sonho
transformava-se em pesadelo. Ou como expressava a frase no pára-
choque de um caminhão em uma de nossas estradas, “antes do Lula eu
tinha pesadelo; agora nem consigo mais dormir”. E o governo seguia a
estrada do continuísmo, mais esburacada do que as do país.
Um dos grandesproblemas de Lula,até chegarà Presidência, era a
sua total inexperiência em qualquer cargo executivo, fato que muitos de
nós procuramosminimizar.O seu único cargo públicoanterior foi o de um
inexpressivo deputado federal que não correspondeu à sua enorme
votação. Aí está a conseqüência: Lula está demonstrando não ter
capacidade para governar e acaba dependendo demais daqueles que
deveriam ser seus auxiliares e não seus guias, como José Dirceu e
Antônio Palocci. Acreditávamos que com sua capacidade de liderança,
inteligênciae bom-senso,e cercadode intelectuais de primeira, faria uma
grande equipe e seria um grande governante. Erramos!
Lula não está conseguindo sequer exercer em relação aos seus
auxiliares imediatos a mesma liderança que demonstrou como
sindicalista.Não se quercobrardele uma sabedoriaprofundaem todas as
áreas de atuação do governo,mas que tenha capacidade para elaborar e
tomar decisões sem ter que depender visceralmente de seus auxiliares.
Infelizmente,Lula estámostrando não ter condições para o cargo a
que foieleito.Isto poderá ter um custo irreparável para o povo brasileiro,
que além de sofrer com o agravamento dos problemas nacionais, ainda
12
poderá ser tentado a um retorno ao passado. A hipótese do retorno de
uma direita pior que a neo-liberal, no atual quadro de total ausência de
verdadeiras lideranças no Brasil, não é improvável.
Sabemos que, inúmeras vezes, a sede de poder tem tornado o
homem insano e possivelmente não há qualquer outro impulso humano
que tenha sido capaz de produzir sentimentos e ações tão destrutivas. A
história é principalmenteuma sucessãode fatos em que a luta pelo poder
é um agente primordial.O desejo de poder, diferentemente dos instintos
que se aplacam quando satisfeitos, parece não ter limites. Uma vez
alcançado,ele busca novas conquistas. Essa insaciedade do poder tem
levado dirigentespoderososa produzirdevastações incomensuráveis e a
serem eles próprios tragados pelo próprio processo de destruição.
Napoleão e Hitler são talvez os mais conhecidos dos trágicos exemplos
históricos disso. Lula e o PT são expressões bastante atenuadas, mas
muito recentes e próximas de nossa pobre realidade.
O psicólogo tem por obrigação profissional confrontar as pessoas
com a realidade, por mais dolorosa que ela seja, pois só assim elas
poderão enfrentá-la melhor. Ele é a antítese dos vendedores de ilusão:
seitas religiosas, loterias, futebol, shows de milhões, novelas. Como tal,
não tenho dúvida de que a Psicologia pode trazer sua contribuição para
compreendermos o aparentemente incompreensível quadro político
brasileiro do momento.Damesmamaneiraque muitos eventos históricos
podem ser melhor analisados se neles se incluírem estudos sobre o
desenvolvimento e as motivações de indivíduos que produziram ou
conduziram tais eventos. É uma melhor percepção de nossa história
recente e de alguns de seus principais personagens, o que estamos
tentando fazer.
Este livro foiescrito parapessoascomuns – anônimas, desprovidas
de status, fama, riquezas,poder – comoo autor, mas também como este,
inconformadas diante dos horrores que diariamente permeiam o nosso
cotidiano.Resta-nospelo menoso direito de não nos acomodarmos e se
não pudermos fazer mais nada, que pelo menos não percamos a
capacidade de nos indignar.
Sei que nada mudarei dessa realidade opressiva, vergonhosa,
injusta e desumanaem que vivemos. Mas dar-me-ei por satisfeito se, de
alguma maneira, algumas das idéias, situações e experiências aqui
relatadas encontrarem eco em você, meu caro leitor, que está tendo a
paciência e a gentileza de continuar essa leitura. Quiçá algum dia
possamos enxergar a luz no fim do túnel.
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A título de introdução: porque um psicólogo escrevendo sobre
política?
A psicologia e a política estiveram presentes em minha vida nos últimos quase
cinqüenta anos, a primeira por vocação e a segunda por ilusão. Como outros idealistas
do meu tempo, acreditava que a política seria capaz de transformar o mundo e nos dar
uma sociedade mais igualitária, humana e justa. Com a psicologia, vi que poderia
ajudar as pessoas a se modificarem internamente e se tornarem mais felizes e
realizadas, o que me levou a praticá-la até hoje. Mas, por decepção com a prática
política brasileira, jamais quis me candidatar a qualquer posto eletivo e nem participar
de cargos em governos.
Desde o início da puberdade tive a oportunidade de conviver com políticos no
bar e sorveteria de meu avô, freqüentado por vereadores, deputados e até por
governadores, já que ficava a apenas quatro quadras do Palácio da Liberdade, na
avenida principal do bairro, a Cristóvão Colombo. Havia também gente que vinha de
longe, para saborear o pernil de porco e os salgadinhos preparados por minha avó,
geralmente acompanhados por uma cerveja estupidamente gelada e uma branquinha
especial, puríssima e envelhecida, que o meu avô reservava para os bons
apreciadores. Além de políticos, o bar era freqüentado também por intelectuais e gente
que mais tarde iria se destacar em outros campos. Lembro-me do Roberto Drummond,
futuro grande escritor e novelista, do Chaim Katz, que se tornaria um renomado
psicanalista, do Roberto Abdalla, que viria a ser um cirurgião famoso nos Estados
Unidos (foi ele que operou o jogador Tostão quando este sofreu descolamento da
retina), dos Mata Machado e do Herbert de Souza, o Betinho, meu colega mais velho
no Colégio Estadual, já com todo aquele carisma que faria dele futuramente uma das
mais respeitadas personalidades brasileiras.
E havia o terrível pessoal da turma da Savassi, que fazia ponto ali também.
Recordo-me do Cacique, do Cacau, do Jacaré, do Odilonzinho e de alguns outros, que
mais tarde, dentre outras estripulias, iriam criar a Banda Mole, que chegou a ser a
maior do Brasil, inspirada na Banda de Ipanema, fundada por Sérgio Cabral e Albino
Pinheiro. Meu avô, um italiano calmo e bonachão, mas de olhar severo, era querido e
respeitado pela turma. A uma certa hora ele dizia “gente, está na hora de vocês irem
para casa; eu também preciso dormir”. O pessoal pagava a conta e ele fechava as
portas. Nas sextas-feiras, quando a turma saía, eu ia junto também, para fazer o que
chamávamos de “via sacra”, uma “peregrinação” pelos bares do caminho em direção à
zona boêmia. Se há algo que não posso dizer é que minha juventude tenha sido
monótona.
Como estudava pela manhã, gostava de ficar ali à tarde ou à noite ajudando
meu avô e conversando com as pessoas. Tinha a oportunidade de ficar batendo papo
com o Péricles Gomide Jr., o Peri, que era escritor e vinha todo início de noite tomar
um traçado (cachaça com vermute), uma grande figura de pouco mais de um metro e
meio de altura, mas de uma elevada estatura humana, cultural e intelectual. Foi com
ele que aprendi o que era socialismo (de que não se falava nas escolas da época) e a
entender criticamente a vida política.
Ainda jovem, entrara para a Juventude Socialista do PSB, o único partido a que
pertenci até hoje, apesar das muitas decepções e frustrações que me tem dado (e que
não seria diferente com os outros, haja visto o que hoje está ocorrendo com os petistas
autênticos). Em 1962, lançamos a candidatura do jornalista José Maria Rabelo, diretor
do jornal Binômio, o precursor do Pasquim, à Prefeitura de Belo Horizonte, em protesto
contra os demais cinco candidatos, que achávamos oportunistas e fisiológicos. O Zé
Maria ficou em último lugar, mas nem por isso desanimamos de nossa luta.
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Continuava militando na política enquanto cursava Psicologia. Ainda estudante,
fui trabalhar na equipe do prof. Pierre Weil, no antigo Banco da Lavoura. Logo que me
formei, em dezembro de 1963, fui trabalhar como psicólogo social no IDAGO – Instituto
de Desenvolvimento Agrário de Goiás, que era o órgão encarregado de promover a
reforma agrária no estado. Pouco depois, o golpe de 64 desmantelou a primeira
experiência contemporânea efetiva e bem sucedida de reforma agrária 1.
Voltando a Belo Horizonte, decidi dedicar-me mais especificamente à
Psicologia. Associei-me a mais três jovens colegas e a um conhecido psiquiatra de
Belo Horizonte, o Dr. Halley Alves Bessa, para fundar o primeiro instituto particular de
psicologia da cidade, o IPAMIG - Instituto de Psicologia Aplicada de Minas Gerais. O
instituto cresceu e, pouco depois, vieram se juntar a nós alguns profissionais já
conhecidos, como o casal de psicólogos Otília e Daniel Antipoff e a pedagoga Joanita
Saraiva.
Em 1967, resolvi ir para São Paulo, para fazer pós-graduação, onde me casei,
tendo ficado lá 10 anos. Durante esse período, aprofundei minha formação profissional
(em psicanálise, psicodrama e psicoterapia de grupo) e participei da fundação de
sociedades científicas e do sindicato da classe. Na época travávamos uma batalha
com a classe médica pelo nosso direito de clinicar e exercer a psicoterapia, que fazia
parte de nosso currículo e não era ministrada nos cursos de medicina. Indicado pelas
associações de psicólogos, fui redator do projeto de lei que regulamentou o exercício
da profissão de psicólogo e criou o Conselho Federal de Psicologia, em 1972, junto
com o deputado Lauro Cruz, que era médico, mas apoiava nossas reivindicações.
Levado por minha índole cigana, morei sucessivamente em Piracicaba,
Florianópolis, Los Angeles (EUA) e Vitória. Trabalhei como psicólogo e psicoterapeuta
de grupo, e lecionando em diversas universidades. Retornei a Belo Horizonte, em
1986, para lecionar na Universidade Federal de Minas Gerais.
Nesse mesmo ano, resolvi retomar minha prática política, juntando-me a um
grupo de idealistas sobreviventes da ditadura militar, que haviam sido anistiados: o ex-
deputado Fabrício Soares, o sindicalista Clodsmith Riani, o economista Waldo Silva, o
médico Everaldo Chrispim, o escritor Marco Antônio Meyer, os irmãos Guedes e outros
que procuravam reorganizar, em Minas, o Partido Socialista Brasileiro, fundado em
1945 e fechado pela ditadura em 1965. Também em 1986, iniciei minhas pesquisas
sobre comportamento político, buscando entender, dentre outros aspectos, as
motivações, especialmente inconscientes, das escolhas políticas e do ato de votar.
Apresentei os resultados em revistas técnicas e órgãos da mídia impressa.
Mas logo fui sentindo a dificuldade de publicar em jornais os meus artigos
críticos. Para não me afastar completamente do meio acadêmico, passei também a
apresentar minhas idéias nos congressos científicos, onde encontrei uma boa acolhida,
especialmente por parte de pesquisadores jovens e de estudantes, mais ávidos em
saber das coisas do que em exibir erudição.
Em abril de 1989, ocupava a vice-presidência do PSB-MG e, junto com outros
companheiros dos demais partidos de esquerda, lançamos a candidatura de Lula à
Presidência, num encontro na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. O pré-
lançamento já havia acontecido em São Paulo. O PSB indicou inicialmente o Antônio
Houaiss para o lugar de vice na chapa de Lula, uma composição perfeita: o trabalhador
de escolaridade primária e maior líder operário do país, junto com o grande sábio e
intelectual brasileiro. Houaiss sofreu um acidente e teve problemas de saúde que o
impossibilitaram de continuar, sendo substituído pelo Senador José Paulo Bisol. A
campanha Lula-Bisol se transformou num movimento que varreu o País, numa onda de
esperança e empolgação. O “sem medo de ser feliz”, mais do que um refrão,
1 Mais à frente voltarei a discorrer sobre essa importante experiência de reforma agrária.
15
significava um novo alento na alma coletiva brasileira e uma proposta de efetiva
mudança.
Acompanhei Lula e Bisol em alguns comícios, encontros e caminhadas. Cada
vez mais me convencia de que era possível chegar-se ao segundo turno das eleições
para então enfrentar o Collor que, pelas estatísticas, praticamente já tinha seu lugar
assegurado nele. Acabamos derrotados da maneira mais suja possível pela direita
“collorida”, que com o apoio de uma mídia venal, atacou Lula usando a sua ex-
namorada, Miriam.
Em 1994, os partidos de esquerda se uniram novamente. Repetiu-se a
dobradinha que quase chegara ao poder cinco anos antes. Novamente uma campanha
de calúnias e difamações acabou atingindo Bisol, que foi substituído às pressas pelo
Aloísio Mercadante. Diante do perigo, o Partido dos Trabalhadores acabou optando
pelo pior, uma chapa petista pura. Nova decepção, que se repetiria em 1998, desta
feita com Brizola como vice. Tivemos 8 anos do famigerado governo de FHC.
A última vez que estive com Lula foi durante a campanha eleitoral de 1994. Fui
buscá-lo em Campo Belo, MG, para levá-lo em um avião fretado para ser aclamado no
congresso nacional do PSB, que homologava a chapa Lula-Bisol e selava a aliança
PT-PSB. A impressão que tive foi a de que ele havia mudado nesses cinco anos.
Estava diferente do Lula combativo, sensível e simples da campanha de 1989.
Pragmático, parecia apenas interessado nos números do resultado do congresso do
PSB.
Em 1996, ajudei na eleição de Wilma Faria à prefeitura de Natal e fui o
coordenador de pesquisas da campanha que elegeu Célio de Castro à prefeitura de
Belo Horizonte. Pela primeira vez tivemos o PT, que havia rompido compromissos
assumidos quatro anos antes, como adversário e o derrotamos nas duas eleições.
Em 2002, o PSB resolve se lançar numa aventura de candidatura própria. Já o
PT, decidido a ganhar a eleição a qualquer preço, compõe sua chapa com um partido
de direita. Foi essa aliança que possibilitou ao Partido dos Trabalhadores chegar ao
poder. O curioso é que, posteriormente, o vice de Lula, o senador José de Alencar,
veio a se mostrar mais afinado com as mudanças e mais sensível às demandas
populares do que o próprio PT no governo. Por isso chegou a merecer do jornal O
Pasquim21, uma reportagem de capa sob o título “O vice de Lula é melhor que ele”.
Quando começou a exigir as prometidas mudanças na economia, a começar pela
redução da taxa de juros, foi silenciado e passou para o ostracismo. Uma pena! O “Zé
Alencar” é um empresário e político correto e capaz que poderia ter um papel mais
relevante nesse governo.
Eleito Lula, as preocupações daqueles que, como eu, o apoiaram, pareciam
estar cada vez mais se concretizando. Não que alimentasse ilusões sobre o seu futuro
governo, pois ainda no primeiro turno, o único projeto palpável que o PT parecia ter era
o de ganhar as eleições a qualquer preço. Tanto que relegou a segundo plano
candidaturas a governos estaduais que tinham grandes chances de eleição como as
de José Airton, no Ceará, e de Geraldo Magela, em Brasília, derrotadas por uma
margem mínima de diferença, devido ao abandono da coordenação nacional do
partido, voltada exclusivamente para a eleição presidencial. Diferentes das de Nilmário
Miranda, em Minas e de José Genoíno, em São Paulo, candidatos bois-de-piranha,
sem chances eleitorais, mas com a promessa de serem recompensados no futuro
governo. Este último, surpreendentemente, graças à insatisfação do povo paulista, foi
levado ao 2º. turno, mas naufragou pela própria incompetência.
Assumindo a Presidência da República, Lula enfatizou três grandes e urgentes
prioridades do seu governo: o combate à fome (com o lançamento do programa Fome
Zero), a promessa de fazer as grandes reformas necessárias ao País e a geração de
empregos, com a retomada do desenvolvimento econômico.
16
Já no final dos seis primeiros meses de governo o que se via era bem diferente.
O Fome Zero praticamente não havia saído do papel. O conjunto de reformas se
resumiu a uma pseudo-reforma da Previdência, que servia muito mais para aumentar o
caixa do governo à custa dos servidores públicos. Já a retomada do crescimento era
adiada, enquanto Lula aprofundava a política econômica recessiva de seu antecessor,
aumentando o índice de desemprego.
Um ano depois tudo permanecia igual ou tinha piorado. Ou seja, parecia que o
novo governo continuava fazendo uma campanha de marketing, como durante as
eleições, e tudo que fora dito não passava de meras promessas eleitorais. Alegavam
até que o PT havia chegado ao governo, mas não ao poder, como justificativa para a
falta de ações concretas. Um verdadeiro estelionato eleitoral!
O que me pergunto é: fomos enganados o tempo todo ou realmente Lula
passou por uma radical transformação política, tão meteórica quanto sua ascensão, de
líder operário a presidente da República?
Como psicólogo social, é isto que tento entender, mais do que responder, neste
pequeno e despretensioso livro. Ele traz a percepção de quem participou, durante
quase meio século, de uma pequena parcela de nossa história recente e tem lá sua
própria maneira de ver as coisas. Serve também para expressar aquele inconformismo
que me parece cada vez mais forte, embora sufocado, nas pessoas que ainda
acreditam ser possível um mundo mais decente do que o que temos hoje.
17
Carta aberta ao Presidente Lula
Excelentíssimo Senhor Presidente:
Como um dos 53 milhões de brasileiros que o elegeram Presidente da
República, não poderia deixar de expressar minha decepção com os rumos que o
governo de Vossa Excelência tomou.
Nós o elegemos, Sr. Presidente, para que mudasse de fato este país. Nós o
elegemos confiando em suas promessas e propostas, e também no programa de seu
partido, que parece cada vez menos dos trabalhadores.
O que temos visto a cada dia é o aprofundamento das desigualdades sociais, o
enriquecimento dos banqueiros, dos especuladores e de outros parasitas sociais e o
agravamento dos problemas de nosso povo, sem que possamos ver realizações
concretas de seu governo, além dos costumeiros discursos. Discursos e promessas,
Sr. Presidente, quando não são seguidos de ações efetivas, acabam por cair no vazio,
deixando em seus milhões de ouvintes a sensação de que estão sendo enganados.
Vossa Excelência diz que não devemos ter pressa, que as coisas virão ao seu
devido tempo. Acontece que temos ouvido isto há muitos anos, talvez séculos, desde
que os portugueses aqui chegaram, e tudo continua do mesmo jeito. Temos pressa
sim, não de que as mudanças sejam atabalhoadas, pois ninguém lhe pediu isto, mas
que elas sejam ao menos iniciadas. Vossa Excelência poderá dizer que as começou,
com as Reformas Tributária e da Previdência, mas não vamos nos iludir. Essas não
são reformas, mas jogadas de marketing que Vossa Excelência está usando para dar à
opinião pública a ilusão de que algo está sendo feito. A primeira é uma pseudo-reforma
que somente penaliza os servidores de menores salários, sem aumento há 9 anos. A
segunda penaliza a todos os brasileiros na medida em que aumenta a carga tributária.
E tudo isto para pagar os juros de uma dívida que não é nossa. É justo?
Vossa Excelência comete uma terrível injustiça e maldade contra os servidores
públicos, principalmente os aposentados, satanizando-os, com o apoio de uma mídia
facciosa e venal, como se fossem os responsáveis pela falência do país. Vossa
Excelência já pôde sentir na pele as estocadas dessa mídia, quando era apenas um
líder sindical ou candidato à presidência.
O Programa Fome Zero, a sua “menina dos olhos”, não saiu do papel. Quem
tem fome, se Vossa Excelência ainda se lembra, tem pressa sim. Prefere até comer
cru para aliviar a fome.
Onde está o combate efetivo à corrupção, à sonegação, à violência, à
especulação predatória, aos lucros absurdos dos bancos, ao desemprego, à exclusão
social? Onde estão todos estes compromissos do programa de seu partido e
promessas de Vossa Excelência?
O que estou dizendo aqui não é apenas produto de minha cabeça ou de uma
posição ideológica. Está aí no noticiário de jornais, rádios e televisões. Está expresso
nos artigos e comentários de gente séria, lúcida e competente que felizmente ainda
existe (ou resiste) nas poucas ilhas de independência de nossa mídia. Esta, em sua
quase totalidade, anda cada vez mais ávida por agradar aos poderosos e aos que a
sustentam com gordos anúncios, o principal deles o seu próprio governo.
O seu governo é incontestavelmente um governo de direita ou, na melhor das
hipóteses, neo-liberal, uma mera continuação do anterior, em que pese toda a sua
retórica em contrário. A quem abre os braços para a direita só restam dois caminhos:
ou se torna direitista ou é engolido por ela. Gostaria de lembrar à Vossa Excelência o
que aconteceu com o ex-presidente João Goulart, o Jango, deposto pelo golpe militar
de 1964. Quando o golpe eclodiu, Jango contava com militares leais e milhões de
brasileiros dispostos a enfrentar o golpe. Poderia ter resistido e vencido. Preferiu
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capitular e fugir, sob a justificativa de que queria evitar derramamento de sangue,
deixando-nos órfãos políticos e sem liderança.
Jango, para não perder os dedos, entregou os anéis. Ficou sem as mãos. É o
que acontece com quem negocia com a direita. Aceitou imposições que visavam tão
somente enfraquecer a resistência contra o golpe. O resultado todo mundo sabe: foram
21 anos de uma ditadura sangrenta que ceifou a vida de milhares de brasileiros
idealistas que queriam um país mais justo e sem tantas desigualdades.
Salvador Allende foi eleito presidente do Chile com um ambicioso programa de
reformas populares, mas também acabou vítima de acordos com a direita, que o traiu.
Corajoso e idealista, ao ser cercado no Palácio de la Moneda, durante o golpe de
1973, preferiu morrer resistindo a entregar de bandeja o seu país aos criminosos de
Pinochet.
Se Jango pode ser acusado de ter se acovardado, não pode ser tachado de
traidor. Tentou à sua maneira fazer um governo voltado para os pobres e foi traído por
aqueles em quem confiava. Vossa Excelência está fazendo diferente. Traiu o povo e
se uniu aos inimigos do País: banqueiros, especuladores, políticos corruptos e
oportunistas. Procura agradá-los e chega a fazer alianças com alguns que eram seus
antigos algozes e a quem Vossa Excelência criticou todo o tempo. Tornando-se
presidente, teria Vossa Excelência perdido a sua índole de lutador, de homem público,
de ser humano capaz de se indignar diante das injustiças, da corrupção, da
truculência, do descaso para com o semelhante, assemelhando-se a essa gente?
Vossa Excelência sonha com a reeleição, mas cuidado! Pode acabar seguindo
o caminho de Fernando Collor, ao trair suas promessas e comandar um governo que
vem se mostrando inapto e inábil para dirigir o país.
Faço votos de que o seu destino não seja o de Jango ou de Collor. Não
queremos ver de novo aquele filme de horror ou ter os mesmos pesadelos. Ainda há
tempo de mudar de rumo, Sr. Presidente, enquanto a direita não toma conta
inteiramente do seu governo.
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Carta aberta ao ex-companheiro Lula
Ex-companheiro e ex-trabalhador Lula:
Inicialmente, permita-me chamá-lo apenas pelo nome, pois longe de significar
uma intimidade inadequada ao hoje Presidente da República, é uma forma de me
dirigir muito mais à sua pessoa do que ao ocupante do cargo que ora desempenha. É
um apelo àquele Lula que há bem pouco tempo representou a esperança de mudança,
de renovação e de justiça social para milhões de pessoas.
A sua eleição foi uma resposta desse povo sofrido, paciente e submisso, ao seu
apelo de fé em um Brasil mais justo, solidário e humano, do que o que vem sendo
construído ao longo de cinco séculos de exploração. Acreditamos que você iria
realmente vestir a camisa dos submetidos, dos fracos e oprimidos, cumprindo não
apenas as promessas de campanha, mas sobretudo o programa partidário e os
compromissos assumidos desde 1989.
Infelizmente, não é o que estamos vendo hoje. Agora já não resta mais qualquer
dúvida em relação a você: fomos enganados e traídos, algo que jamais poderíamos
imaginar há pouco. Ao invés de ser o condutor das verdadeiras mudanças e da luta
pela justiça social, você se tornou o carrasco de nossas esperanças e o algoz de
nossos sonhos.
Sua fala é demagógica e serve apenas para tentar, por mais algum tempo,
deixar a massa empobrecida iludida e esperançosa, até que se dê conta de que foi
enganada. Serve também para que você se mantenha como um ídolo ou superstar de
um filme canastrão, do qual todos sairemos nos lamentando do custo pago para vê-lo.
O sentimento maior que hoje tenho em relação a você, ex-companheiro, é o de
indignação pela sua traição aos compromissos históricos, seus e do seu partido, pelo
estelionato eleitoral aos seus 53 milhões de eleitores, que como eu acreditaram nas
suas promessas e nos seus propósitos; indignação pelo seus recuos diante das
pressões do “mercado”, cada vez mais e como sempre, apenas interessado nos lucros
parasitários das bolsas e do dólar, a custa do empobrecimento de nosso povo.
Lamentavelmente, ex-companheiro, você mostrou que não passa de um
fanfarrão, que gosta de fazer bravatas, mas se acovarda diante da reação dos
poderosos, como demonstrou diante das exigências do Judiciário na “reforma” da
Previdência e da recusa do Exército em abrir os arquivos sobre o desaparecimento dos
guerrilheiros do Araguaia, para não suscetibilizar os militares. Nem ao menos o seu
sentimento de compaixão pelos fracos e oprimidos parece mais genuíno. Você não
mostrou a mínima sensibilidade para com os familiares dos desaparecidos.
O medo venceu a esperança. Ou melhor, a frustração venceu a esperança.
Sinto-me, como milhões de brasileiros, apunhalado pelas costas. Sim, porque tivesse
você dito a verdade, dito que seguiria o rumo que está seguindo, talvez até houvesse
muita gente que continuaria a votar em você, não pr engano, mas por falta de melhor
alternativa.
Mas, o pior dos males que você poderá fazer a esta nação e a este povo ainda
está por vir. Ao destruir as esperanças populares, você deixará um rastro de sofrimento
ainda maior do que o que encontrou e estará pavimentando o caminho para a volta ao
poder da pior direita desse país. Veja o que aconteceu na França, em Portugal, na
Áustria, na Itália e em outros países quando uma falsa esquerda, após assumir o poder
fez, ela sim, o jogo da direita, traindo os seus compromissos.
Custa-me ainda aceitar e acreditar que o Lula daquela memorável campanha de
1989 (uma verdadeira onda que varreu o País com o “Lula lá, é a gente junto”), tenha
se transmutado no Lula que hoje temos à frente dos destinos dessa sofrida e
injustiçada nação.
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Talvez por isso esteja escrevendo este texto. Como um derradeiro apelo ao
mínimo que ainda resta de sua independência e vontade política de acertar. Inebriado
como você está pelo poder que nunca imaginou ter e, açodado pelas mordomias do
cargo, acho que será um sermão aos peixes. Quase certamente você não irá ler este
livro, mesmo porque não é afeito a leituras. Mas, com certeza, algum de seus áulicos
se encarregará de informar-lhe, com um certo desdém, de um livrinho cheio de
bobagens escritas por um ex-aliado.
Quero, ao menos, ter a consciência tranqüila de que fiz a minha parte. Tenho
por hábito dizer o que penso, mesmo sabendo que não irá alterar nada. O que o outro
fará com o que eu lhe disse não é mais problema meu. A minha obrigação está em
dizer.
Na política existem dois caminhos possíveis. Um é muito estreito e apertado,
difícil, íngreme, pedregoso e cheio de armadilhas. A única proteção com que se conta
para andar nele é o ideal altruísta de buscar justiça e sacrificar-se pelo seu povo, se
preciso com a própria vida. Foi o que Cristo escolheu. Entretanto é o único capaz de
levar adiante um projeto grandioso de uma nação justa, equânime e solidária.
Pouquíssimos resolvem passar por ele. Somente grandes idealistas, revolucionários e
estadistas como Simon Bolívar, San Martin, José Marti, Sandino, Tupac Amaru,
Emiliano Zapata, Tiradentes, Abraão Lincoln, Mahatma Gandhi, Giuseppe Garibaldi,
Nelson Mandela, Mohamed Mossadegh, Chê Guevara, Ho-Chi-Mihn. Getúlio Vargas e
Juscelino Kubistchek, com todos os grandes erros que cometeram foram, de certa
forma, estadistas.
O outro caminho, uma vez alcançado o poder, é fácil, largo, cheio de mordomias
e vantagens pessoais, de bajuladores prontos a satisfazer quaisquer desejos. O
sentimento embriagador do poder impede de ver e ouvir os clamores populares,
sufocados pelo canto das sereias de ocasião. O único projeto que se tem, é o de
usufruir das benesses e vantagens do cargo, nele permanecendo o maior tempo
possível. Ao deixá-lo, se isto for inevitável, a idéia é ter amealhado toda fortuna e
prestígio possíveis. É o caminho preferido dos oportunistas, dos déspotas e dos tiranos
como os genocidas Adolf Hitler, Joseph Stalin, Lyndon Johnson, George W. Bush,
Saddam Hussein, Slobodan Milosevic, Ariel Sharon. Ou de políticos menores, de
práticas mesquinhas, mas também compondo uma lista nefasta, como os médicis,
collors, sarneys, fhcs e malufs da vida e que poderá vir a contar também com um lula.
A história está repleta deles e para citá-los seriam precisos muitos livros deste.
Para os grandes de alma e de ideais, o exercício do poder é uma missão árdua
e penosa e não uma oportunidade de mera satisfação do ego. Não estou dizendo que
você deva exercer seu cargo carregando uma cruz. Claro que pode e tem o direito de
usufruir de suas peladas, churrascos, viagens, discursos, aplausos, mordomias. Mas
você não foi galgado a ele só para isso!
A escolha é sua ex-companheiro! Sinceramente, eu espero que você volte ao
primeiro caminho, que foi por onde começou. Ainda será possível a quebra desse
círculo vicioso? Por quanto tempo mais, você acha que conseguirá iludir a grande
maioria de pessoas desinformadas deste país, que ainda o crêem um salvador ou pai
dos pobres? Você corre o risco de ficar conhecido como Luís Inácio Judas da Silva e
de virar o personagem principal do sábado de aleluia do próximo ano.
Para terminar, repito aqui uma frase atribuída a Abraham Lincoln: “Podeis
enganar a todos por algum tempo. Podeis mesmo enganar a alguns por todo o tempo.
Mas não podeis enganar a todos por todo o tempo.”
21
Eleições no Brasil: o que os fatos vêm mostrando
As eleições são o meio pelo qual as sociedades ditas democráticas escolhem os
seus governantes e o voto é o instrumento que o cidadão tem para exercer esse direito
de escolha. O ato de votar é, pois, o resultado final de um processo de
amadurecimento pessoal influenciado por uma grande variedade de fatores internos
(individuais) e externos (sociais).
As distorções que sofre o processo eleitoral no Brasil, através da compra de
votos, da fraude e da manipulação através dos meios de comunicação de massa, têm
sido uma constante entre as mazelas da democracia brasileira. Com isso, o eleitor
brasileiro está cada vez mais descrente da política e dos políticos, desinteressado em
conhecer os candidatos, suas propostas e posições político-ideológicas. Acaba
fazendo suas escolhas influenciado por critérios subjetivos e emocionais, onde entram
a distorção na percepção e na avaliação dos candidatos, a idealização do passado e o
medo do novo e do desconhecido.
Vários estudos mostram que a imagem que o eleitor brasileiro tem dos políticos
tende a ser bastante negativa. Isto parece ocorrer também em outras partes do mundo
e o folclore tem sido pródigo em relatos depreciativos e caricaturais dos políticos em
diversas épocas. Boa parte dessa imagem corresponde a comportamentos
inadequados e fatos escandalosos que cercam o mundo político. Outra parte, porém,
pode ser atribuída ao distanciamento e ausência de participação do homem comum
nos assuntos da política.
Entender os fatores que influenciam e interferem nas escolhas eleitorais –
opiniões e atitudes – é de fundamental importância para compreender o
comportamento político do eleitor brasileiro e os resultados das eleições. Por um lado,
as abstenções, os votos nulos e em branco expressam a descrença e o desinteresse
de grande parcela do eleitorado para com a política e os políticos e por isso podem
significar um protesto passivo. Por outro lado, não é fácil entender porque a maior parte
dos que votam têm feito opção pelos piores. Dizer que os eleitores são mal informados,
iludidos e inconscientes, é simplista. Se assim fosse, os seus votos deveriam ser
distribuídos, tanto para os bons, quanto para os maus candidatos.
Eleições recentes: algumas conclusões
Nas eleições de 1988, 1989, 1990 e 1994, efetuamos levantamentos para
conhecer as razões que levavam os eleitores de Belo Horizonte a votar nos seus
candidatos. Estudamos especialmente as atitudes, crenças e valores políticos dessa
população.
Em 15 de novembro de 1988, dia das eleições municipais, foram entrevistados
369 eleitores de ambos os sexos e diferentes idades e níveis sócio-econômicos. A
esse levantamento seguiram-se outros, em 1989, com 345, em 1990, com 449 e em
1994, com 416 pessoas.
Os dados eram coletados no dia da eleição, imediatamente após o eleitor ter
votado, através de entrevistas padronizadas individuais, coletadas em diversos locais
de votação do município, distribuídos em regiões de diferentes condições sócio-
econômicas no centro, nos bairros e nas periferias. Trabalharam voluntariamente
nessas entrevistas, estudantes do Curso de Psicologia da UFMG. Os entrevistados
eram escolhidos aleatoriamente à medida que saíam das seções eleitorais.
Utilizou-se um questionário com 35 perguntas, dividido em duas partes: a
primeira de respostas fechadas e a segunda de respostas abertas. Buscavam-se obter
os seguintes tipos de dados: perfil dos eleitores; posição política; preferências eleitorais
(de candidatos e partidos); opinião sobre a obrigatoriedade do voto; pessoas, meios e
outros fatores que influenciaram a decisão do entrevistado; razões e consistência das
22
escolhas; preconceitos e rejeições; qualidades desejadas num candidato; aspectos
positivos e negativos das campanhas, etc.
Os levantamentos feitos na cidade de Belo Horizonte, contaram com a
participação de eleitores de ambos os sexos, com idades entre 18 e 70 anos e de
diferentes níveis sócio-econômicos. Os perfis dos eleitores entrevistados apresentaram
semelhança com os do Tribunal Regional Eleitoral, demonstrando assim que a amostra
foi representativa 2.
Este estudo teve o objetivo de conhecer as características políticas dos eleitores
e as razões que os levaram a escolher seus candidatos a cargos eletivos públicos.
Diferentemente do que fazem as prévias de opinião, procuramos avaliar as atitudes
dos eleitores, o que seria mais confiável e fidedigno como preditor do seu
comportamento.
Desses estudos, iremos comentar apenas alguns dados mais significativos para
o propósito deste texto 3.
Os resultados das eleições de 1990 revelaram duas conseqüências
assustadoras: um índice de abstenções, votos nulos e em branco, ultrapassando a
casa dos 50% e um baixo grau de renovação. Para a quase totalidade dos cargos
majoritários e para a grande maioria dos proporcionais, foram eleitos velhos políticos,
corruptos, retrógrados e impopulares. Muitos deles pareciam não ter mais vez na cena
brasileira mas, no entanto, foram as grandes estrelas desse pleito. Após significativo
avanço em 1989, quando, pela primeira vez, um trabalhador quase chega à
Presidência, o quadro político brasileiro parece retroceder a níveis comparáveis aos
dos anos 60. Assim tivemos, no conjunto, governadores, senadores e deputados mais
atrasados que os seus antecessores.
O eleitor de 90 mostrou-se descrente da política e dos políticos; desinteressado
em conhecer os candidatos, suas propostas e posições político-ideológicas; alheio ao
processo político; com seu senso de realidade e postura ético-social diminuídos,
buscando referências e identificações incorretas, votando inconseqüentemente.
Apenas 37% das pessoas afirmaram que viram a propaganda política na TV. Destas,
apenas 5,9% assistiram ao programa todo, 12,6%, a uma parte e 18,5%, a pouco ou a
quase nada. No rádio, o índice de audiência foi menor: 83,7% nunca ouviram um
programa eleitoral. A grande maioria dos eleitores não se interessou em conhecer os
candidatos e suas propostas através dos programas eleitorais. Nesse ano, 44,3% dos
entrevistados afirmaram que não votariam, se não fossem obrigados. Some-se a isso
uma média de cerca de 20% de abstenções reais nestas eleições e não teremos muito
mais que 1/3 de eleitores dispostos a votar. Em Minas Gerais, 2/3 dos eleitores do
candidato eleito, Hélio Garcia, não haviam assistido aos programas do horário da
propaganda eleitoral gratuita e mais da metade não sabiam dizer porque votavam nele.
As eleições de 1996 representaram um marco para os partidos de esquerda e
trouxeram avanços significativos às propostas populares. A campanha de Célio de
Castro à Prefeitura de Belo Horizonte foi, sem dúvida, a mais surpreendente e eficaz.
Partindo de apenas 3% das intenções de voto quando sua candidatura foi registrada, o
candidato venceu o 1o. turno das eleições com 40,76% e foi eleito no 2o. turno com
68,57% dos votos, o maior percentual de votos obtido em capitais.
No decorrer dessa campanha, participei da equipe de coordenação da Frente
BH Novo Século, constituída pelos partidos PSB, PMDB e PPS, com as candidaturas
2 Dada a maior complexidade dos estudos qualitativos, o número de sujeitos é menor do que nas
pesquisas quantitativas, geralmente situando-se entre 60 e 300. Em nossos levantamentos o número de
sujeitos ficou sempre acima de 300.
3 Os dados completos, as análises e os resultados dessas pesquisas, podem ser vistos em nossos
trabalhos: Araujo, M. G. Poder - uma abordagem psico-dinâmica. Tese de concurso à UFMG, Belo
Horizonte, 1984; Araujo, M. G. Eleições 90: uma análise psicossocial. Revista Caminhos, 2: 37-41, 1990.
23
de Célio de Castro e Marcos Sant’Anna à Prefeitura. Tive a meu cargo a coordenação
e interpretação de pesquisas de campo, realizadas pela empresa OP&M, que serviram
também como subsídio para as estratégias e o “marketing” da campanha. Tal trabalho
trouxe observações e conclusões interessantes a respeito de aspectos do
comportamento coletivo e mostrou que a intervenção psicossocial numa campanha
política pode ser um campo para melhor compreender o comportamento do eleitor.
Fizemos quatro pesquisas de campo antes das eleições e, de modo geral,
pudemos confirmar dados das pesquisas anteriores, embora os números tivessem
sofrido pequenas variações. Os três itens destacados a seguir confirmam a
necessidade de uma reformulação de nosso processo eleitoral.
Influências na escolha de candidatos:
Em 1988, o que mais influenciou o eleitor na escolha de seus candidatos foram
as opiniões de seus familiares, amigos e colegas (29%) e o "conhecimento" do
candidato. Os meios que mais influíram ou ajudaram na sua escolha foram: jornais e
revistas (12%), o programa do horário eleitoral gratuito na TV (11%), noticiário de TV
(5%), comício (4%), cartazes, folhetos e out-doors (2%) e outros meios (26%). 40% dos
entrevistados não souberam dizer o que havia determinado suas escolhas ou então
negaram a influência exercida por pessoas ou meios à sua volta. Entre os que
admitiam tal interferência, notava-se a importância das relações pessoais próximas, do
contato com o próprio candidato e dos meios de comunicação de massa.
Nas eleições de 1990, 1994 e 1996, a televisão tornou-se o principal meio de
informação e influência (incluindo-se o horário eleitoral gratuito, as propagandas, o
noticiário e os debates).
Motivos e razões de escolha do candidato
Dos motivos que levavam o entrevistado a escolher seus candidatos,
destacavam-se os político-ideológicos (oposição ao governo, partido, propostas de
mudança, de trabalho, coerência, ideologia) com 35%, seguidos dos atributos pessoais
com 9%, das habilidades profissionais também com 9%, dos atributos ético-morais
com 8%, e outros motivos diversos com 26%. 13% não sabiam dizer o seu motivo de
escolha.
Em 1988, os eleitores do universo pesquisado consideravam-se mais de
esquerda e com tendências progressistas e socialistas, votando em candidatos e
partidos considerados de esquerda, eram a favor do voto facultativo; definiam-se pelo
seu candidato com menos de 90 dias das eleições; rejeitavam candidatos em posições
políticas extremas e de características e condutas estigmatizadas (especialmente os
homossexuais); valorizavam as qualidades ético-morais, principalmente a honestidade,
mas sem levá-la tão em conta ao votar (não a citavam como qualidade nos seus
candidatos), preferindo então optar pelas propostas políticas e de trabalho dos
mesmos.
Os levantamentos realizados em 1990 e 1994 demonstraram uma mudança de
valores e atitudes políticas dos eleitores em outras direções: menor número se
considerava de esquerda; poucos se definiam como socialistas; votavam
preferentemente em candidatos mais conservadores e vistos como de centro; tinham
menos rejeição a grupos étnicos, às mulheres e a candidatos com condutas
estigmatizadas. O principal motivo para se votar em um candidato passou a ser o fato
do mesmo ser mais conhecido (52%), independentemente de seus atributos ético-
morais, profissionais e outros. Este dado demonstrou não apenas um elevado grau de
desconhecimento, mas também um enorme desinteresse por parte do eleitor em
buscar informação para votar bem.
24
Voto facultativo
Nas pesquisas feitas em 1988, 1989, 1990, 1994 e 1996, cerca de 2/3 dos
entrevistados se manifestaram a favor da não obrigatoriedade do voto nas eleições.
Em 1988, 61% dos entrevistados disseram que o voto devia ser facultativo, 27%
achavam que devia ser obrigatório e 12% não sabiam responder. Além disso, 63%
afirmavam que teriam votado do mesmo jeito se o voto não fosse obrigatório, enquanto
34% diziam que não teriam votado e apenas 3% não tinham opinião. Os números
permaneceram semelhantes nas eleições seguintes, ou seja, cerca de dois terços dos
eleitores acharam que o voto deveria ser facultativo e, mesmo que assim o fosse,
continuariam votando, o que já nos mostra uma certa consciência da importância
política da eleição. Observamos ainda que 70% dos que anularam o voto e 65% dos
que só votam por obrigação, declararam não ter posição política. Ou seja, a falta de
definição política é a grande responsável pelos votos nulos e desinteresse pelas
eleições.
O voto deve ser um direito do cidadão e não uma obrigação. Em quase todos os
países democráticos e desenvolvidos o voto é facultativo. Vota aquele que quer
exercer o seu direito de cidadania e escolher os seus dirigentes. A obrigatoriedade do
voto leva á venda do voto, ao voto de cabresto e à irresponsabilidade.
Uma opinião não é obrigatoriamente seguida por uma atitude
Devemos ter em conta que atitudes e opiniões não são a mesma coisa. Ao
responder a um questionário, o entrevistado expressa a sua opinião, ou seja, em quem
ele acha que vai votar. Entretanto, sua atitude posterior, que é o ato de depositar o
voto na urna ou de digitá-lo na máquina, poderá ser diferente da opinião que emitiu.
Os mais antigos estudos em Psicologia Social já mostravam que opiniões e
atitudes são fenômenos diferentes e podem ser até contraditórios. Por exemplo, é
comum os pais terem a opinião de que não se deve bater nos filhos, mas o fazem; ou
são contra relações fora do casamento, mas têm amantes.
Opinião é um conceito formado a respeito de algo; uma maneira de pensar, de
ver, de julgar; um julgamento pessoal (justo ou injusto, verdadeiro ou falso) que se tem
sobre determinada questão.
Atitude é uma disposição para a ação; uma conduta ou comportamento ditado
por disposição interior; é uma maneira de agir em relação a pessoas, objetos,
situações; é também um estado de disponibilidade marcado pela experiência e que
exerce influência direta e dinâmica sobre o comportamento.
A atitude decorre de uma opinião. Mudar de opinião é mais fácil do que de
atitude. Eu posso ter a opinião de que uma determinada pessoa seja sovina, avarenta.
Mas ao saber que a mesma é bondosa e caridosa, mudo de opinião a seu respeito.
Um chefe pode ter antipatia por um funcionário que lhe foi imposto pelo diretor e que
ele acha preguiçoso, tratando-o mal. Caso o funcionário venha a se revelar eficiente e
trabalhador, o chefe poderá mudar sua opinião sobre o mesmo, mas continuar com a
mesma atitude.
O preconceito é uma atitude desfavorável, formada a priori, sem exame ou
julgamento crítico e baseada geralmente em suposições; uma atitude de intolerância
adotada em conseqüência de generalizações superficiais, aparentes ou geradas pelo
ambiente social.
À medida que decorre uma campanha, os eleitores, especialmente os
indefinidos, vão mudando de opinião conforme percebem o desempenho de um
candidato. O sucesso ou o fracasso num debate pode, da noite para o dia, mudar a
opinião de vários eleitores a respeito do mesmo 4.
4 Lula praticamente perdeu o 2o. turno da eleição de 1989 no último debate com Collor.
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Virtudes pessoais e programa de governo não são garantia de votos
As eleições brasileiras sempre foram marcadas por irregularidades que vão
desde a pura e simples compra do voto na boca-de-urna, até a fraude nos resultados
finais da eleição. Para piorar, o voto irresponsável, inconsciente e inconseqüente está
se tornando cada vez mais presente, fazendo-nos questionar a legitimidade do atual
processo eleitoral. As pessoas dizem que querem candidatos honestos, mas nem
sempre votam neles. Muitas vezes votam no candidato corrupto na expectativa de
obter vantagens pessoais.
Tal processo deveria passar por profunda revisão que incluiria o voto facultativo
(a obrigatoriedade do voto é um dos propiciadores do voto inconsciente, irresponsável
e de cabresto), a total informatização do sistema de eleição e apuração, a instituição do
voto distrital e da fidelidade partidária, a regulamentação da legislação eleitoral e o
referendo popular para aprovar mudanças na Constituição. Enquanto isto não
acontece, vemos o nosso povo gradativamente perdendo a sua noção de identidade e
a sua consciência de cidadania, cada vez mais alienado e alijado das decisões
políticas, sem perceber que quanto menos participa ou se manifesta sobre assuntos de
interesse público, mais a sua vida pessoal é afetada por decisões tomadas à sua
revelia.
Collor ganhou a eleição através de meios duvidosos, fazendo uso de meias
verdades e falácias, além do maciço apoio da mídia eletrônica liderada pela Rede
Globo. O uso destes meios não foi sequer questionado. Pelo contrário, os
comentaristas políticos em geral elogiaram a esperteza de sua estratégia, justificando
seus procedimentos anti-éticos, em um processo onde imperou a legitimação da
vantagem a qualquer preço, levando outros candidatos a adotarem procedimentos
semelhantes e levando as pessoas a admitirem tais métodos.
Na pesquisa que fizemos em 1988, 47,4% dos entrevistados colocaram a
honestidade como principal qualidade esperada de um bom governante. Mas, ao se
referirem às virtudes do candidato que escolheram, somente 15,5% viram nele tal
qualidade. Levantamento da Folha de São Paulo, alguns dias antes das eleições de
89, mostrava que 1/4 dos eleitores de Paulo Maluf destacavam a honestidade como
sua maior qualidade.
Nas eleições de 1996, os principais motivos que os eleitores citaram para
escolher seus candidatos foram: pessoa do candidato, 32,1%; proposta de governo,
30,4%; passado político, 23,5%; partido do candidato, 6,9%; outros, 2,4%; não
sabe/não respondeu, 4,7%.
A partir de 1996, o fato do candidato ser conhecido tornou-se o principal motivo
para ser votado. Apesar de conscientemente não dizerem isto, as pessoas tendiam a
votar com base nesse quesito, independentemente até daqueles valores. Pudemos
notar uma correlação altamente positiva, de 0.91 (o máximo possível é uma correlação
de 1.00), entre o fato do eleitor conhecer o candidato e a possibilidade de votar nele,
bem como entre não conhecer o mesmo e a possibilidade de não votar nele (rejeição
ao desconhecido).
Embora o eleitor tenda a dizer que não sofre influência dos meios de
comunicação ou de outras pessoas, sabemos que ela existe. Pudemos constatar que
as maiores influências vieram da televisão (1o. notícias - 2o. debates - 3o. programas
eleitorais) e de parentes.
As pesquisas pré-eleitorais também têm um papel relevante nas escolhas dos
eleitores: 27,7% dos entrevistados afirmaram que a divulgação das pesquisas
influenciou o seu voto e, dos que mudaram de candidato às vésperas da eleição,
37,6% diziam tê-lo feito influenciados pela divulgação das pesquisas. Esta força que as
pesquisas passaram a ter é um fato preocupante para a legitimidade de nosso
processo eleitoral.
26
Pesquisas pré-eleitorais: meio de informação ou manipulação
Nostradamus, o famoso profeta, previu com exatidão admirável, alguns dos
mais importantes e trágicos eventos da história da humanidade, mas também errou em
outros. Para suas adivinhações, ele usava uma terrina com água colocada num tripé
de cobre, sobre a qual se debruçava para obter suas visões futuristas. Os pretensos
Nostradamus modernos usam meios bem mais sofisticados para fazerem seus
prognósticos eleitorais, mas nem por isso mais precisos.
Um dos casos mais espantosos de que me lembro foi o da eleição do prefeito
de Belo Horizonte, Célio de Castro, em 1996. Começando com 3%, Célio fez uma
campanha modesta. Enfrentou, de um lado, o candidato petista Virgílio Guimarães,
apoiado por uma prefeitura com alto índice de aprovação popular e, de outro, a
campanha milionária do tucano Amílcar Martins, patrocinada pela máquina do governo
estadual. Aparentemente estava sem chances de chegar ao 2º turno. Sua candidatura
foi crescendo gradativamente e, às vésperas da eleição, chegava ao primeiro lugar
com 27%, um ponto à frente do candidato do Palácio da Liberdade e 8 pontos à frente
do petista. O resultado da eleição foi ainda mais surpreendente: Célio 40,76%, Amílcar
26,46% e Virgílio 21,66%. Elegeu-se no 2o turno com 68,57% dos votos.
No dia 2 de setembro, portanto um mês antes das eleições, a Rede Globo
divulgou uma pesquisa do IBOPE, realizada de 29/08 a 01/09, com 600 pessoas, que
apontava o candidato Célio de Castro em 4º lugar, com 11% das intenções de voto. No
mesmo período, o Datafolha o situava em 3º lugar com 18% e uma outra pesquisa,
realizada pela OP&M, com 1.170 pessoas, o indicava em 2º lugar, com 19,5%,
empatado com Virgílio Guimarães. No questionário do IBOPE, o nome de Célio de
Castro foi excluído das simulações do 2º turno. Alguns resultados chegaram a ser tão
aberrantes, que se duvidava que o trabalho tivesse sido de fato realizado. A revista Isto
É que circulou na semana da eleição, divulgou uma pesquisa que dava ao candidato
apenas 13,2%, quando os demais institutos de pesquisa (IBOPE, Vox Populi e OP&M)
o situavam entre 27 e 29%. Seria isto apenas incompetência ou também má-fé?
Em 2002, estivemos novamente assistindo a uma dança dos números. Até o
começo do horário eleitoral gratuito não houvera grandes discrepâncias entre os
resultados dos institutos para os candidatos à presidência. No entanto, já se percebia a
utilização dos dados das pesquisas para influenciar a opinião pública. Poucos dias
após o início dos programas na TV e no rádio, as pesquisas começaram a divergir.
Levantamento do Ibope de 24 a 26/08, dava a Lula 35%, a Ciro 21%, a Serra 17% e a
Garotinho 11%; um outro, da Vox Populi mostrava Lula, com 34%, Ciro com 25%,
Serra com 15% e Garotinho com 8%, com perda de 5 pontos para Ciro e ganho de 6
para Serra. Com isso, o Ibope afirmava que havia empate técnico entre Ciro e Serra,
enquanto pela Vox Populi essa diferença era de 10 pontos. Levantamento da
CNT/Sensus registrou uma diferença entre os dois de 10,8%, com Ciro caindo de
28,8% para 25,5%; enquanto José Serra passava de 13,4% para 14,7%. Qual estava
certo?
As pesquisas deveriam ser um meio de informação tanto para o eleitor quanto
para o candidato. É inaceitável que pesquisas feitas num mesmo período, com a
mesma população e os mesmos critérios, apresentem resultados tão discrepantes,
pois ao invés de informar estão confundindo o eleitor. Isto acontece porque, no Brasil,
pesquisa pré-eleitoral se tornou instrumento para influenciar o eleitor.
Pesquisas como as que foram feitas na campanha de 2002 indicam apenas a
intenção momentânea de voto dos eleitores para cada candidato, que se altera a cada
novo levantamento. Elas trabalham com probabilidades e estão sujeitas a certa
margem de erro. Sabemos que o comportamento humano é relativamente imprevisível
e por isso as ciências sociais são aproximativas e não exatas. No entanto, existe um
27
limite aceitável da margem de erro, que não pode ser elevada (em geral, abaixo de
4%).
Além disso, devemos ter em conta que atitudes e opiniões não são a mesma
coisa. Ao responder a um questionário, o entrevistado expressa a sua opinião, ou seja,
em quem ele acha que vai votar, o que poderá ser diferente de sua atitude posterior,
que é o ato de depositar o voto na urna ou digitá-lo na máquina.
A atitude decorre de uma opinião, mas mudar de opinião é mais fácil do que de
atitude. À medida que decorre uma campanha, os eleitores, especialmente os
indefinidos, vão mudando de opinião conforme percebem o desempenho de um
candidato. O sucesso ou o fracasso num debate pode, da noite para o dia, mudar a
decisão de voto de vários eleitores. Foi o que aconteceu com Lula em 1989, que
praticamente perdeu o 2o turno da eleição no último debate com Collor.
Esses são alguns problemas técnicos. Entretanto, além deles, podem ocorrer
outros sob o ponto de vista ético, como o de institutos que trabalham para alguns
candidatos, e, com isso, procuram apresentar resultados desfavoráveis a seus
adversários para prejudicá-los. Se o adversário consegue manter o nível de
crescimento das intenções de votos, tais institutos procuram corrigir os resultados
poucos dias antes das eleições, a fim de não prejudicar sua imagem e credibilidade.
A exigência legal que obriga os institutos de pesquisa a apresentar ao TRE, com
antecedência, os dados técnicos da pesquisa a ser divulgada, revelar o nome de seus
clientes, o valor dos serviços prestados e sua origem, não os isenta de fraudes e
manipulações. Tentei algumas vezes saber como de fato foram feitas certas
pesquisas, mas nada consegui além de um relatório simplificado, a que a legislação
me faculta acesso. É praticamente impossível para alguém de fora verificar como
foram aplicados, avaliados e digitados os questionários ou se foram alterados, seja
pelo entrevistador, seja dentro da empresa, afinal, se os resultados são fidedignos e
confiáveis. Freqüentemente os nomes dos verdadeiros clientes são substituídos por
agências de propaganda e meios de comunicação de massa. Quanto aos recursos e
sua origem, então, nem se fala tamanha a facilidade para sonegar e falsear valores.
Geralmente ocultam-se os nomes de financiadores das campanhas eleitorais e não se
dão recibos das doações feitas.
Cada vez mais as pesquisas estão influenciando as decisões dos eleitores, à
medida que se tornam mais freqüentes e divulgadas, assentadas no crescente poder
da mídia, principalmente televisiva. A mídia é, de fato, o grande cabo eleitoral neste
País.
Sabe-se que há um número significativo de pessoas que são influenciadas
pelas pesquisas, e também que o eleitor não gosta de votar em candidato que pode
perder. Tenho comprovado isto desde 1988, ao fazer pesquisas sobre o
comportamento eleitoral, o que é diferente das sondagens pré-eleitorais. Tal estudo é
basicamente qualitativo e feito no dia das eleições, imediatamente após o eleitor ter
votado. Com isso, o que se consegue não é uma mera intenção de voto, mas um fato
concreto: em quem e porque o eleitor votou. Na eleição de 1988, apenas 5,4% dos
entrevistados revelaram terem sido os resultados das pesquisas que os levaram a
mudar de candidato. Já na de 1996, 27,7% dos eleitores entrevistados admitiram que a
divulgação das pesquisas havia influenciado o seu voto e, dos que mudaram de
candidato às vésperas da eleição, 37,6% diziam tê-lo feito influenciados pela
divulgação das pesquisas. Esta força que as pesquisas passaram a ter, ao lado do
poder da mídia, é um fato preocupante para a legitimidade de nosso processo eleitoral.
Há que se disciplinar a realização e a divulgação das pesquisas de intenção de
voto. É inaceitável que seu poder tenha chegado a ponto de ser capaz de manipular a
opinião pública, de definir candidaturas e até de decidir eleições, como acontece
atualmente.
28
Lula e o PT: o início de uma esperança 5
Luís Inácio Lula da Silva nasceu em 27 de outubro de 1945, em Garanhuns, que
fica a 230 km a sudoeste de Recife, no agreste pernambucano e conta com 110 mil
habitantes. Era o 7º filho do casal de lavradores, Aristides Inácio da Silva e Eurídice
Ferreira de Melo, conhecida como Dona Lindu. Situada entre colinas, a cerca de 900
metros acima do nível do mar, Garanhuns chega a registrar 5ºC nos meses mais frios
(maio a agosto).
Quando tinha 7 anos, Lula migrou com a mãe e os irmãos, numa viagem de
pau-de-arara que durou 13 dias, para Santos (SP), onde o pai já trabalhava como
estivador no porto. Fazia o curso primário numa escola pública e, para ajudar na renda
familiar, trabalhava como vendedor ambulante. Em 1956, sua mãe, após se separar do
pai, um homem autoritário e violento, foi para São Paulo com os filhos, onde Lula
começou a trabalhar como engraxate e entregador de roupas em uma tinturaria. Aos
14 anos empregou-se numa metalúrgica. Em 1963, com 18 anos, formou-se torneiro
mecânico no Senai e, em 1964, transferiu-se para a metalúrgica Aliança. Foi aí que
perdeu o dedo mínimo da mão esquerda em um acidente. Em 1966 ingressou nas
Indústrias Villares, em São Bernardo do Campo.
Casou-se jovem, em 1969, aos 23 anos, com uma tecelã, Maria de Lurdes, que
depois veio a falecer de hepatite contraída durante o final da gravidez, por negligência
do hospital onde fora atendida. Mais tarde, teve uma filha, Luriam, fruto de um romance
com uma namorada, Miriam, que viria a ser o pivô de uma “armação” feita por Collor de
Melo, nas eleições de 1989, para derrotar seu oponente. Pouco depois, Lula casou-se
com Marisa Letícia, hoje a primeira-dama do país.
Ainda em 1969, seu irmão José Ferreira da Silva, o Frei Chico, militante do
extinto Partido Comunista, o leva para participar das reuniões do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Lula, um operário despolitizado e
resistente à atividade sindical, acaba participando como suplente da chapa de Paulo
Vidal Neto, eleita para a diretoria. O que inicialmente parece tê-lo motivado a participar
da atividade sindical foi a possibilidade de não ter que trabalhar tanto. Lula já era
“escolado” na arte de se virar em circunstâncias adversas, e também sabia catimbar.
Mais tarde, a catimba iria virar engodo e blefe.
Foi eleito primeiro-secretário do Sindicato em 1972 e presidente da entidade em
1975. Compareceu à posse de terno e gravata, o que virou alvo de comentários dos
seus colegas. Nunca um sindicalista havia se vestido assim. Isto já demonstrava um
certo gosto de Lula pelas aparências. Por essa época, afirmava que não tinha
pretensões políticas futuras depois que deixasse o sindicato e que para isso havia
sindicalistas mais capacitados. Tornou-se o interlocutor ideal para a classe patronal,
que não poupava elogios ao novo líder que surgia, pois nada tinha de subversivo ou
ideológico e nem nutria qualquer pretensão política, mas apenas desejava a melhoria
das péssimas condições de vida da classe trabalhadora.
Em 1977, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Sócio-Econômicos) faz uma denúncia, logo confirmada por economistas do Banco
Mundial, de que, em 1973, o Ministério da Fazenda, comandado então pelo Sr. Delfim
Neto, havia manipulado os índices do aumento do custo de vida. Os sindicatos do ABC
lançam uma campanha pelas reposições salariais dos trabalhadores e, no ano
seguinte, desencadeiam uma série de paralisações. Na greve de 1978, Lula passou a
5 Principais referências: Lula, o filho do Brasil, de Denise Paraná (São Paulo: Ed. Fund. Perseu Abramo,
2003); Lula, biografia política de um operário, de Frei Beto (São Paulo: Estação Liberdade, 1989);
Documento Verdade, de Lincoln Martins (São Paulo: Ed. Escala, 2002); Jornal do Brasil, Caderno
Especial, de 28/10/2002; Folha de São Paulo, Caderno especial sobre as eleições, 28/10/2002;Edição
especial do jornal O Globo, de 01/01/2003.
29
ser o interlocutor que as empresas chamaram para mediar o conflito com os
trabalhadores. Assim, de forma quase inevitável, foi guindado à condição de líder de
sua categoria profissional.
Falando de sua ascensão, que se acentuou a partir de 1975, quando se elege
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, sua
principal biógrafa, Denise Paraná 6, traça um perfil político do mesmo à época,
reavivado durante a campanha eleitoral de 2002: “Quando era ideologicamente
conservador e desvinculado de organizações de esquerda, Lula era visto pelos
empresários interessados no processo de redemocratização do país e por seus
representantes no governo como um ‘sindicalista de confiança’, ou seja, como alguém
que comungava dos mesmos ideários dos detentores do capital. Estes empresários
desejosos do fim da era dos governos militares foram, em parte, responsáveis pela
ascensão de Lula como líder dos trabalhadores, na medida em que necessitavam de
um ‘interlocutor de confiança’ para encampar seu projeto de abertura democrática.
Assim, os ‘donos do poder’ chancelaram essa liderança metalúrgica que surgia com
grande legitimidade em sua categoria e que tinha, aos seus olhos, a enorme virtude de
não se interessar pelas questões mais amplas da política nacional; tratava-se de uma
espécie de ‘interlocutor ideal’. Esse foi o período em que Lula foi acalentado pela
grande imprensa, a imagem de seu rosto e suas palavras foram impressas e
reproduzidas aos milhares.” De fato, a presença de Lula na grande imprensa não
cessou mais.
Nessa época começa a surgir um novo sindicalismo, mais atuante e
reivindicador, diferente daquele caracterizado pelo peleguismo e assistencialismo
consentido, que marcava a vida sindical durante a ditadura. Novas bandeiras de luta
são propostas como: remuneração salarial digna, estabilidade no emprego, licença-
maternidade e melhores condições de trabalho. O Brasil vivia sob o regime militar. Os
sindicatos dos metalúrgicos do ABC desafiavam este poder constituído através de
movimentos de massa com piquetes nas ruas, assembléias em estádios de futebol e
greves com prazos indeterminados.
Até junho de 1978, Lula dizia não se interessar por fazer política, embora já
fosse um líder sindical conhecido, mas alienado politicamente. Mas, a partir de julho,
percebeu que o sindicato não abrangia as demais dimensões da luta dos
trabalhadores. Era preciso mais e Lula passou a acalentar, junto com outros
companheiros, a idéia de um partido dos trabalhadores, do qual ele seria naturalmente
o presidente. Iniciavam-se aí as aspirações políticas de Lula. O operário de aspirações
pequeno-burguesas começava a ceder lugar ao político com aspirações de poder e de
fama.
Em 1979, os metalúrgicos de São Bernardo e Diadema deflagraram a primeira
greve geral da categoria. O sindicato sofreu intervenção do governo federal e Lula foi
destituído do cargo. Em 1980, mais de 100 mil trabalhadores aderiram ao que foi
considerado pela imprensa na época "a maior paralisação operária da história do
sindicalismo brasileiro". Lula e mais sete sindicalistas, entre eles o ex-candidato do
PSTU à presidência em 2002, José Maria de Almeida, foram presos pelo Dops
(Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
Enquanto Lula estava preso, Dona Lindu, sua mãe, morreu de câncer aos 65
anos. Atendendo ao pedido de Marisa, mulher de Lula, o então delegado Romeu
Tuma, que mais tarde se tornaria senador pelo PFL-SP, conseguiu que Lula
acompanhasse o velório e o enterro de sua mãe.
Cerca de 2.000 pessoas se aglomeraram nas proximidades do cemitério da Vila
Paulicéia, em São Bernardo, para saudar o sindicalista e pedir sua libertação. Lula foi
6 Paraná, D. Lula, o filho do Brasil (São Paulo, Ed. Fund. Perseu Abramo, 2003).
30
solto após um mês de prisão. Em 1981, foi condenado pela Justiça Militar a três anos e
seis meses de detenção por incitação à desordem coletiva, mas a sentença acabou
anulada.
Em fevereiro de 1980, Lula participou da fundação do Partido dos
Trabalhadores em São Paulo e, em 26 de maio, sua chapa foi eleita para comandar a
executiva da sigla. Em 1982, acrescentou o apelido "Lula" ao nome e foi candidato ao
governo de São Paulo, numa eleição vencida por Franco Montoro, ficando em terceiro
lugar. Entretanto, o recém-fundado PT conseguiu fazer 8 deputados federais.
Não deixa de ser contraditório Lula concorrer a um cargo eletivo, como o de
governador de São Paulo, quatro anos depois de dizer que não se interessava por
política. Ao contrário do que a dura vida de nordestino lhe impôs, Lula não quis
começar por baixo na política. Teria sido eleito deputado federal ou estadual, mas
preferiu dar um vôo mais alto. Isso aconteceu também depois de seu apagado
mandato de deputado federal, quando só aceitou ser candidato ao maior cargo da
nação.
Em 1983, Lula participa do maior movimento político de rua no Brasil, as
manifestações pelas Diretas-Já. Em 1983, o Brasil estava quebrado e a insatisfação
popular estava nas ruas, depois do fracasso do “milagre econômico”, do arrocho
salarial promovido por Delfim Netto e Roberto Campos, dos escândalos financeiros e
da maior recessão que o país tivera no século. Desde 1978, professores, bancários,
estudantes e trabalhadores enfrentavam a ditadura, que começava a perder suas
garras com os generais Geisel e Figueiredo. O PDS, ex-Arena, partido da ditadura,
havia perdido, em 1982, as eleições para os governos de 9 dos principais estados
brasileiros. Devido a manobras escusas dos governistas no Congresso, comandadas
pelo seu presidente Moacir Dalla, as eleições diretas foram derrotadas. Mas o embrião
da campanha frutificou durante o governo de José Sarney (substituto de Tancredo
Neves, eleito indiretamente em 1984), que antes pulara do barco do PDS, que
afundava, fundando o PFL, abrigo de oportunistas que não queriam deixar o poder. Era
o início da redemocratização do país que culminou com a promulgação da Constituição
de 1988.
Em 1986, Lula chegou à Assembléia Nacional Constituinte com 652 mil votos,
sendo o deputado federal mais votado da História do Brasil até então, numa bancada
petista de 16 deputados. Representava os grandes anseios da classe trabalhadora
com a elaboração da nova Carta Magna. Lula defendia propostas reformistas como
autonomia sindical, reforma agrária, direito irrestrito de greve, redução da jornada de
trabalho, dentre outras. Teve, no entanto, uma atuação medíocre e apagada, limitando-
se a apoiar os muitos projetos em favor dos trabalhadores, sem apresentar nenhum
novo.
Em 1989, disputou pela primeira vez a Presidência da República. Foi derrotado
por Fernando Collor de Mello no segundo turno. Decidido a disputar novamente o
cargo, Lula cruzou o país do Oiapoque (AM) ao Chuí (RS) nas "Caravanas da
Cidadania". Em 1994 e 1998, no entanto, perdeu a eleição no primeiro turno para
Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Em 2002, Lula chegou à presidência da República no dia em que completava 57
anos de idade. Foi eleito em 27 de outubro com 52,8 milhões de votos (61,3% dos
votos válidos numa eleição em que 23,6 milhões de eleitores não votaram, uma
abstenção de 20,5%).
31
O caso Miriam
Foi a exploração política do romance de Lula com uma enfermeira, Miriam Cordeiro, com quem
teve uma filha, Luriam, que permitiu a Collor ganhar a eleição de 1989. Nas eleições de 1989, a duas
semanas do 2º turno, Lula estava ultrapassando Collor, que começara na frente. Numa jogada desleal,
Collor e seus assessores, montaram um esquema em que Miriam aparecia no seu programa de televisão
acusando Lula de ter abandonado a filha e de querer que ela abortasse a menina.
A armação era grosseira e agressiva e a própria mãe de Miriam, bem como Luriam, que já era
uma adolescente, dispuseram-se a ir para a televisão defender Lula e desmentir a acusação. Lula não
permitiu que isso fosse feito sob o pretexto de que não queria envolver sua família em política. E nem ao
menos fez qualquer defesa consistente da acusação, preferindo omitir o fato em seus programas, o que
acabou dando ao público a impressão de que a acusação era verdadeira.
Esperava-se que Lula fosse reagir no último debate com Collor, demonstrando uma esperada e
natural indignação com o desrespeito à sua família. Mas, durante o debate, Lula, ao invés de reagir,
simplesmente procurou ignorar o fato, passando uma imagem de consentimento e omissão, enquanto
Collor ficou à vontade, demonstrando segurança e arrogância diante de seu adversário. Lula se mostrava
acuado, inseguro e acovardado. O resultado foi uma derrota que Lula e o PT levaram tempo para
superar.
32
A campanha eleitoral de 2002: um aceno à direita
Em agosto de 2002, escrevi o texto que se segue. Percebo que, de lá para cá,
quase nada mudou.
“As distorções que sofre o processo eleitoral no Brasil, através da compra de
votos, da fraude e da manipulação através dos meios de comunicação de massa, têm
sido uma constante entre as mazelas da democracia brasileira. Com isso, o eleitor
brasileiro está cada vez mais descrente da política e dos políticos, desinteressado em
conhecer os candidatos, suas propostas e posições, alienado e alijado das decisões
políticas, sem perceber que quanto menos participa ou se manifesta sobre assuntos de
interesse público, mais a sua vida pessoal é afetada por decisões tomadas à sua
revelia.
As eleições brasileiras sempre foram marcadas por irregularidades que vão
desde a pura e simples compra do voto na boca-de-urna, até a fraude nos resultados
finais da eleição. Para piorar, o voto irresponsável, inconsciente e inconseqüente está
se tornando cada vez mais presente, fazendo-nos questionar a legitimidade do
processo eleitoral como é atualmente. As pessoas dizem que querem candidatos
honestos, mas nem sempre votam neles. Muitas vezes votam no candidato corrupto na
expectativa de obter vantagens pessoais. Tal processo deveria passar por profunda
revisão que incluiria o voto facultativo (a obrigatoriedade do voto é um estímulo ao voto
inconsciente, irresponsável e de cabresto), a instituição do voto distrital e da fidelidade
partidária, a regulamentação da legislação eleitoral e o referendo popular para aprovar
mudanças na Constituição.
Um exemplo disto foi a emenda constitucional que permitiu a reeleição para os
cargos majoritários - presidente, governadores e prefeitos – feita para garantir um novo
mandato para o Sr. Fernando Henrique Cardoso, em 1998. Aprovada em pleno clima
de denúncias de corrupção e compra de votos durante sua votação na Câmara, foi
mais um dos espúrios casuísmos que ocorrem a cada momento de acordo com as
conveniências dos governantes de plantão. Não foi apenas um escândalo envolvendo
a compra de votos, o suborno (com dinheiro de quem?) de deputados para votarem
favoravelmente à reeleição, o que já seria suficiente para sustar a votação do projeto. A
condução do processo, feita da maneira que foi pelo próprio Presidente da República e
em seu benefício, foi em si imoral. O lamentável é que tanto nas eleições de 1998 e
2000, como hoje, aqueles que combateram a reeleição, dela usaram e estão usando.
A possibilidade de se recandidatar a um novo mandato executivo é quase um
jogo de cartas marcadas, pois favorece a reeleição do postulante, por ser ele o político
mais conhecido da população, portanto com muito mais chances de ser votado. É
sabido também, que há uma tendência de uma parcela da opinião pública em aprovar
quem está no governo.
Outra aberração de nossa legislação eleitoral é o mandato de 8 anos para um
senador, que pode vir a ser substituído por um desconhecido suplente que não obteve
um único voto, geralmente um parente ou protegido do titular. Para que realmente tem
servido o Senado brasileiro? Em muitos países europeus ele não existe, e a
democracia nesses países vai muito bem. O nosso sistema bicameral, uma imitação
do norte-americano, criou o Senado com a finalidade de abrigar políticos em fim de
carreira.
A chamada verticalização das alianças eleitorais, aprovada pelo TSE com a
justificativa de moralizar as eleições, tinha o propósito real de ajudar o candidato
governista, mas não serviu para uma coisa nem outra: o Sr. José Serra está mal e as
alianças eleitorais estão de tal maneira espúrias e promíscuas, como nunca se viu
antes. É um verdadeiro trotoir eleitoral. Todos os partidos, à exceção de alguns
nanicos, abandonaram quaisquer resquícios (se é que verdadeiramente os tinham) de
33
postura ética e ideológica. É o PT, ávido pela possibilidade de chegar ao poder,
rendendo-se ao charme da burguesia financeira (que eles tanto criticaram);
comprometendo-se com o pagamento da eterna dívida externa e a manutenção dos
nefastos acordos com o FMI; assumindo um discurso neoliberal, no afã de ganhar as
eleições a qualquer preço, o que poderá lhes custar caro se perderem a eleição, ou
uma camisa de força se a vencerem. É o Lula mandando o Zé Dirceu, presidente do
PT, aos Estados Unidos para dizer que está mais manso e maduro (o que significa
aceitar as imposições de Washington).
É inconcebível para um militante de esquerda ver o PT aliado ao PL, um partido
de direita onde manda o ‘bispo’ Edir Macedo. Ou ver o PSB, que mesmo sem nunca
ter conseguido uma identidade socialista definida, sair com um candidato de
mentalidade medieval, disputar votos dos seguidores desse ‘bispo’ e tentar atrair
apoios do PFL, do PMDB de Newton Cardoso e até do PPB de Paulo Maluf.
E o Ciro Gomes? O PPS, remanescente do heróico PCB, literalmente ‘abriu as
pernas’ ao que há de pior no peleguismo sindical e na corrupta direita brasileira: ACM,
Jorge Bornhausen, família Sarney. O ex-coordenador de sua campanha, o deputado
José Carlos Martinez, além de longos e lucrativos laços com Collor e PC Farias, está
atolado em irregularidades. Caso o Ciro se eleja e venha a se afastar por algum
motivo, quem irá substituí-lo? O Paulinho, pelego da Força Sindical, vira presidente do
Brasil. Nem é preciso que se estenda sobre o candidato do governo e seguidor do
famigerado modelo econômico que está levando o Brasil à bancarrota, depois de
entregá-lo à sanha de especuladores internacionais (que a mídia chama
eufemisticamente de ‘investidores’).
O TSE e alguns TRE's, árbitros das eleições, estão como certos juízes de
futebol: deixando de ‘ver’ as faltas cometidas pelo candidato do governo e marcando
penalidades inexistentes nos candidatos de oposição. O despacho do Sr. Nelson
Jobim, presidente do TSE, feito às pressas na madrugada da convenção do PMDB,
para favorecer o candidato José Serra, seu compadre e amigo íntimo; a perseguição
do TRE do Acre ao governador Jorge Viana, do PT; a escancarada ajuda do TRE de
Pernambuco ao governador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, são apenas uns poucos
exemplos.
Como se não bastasse isto, agora temos o escândalo das urnas eletrônicas
viciadas, inicialmente descobertas em Brasília, mas que já estão sendo apreendidas
em vários estados, as quais só computam votos para o PSDB e os candidatos
governistas, o que não parece ser apenas uma infração local, mas uma estratégia
criminosa possivelmente espalhada pelo País. Estas são apenas algumas das muitas
possíveis irregularidades que estão sendo cometidas nestas eleições. Tem razão Ciro
Gomes e Anthony Garotinho quando questionam a lisura do TSE nestas eleições e
pedem o afastamento do Sr. Nelson Jobim. Lula prefere lavar as mãos porque acha
que a situação lhe convém, mas poderá ser vítima das mesmas ‘armações’, caso
tenha Serra como seu adversário no 2o turno.
Em Minas, chegou-se a uma situação como a descrita no poema Quadrilha, de
Carlos Drummond de Andrade. Lula, do PT, cujo vice é o José de Alencar, do PL,
‘ama’ o rival deste, Itamar (sem partido), que ‘ama’ o Aécio Neves, do PSDB, candidato
ao governo do estado, companheiro de José Serra, que não ‘ama’ ninguém, e do
candidato ao Senado, Eduardo Azeredo, ambos odiados por Itamar. O tucano também
é cortejado por Ciro Gomes, ex-Arena, ex-PDS e ex-PSDB, adversário de Lula e Serra.
A cúpula tucana aceita o ‘amor’ de Ciro pelo Aécio, mas não admite a recíproca, que
considera traição ao Serra. A maioria do PSDB regional está com Ciro, enquanto o
PDT, que faz parte da coligação do Ciro, apóia o Aécio. Ainda dentro desse prostíbulo
partidário, Newton Cardoso, candidato a governador pelo PMDB, partido da Rita
Camata, vice do Serra, rejeita ambos, está ‘divorciado’ de Itamar, e tem o coração
34
balançando entre Ciro Gomes e Lula. O candidato do PT ao governo é o deputado
Nilmário Miranda, que está fazendo o papel de boi-de-piranha nessa história, pois em
‘nome do objetivo maior’, que é eleger Lula, o PT paquera o Newton, outrora ferrenho
inimigo e faz par com Hélio Costa, candidato peemedebista ao Senado. Quando for a
Juiz de Fora, terra do Itamar, Lula vai subir no palanque do Aécio, e quando for a
Uberlândia, onde o prefeito é do PMDB, vai subir no de Newton Cardoso.
Será que estamos assistindo a um filme de surrealismo eleitoral ou apenas e
simplesmente a uma ampla, irrestrita e generalizada falta de vergonha na cara?
Possivelmente, os atuais partidos sairão despedaçados ou desfigurados desta
eleição. Pequenos partidos ideológicos como o PSTU, poderão herdar ‘quadros’
valiosos do espólio dos aglomerados partidários que se dizem de esquerda.
A luz no fim do túnel parece cada vez mais distante. Na verdade estamos nos
afastando dela. Convenhamos que o atual contexto, tanto em nível mundial como
brasileiro, não acena com qualquer perspectiva mais animadora. Será que os
candidatos à presidência estão realmente dispostos a enfrentar o ‘rabo-de-foguete’ que
o desgoverno FHC vai lhes entregar, um Brasil “argentinizado”? Dentre os
presidenciáveis, nenhum tem de fato um verdadeiro projeto de mudança para o país.
Qual deles teria coragem de suspender o pagamento dos juros da dívida externa, “dar
uma banana” para o FMI, meter grandes corruptos na cadeia, enfrentar os banqueiros
e especuladores nacionais e estrangeiros, combater a violência e o tráfico de drogas
no seu alto escalão e não apenas na periferia, implantar o imposto de renda
progressivo (taxando os ricos e aliviando os pobres), ter uma política externa
independente, fazer reforma agrária para valer?
Nunca os candidatos se pareceram tanto. A melhor síntese de como o brasileiro
ficou depois do improdutivo debate do dia 4 de outubro, na TV Bandeirantes, foi dada
pelo cartunista Jean no jornal O Pasquim21, em que seu personagem fala que o
debate serviu para mudar sua opinião para..... indeciso!
Aquele que se eleger irá receber um estado desmontado, uma dívida
astronômica e impagável, uma sociedade deteriorada e um povo sofrido e
desesperançado. Ou seja, um país à beira da falência econômica, política, social e
moral. Uma bomba para explodir nas mãos de quem ficar com ela. Precisará ter muito
pulso, determinação e vontade política para reduzir as desigualdades sociais e minorar
o sofrimento do povo brasileiro. Por enquanto não poderemos, infelizmente, esperar
nada mais do que isso. Quem sabe, daqui a quatro anos?”
Hoje, decorrido um ano com Lula no poder, parece que nem com esse pouco
podemos mais contar.
Mudando de rumo
Após 22 anos de existência do partido, três derrotas e oito anos de oposição ao
governo de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito para a
Presidência da República, vencendo o economista José Serra, candidato oficial, duas
vezes ministro de FHC e uma das principais lideranças do PSDB. O petista chega ao
cargo com um discurso mais ameno e conservador, sem assustar a direita do país,
com uma parte da qual se associou para alcançar a vitória. Um sinal da aproximação
do PT com setores mais à direita foi a escolha do empresário mineiro José Alencar
Gomes da Silva, do Partido Liberal, a vice na chapa de Lula.
Lula tornou-se o primeiro candidato de um partido dito de esquerda eleito
presidente, e também o primeiro operário e pernambucano a exercê-lo como titular.
Em três meses de campanha, Lula visitou 93 cidades, fez 103 comícios, 63
carreatas, permaneceu um total de 147 horas dentro de aviões e percorreu 61.127 km
pelo país. O custo final da rica campanha petista deve ter ultrapassado os R$ 35
35
milhões. A infra-estrutura petista contou inclusive com carro blindado, guarda-costas e
jatinho.
A vitória representou uma grande mudança na direção de setores antes
refratários e combatidos pelo PT. Desde 1989, quando perdeu sua primeira eleição
presidencial para Fernando Collor de Mello, o discurso, as propostas e, principalmente,
a imagem do candidato e do partido foram gradativamente se aproximando dos
padrões assumidos pelas classes dominantes.
O eleitorado brasileiro é primordialmente conservador. Lula, Duda e o PT
procuraram aproveitar-se disso. A esquerda tem obtido mais ou menos 30% de votos
na média nacional. Nas eleições municipais de 2000, os partidos de esquerda,
somados, alcançaram 29,5% dos votos. E isso aconteceu nos grotões atrasados onde
a direita arrasta o maior percentual de votos.
O Atlas das Eleições Municipais de 2000, elaborado pelos pesquisadores César
Romero Jacob, Dora Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein, confirma a força do
voto de cabresto no Brasil. Há municípios e regiões que votam exclusivamente em
quem o chefe político local mandar, o qual é sempre dependente dos poderes estadual
e federal.
Nas cidades com mais de 200 mil eleitores, a situação e a oposição se dividiam
com 44,5% dos eleitores. Os municípios com até 100 mil eleitores respondiam por 56%
do eleitorado. Nesses municípios, os partidos alinhados com o governo elegeram
3.825 prefeitos contra 712 apoiados por siglas de oposição (mais do que 5 para 1).
Também, à medida que diminui o tamanho das cidades, os partidos de direita
aumentam a sua presença nas prefeituras, chegando a controlar 2.614 (73,8% do total)
municípios contra 409 (11,6% do total) dos partidos considerados de esquerda, nos
municípios com menos de 10 mil eleitores. Num país em que a renda, além de crescer
pouco, permanece extremamente concentrada, o voto do analfabeto acaba
favorecendo a política clientelista conservadora 7.
A guinada ao centro e à direita rendeu as adesões dos ex-presidentes José
Sarney e Itamar Franco, do ex-governador Orestes Quércia, do cacique baiano Antônio
Carlos Magalhães, do ex-ministro do regime militar Delfim Netto e de vários
empresários.
2002, o grande show de marketing
O que se viu na eleição passada, a partir de quando começaram os programas
do horário eleitoral gratuito, foi um verdadeiro show de marketing, em que os
candidatos eram apresentados como o melhor produto do gênero e capazes de
satisfazer o gosto do consumidor.
Uma coisa é o trabalho de marketing para divulgar o candidato, ressaltando
seus valores, feitos e características. Outra coisa foi a maquiagem artificial para dar a
aparência de algo que o candidato não era, mas que agradava ao público. Cenas com
Lula usando ternos, camisas e gravatas de grife ou o Serra em camisa de mangas
arregaçadas, para dar a impressão de que era trabalhador, enquanto Ciro e Garotinho
faziam pose de que eram socialistas desde criancinhas, poderiam ser convincentes
para o telespectador desinformado, mas não deixavam de parecer artificiais e até
ridículas.
Isto funciona até certo ponto, dadas as características do telespectador
brasileiro, que gosta do que é superficial e imediato. Mas a longo prazo, as pessoas
começam a questionar a veracidade das mensagens e a qualidade do produto que
lhes foi vendido.
7 Jornal do Brasil, 20/05/2002.
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  • 1.
  • 2. 2 O quê que é isso, ex-companheiro Lula? Para o título deste livro, o autor buscou uma frase muito dita por Lula – “quê que é isso, companheiro?” – quando queria censurar alguém. Lembrou-se também do título do livro de Fernando Gabeira, O que é isso, companheiro, uma crítica pertinaz aos anos de ditadura. É pois, uma crítica ao atual governo. Aqui, o autor faz uma análise psico-política do governante Lula e de seu governo. Tenta compreender sua trajetória política a partir de uma personalidade que, graças a sua inteligência e aptidões, somadas a uma persistente busca de ascensão social, levaram-no à presidência da República. Para chegar aonde chegou, Lula usou de artifícios aprendidos na luta para sobreviver às adversas circunstâncias de vida, a começar de sua infância pobre de retirante nordestino, depois nas lutas sindicais e, por fim, na liderança de um partido político. Alcançando o poder, Lula e o PT fizeram alianças e acordos espúrios, sacrificaram companheiros e programas partidários, traíram seus eleitores. De fato, tinham, como ainda hoje têm, apenas um projeto de poder, não de governo. O fisiologismo e o nepotismo continuam sendo uma prática rotineira no controle partidário da máquina pública. Os programas sociais não passam de captadores de votos e apoio popular, a educação e a saúde encontram-se abandonadas, a violência aumenta, a reforma agrária é mera balela, a política econômica, como no governo anterior, tem como objetivo básico atender aos interesses do sistema financeiro internacional e nacional, continua-se pagando juros reais de uma fictícia dívida externa. A miséria, a corrupção e a impunidade permanecem sendo as grandes vergonhas nacionais. Há muita esperança, mas pouca mudança, muita retórica e pouca ação, muita demagogia e pouca verdade. O governo Lula revelou-se uma continuidade piorada de FHC. Omisso diante dos problemas que tem de enfrentar, inábil como condutor de sua equipe e inapto como líder maior do país, Lula tornou-se o grande engodo, o maior blefe já acontecido na nossa história republicana recente. E que poderá vir a se tornar um desastre nacional de proporções imprevisíveis. Esta é a análise que o autor oferece aos leitores deste livro, numa tentativa de entender, de forma crítica, um momento de nossa história contemporânea. Marcos Goursand de Araújo é psicólogo social. Formou-se em Psicologia na PUC-MG, em Belo Horizonte, doutorou-se pela PUC-SP e fez pós-doutorado na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Foi professor de várias universidades, dentre elas a UNESP, a Metodista de Piracicaba e as federais de Santa Catarina, do Espírito Santo e Minas Gerais. Participouda fundação de sociedades de Psicologia, do primeiro sindicato da classe e do Conselho Federal de Psicologia. Esteve também na reorganização do PSB em 1985, fechado pela ditadura em 1965. Foi seu vice-presidente, em Minas Gerais, em 1989, quando participou do lançamento da candidatura de Lula à Presidência, tendo acompanhado Lula e Bisol em comícios, encontros e caminhadas. Atualmente é professor da UEMG em Divinópolis e preside a Sociedade Brasileira de Biosofia, organização não-governamental sem fins lucrativos. E-mail: goursand@gmail.com
  • 3. 3 Marcos Goursand de Araujo O QUÊ QUE É ISSO, EX-COMPANHEIRO LULA? UMA AVALIAÇÃO PSICO-POLÍTICA DO ATUAL GOVERNO Belo Horizonte Setembro de 2004
  • 4. 4 Copyright © 2004 by Marcos Goursand de Araújo. Todos os direitos reservados. E-mails do autor: mgdearaujo@hotmail.com e biosofia@uol.com.br Ficha Catalográfica Impresso no Brasil Printed in Brasil Araújo, Marcos G. O quê que é isso, ex-companheiro Lula? Uma avaliação psico-política do seu governo. . Belo Horizonte: Ed. do autor, 2004. 1. Psicologia. – 2. Política. – 3. Poder. – 4. Governo. – 5. Lula. Registro no. 320.062 - Livro: 589 - Folha: 436, em 11/06/2004. Fundação Biblioteca Nacional: Rua da Imprensa, 16 - sala 1205 - Centro - Rio de Janeiro/RJ Tel. (21) 2220-0039 - Fax. (21) 2240-9179 - E-mail: eda@bn.br Capa: Adriana Nunes Impressão: Gráfica Sidil Ltda. Av. Paraná, 1480 - Divinópolis/MG
  • 6. 6 Existem até teorias prontas para explicar todas as derrotas da esquerda, e evidentemente, deixar de explicar a derrota específica que a gente está querendo examinar. Uma delas, reza que a vanguarda tem, sistematicamente, falhado na condução das revoluções. As revoluções estão maduras, as massas estão prontas, mas são permanentemente traídas por suas vanguardas. Era como se as vanguardas tivessem uma tendência intrínseca à traição ou fossem, cronicamente, incapazes de realizar sua tarefa. (Fernando Gabeira, em O que é isso, companheiro?) Tudo nos é proibido, a não ser cruzarmos os braços? A pobreza não está escrita nos astros; o subdesenvolvimento não é fruto de um obscuro desígnio de Deus. As classes dominantes põem as barbas de molho, e ao mesmo tempo anunciam o inferno para todos. De certo modo, a direita tem razão quando se identifica com a tranqüilidade e a ordem; é a ordem, de fato, da cotidiana humilhação das maiorias, mas ordem em última análise; a tranqüilidade de que a injustiça continue sendo injusta e a fome faminta. (Eduardo Galeano, em As veias abertas da América Latina)
  • 7. 7
  • 8. 8 Ho Chi Minh: um ideal, uma luta, um modelo Ho Chi Minh talvez possa ser considerado o maior estadista do Século XX, não apenas porque era o líder de uma nação que foi a única até hoje a impor uma humilhante derrota militar aos americanos, na Guerra do Vietnã, mas também porque reunificou o seu país e colocou sua vida inteiramente a serviço de seu povo. Professor e também operário, pois trabalhou como jardineiro, marinheiro e cozinheiro, Ho Chi Minh não recebeu ainda o devido reconhecimento da História, pois deveria ser colocado, pelo menos ao lado, senão acima, de outros grandes estadistas e libertadores. Ho Chi Minh nasceu em 19 de maio de 1890 e morreu em 3 de setembro de 1969. Apesar da infância pobre, vivida numa cabana de palha, estudou numa escola de Hué, no sul do Vietnã. Foi jardineiro, lavador de pratos, cozinheiro, marinheiro, professor e poeta. Falava fluentemente francês, inglês, alemão, russo e chinês. Comandou os vietnamitas na luta contra as forças francesas, japonesas e americanas que sucessivamente dominaram o país, a antiga Indochina. Suas tropas, denominadas Vietminh, assumiram o controle do país, em 1945, depois da rendição do Japão (que havia ocupado o país em 1941), proclamando a República Democrática do Vietnã, da qual passou a ser o presidente. Reagindo a reconhecer a independência de sua antiga colônia, a França deu início à guerra pela retomada da Indochina. Durante oito anos, as guerrilhas do Vietminh combateram as tropas francesas, derrotando-as finalmente na batalha de Dien Bien Phu, em 1954. Mas no acordo celebrado em Genebra, os representantes de oito nações, incluindo os Estados Unidos, dividiram o Vietnã em duas partes: o do Norte, liderado por Ho, e o do sul, onde impuseram o imperador Bao Daí. Ho Chi Minh comandou a luta no Vietnã do Norte, na década de sessenta, quando a guerra recomeçou. Os Estados Unidos mandaram tropas para ocupar o Vietnã do Sul e, a partir de 1965, iniciaram os bombardeios militares contra o Vietnã do Norte, promovendo um verdadeiro genocídio que custou a vida de mais de 2 milhões de pessoas. Finalmente, em 1975, os americanos foram derrotados e o país foi reunificado sob a denominação de Vietnã. Ho Chi Minh era um asceta e levava uma vida simples e modesta, mesmo enquanto presidiu o seu país, sem jamais ter se embriagado com o poder e as vantagens do cargo. Ao morrer, em 1969, aos 79 anos, vitimado pelo câncer e por uma tuberculose que o acometia desde moço, tornou-se um símbolo da luta que prosseguiu até a expulsão dos americanos. Que este valoroso líder possa servir de modelo para nossos governantes e que o bravo povo vietnamita venha a se tornar um exemplo de luta, de trabalho e de coragem para nós brasileiros. Estes são os meus anseios infactíveis!
  • 9. 9 ÍNDICE PARTE 1 APRESENTAÇÃO, ANTECESSORES E ANTECEDENTES 10 A título de introdução: porque um psicólogo escrevendo sobre política? 12 Carta aberta ao presidente Lula 16 Carta aberta ao ex-companheiro Lula 18 Eleições no Brasil: o que os fatos vêm mostrando 20 Pesquisas pré-eleitorais: meio de informação ou manipulação? 26 Lula e o PT: o início de uma esperança 28 A campanha eleitoral de 2002, um aceno à direita 32 PARTE 2 O PT: UM PROJETO DE PODER, NÃO DE GOVERNO 38 O PT no governo: um partido centralista, autoritário e de direita 40 O fisiologismo e o nepotismo como meios para o controle partidário da máquina pública 46 A nova ética petista 49 Os programas sociais: investindo em votos 55 O sistema financeiro, o novo parceiro do PT 61 A mídia, o quarto poder 69 PARTE 3 LULA E O NOVO PT: UMA ANÁLISE CRÍTICA 71 Lula, o ex-trabalhador : um perfil psico-político 73 Lula, uma personalidade borderline? 79 Lula, o grande blefe, a fabricação de um mito 83 O grupo palaciano 86 Muita esperança e pouca mudança, muita retórica e pouca ação, muita demagogia e pouca verdade 92 Fraseologia: somos todos idiotas? Frases de Lula e frases sobre Lula 95 “Me engana que eu gosto”: os altos índices de aprovação de Lula 101 PARTE 4 AS FALSAS REFORMAS OU MUDAR PARA FICAR TUDO IGUAL. 104 Reforma, remendo ou rapinagem? 106 Reforma da previdência: além do que foi mostrado 107 Reforma tributária: aumentando a carga de impostos 113 Continuidade do governo anterior: mudança zero 117 As falsas promessas, as traições e omissões de Lula 122
  • 10. 10 PARTE 5 AS GRANDES QUESTÕES QUE NÃO SÃO ENFRENTADAS 128 Uma política econômica para perpetuar a injustiça e a desigualdade social 129 Um governo sem educação 136 Política de saúde ou indústria da doença? 142 Uma política externa de bravatas 144 Juros da dívida eterna 148 Reforma agrária, uma agrura sem fim 152 Corrupção: uma vergonha nacional 159 Política de segurança ou de violência? 161 PARTE 6 QUE PAÍS É ESSE? 175 O Brasil no divã 176 Ainda podemos esperar algo para o futuro? 186
  • 11. 11 PARTE 1 APRESENTAÇÃO, ANTECESSORES E ANTECEDENTES Comecei a escrever este livro em abril de 2003, quando já se delineava a mudança de orientação política do governo petista empossado em janeiro. Era ainda um dos poucos brasileiros já decepcionados com o que se afigurava como uma traição aos eleitores que haviam conduzidoLula à Presidência da República, acreditando nas suas promessas de mudança rumo a um Brasil melhor. De lá para cá, os fatos foram apenas confirmando aquilo que se tornou o maior engodo que um presidente e seu partido fizeram ao povo brasileiro em um período democrático de sua história. As verdadeiras faces de Lula e do PT foram se delineando numa caracterização impossívelde se imaginar poucosanos antes.As promessas eram meras palavras, não havia projeto de governo e sim de poder, a democracia petista era uma falácia, as mudanças eram falsas e o governante e seu partido não eram de esquerda como quiseram fazer parecer. O medo, que havia cedido à esperança, voltara. O sonho transformava-se em pesadelo. Ou como expressava a frase no pára- choque de um caminhão em uma de nossas estradas, “antes do Lula eu tinha pesadelo; agora nem consigo mais dormir”. E o governo seguia a estrada do continuísmo, mais esburacada do que as do país. Um dos grandesproblemas de Lula,até chegarà Presidência, era a sua total inexperiência em qualquer cargo executivo, fato que muitos de nós procuramosminimizar.O seu único cargo públicoanterior foi o de um inexpressivo deputado federal que não correspondeu à sua enorme votação. Aí está a conseqüência: Lula está demonstrando não ter capacidade para governar e acaba dependendo demais daqueles que deveriam ser seus auxiliares e não seus guias, como José Dirceu e Antônio Palocci. Acreditávamos que com sua capacidade de liderança, inteligênciae bom-senso,e cercadode intelectuais de primeira, faria uma grande equipe e seria um grande governante. Erramos! Lula não está conseguindo sequer exercer em relação aos seus auxiliares imediatos a mesma liderança que demonstrou como sindicalista.Não se quercobrardele uma sabedoriaprofundaem todas as áreas de atuação do governo,mas que tenha capacidade para elaborar e tomar decisões sem ter que depender visceralmente de seus auxiliares. Infelizmente,Lula estámostrando não ter condições para o cargo a que foieleito.Isto poderá ter um custo irreparável para o povo brasileiro, que além de sofrer com o agravamento dos problemas nacionais, ainda
  • 12. 12 poderá ser tentado a um retorno ao passado. A hipótese do retorno de uma direita pior que a neo-liberal, no atual quadro de total ausência de verdadeiras lideranças no Brasil, não é improvável. Sabemos que, inúmeras vezes, a sede de poder tem tornado o homem insano e possivelmente não há qualquer outro impulso humano que tenha sido capaz de produzir sentimentos e ações tão destrutivas. A história é principalmenteuma sucessãode fatos em que a luta pelo poder é um agente primordial.O desejo de poder, diferentemente dos instintos que se aplacam quando satisfeitos, parece não ter limites. Uma vez alcançado,ele busca novas conquistas. Essa insaciedade do poder tem levado dirigentespoderososa produzirdevastações incomensuráveis e a serem eles próprios tragados pelo próprio processo de destruição. Napoleão e Hitler são talvez os mais conhecidos dos trágicos exemplos históricos disso. Lula e o PT são expressões bastante atenuadas, mas muito recentes e próximas de nossa pobre realidade. O psicólogo tem por obrigação profissional confrontar as pessoas com a realidade, por mais dolorosa que ela seja, pois só assim elas poderão enfrentá-la melhor. Ele é a antítese dos vendedores de ilusão: seitas religiosas, loterias, futebol, shows de milhões, novelas. Como tal, não tenho dúvida de que a Psicologia pode trazer sua contribuição para compreendermos o aparentemente incompreensível quadro político brasileiro do momento.Damesmamaneiraque muitos eventos históricos podem ser melhor analisados se neles se incluírem estudos sobre o desenvolvimento e as motivações de indivíduos que produziram ou conduziram tais eventos. É uma melhor percepção de nossa história recente e de alguns de seus principais personagens, o que estamos tentando fazer. Este livro foiescrito parapessoascomuns – anônimas, desprovidas de status, fama, riquezas,poder – comoo autor, mas também como este, inconformadas diante dos horrores que diariamente permeiam o nosso cotidiano.Resta-nospelo menoso direito de não nos acomodarmos e se não pudermos fazer mais nada, que pelo menos não percamos a capacidade de nos indignar. Sei que nada mudarei dessa realidade opressiva, vergonhosa, injusta e desumanaem que vivemos. Mas dar-me-ei por satisfeito se, de alguma maneira, algumas das idéias, situações e experiências aqui relatadas encontrarem eco em você, meu caro leitor, que está tendo a paciência e a gentileza de continuar essa leitura. Quiçá algum dia possamos enxergar a luz no fim do túnel.
  • 13. 13 A título de introdução: porque um psicólogo escrevendo sobre política? A psicologia e a política estiveram presentes em minha vida nos últimos quase cinqüenta anos, a primeira por vocação e a segunda por ilusão. Como outros idealistas do meu tempo, acreditava que a política seria capaz de transformar o mundo e nos dar uma sociedade mais igualitária, humana e justa. Com a psicologia, vi que poderia ajudar as pessoas a se modificarem internamente e se tornarem mais felizes e realizadas, o que me levou a praticá-la até hoje. Mas, por decepção com a prática política brasileira, jamais quis me candidatar a qualquer posto eletivo e nem participar de cargos em governos. Desde o início da puberdade tive a oportunidade de conviver com políticos no bar e sorveteria de meu avô, freqüentado por vereadores, deputados e até por governadores, já que ficava a apenas quatro quadras do Palácio da Liberdade, na avenida principal do bairro, a Cristóvão Colombo. Havia também gente que vinha de longe, para saborear o pernil de porco e os salgadinhos preparados por minha avó, geralmente acompanhados por uma cerveja estupidamente gelada e uma branquinha especial, puríssima e envelhecida, que o meu avô reservava para os bons apreciadores. Além de políticos, o bar era freqüentado também por intelectuais e gente que mais tarde iria se destacar em outros campos. Lembro-me do Roberto Drummond, futuro grande escritor e novelista, do Chaim Katz, que se tornaria um renomado psicanalista, do Roberto Abdalla, que viria a ser um cirurgião famoso nos Estados Unidos (foi ele que operou o jogador Tostão quando este sofreu descolamento da retina), dos Mata Machado e do Herbert de Souza, o Betinho, meu colega mais velho no Colégio Estadual, já com todo aquele carisma que faria dele futuramente uma das mais respeitadas personalidades brasileiras. E havia o terrível pessoal da turma da Savassi, que fazia ponto ali também. Recordo-me do Cacique, do Cacau, do Jacaré, do Odilonzinho e de alguns outros, que mais tarde, dentre outras estripulias, iriam criar a Banda Mole, que chegou a ser a maior do Brasil, inspirada na Banda de Ipanema, fundada por Sérgio Cabral e Albino Pinheiro. Meu avô, um italiano calmo e bonachão, mas de olhar severo, era querido e respeitado pela turma. A uma certa hora ele dizia “gente, está na hora de vocês irem para casa; eu também preciso dormir”. O pessoal pagava a conta e ele fechava as portas. Nas sextas-feiras, quando a turma saía, eu ia junto também, para fazer o que chamávamos de “via sacra”, uma “peregrinação” pelos bares do caminho em direção à zona boêmia. Se há algo que não posso dizer é que minha juventude tenha sido monótona. Como estudava pela manhã, gostava de ficar ali à tarde ou à noite ajudando meu avô e conversando com as pessoas. Tinha a oportunidade de ficar batendo papo com o Péricles Gomide Jr., o Peri, que era escritor e vinha todo início de noite tomar um traçado (cachaça com vermute), uma grande figura de pouco mais de um metro e meio de altura, mas de uma elevada estatura humana, cultural e intelectual. Foi com ele que aprendi o que era socialismo (de que não se falava nas escolas da época) e a entender criticamente a vida política. Ainda jovem, entrara para a Juventude Socialista do PSB, o único partido a que pertenci até hoje, apesar das muitas decepções e frustrações que me tem dado (e que não seria diferente com os outros, haja visto o que hoje está ocorrendo com os petistas autênticos). Em 1962, lançamos a candidatura do jornalista José Maria Rabelo, diretor do jornal Binômio, o precursor do Pasquim, à Prefeitura de Belo Horizonte, em protesto contra os demais cinco candidatos, que achávamos oportunistas e fisiológicos. O Zé Maria ficou em último lugar, mas nem por isso desanimamos de nossa luta.
  • 14. 14 Continuava militando na política enquanto cursava Psicologia. Ainda estudante, fui trabalhar na equipe do prof. Pierre Weil, no antigo Banco da Lavoura. Logo que me formei, em dezembro de 1963, fui trabalhar como psicólogo social no IDAGO – Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás, que era o órgão encarregado de promover a reforma agrária no estado. Pouco depois, o golpe de 64 desmantelou a primeira experiência contemporânea efetiva e bem sucedida de reforma agrária 1. Voltando a Belo Horizonte, decidi dedicar-me mais especificamente à Psicologia. Associei-me a mais três jovens colegas e a um conhecido psiquiatra de Belo Horizonte, o Dr. Halley Alves Bessa, para fundar o primeiro instituto particular de psicologia da cidade, o IPAMIG - Instituto de Psicologia Aplicada de Minas Gerais. O instituto cresceu e, pouco depois, vieram se juntar a nós alguns profissionais já conhecidos, como o casal de psicólogos Otília e Daniel Antipoff e a pedagoga Joanita Saraiva. Em 1967, resolvi ir para São Paulo, para fazer pós-graduação, onde me casei, tendo ficado lá 10 anos. Durante esse período, aprofundei minha formação profissional (em psicanálise, psicodrama e psicoterapia de grupo) e participei da fundação de sociedades científicas e do sindicato da classe. Na época travávamos uma batalha com a classe médica pelo nosso direito de clinicar e exercer a psicoterapia, que fazia parte de nosso currículo e não era ministrada nos cursos de medicina. Indicado pelas associações de psicólogos, fui redator do projeto de lei que regulamentou o exercício da profissão de psicólogo e criou o Conselho Federal de Psicologia, em 1972, junto com o deputado Lauro Cruz, que era médico, mas apoiava nossas reivindicações. Levado por minha índole cigana, morei sucessivamente em Piracicaba, Florianópolis, Los Angeles (EUA) e Vitória. Trabalhei como psicólogo e psicoterapeuta de grupo, e lecionando em diversas universidades. Retornei a Belo Horizonte, em 1986, para lecionar na Universidade Federal de Minas Gerais. Nesse mesmo ano, resolvi retomar minha prática política, juntando-me a um grupo de idealistas sobreviventes da ditadura militar, que haviam sido anistiados: o ex- deputado Fabrício Soares, o sindicalista Clodsmith Riani, o economista Waldo Silva, o médico Everaldo Chrispim, o escritor Marco Antônio Meyer, os irmãos Guedes e outros que procuravam reorganizar, em Minas, o Partido Socialista Brasileiro, fundado em 1945 e fechado pela ditadura em 1965. Também em 1986, iniciei minhas pesquisas sobre comportamento político, buscando entender, dentre outros aspectos, as motivações, especialmente inconscientes, das escolhas políticas e do ato de votar. Apresentei os resultados em revistas técnicas e órgãos da mídia impressa. Mas logo fui sentindo a dificuldade de publicar em jornais os meus artigos críticos. Para não me afastar completamente do meio acadêmico, passei também a apresentar minhas idéias nos congressos científicos, onde encontrei uma boa acolhida, especialmente por parte de pesquisadores jovens e de estudantes, mais ávidos em saber das coisas do que em exibir erudição. Em abril de 1989, ocupava a vice-presidência do PSB-MG e, junto com outros companheiros dos demais partidos de esquerda, lançamos a candidatura de Lula à Presidência, num encontro na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. O pré- lançamento já havia acontecido em São Paulo. O PSB indicou inicialmente o Antônio Houaiss para o lugar de vice na chapa de Lula, uma composição perfeita: o trabalhador de escolaridade primária e maior líder operário do país, junto com o grande sábio e intelectual brasileiro. Houaiss sofreu um acidente e teve problemas de saúde que o impossibilitaram de continuar, sendo substituído pelo Senador José Paulo Bisol. A campanha Lula-Bisol se transformou num movimento que varreu o País, numa onda de esperança e empolgação. O “sem medo de ser feliz”, mais do que um refrão, 1 Mais à frente voltarei a discorrer sobre essa importante experiência de reforma agrária.
  • 15. 15 significava um novo alento na alma coletiva brasileira e uma proposta de efetiva mudança. Acompanhei Lula e Bisol em alguns comícios, encontros e caminhadas. Cada vez mais me convencia de que era possível chegar-se ao segundo turno das eleições para então enfrentar o Collor que, pelas estatísticas, praticamente já tinha seu lugar assegurado nele. Acabamos derrotados da maneira mais suja possível pela direita “collorida”, que com o apoio de uma mídia venal, atacou Lula usando a sua ex- namorada, Miriam. Em 1994, os partidos de esquerda se uniram novamente. Repetiu-se a dobradinha que quase chegara ao poder cinco anos antes. Novamente uma campanha de calúnias e difamações acabou atingindo Bisol, que foi substituído às pressas pelo Aloísio Mercadante. Diante do perigo, o Partido dos Trabalhadores acabou optando pelo pior, uma chapa petista pura. Nova decepção, que se repetiria em 1998, desta feita com Brizola como vice. Tivemos 8 anos do famigerado governo de FHC. A última vez que estive com Lula foi durante a campanha eleitoral de 1994. Fui buscá-lo em Campo Belo, MG, para levá-lo em um avião fretado para ser aclamado no congresso nacional do PSB, que homologava a chapa Lula-Bisol e selava a aliança PT-PSB. A impressão que tive foi a de que ele havia mudado nesses cinco anos. Estava diferente do Lula combativo, sensível e simples da campanha de 1989. Pragmático, parecia apenas interessado nos números do resultado do congresso do PSB. Em 1996, ajudei na eleição de Wilma Faria à prefeitura de Natal e fui o coordenador de pesquisas da campanha que elegeu Célio de Castro à prefeitura de Belo Horizonte. Pela primeira vez tivemos o PT, que havia rompido compromissos assumidos quatro anos antes, como adversário e o derrotamos nas duas eleições. Em 2002, o PSB resolve se lançar numa aventura de candidatura própria. Já o PT, decidido a ganhar a eleição a qualquer preço, compõe sua chapa com um partido de direita. Foi essa aliança que possibilitou ao Partido dos Trabalhadores chegar ao poder. O curioso é que, posteriormente, o vice de Lula, o senador José de Alencar, veio a se mostrar mais afinado com as mudanças e mais sensível às demandas populares do que o próprio PT no governo. Por isso chegou a merecer do jornal O Pasquim21, uma reportagem de capa sob o título “O vice de Lula é melhor que ele”. Quando começou a exigir as prometidas mudanças na economia, a começar pela redução da taxa de juros, foi silenciado e passou para o ostracismo. Uma pena! O “Zé Alencar” é um empresário e político correto e capaz que poderia ter um papel mais relevante nesse governo. Eleito Lula, as preocupações daqueles que, como eu, o apoiaram, pareciam estar cada vez mais se concretizando. Não que alimentasse ilusões sobre o seu futuro governo, pois ainda no primeiro turno, o único projeto palpável que o PT parecia ter era o de ganhar as eleições a qualquer preço. Tanto que relegou a segundo plano candidaturas a governos estaduais que tinham grandes chances de eleição como as de José Airton, no Ceará, e de Geraldo Magela, em Brasília, derrotadas por uma margem mínima de diferença, devido ao abandono da coordenação nacional do partido, voltada exclusivamente para a eleição presidencial. Diferentes das de Nilmário Miranda, em Minas e de José Genoíno, em São Paulo, candidatos bois-de-piranha, sem chances eleitorais, mas com a promessa de serem recompensados no futuro governo. Este último, surpreendentemente, graças à insatisfação do povo paulista, foi levado ao 2º. turno, mas naufragou pela própria incompetência. Assumindo a Presidência da República, Lula enfatizou três grandes e urgentes prioridades do seu governo: o combate à fome (com o lançamento do programa Fome Zero), a promessa de fazer as grandes reformas necessárias ao País e a geração de empregos, com a retomada do desenvolvimento econômico.
  • 16. 16 Já no final dos seis primeiros meses de governo o que se via era bem diferente. O Fome Zero praticamente não havia saído do papel. O conjunto de reformas se resumiu a uma pseudo-reforma da Previdência, que servia muito mais para aumentar o caixa do governo à custa dos servidores públicos. Já a retomada do crescimento era adiada, enquanto Lula aprofundava a política econômica recessiva de seu antecessor, aumentando o índice de desemprego. Um ano depois tudo permanecia igual ou tinha piorado. Ou seja, parecia que o novo governo continuava fazendo uma campanha de marketing, como durante as eleições, e tudo que fora dito não passava de meras promessas eleitorais. Alegavam até que o PT havia chegado ao governo, mas não ao poder, como justificativa para a falta de ações concretas. Um verdadeiro estelionato eleitoral! O que me pergunto é: fomos enganados o tempo todo ou realmente Lula passou por uma radical transformação política, tão meteórica quanto sua ascensão, de líder operário a presidente da República? Como psicólogo social, é isto que tento entender, mais do que responder, neste pequeno e despretensioso livro. Ele traz a percepção de quem participou, durante quase meio século, de uma pequena parcela de nossa história recente e tem lá sua própria maneira de ver as coisas. Serve também para expressar aquele inconformismo que me parece cada vez mais forte, embora sufocado, nas pessoas que ainda acreditam ser possível um mundo mais decente do que o que temos hoje.
  • 17. 17 Carta aberta ao Presidente Lula Excelentíssimo Senhor Presidente: Como um dos 53 milhões de brasileiros que o elegeram Presidente da República, não poderia deixar de expressar minha decepção com os rumos que o governo de Vossa Excelência tomou. Nós o elegemos, Sr. Presidente, para que mudasse de fato este país. Nós o elegemos confiando em suas promessas e propostas, e também no programa de seu partido, que parece cada vez menos dos trabalhadores. O que temos visto a cada dia é o aprofundamento das desigualdades sociais, o enriquecimento dos banqueiros, dos especuladores e de outros parasitas sociais e o agravamento dos problemas de nosso povo, sem que possamos ver realizações concretas de seu governo, além dos costumeiros discursos. Discursos e promessas, Sr. Presidente, quando não são seguidos de ações efetivas, acabam por cair no vazio, deixando em seus milhões de ouvintes a sensação de que estão sendo enganados. Vossa Excelência diz que não devemos ter pressa, que as coisas virão ao seu devido tempo. Acontece que temos ouvido isto há muitos anos, talvez séculos, desde que os portugueses aqui chegaram, e tudo continua do mesmo jeito. Temos pressa sim, não de que as mudanças sejam atabalhoadas, pois ninguém lhe pediu isto, mas que elas sejam ao menos iniciadas. Vossa Excelência poderá dizer que as começou, com as Reformas Tributária e da Previdência, mas não vamos nos iludir. Essas não são reformas, mas jogadas de marketing que Vossa Excelência está usando para dar à opinião pública a ilusão de que algo está sendo feito. A primeira é uma pseudo-reforma que somente penaliza os servidores de menores salários, sem aumento há 9 anos. A segunda penaliza a todos os brasileiros na medida em que aumenta a carga tributária. E tudo isto para pagar os juros de uma dívida que não é nossa. É justo? Vossa Excelência comete uma terrível injustiça e maldade contra os servidores públicos, principalmente os aposentados, satanizando-os, com o apoio de uma mídia facciosa e venal, como se fossem os responsáveis pela falência do país. Vossa Excelência já pôde sentir na pele as estocadas dessa mídia, quando era apenas um líder sindical ou candidato à presidência. O Programa Fome Zero, a sua “menina dos olhos”, não saiu do papel. Quem tem fome, se Vossa Excelência ainda se lembra, tem pressa sim. Prefere até comer cru para aliviar a fome. Onde está o combate efetivo à corrupção, à sonegação, à violência, à especulação predatória, aos lucros absurdos dos bancos, ao desemprego, à exclusão social? Onde estão todos estes compromissos do programa de seu partido e promessas de Vossa Excelência? O que estou dizendo aqui não é apenas produto de minha cabeça ou de uma posição ideológica. Está aí no noticiário de jornais, rádios e televisões. Está expresso nos artigos e comentários de gente séria, lúcida e competente que felizmente ainda existe (ou resiste) nas poucas ilhas de independência de nossa mídia. Esta, em sua quase totalidade, anda cada vez mais ávida por agradar aos poderosos e aos que a sustentam com gordos anúncios, o principal deles o seu próprio governo. O seu governo é incontestavelmente um governo de direita ou, na melhor das hipóteses, neo-liberal, uma mera continuação do anterior, em que pese toda a sua retórica em contrário. A quem abre os braços para a direita só restam dois caminhos: ou se torna direitista ou é engolido por ela. Gostaria de lembrar à Vossa Excelência o que aconteceu com o ex-presidente João Goulart, o Jango, deposto pelo golpe militar de 1964. Quando o golpe eclodiu, Jango contava com militares leais e milhões de brasileiros dispostos a enfrentar o golpe. Poderia ter resistido e vencido. Preferiu
  • 18. 18 capitular e fugir, sob a justificativa de que queria evitar derramamento de sangue, deixando-nos órfãos políticos e sem liderança. Jango, para não perder os dedos, entregou os anéis. Ficou sem as mãos. É o que acontece com quem negocia com a direita. Aceitou imposições que visavam tão somente enfraquecer a resistência contra o golpe. O resultado todo mundo sabe: foram 21 anos de uma ditadura sangrenta que ceifou a vida de milhares de brasileiros idealistas que queriam um país mais justo e sem tantas desigualdades. Salvador Allende foi eleito presidente do Chile com um ambicioso programa de reformas populares, mas também acabou vítima de acordos com a direita, que o traiu. Corajoso e idealista, ao ser cercado no Palácio de la Moneda, durante o golpe de 1973, preferiu morrer resistindo a entregar de bandeja o seu país aos criminosos de Pinochet. Se Jango pode ser acusado de ter se acovardado, não pode ser tachado de traidor. Tentou à sua maneira fazer um governo voltado para os pobres e foi traído por aqueles em quem confiava. Vossa Excelência está fazendo diferente. Traiu o povo e se uniu aos inimigos do País: banqueiros, especuladores, políticos corruptos e oportunistas. Procura agradá-los e chega a fazer alianças com alguns que eram seus antigos algozes e a quem Vossa Excelência criticou todo o tempo. Tornando-se presidente, teria Vossa Excelência perdido a sua índole de lutador, de homem público, de ser humano capaz de se indignar diante das injustiças, da corrupção, da truculência, do descaso para com o semelhante, assemelhando-se a essa gente? Vossa Excelência sonha com a reeleição, mas cuidado! Pode acabar seguindo o caminho de Fernando Collor, ao trair suas promessas e comandar um governo que vem se mostrando inapto e inábil para dirigir o país. Faço votos de que o seu destino não seja o de Jango ou de Collor. Não queremos ver de novo aquele filme de horror ou ter os mesmos pesadelos. Ainda há tempo de mudar de rumo, Sr. Presidente, enquanto a direita não toma conta inteiramente do seu governo.
  • 19. 19 Carta aberta ao ex-companheiro Lula Ex-companheiro e ex-trabalhador Lula: Inicialmente, permita-me chamá-lo apenas pelo nome, pois longe de significar uma intimidade inadequada ao hoje Presidente da República, é uma forma de me dirigir muito mais à sua pessoa do que ao ocupante do cargo que ora desempenha. É um apelo àquele Lula que há bem pouco tempo representou a esperança de mudança, de renovação e de justiça social para milhões de pessoas. A sua eleição foi uma resposta desse povo sofrido, paciente e submisso, ao seu apelo de fé em um Brasil mais justo, solidário e humano, do que o que vem sendo construído ao longo de cinco séculos de exploração. Acreditamos que você iria realmente vestir a camisa dos submetidos, dos fracos e oprimidos, cumprindo não apenas as promessas de campanha, mas sobretudo o programa partidário e os compromissos assumidos desde 1989. Infelizmente, não é o que estamos vendo hoje. Agora já não resta mais qualquer dúvida em relação a você: fomos enganados e traídos, algo que jamais poderíamos imaginar há pouco. Ao invés de ser o condutor das verdadeiras mudanças e da luta pela justiça social, você se tornou o carrasco de nossas esperanças e o algoz de nossos sonhos. Sua fala é demagógica e serve apenas para tentar, por mais algum tempo, deixar a massa empobrecida iludida e esperançosa, até que se dê conta de que foi enganada. Serve também para que você se mantenha como um ídolo ou superstar de um filme canastrão, do qual todos sairemos nos lamentando do custo pago para vê-lo. O sentimento maior que hoje tenho em relação a você, ex-companheiro, é o de indignação pela sua traição aos compromissos históricos, seus e do seu partido, pelo estelionato eleitoral aos seus 53 milhões de eleitores, que como eu acreditaram nas suas promessas e nos seus propósitos; indignação pelo seus recuos diante das pressões do “mercado”, cada vez mais e como sempre, apenas interessado nos lucros parasitários das bolsas e do dólar, a custa do empobrecimento de nosso povo. Lamentavelmente, ex-companheiro, você mostrou que não passa de um fanfarrão, que gosta de fazer bravatas, mas se acovarda diante da reação dos poderosos, como demonstrou diante das exigências do Judiciário na “reforma” da Previdência e da recusa do Exército em abrir os arquivos sobre o desaparecimento dos guerrilheiros do Araguaia, para não suscetibilizar os militares. Nem ao menos o seu sentimento de compaixão pelos fracos e oprimidos parece mais genuíno. Você não mostrou a mínima sensibilidade para com os familiares dos desaparecidos. O medo venceu a esperança. Ou melhor, a frustração venceu a esperança. Sinto-me, como milhões de brasileiros, apunhalado pelas costas. Sim, porque tivesse você dito a verdade, dito que seguiria o rumo que está seguindo, talvez até houvesse muita gente que continuaria a votar em você, não pr engano, mas por falta de melhor alternativa. Mas, o pior dos males que você poderá fazer a esta nação e a este povo ainda está por vir. Ao destruir as esperanças populares, você deixará um rastro de sofrimento ainda maior do que o que encontrou e estará pavimentando o caminho para a volta ao poder da pior direita desse país. Veja o que aconteceu na França, em Portugal, na Áustria, na Itália e em outros países quando uma falsa esquerda, após assumir o poder fez, ela sim, o jogo da direita, traindo os seus compromissos. Custa-me ainda aceitar e acreditar que o Lula daquela memorável campanha de 1989 (uma verdadeira onda que varreu o País com o “Lula lá, é a gente junto”), tenha se transmutado no Lula que hoje temos à frente dos destinos dessa sofrida e injustiçada nação.
  • 20. 20 Talvez por isso esteja escrevendo este texto. Como um derradeiro apelo ao mínimo que ainda resta de sua independência e vontade política de acertar. Inebriado como você está pelo poder que nunca imaginou ter e, açodado pelas mordomias do cargo, acho que será um sermão aos peixes. Quase certamente você não irá ler este livro, mesmo porque não é afeito a leituras. Mas, com certeza, algum de seus áulicos se encarregará de informar-lhe, com um certo desdém, de um livrinho cheio de bobagens escritas por um ex-aliado. Quero, ao menos, ter a consciência tranqüila de que fiz a minha parte. Tenho por hábito dizer o que penso, mesmo sabendo que não irá alterar nada. O que o outro fará com o que eu lhe disse não é mais problema meu. A minha obrigação está em dizer. Na política existem dois caminhos possíveis. Um é muito estreito e apertado, difícil, íngreme, pedregoso e cheio de armadilhas. A única proteção com que se conta para andar nele é o ideal altruísta de buscar justiça e sacrificar-se pelo seu povo, se preciso com a própria vida. Foi o que Cristo escolheu. Entretanto é o único capaz de levar adiante um projeto grandioso de uma nação justa, equânime e solidária. Pouquíssimos resolvem passar por ele. Somente grandes idealistas, revolucionários e estadistas como Simon Bolívar, San Martin, José Marti, Sandino, Tupac Amaru, Emiliano Zapata, Tiradentes, Abraão Lincoln, Mahatma Gandhi, Giuseppe Garibaldi, Nelson Mandela, Mohamed Mossadegh, Chê Guevara, Ho-Chi-Mihn. Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek, com todos os grandes erros que cometeram foram, de certa forma, estadistas. O outro caminho, uma vez alcançado o poder, é fácil, largo, cheio de mordomias e vantagens pessoais, de bajuladores prontos a satisfazer quaisquer desejos. O sentimento embriagador do poder impede de ver e ouvir os clamores populares, sufocados pelo canto das sereias de ocasião. O único projeto que se tem, é o de usufruir das benesses e vantagens do cargo, nele permanecendo o maior tempo possível. Ao deixá-lo, se isto for inevitável, a idéia é ter amealhado toda fortuna e prestígio possíveis. É o caminho preferido dos oportunistas, dos déspotas e dos tiranos como os genocidas Adolf Hitler, Joseph Stalin, Lyndon Johnson, George W. Bush, Saddam Hussein, Slobodan Milosevic, Ariel Sharon. Ou de políticos menores, de práticas mesquinhas, mas também compondo uma lista nefasta, como os médicis, collors, sarneys, fhcs e malufs da vida e que poderá vir a contar também com um lula. A história está repleta deles e para citá-los seriam precisos muitos livros deste. Para os grandes de alma e de ideais, o exercício do poder é uma missão árdua e penosa e não uma oportunidade de mera satisfação do ego. Não estou dizendo que você deva exercer seu cargo carregando uma cruz. Claro que pode e tem o direito de usufruir de suas peladas, churrascos, viagens, discursos, aplausos, mordomias. Mas você não foi galgado a ele só para isso! A escolha é sua ex-companheiro! Sinceramente, eu espero que você volte ao primeiro caminho, que foi por onde começou. Ainda será possível a quebra desse círculo vicioso? Por quanto tempo mais, você acha que conseguirá iludir a grande maioria de pessoas desinformadas deste país, que ainda o crêem um salvador ou pai dos pobres? Você corre o risco de ficar conhecido como Luís Inácio Judas da Silva e de virar o personagem principal do sábado de aleluia do próximo ano. Para terminar, repito aqui uma frase atribuída a Abraham Lincoln: “Podeis enganar a todos por algum tempo. Podeis mesmo enganar a alguns por todo o tempo. Mas não podeis enganar a todos por todo o tempo.”
  • 21. 21 Eleições no Brasil: o que os fatos vêm mostrando As eleições são o meio pelo qual as sociedades ditas democráticas escolhem os seus governantes e o voto é o instrumento que o cidadão tem para exercer esse direito de escolha. O ato de votar é, pois, o resultado final de um processo de amadurecimento pessoal influenciado por uma grande variedade de fatores internos (individuais) e externos (sociais). As distorções que sofre o processo eleitoral no Brasil, através da compra de votos, da fraude e da manipulação através dos meios de comunicação de massa, têm sido uma constante entre as mazelas da democracia brasileira. Com isso, o eleitor brasileiro está cada vez mais descrente da política e dos políticos, desinteressado em conhecer os candidatos, suas propostas e posições político-ideológicas. Acaba fazendo suas escolhas influenciado por critérios subjetivos e emocionais, onde entram a distorção na percepção e na avaliação dos candidatos, a idealização do passado e o medo do novo e do desconhecido. Vários estudos mostram que a imagem que o eleitor brasileiro tem dos políticos tende a ser bastante negativa. Isto parece ocorrer também em outras partes do mundo e o folclore tem sido pródigo em relatos depreciativos e caricaturais dos políticos em diversas épocas. Boa parte dessa imagem corresponde a comportamentos inadequados e fatos escandalosos que cercam o mundo político. Outra parte, porém, pode ser atribuída ao distanciamento e ausência de participação do homem comum nos assuntos da política. Entender os fatores que influenciam e interferem nas escolhas eleitorais – opiniões e atitudes – é de fundamental importância para compreender o comportamento político do eleitor brasileiro e os resultados das eleições. Por um lado, as abstenções, os votos nulos e em branco expressam a descrença e o desinteresse de grande parcela do eleitorado para com a política e os políticos e por isso podem significar um protesto passivo. Por outro lado, não é fácil entender porque a maior parte dos que votam têm feito opção pelos piores. Dizer que os eleitores são mal informados, iludidos e inconscientes, é simplista. Se assim fosse, os seus votos deveriam ser distribuídos, tanto para os bons, quanto para os maus candidatos. Eleições recentes: algumas conclusões Nas eleições de 1988, 1989, 1990 e 1994, efetuamos levantamentos para conhecer as razões que levavam os eleitores de Belo Horizonte a votar nos seus candidatos. Estudamos especialmente as atitudes, crenças e valores políticos dessa população. Em 15 de novembro de 1988, dia das eleições municipais, foram entrevistados 369 eleitores de ambos os sexos e diferentes idades e níveis sócio-econômicos. A esse levantamento seguiram-se outros, em 1989, com 345, em 1990, com 449 e em 1994, com 416 pessoas. Os dados eram coletados no dia da eleição, imediatamente após o eleitor ter votado, através de entrevistas padronizadas individuais, coletadas em diversos locais de votação do município, distribuídos em regiões de diferentes condições sócio- econômicas no centro, nos bairros e nas periferias. Trabalharam voluntariamente nessas entrevistas, estudantes do Curso de Psicologia da UFMG. Os entrevistados eram escolhidos aleatoriamente à medida que saíam das seções eleitorais. Utilizou-se um questionário com 35 perguntas, dividido em duas partes: a primeira de respostas fechadas e a segunda de respostas abertas. Buscavam-se obter os seguintes tipos de dados: perfil dos eleitores; posição política; preferências eleitorais (de candidatos e partidos); opinião sobre a obrigatoriedade do voto; pessoas, meios e outros fatores que influenciaram a decisão do entrevistado; razões e consistência das
  • 22. 22 escolhas; preconceitos e rejeições; qualidades desejadas num candidato; aspectos positivos e negativos das campanhas, etc. Os levantamentos feitos na cidade de Belo Horizonte, contaram com a participação de eleitores de ambos os sexos, com idades entre 18 e 70 anos e de diferentes níveis sócio-econômicos. Os perfis dos eleitores entrevistados apresentaram semelhança com os do Tribunal Regional Eleitoral, demonstrando assim que a amostra foi representativa 2. Este estudo teve o objetivo de conhecer as características políticas dos eleitores e as razões que os levaram a escolher seus candidatos a cargos eletivos públicos. Diferentemente do que fazem as prévias de opinião, procuramos avaliar as atitudes dos eleitores, o que seria mais confiável e fidedigno como preditor do seu comportamento. Desses estudos, iremos comentar apenas alguns dados mais significativos para o propósito deste texto 3. Os resultados das eleições de 1990 revelaram duas conseqüências assustadoras: um índice de abstenções, votos nulos e em branco, ultrapassando a casa dos 50% e um baixo grau de renovação. Para a quase totalidade dos cargos majoritários e para a grande maioria dos proporcionais, foram eleitos velhos políticos, corruptos, retrógrados e impopulares. Muitos deles pareciam não ter mais vez na cena brasileira mas, no entanto, foram as grandes estrelas desse pleito. Após significativo avanço em 1989, quando, pela primeira vez, um trabalhador quase chega à Presidência, o quadro político brasileiro parece retroceder a níveis comparáveis aos dos anos 60. Assim tivemos, no conjunto, governadores, senadores e deputados mais atrasados que os seus antecessores. O eleitor de 90 mostrou-se descrente da política e dos políticos; desinteressado em conhecer os candidatos, suas propostas e posições político-ideológicas; alheio ao processo político; com seu senso de realidade e postura ético-social diminuídos, buscando referências e identificações incorretas, votando inconseqüentemente. Apenas 37% das pessoas afirmaram que viram a propaganda política na TV. Destas, apenas 5,9% assistiram ao programa todo, 12,6%, a uma parte e 18,5%, a pouco ou a quase nada. No rádio, o índice de audiência foi menor: 83,7% nunca ouviram um programa eleitoral. A grande maioria dos eleitores não se interessou em conhecer os candidatos e suas propostas através dos programas eleitorais. Nesse ano, 44,3% dos entrevistados afirmaram que não votariam, se não fossem obrigados. Some-se a isso uma média de cerca de 20% de abstenções reais nestas eleições e não teremos muito mais que 1/3 de eleitores dispostos a votar. Em Minas Gerais, 2/3 dos eleitores do candidato eleito, Hélio Garcia, não haviam assistido aos programas do horário da propaganda eleitoral gratuita e mais da metade não sabiam dizer porque votavam nele. As eleições de 1996 representaram um marco para os partidos de esquerda e trouxeram avanços significativos às propostas populares. A campanha de Célio de Castro à Prefeitura de Belo Horizonte foi, sem dúvida, a mais surpreendente e eficaz. Partindo de apenas 3% das intenções de voto quando sua candidatura foi registrada, o candidato venceu o 1o. turno das eleições com 40,76% e foi eleito no 2o. turno com 68,57% dos votos, o maior percentual de votos obtido em capitais. No decorrer dessa campanha, participei da equipe de coordenação da Frente BH Novo Século, constituída pelos partidos PSB, PMDB e PPS, com as candidaturas 2 Dada a maior complexidade dos estudos qualitativos, o número de sujeitos é menor do que nas pesquisas quantitativas, geralmente situando-se entre 60 e 300. Em nossos levantamentos o número de sujeitos ficou sempre acima de 300. 3 Os dados completos, as análises e os resultados dessas pesquisas, podem ser vistos em nossos trabalhos: Araujo, M. G. Poder - uma abordagem psico-dinâmica. Tese de concurso à UFMG, Belo Horizonte, 1984; Araujo, M. G. Eleições 90: uma análise psicossocial. Revista Caminhos, 2: 37-41, 1990.
  • 23. 23 de Célio de Castro e Marcos Sant’Anna à Prefeitura. Tive a meu cargo a coordenação e interpretação de pesquisas de campo, realizadas pela empresa OP&M, que serviram também como subsídio para as estratégias e o “marketing” da campanha. Tal trabalho trouxe observações e conclusões interessantes a respeito de aspectos do comportamento coletivo e mostrou que a intervenção psicossocial numa campanha política pode ser um campo para melhor compreender o comportamento do eleitor. Fizemos quatro pesquisas de campo antes das eleições e, de modo geral, pudemos confirmar dados das pesquisas anteriores, embora os números tivessem sofrido pequenas variações. Os três itens destacados a seguir confirmam a necessidade de uma reformulação de nosso processo eleitoral. Influências na escolha de candidatos: Em 1988, o que mais influenciou o eleitor na escolha de seus candidatos foram as opiniões de seus familiares, amigos e colegas (29%) e o "conhecimento" do candidato. Os meios que mais influíram ou ajudaram na sua escolha foram: jornais e revistas (12%), o programa do horário eleitoral gratuito na TV (11%), noticiário de TV (5%), comício (4%), cartazes, folhetos e out-doors (2%) e outros meios (26%). 40% dos entrevistados não souberam dizer o que havia determinado suas escolhas ou então negaram a influência exercida por pessoas ou meios à sua volta. Entre os que admitiam tal interferência, notava-se a importância das relações pessoais próximas, do contato com o próprio candidato e dos meios de comunicação de massa. Nas eleições de 1990, 1994 e 1996, a televisão tornou-se o principal meio de informação e influência (incluindo-se o horário eleitoral gratuito, as propagandas, o noticiário e os debates). Motivos e razões de escolha do candidato Dos motivos que levavam o entrevistado a escolher seus candidatos, destacavam-se os político-ideológicos (oposição ao governo, partido, propostas de mudança, de trabalho, coerência, ideologia) com 35%, seguidos dos atributos pessoais com 9%, das habilidades profissionais também com 9%, dos atributos ético-morais com 8%, e outros motivos diversos com 26%. 13% não sabiam dizer o seu motivo de escolha. Em 1988, os eleitores do universo pesquisado consideravam-se mais de esquerda e com tendências progressistas e socialistas, votando em candidatos e partidos considerados de esquerda, eram a favor do voto facultativo; definiam-se pelo seu candidato com menos de 90 dias das eleições; rejeitavam candidatos em posições políticas extremas e de características e condutas estigmatizadas (especialmente os homossexuais); valorizavam as qualidades ético-morais, principalmente a honestidade, mas sem levá-la tão em conta ao votar (não a citavam como qualidade nos seus candidatos), preferindo então optar pelas propostas políticas e de trabalho dos mesmos. Os levantamentos realizados em 1990 e 1994 demonstraram uma mudança de valores e atitudes políticas dos eleitores em outras direções: menor número se considerava de esquerda; poucos se definiam como socialistas; votavam preferentemente em candidatos mais conservadores e vistos como de centro; tinham menos rejeição a grupos étnicos, às mulheres e a candidatos com condutas estigmatizadas. O principal motivo para se votar em um candidato passou a ser o fato do mesmo ser mais conhecido (52%), independentemente de seus atributos ético- morais, profissionais e outros. Este dado demonstrou não apenas um elevado grau de desconhecimento, mas também um enorme desinteresse por parte do eleitor em buscar informação para votar bem.
  • 24. 24 Voto facultativo Nas pesquisas feitas em 1988, 1989, 1990, 1994 e 1996, cerca de 2/3 dos entrevistados se manifestaram a favor da não obrigatoriedade do voto nas eleições. Em 1988, 61% dos entrevistados disseram que o voto devia ser facultativo, 27% achavam que devia ser obrigatório e 12% não sabiam responder. Além disso, 63% afirmavam que teriam votado do mesmo jeito se o voto não fosse obrigatório, enquanto 34% diziam que não teriam votado e apenas 3% não tinham opinião. Os números permaneceram semelhantes nas eleições seguintes, ou seja, cerca de dois terços dos eleitores acharam que o voto deveria ser facultativo e, mesmo que assim o fosse, continuariam votando, o que já nos mostra uma certa consciência da importância política da eleição. Observamos ainda que 70% dos que anularam o voto e 65% dos que só votam por obrigação, declararam não ter posição política. Ou seja, a falta de definição política é a grande responsável pelos votos nulos e desinteresse pelas eleições. O voto deve ser um direito do cidadão e não uma obrigação. Em quase todos os países democráticos e desenvolvidos o voto é facultativo. Vota aquele que quer exercer o seu direito de cidadania e escolher os seus dirigentes. A obrigatoriedade do voto leva á venda do voto, ao voto de cabresto e à irresponsabilidade. Uma opinião não é obrigatoriamente seguida por uma atitude Devemos ter em conta que atitudes e opiniões não são a mesma coisa. Ao responder a um questionário, o entrevistado expressa a sua opinião, ou seja, em quem ele acha que vai votar. Entretanto, sua atitude posterior, que é o ato de depositar o voto na urna ou de digitá-lo na máquina, poderá ser diferente da opinião que emitiu. Os mais antigos estudos em Psicologia Social já mostravam que opiniões e atitudes são fenômenos diferentes e podem ser até contraditórios. Por exemplo, é comum os pais terem a opinião de que não se deve bater nos filhos, mas o fazem; ou são contra relações fora do casamento, mas têm amantes. Opinião é um conceito formado a respeito de algo; uma maneira de pensar, de ver, de julgar; um julgamento pessoal (justo ou injusto, verdadeiro ou falso) que se tem sobre determinada questão. Atitude é uma disposição para a ação; uma conduta ou comportamento ditado por disposição interior; é uma maneira de agir em relação a pessoas, objetos, situações; é também um estado de disponibilidade marcado pela experiência e que exerce influência direta e dinâmica sobre o comportamento. A atitude decorre de uma opinião. Mudar de opinião é mais fácil do que de atitude. Eu posso ter a opinião de que uma determinada pessoa seja sovina, avarenta. Mas ao saber que a mesma é bondosa e caridosa, mudo de opinião a seu respeito. Um chefe pode ter antipatia por um funcionário que lhe foi imposto pelo diretor e que ele acha preguiçoso, tratando-o mal. Caso o funcionário venha a se revelar eficiente e trabalhador, o chefe poderá mudar sua opinião sobre o mesmo, mas continuar com a mesma atitude. O preconceito é uma atitude desfavorável, formada a priori, sem exame ou julgamento crítico e baseada geralmente em suposições; uma atitude de intolerância adotada em conseqüência de generalizações superficiais, aparentes ou geradas pelo ambiente social. À medida que decorre uma campanha, os eleitores, especialmente os indefinidos, vão mudando de opinião conforme percebem o desempenho de um candidato. O sucesso ou o fracasso num debate pode, da noite para o dia, mudar a opinião de vários eleitores a respeito do mesmo 4. 4 Lula praticamente perdeu o 2o. turno da eleição de 1989 no último debate com Collor.
  • 25. 25 Virtudes pessoais e programa de governo não são garantia de votos As eleições brasileiras sempre foram marcadas por irregularidades que vão desde a pura e simples compra do voto na boca-de-urna, até a fraude nos resultados finais da eleição. Para piorar, o voto irresponsável, inconsciente e inconseqüente está se tornando cada vez mais presente, fazendo-nos questionar a legitimidade do atual processo eleitoral. As pessoas dizem que querem candidatos honestos, mas nem sempre votam neles. Muitas vezes votam no candidato corrupto na expectativa de obter vantagens pessoais. Tal processo deveria passar por profunda revisão que incluiria o voto facultativo (a obrigatoriedade do voto é um dos propiciadores do voto inconsciente, irresponsável e de cabresto), a total informatização do sistema de eleição e apuração, a instituição do voto distrital e da fidelidade partidária, a regulamentação da legislação eleitoral e o referendo popular para aprovar mudanças na Constituição. Enquanto isto não acontece, vemos o nosso povo gradativamente perdendo a sua noção de identidade e a sua consciência de cidadania, cada vez mais alienado e alijado das decisões políticas, sem perceber que quanto menos participa ou se manifesta sobre assuntos de interesse público, mais a sua vida pessoal é afetada por decisões tomadas à sua revelia. Collor ganhou a eleição através de meios duvidosos, fazendo uso de meias verdades e falácias, além do maciço apoio da mídia eletrônica liderada pela Rede Globo. O uso destes meios não foi sequer questionado. Pelo contrário, os comentaristas políticos em geral elogiaram a esperteza de sua estratégia, justificando seus procedimentos anti-éticos, em um processo onde imperou a legitimação da vantagem a qualquer preço, levando outros candidatos a adotarem procedimentos semelhantes e levando as pessoas a admitirem tais métodos. Na pesquisa que fizemos em 1988, 47,4% dos entrevistados colocaram a honestidade como principal qualidade esperada de um bom governante. Mas, ao se referirem às virtudes do candidato que escolheram, somente 15,5% viram nele tal qualidade. Levantamento da Folha de São Paulo, alguns dias antes das eleições de 89, mostrava que 1/4 dos eleitores de Paulo Maluf destacavam a honestidade como sua maior qualidade. Nas eleições de 1996, os principais motivos que os eleitores citaram para escolher seus candidatos foram: pessoa do candidato, 32,1%; proposta de governo, 30,4%; passado político, 23,5%; partido do candidato, 6,9%; outros, 2,4%; não sabe/não respondeu, 4,7%. A partir de 1996, o fato do candidato ser conhecido tornou-se o principal motivo para ser votado. Apesar de conscientemente não dizerem isto, as pessoas tendiam a votar com base nesse quesito, independentemente até daqueles valores. Pudemos notar uma correlação altamente positiva, de 0.91 (o máximo possível é uma correlação de 1.00), entre o fato do eleitor conhecer o candidato e a possibilidade de votar nele, bem como entre não conhecer o mesmo e a possibilidade de não votar nele (rejeição ao desconhecido). Embora o eleitor tenda a dizer que não sofre influência dos meios de comunicação ou de outras pessoas, sabemos que ela existe. Pudemos constatar que as maiores influências vieram da televisão (1o. notícias - 2o. debates - 3o. programas eleitorais) e de parentes. As pesquisas pré-eleitorais também têm um papel relevante nas escolhas dos eleitores: 27,7% dos entrevistados afirmaram que a divulgação das pesquisas influenciou o seu voto e, dos que mudaram de candidato às vésperas da eleição, 37,6% diziam tê-lo feito influenciados pela divulgação das pesquisas. Esta força que as pesquisas passaram a ter é um fato preocupante para a legitimidade de nosso processo eleitoral.
  • 26. 26 Pesquisas pré-eleitorais: meio de informação ou manipulação Nostradamus, o famoso profeta, previu com exatidão admirável, alguns dos mais importantes e trágicos eventos da história da humanidade, mas também errou em outros. Para suas adivinhações, ele usava uma terrina com água colocada num tripé de cobre, sobre a qual se debruçava para obter suas visões futuristas. Os pretensos Nostradamus modernos usam meios bem mais sofisticados para fazerem seus prognósticos eleitorais, mas nem por isso mais precisos. Um dos casos mais espantosos de que me lembro foi o da eleição do prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro, em 1996. Começando com 3%, Célio fez uma campanha modesta. Enfrentou, de um lado, o candidato petista Virgílio Guimarães, apoiado por uma prefeitura com alto índice de aprovação popular e, de outro, a campanha milionária do tucano Amílcar Martins, patrocinada pela máquina do governo estadual. Aparentemente estava sem chances de chegar ao 2º turno. Sua candidatura foi crescendo gradativamente e, às vésperas da eleição, chegava ao primeiro lugar com 27%, um ponto à frente do candidato do Palácio da Liberdade e 8 pontos à frente do petista. O resultado da eleição foi ainda mais surpreendente: Célio 40,76%, Amílcar 26,46% e Virgílio 21,66%. Elegeu-se no 2o turno com 68,57% dos votos. No dia 2 de setembro, portanto um mês antes das eleições, a Rede Globo divulgou uma pesquisa do IBOPE, realizada de 29/08 a 01/09, com 600 pessoas, que apontava o candidato Célio de Castro em 4º lugar, com 11% das intenções de voto. No mesmo período, o Datafolha o situava em 3º lugar com 18% e uma outra pesquisa, realizada pela OP&M, com 1.170 pessoas, o indicava em 2º lugar, com 19,5%, empatado com Virgílio Guimarães. No questionário do IBOPE, o nome de Célio de Castro foi excluído das simulações do 2º turno. Alguns resultados chegaram a ser tão aberrantes, que se duvidava que o trabalho tivesse sido de fato realizado. A revista Isto É que circulou na semana da eleição, divulgou uma pesquisa que dava ao candidato apenas 13,2%, quando os demais institutos de pesquisa (IBOPE, Vox Populi e OP&M) o situavam entre 27 e 29%. Seria isto apenas incompetência ou também má-fé? Em 2002, estivemos novamente assistindo a uma dança dos números. Até o começo do horário eleitoral gratuito não houvera grandes discrepâncias entre os resultados dos institutos para os candidatos à presidência. No entanto, já se percebia a utilização dos dados das pesquisas para influenciar a opinião pública. Poucos dias após o início dos programas na TV e no rádio, as pesquisas começaram a divergir. Levantamento do Ibope de 24 a 26/08, dava a Lula 35%, a Ciro 21%, a Serra 17% e a Garotinho 11%; um outro, da Vox Populi mostrava Lula, com 34%, Ciro com 25%, Serra com 15% e Garotinho com 8%, com perda de 5 pontos para Ciro e ganho de 6 para Serra. Com isso, o Ibope afirmava que havia empate técnico entre Ciro e Serra, enquanto pela Vox Populi essa diferença era de 10 pontos. Levantamento da CNT/Sensus registrou uma diferença entre os dois de 10,8%, com Ciro caindo de 28,8% para 25,5%; enquanto José Serra passava de 13,4% para 14,7%. Qual estava certo? As pesquisas deveriam ser um meio de informação tanto para o eleitor quanto para o candidato. É inaceitável que pesquisas feitas num mesmo período, com a mesma população e os mesmos critérios, apresentem resultados tão discrepantes, pois ao invés de informar estão confundindo o eleitor. Isto acontece porque, no Brasil, pesquisa pré-eleitoral se tornou instrumento para influenciar o eleitor. Pesquisas como as que foram feitas na campanha de 2002 indicam apenas a intenção momentânea de voto dos eleitores para cada candidato, que se altera a cada novo levantamento. Elas trabalham com probabilidades e estão sujeitas a certa margem de erro. Sabemos que o comportamento humano é relativamente imprevisível e por isso as ciências sociais são aproximativas e não exatas. No entanto, existe um
  • 27. 27 limite aceitável da margem de erro, que não pode ser elevada (em geral, abaixo de 4%). Além disso, devemos ter em conta que atitudes e opiniões não são a mesma coisa. Ao responder a um questionário, o entrevistado expressa a sua opinião, ou seja, em quem ele acha que vai votar, o que poderá ser diferente de sua atitude posterior, que é o ato de depositar o voto na urna ou digitá-lo na máquina. A atitude decorre de uma opinião, mas mudar de opinião é mais fácil do que de atitude. À medida que decorre uma campanha, os eleitores, especialmente os indefinidos, vão mudando de opinião conforme percebem o desempenho de um candidato. O sucesso ou o fracasso num debate pode, da noite para o dia, mudar a decisão de voto de vários eleitores. Foi o que aconteceu com Lula em 1989, que praticamente perdeu o 2o turno da eleição no último debate com Collor. Esses são alguns problemas técnicos. Entretanto, além deles, podem ocorrer outros sob o ponto de vista ético, como o de institutos que trabalham para alguns candidatos, e, com isso, procuram apresentar resultados desfavoráveis a seus adversários para prejudicá-los. Se o adversário consegue manter o nível de crescimento das intenções de votos, tais institutos procuram corrigir os resultados poucos dias antes das eleições, a fim de não prejudicar sua imagem e credibilidade. A exigência legal que obriga os institutos de pesquisa a apresentar ao TRE, com antecedência, os dados técnicos da pesquisa a ser divulgada, revelar o nome de seus clientes, o valor dos serviços prestados e sua origem, não os isenta de fraudes e manipulações. Tentei algumas vezes saber como de fato foram feitas certas pesquisas, mas nada consegui além de um relatório simplificado, a que a legislação me faculta acesso. É praticamente impossível para alguém de fora verificar como foram aplicados, avaliados e digitados os questionários ou se foram alterados, seja pelo entrevistador, seja dentro da empresa, afinal, se os resultados são fidedignos e confiáveis. Freqüentemente os nomes dos verdadeiros clientes são substituídos por agências de propaganda e meios de comunicação de massa. Quanto aos recursos e sua origem, então, nem se fala tamanha a facilidade para sonegar e falsear valores. Geralmente ocultam-se os nomes de financiadores das campanhas eleitorais e não se dão recibos das doações feitas. Cada vez mais as pesquisas estão influenciando as decisões dos eleitores, à medida que se tornam mais freqüentes e divulgadas, assentadas no crescente poder da mídia, principalmente televisiva. A mídia é, de fato, o grande cabo eleitoral neste País. Sabe-se que há um número significativo de pessoas que são influenciadas pelas pesquisas, e também que o eleitor não gosta de votar em candidato que pode perder. Tenho comprovado isto desde 1988, ao fazer pesquisas sobre o comportamento eleitoral, o que é diferente das sondagens pré-eleitorais. Tal estudo é basicamente qualitativo e feito no dia das eleições, imediatamente após o eleitor ter votado. Com isso, o que se consegue não é uma mera intenção de voto, mas um fato concreto: em quem e porque o eleitor votou. Na eleição de 1988, apenas 5,4% dos entrevistados revelaram terem sido os resultados das pesquisas que os levaram a mudar de candidato. Já na de 1996, 27,7% dos eleitores entrevistados admitiram que a divulgação das pesquisas havia influenciado o seu voto e, dos que mudaram de candidato às vésperas da eleição, 37,6% diziam tê-lo feito influenciados pela divulgação das pesquisas. Esta força que as pesquisas passaram a ter, ao lado do poder da mídia, é um fato preocupante para a legitimidade de nosso processo eleitoral. Há que se disciplinar a realização e a divulgação das pesquisas de intenção de voto. É inaceitável que seu poder tenha chegado a ponto de ser capaz de manipular a opinião pública, de definir candidaturas e até de decidir eleições, como acontece atualmente.
  • 28. 28 Lula e o PT: o início de uma esperança 5 Luís Inácio Lula da Silva nasceu em 27 de outubro de 1945, em Garanhuns, que fica a 230 km a sudoeste de Recife, no agreste pernambucano e conta com 110 mil habitantes. Era o 7º filho do casal de lavradores, Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo, conhecida como Dona Lindu. Situada entre colinas, a cerca de 900 metros acima do nível do mar, Garanhuns chega a registrar 5ºC nos meses mais frios (maio a agosto). Quando tinha 7 anos, Lula migrou com a mãe e os irmãos, numa viagem de pau-de-arara que durou 13 dias, para Santos (SP), onde o pai já trabalhava como estivador no porto. Fazia o curso primário numa escola pública e, para ajudar na renda familiar, trabalhava como vendedor ambulante. Em 1956, sua mãe, após se separar do pai, um homem autoritário e violento, foi para São Paulo com os filhos, onde Lula começou a trabalhar como engraxate e entregador de roupas em uma tinturaria. Aos 14 anos empregou-se numa metalúrgica. Em 1963, com 18 anos, formou-se torneiro mecânico no Senai e, em 1964, transferiu-se para a metalúrgica Aliança. Foi aí que perdeu o dedo mínimo da mão esquerda em um acidente. Em 1966 ingressou nas Indústrias Villares, em São Bernardo do Campo. Casou-se jovem, em 1969, aos 23 anos, com uma tecelã, Maria de Lurdes, que depois veio a falecer de hepatite contraída durante o final da gravidez, por negligência do hospital onde fora atendida. Mais tarde, teve uma filha, Luriam, fruto de um romance com uma namorada, Miriam, que viria a ser o pivô de uma “armação” feita por Collor de Melo, nas eleições de 1989, para derrotar seu oponente. Pouco depois, Lula casou-se com Marisa Letícia, hoje a primeira-dama do país. Ainda em 1969, seu irmão José Ferreira da Silva, o Frei Chico, militante do extinto Partido Comunista, o leva para participar das reuniões do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Lula, um operário despolitizado e resistente à atividade sindical, acaba participando como suplente da chapa de Paulo Vidal Neto, eleita para a diretoria. O que inicialmente parece tê-lo motivado a participar da atividade sindical foi a possibilidade de não ter que trabalhar tanto. Lula já era “escolado” na arte de se virar em circunstâncias adversas, e também sabia catimbar. Mais tarde, a catimba iria virar engodo e blefe. Foi eleito primeiro-secretário do Sindicato em 1972 e presidente da entidade em 1975. Compareceu à posse de terno e gravata, o que virou alvo de comentários dos seus colegas. Nunca um sindicalista havia se vestido assim. Isto já demonstrava um certo gosto de Lula pelas aparências. Por essa época, afirmava que não tinha pretensões políticas futuras depois que deixasse o sindicato e que para isso havia sindicalistas mais capacitados. Tornou-se o interlocutor ideal para a classe patronal, que não poupava elogios ao novo líder que surgia, pois nada tinha de subversivo ou ideológico e nem nutria qualquer pretensão política, mas apenas desejava a melhoria das péssimas condições de vida da classe trabalhadora. Em 1977, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos) faz uma denúncia, logo confirmada por economistas do Banco Mundial, de que, em 1973, o Ministério da Fazenda, comandado então pelo Sr. Delfim Neto, havia manipulado os índices do aumento do custo de vida. Os sindicatos do ABC lançam uma campanha pelas reposições salariais dos trabalhadores e, no ano seguinte, desencadeiam uma série de paralisações. Na greve de 1978, Lula passou a 5 Principais referências: Lula, o filho do Brasil, de Denise Paraná (São Paulo: Ed. Fund. Perseu Abramo, 2003); Lula, biografia política de um operário, de Frei Beto (São Paulo: Estação Liberdade, 1989); Documento Verdade, de Lincoln Martins (São Paulo: Ed. Escala, 2002); Jornal do Brasil, Caderno Especial, de 28/10/2002; Folha de São Paulo, Caderno especial sobre as eleições, 28/10/2002;Edição especial do jornal O Globo, de 01/01/2003.
  • 29. 29 ser o interlocutor que as empresas chamaram para mediar o conflito com os trabalhadores. Assim, de forma quase inevitável, foi guindado à condição de líder de sua categoria profissional. Falando de sua ascensão, que se acentuou a partir de 1975, quando se elege presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, sua principal biógrafa, Denise Paraná 6, traça um perfil político do mesmo à época, reavivado durante a campanha eleitoral de 2002: “Quando era ideologicamente conservador e desvinculado de organizações de esquerda, Lula era visto pelos empresários interessados no processo de redemocratização do país e por seus representantes no governo como um ‘sindicalista de confiança’, ou seja, como alguém que comungava dos mesmos ideários dos detentores do capital. Estes empresários desejosos do fim da era dos governos militares foram, em parte, responsáveis pela ascensão de Lula como líder dos trabalhadores, na medida em que necessitavam de um ‘interlocutor de confiança’ para encampar seu projeto de abertura democrática. Assim, os ‘donos do poder’ chancelaram essa liderança metalúrgica que surgia com grande legitimidade em sua categoria e que tinha, aos seus olhos, a enorme virtude de não se interessar pelas questões mais amplas da política nacional; tratava-se de uma espécie de ‘interlocutor ideal’. Esse foi o período em que Lula foi acalentado pela grande imprensa, a imagem de seu rosto e suas palavras foram impressas e reproduzidas aos milhares.” De fato, a presença de Lula na grande imprensa não cessou mais. Nessa época começa a surgir um novo sindicalismo, mais atuante e reivindicador, diferente daquele caracterizado pelo peleguismo e assistencialismo consentido, que marcava a vida sindical durante a ditadura. Novas bandeiras de luta são propostas como: remuneração salarial digna, estabilidade no emprego, licença- maternidade e melhores condições de trabalho. O Brasil vivia sob o regime militar. Os sindicatos dos metalúrgicos do ABC desafiavam este poder constituído através de movimentos de massa com piquetes nas ruas, assembléias em estádios de futebol e greves com prazos indeterminados. Até junho de 1978, Lula dizia não se interessar por fazer política, embora já fosse um líder sindical conhecido, mas alienado politicamente. Mas, a partir de julho, percebeu que o sindicato não abrangia as demais dimensões da luta dos trabalhadores. Era preciso mais e Lula passou a acalentar, junto com outros companheiros, a idéia de um partido dos trabalhadores, do qual ele seria naturalmente o presidente. Iniciavam-se aí as aspirações políticas de Lula. O operário de aspirações pequeno-burguesas começava a ceder lugar ao político com aspirações de poder e de fama. Em 1979, os metalúrgicos de São Bernardo e Diadema deflagraram a primeira greve geral da categoria. O sindicato sofreu intervenção do governo federal e Lula foi destituído do cargo. Em 1980, mais de 100 mil trabalhadores aderiram ao que foi considerado pela imprensa na época "a maior paralisação operária da história do sindicalismo brasileiro". Lula e mais sete sindicalistas, entre eles o ex-candidato do PSTU à presidência em 2002, José Maria de Almeida, foram presos pelo Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social). Enquanto Lula estava preso, Dona Lindu, sua mãe, morreu de câncer aos 65 anos. Atendendo ao pedido de Marisa, mulher de Lula, o então delegado Romeu Tuma, que mais tarde se tornaria senador pelo PFL-SP, conseguiu que Lula acompanhasse o velório e o enterro de sua mãe. Cerca de 2.000 pessoas se aglomeraram nas proximidades do cemitério da Vila Paulicéia, em São Bernardo, para saudar o sindicalista e pedir sua libertação. Lula foi 6 Paraná, D. Lula, o filho do Brasil (São Paulo, Ed. Fund. Perseu Abramo, 2003).
  • 30. 30 solto após um mês de prisão. Em 1981, foi condenado pela Justiça Militar a três anos e seis meses de detenção por incitação à desordem coletiva, mas a sentença acabou anulada. Em fevereiro de 1980, Lula participou da fundação do Partido dos Trabalhadores em São Paulo e, em 26 de maio, sua chapa foi eleita para comandar a executiva da sigla. Em 1982, acrescentou o apelido "Lula" ao nome e foi candidato ao governo de São Paulo, numa eleição vencida por Franco Montoro, ficando em terceiro lugar. Entretanto, o recém-fundado PT conseguiu fazer 8 deputados federais. Não deixa de ser contraditório Lula concorrer a um cargo eletivo, como o de governador de São Paulo, quatro anos depois de dizer que não se interessava por política. Ao contrário do que a dura vida de nordestino lhe impôs, Lula não quis começar por baixo na política. Teria sido eleito deputado federal ou estadual, mas preferiu dar um vôo mais alto. Isso aconteceu também depois de seu apagado mandato de deputado federal, quando só aceitou ser candidato ao maior cargo da nação. Em 1983, Lula participa do maior movimento político de rua no Brasil, as manifestações pelas Diretas-Já. Em 1983, o Brasil estava quebrado e a insatisfação popular estava nas ruas, depois do fracasso do “milagre econômico”, do arrocho salarial promovido por Delfim Netto e Roberto Campos, dos escândalos financeiros e da maior recessão que o país tivera no século. Desde 1978, professores, bancários, estudantes e trabalhadores enfrentavam a ditadura, que começava a perder suas garras com os generais Geisel e Figueiredo. O PDS, ex-Arena, partido da ditadura, havia perdido, em 1982, as eleições para os governos de 9 dos principais estados brasileiros. Devido a manobras escusas dos governistas no Congresso, comandadas pelo seu presidente Moacir Dalla, as eleições diretas foram derrotadas. Mas o embrião da campanha frutificou durante o governo de José Sarney (substituto de Tancredo Neves, eleito indiretamente em 1984), que antes pulara do barco do PDS, que afundava, fundando o PFL, abrigo de oportunistas que não queriam deixar o poder. Era o início da redemocratização do país que culminou com a promulgação da Constituição de 1988. Em 1986, Lula chegou à Assembléia Nacional Constituinte com 652 mil votos, sendo o deputado federal mais votado da História do Brasil até então, numa bancada petista de 16 deputados. Representava os grandes anseios da classe trabalhadora com a elaboração da nova Carta Magna. Lula defendia propostas reformistas como autonomia sindical, reforma agrária, direito irrestrito de greve, redução da jornada de trabalho, dentre outras. Teve, no entanto, uma atuação medíocre e apagada, limitando- se a apoiar os muitos projetos em favor dos trabalhadores, sem apresentar nenhum novo. Em 1989, disputou pela primeira vez a Presidência da República. Foi derrotado por Fernando Collor de Mello no segundo turno. Decidido a disputar novamente o cargo, Lula cruzou o país do Oiapoque (AM) ao Chuí (RS) nas "Caravanas da Cidadania". Em 1994 e 1998, no entanto, perdeu a eleição no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 2002, Lula chegou à presidência da República no dia em que completava 57 anos de idade. Foi eleito em 27 de outubro com 52,8 milhões de votos (61,3% dos votos válidos numa eleição em que 23,6 milhões de eleitores não votaram, uma abstenção de 20,5%).
  • 31. 31 O caso Miriam Foi a exploração política do romance de Lula com uma enfermeira, Miriam Cordeiro, com quem teve uma filha, Luriam, que permitiu a Collor ganhar a eleição de 1989. Nas eleições de 1989, a duas semanas do 2º turno, Lula estava ultrapassando Collor, que começara na frente. Numa jogada desleal, Collor e seus assessores, montaram um esquema em que Miriam aparecia no seu programa de televisão acusando Lula de ter abandonado a filha e de querer que ela abortasse a menina. A armação era grosseira e agressiva e a própria mãe de Miriam, bem como Luriam, que já era uma adolescente, dispuseram-se a ir para a televisão defender Lula e desmentir a acusação. Lula não permitiu que isso fosse feito sob o pretexto de que não queria envolver sua família em política. E nem ao menos fez qualquer defesa consistente da acusação, preferindo omitir o fato em seus programas, o que acabou dando ao público a impressão de que a acusação era verdadeira. Esperava-se que Lula fosse reagir no último debate com Collor, demonstrando uma esperada e natural indignação com o desrespeito à sua família. Mas, durante o debate, Lula, ao invés de reagir, simplesmente procurou ignorar o fato, passando uma imagem de consentimento e omissão, enquanto Collor ficou à vontade, demonstrando segurança e arrogância diante de seu adversário. Lula se mostrava acuado, inseguro e acovardado. O resultado foi uma derrota que Lula e o PT levaram tempo para superar.
  • 32. 32 A campanha eleitoral de 2002: um aceno à direita Em agosto de 2002, escrevi o texto que se segue. Percebo que, de lá para cá, quase nada mudou. “As distorções que sofre o processo eleitoral no Brasil, através da compra de votos, da fraude e da manipulação através dos meios de comunicação de massa, têm sido uma constante entre as mazelas da democracia brasileira. Com isso, o eleitor brasileiro está cada vez mais descrente da política e dos políticos, desinteressado em conhecer os candidatos, suas propostas e posições, alienado e alijado das decisões políticas, sem perceber que quanto menos participa ou se manifesta sobre assuntos de interesse público, mais a sua vida pessoal é afetada por decisões tomadas à sua revelia. As eleições brasileiras sempre foram marcadas por irregularidades que vão desde a pura e simples compra do voto na boca-de-urna, até a fraude nos resultados finais da eleição. Para piorar, o voto irresponsável, inconsciente e inconseqüente está se tornando cada vez mais presente, fazendo-nos questionar a legitimidade do processo eleitoral como é atualmente. As pessoas dizem que querem candidatos honestos, mas nem sempre votam neles. Muitas vezes votam no candidato corrupto na expectativa de obter vantagens pessoais. Tal processo deveria passar por profunda revisão que incluiria o voto facultativo (a obrigatoriedade do voto é um estímulo ao voto inconsciente, irresponsável e de cabresto), a instituição do voto distrital e da fidelidade partidária, a regulamentação da legislação eleitoral e o referendo popular para aprovar mudanças na Constituição. Um exemplo disto foi a emenda constitucional que permitiu a reeleição para os cargos majoritários - presidente, governadores e prefeitos – feita para garantir um novo mandato para o Sr. Fernando Henrique Cardoso, em 1998. Aprovada em pleno clima de denúncias de corrupção e compra de votos durante sua votação na Câmara, foi mais um dos espúrios casuísmos que ocorrem a cada momento de acordo com as conveniências dos governantes de plantão. Não foi apenas um escândalo envolvendo a compra de votos, o suborno (com dinheiro de quem?) de deputados para votarem favoravelmente à reeleição, o que já seria suficiente para sustar a votação do projeto. A condução do processo, feita da maneira que foi pelo próprio Presidente da República e em seu benefício, foi em si imoral. O lamentável é que tanto nas eleições de 1998 e 2000, como hoje, aqueles que combateram a reeleição, dela usaram e estão usando. A possibilidade de se recandidatar a um novo mandato executivo é quase um jogo de cartas marcadas, pois favorece a reeleição do postulante, por ser ele o político mais conhecido da população, portanto com muito mais chances de ser votado. É sabido também, que há uma tendência de uma parcela da opinião pública em aprovar quem está no governo. Outra aberração de nossa legislação eleitoral é o mandato de 8 anos para um senador, que pode vir a ser substituído por um desconhecido suplente que não obteve um único voto, geralmente um parente ou protegido do titular. Para que realmente tem servido o Senado brasileiro? Em muitos países europeus ele não existe, e a democracia nesses países vai muito bem. O nosso sistema bicameral, uma imitação do norte-americano, criou o Senado com a finalidade de abrigar políticos em fim de carreira. A chamada verticalização das alianças eleitorais, aprovada pelo TSE com a justificativa de moralizar as eleições, tinha o propósito real de ajudar o candidato governista, mas não serviu para uma coisa nem outra: o Sr. José Serra está mal e as alianças eleitorais estão de tal maneira espúrias e promíscuas, como nunca se viu antes. É um verdadeiro trotoir eleitoral. Todos os partidos, à exceção de alguns nanicos, abandonaram quaisquer resquícios (se é que verdadeiramente os tinham) de
  • 33. 33 postura ética e ideológica. É o PT, ávido pela possibilidade de chegar ao poder, rendendo-se ao charme da burguesia financeira (que eles tanto criticaram); comprometendo-se com o pagamento da eterna dívida externa e a manutenção dos nefastos acordos com o FMI; assumindo um discurso neoliberal, no afã de ganhar as eleições a qualquer preço, o que poderá lhes custar caro se perderem a eleição, ou uma camisa de força se a vencerem. É o Lula mandando o Zé Dirceu, presidente do PT, aos Estados Unidos para dizer que está mais manso e maduro (o que significa aceitar as imposições de Washington). É inconcebível para um militante de esquerda ver o PT aliado ao PL, um partido de direita onde manda o ‘bispo’ Edir Macedo. Ou ver o PSB, que mesmo sem nunca ter conseguido uma identidade socialista definida, sair com um candidato de mentalidade medieval, disputar votos dos seguidores desse ‘bispo’ e tentar atrair apoios do PFL, do PMDB de Newton Cardoso e até do PPB de Paulo Maluf. E o Ciro Gomes? O PPS, remanescente do heróico PCB, literalmente ‘abriu as pernas’ ao que há de pior no peleguismo sindical e na corrupta direita brasileira: ACM, Jorge Bornhausen, família Sarney. O ex-coordenador de sua campanha, o deputado José Carlos Martinez, além de longos e lucrativos laços com Collor e PC Farias, está atolado em irregularidades. Caso o Ciro se eleja e venha a se afastar por algum motivo, quem irá substituí-lo? O Paulinho, pelego da Força Sindical, vira presidente do Brasil. Nem é preciso que se estenda sobre o candidato do governo e seguidor do famigerado modelo econômico que está levando o Brasil à bancarrota, depois de entregá-lo à sanha de especuladores internacionais (que a mídia chama eufemisticamente de ‘investidores’). O TSE e alguns TRE's, árbitros das eleições, estão como certos juízes de futebol: deixando de ‘ver’ as faltas cometidas pelo candidato do governo e marcando penalidades inexistentes nos candidatos de oposição. O despacho do Sr. Nelson Jobim, presidente do TSE, feito às pressas na madrugada da convenção do PMDB, para favorecer o candidato José Serra, seu compadre e amigo íntimo; a perseguição do TRE do Acre ao governador Jorge Viana, do PT; a escancarada ajuda do TRE de Pernambuco ao governador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, são apenas uns poucos exemplos. Como se não bastasse isto, agora temos o escândalo das urnas eletrônicas viciadas, inicialmente descobertas em Brasília, mas que já estão sendo apreendidas em vários estados, as quais só computam votos para o PSDB e os candidatos governistas, o que não parece ser apenas uma infração local, mas uma estratégia criminosa possivelmente espalhada pelo País. Estas são apenas algumas das muitas possíveis irregularidades que estão sendo cometidas nestas eleições. Tem razão Ciro Gomes e Anthony Garotinho quando questionam a lisura do TSE nestas eleições e pedem o afastamento do Sr. Nelson Jobim. Lula prefere lavar as mãos porque acha que a situação lhe convém, mas poderá ser vítima das mesmas ‘armações’, caso tenha Serra como seu adversário no 2o turno. Em Minas, chegou-se a uma situação como a descrita no poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. Lula, do PT, cujo vice é o José de Alencar, do PL, ‘ama’ o rival deste, Itamar (sem partido), que ‘ama’ o Aécio Neves, do PSDB, candidato ao governo do estado, companheiro de José Serra, que não ‘ama’ ninguém, e do candidato ao Senado, Eduardo Azeredo, ambos odiados por Itamar. O tucano também é cortejado por Ciro Gomes, ex-Arena, ex-PDS e ex-PSDB, adversário de Lula e Serra. A cúpula tucana aceita o ‘amor’ de Ciro pelo Aécio, mas não admite a recíproca, que considera traição ao Serra. A maioria do PSDB regional está com Ciro, enquanto o PDT, que faz parte da coligação do Ciro, apóia o Aécio. Ainda dentro desse prostíbulo partidário, Newton Cardoso, candidato a governador pelo PMDB, partido da Rita Camata, vice do Serra, rejeita ambos, está ‘divorciado’ de Itamar, e tem o coração
  • 34. 34 balançando entre Ciro Gomes e Lula. O candidato do PT ao governo é o deputado Nilmário Miranda, que está fazendo o papel de boi-de-piranha nessa história, pois em ‘nome do objetivo maior’, que é eleger Lula, o PT paquera o Newton, outrora ferrenho inimigo e faz par com Hélio Costa, candidato peemedebista ao Senado. Quando for a Juiz de Fora, terra do Itamar, Lula vai subir no palanque do Aécio, e quando for a Uberlândia, onde o prefeito é do PMDB, vai subir no de Newton Cardoso. Será que estamos assistindo a um filme de surrealismo eleitoral ou apenas e simplesmente a uma ampla, irrestrita e generalizada falta de vergonha na cara? Possivelmente, os atuais partidos sairão despedaçados ou desfigurados desta eleição. Pequenos partidos ideológicos como o PSTU, poderão herdar ‘quadros’ valiosos do espólio dos aglomerados partidários que se dizem de esquerda. A luz no fim do túnel parece cada vez mais distante. Na verdade estamos nos afastando dela. Convenhamos que o atual contexto, tanto em nível mundial como brasileiro, não acena com qualquer perspectiva mais animadora. Será que os candidatos à presidência estão realmente dispostos a enfrentar o ‘rabo-de-foguete’ que o desgoverno FHC vai lhes entregar, um Brasil “argentinizado”? Dentre os presidenciáveis, nenhum tem de fato um verdadeiro projeto de mudança para o país. Qual deles teria coragem de suspender o pagamento dos juros da dívida externa, “dar uma banana” para o FMI, meter grandes corruptos na cadeia, enfrentar os banqueiros e especuladores nacionais e estrangeiros, combater a violência e o tráfico de drogas no seu alto escalão e não apenas na periferia, implantar o imposto de renda progressivo (taxando os ricos e aliviando os pobres), ter uma política externa independente, fazer reforma agrária para valer? Nunca os candidatos se pareceram tanto. A melhor síntese de como o brasileiro ficou depois do improdutivo debate do dia 4 de outubro, na TV Bandeirantes, foi dada pelo cartunista Jean no jornal O Pasquim21, em que seu personagem fala que o debate serviu para mudar sua opinião para..... indeciso! Aquele que se eleger irá receber um estado desmontado, uma dívida astronômica e impagável, uma sociedade deteriorada e um povo sofrido e desesperançado. Ou seja, um país à beira da falência econômica, política, social e moral. Uma bomba para explodir nas mãos de quem ficar com ela. Precisará ter muito pulso, determinação e vontade política para reduzir as desigualdades sociais e minorar o sofrimento do povo brasileiro. Por enquanto não poderemos, infelizmente, esperar nada mais do que isso. Quem sabe, daqui a quatro anos?” Hoje, decorrido um ano com Lula no poder, parece que nem com esse pouco podemos mais contar. Mudando de rumo Após 22 anos de existência do partido, três derrotas e oito anos de oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito para a Presidência da República, vencendo o economista José Serra, candidato oficial, duas vezes ministro de FHC e uma das principais lideranças do PSDB. O petista chega ao cargo com um discurso mais ameno e conservador, sem assustar a direita do país, com uma parte da qual se associou para alcançar a vitória. Um sinal da aproximação do PT com setores mais à direita foi a escolha do empresário mineiro José Alencar Gomes da Silva, do Partido Liberal, a vice na chapa de Lula. Lula tornou-se o primeiro candidato de um partido dito de esquerda eleito presidente, e também o primeiro operário e pernambucano a exercê-lo como titular. Em três meses de campanha, Lula visitou 93 cidades, fez 103 comícios, 63 carreatas, permaneceu um total de 147 horas dentro de aviões e percorreu 61.127 km pelo país. O custo final da rica campanha petista deve ter ultrapassado os R$ 35
  • 35. 35 milhões. A infra-estrutura petista contou inclusive com carro blindado, guarda-costas e jatinho. A vitória representou uma grande mudança na direção de setores antes refratários e combatidos pelo PT. Desde 1989, quando perdeu sua primeira eleição presidencial para Fernando Collor de Mello, o discurso, as propostas e, principalmente, a imagem do candidato e do partido foram gradativamente se aproximando dos padrões assumidos pelas classes dominantes. O eleitorado brasileiro é primordialmente conservador. Lula, Duda e o PT procuraram aproveitar-se disso. A esquerda tem obtido mais ou menos 30% de votos na média nacional. Nas eleições municipais de 2000, os partidos de esquerda, somados, alcançaram 29,5% dos votos. E isso aconteceu nos grotões atrasados onde a direita arrasta o maior percentual de votos. O Atlas das Eleições Municipais de 2000, elaborado pelos pesquisadores César Romero Jacob, Dora Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein, confirma a força do voto de cabresto no Brasil. Há municípios e regiões que votam exclusivamente em quem o chefe político local mandar, o qual é sempre dependente dos poderes estadual e federal. Nas cidades com mais de 200 mil eleitores, a situação e a oposição se dividiam com 44,5% dos eleitores. Os municípios com até 100 mil eleitores respondiam por 56% do eleitorado. Nesses municípios, os partidos alinhados com o governo elegeram 3.825 prefeitos contra 712 apoiados por siglas de oposição (mais do que 5 para 1). Também, à medida que diminui o tamanho das cidades, os partidos de direita aumentam a sua presença nas prefeituras, chegando a controlar 2.614 (73,8% do total) municípios contra 409 (11,6% do total) dos partidos considerados de esquerda, nos municípios com menos de 10 mil eleitores. Num país em que a renda, além de crescer pouco, permanece extremamente concentrada, o voto do analfabeto acaba favorecendo a política clientelista conservadora 7. A guinada ao centro e à direita rendeu as adesões dos ex-presidentes José Sarney e Itamar Franco, do ex-governador Orestes Quércia, do cacique baiano Antônio Carlos Magalhães, do ex-ministro do regime militar Delfim Netto e de vários empresários. 2002, o grande show de marketing O que se viu na eleição passada, a partir de quando começaram os programas do horário eleitoral gratuito, foi um verdadeiro show de marketing, em que os candidatos eram apresentados como o melhor produto do gênero e capazes de satisfazer o gosto do consumidor. Uma coisa é o trabalho de marketing para divulgar o candidato, ressaltando seus valores, feitos e características. Outra coisa foi a maquiagem artificial para dar a aparência de algo que o candidato não era, mas que agradava ao público. Cenas com Lula usando ternos, camisas e gravatas de grife ou o Serra em camisa de mangas arregaçadas, para dar a impressão de que era trabalhador, enquanto Ciro e Garotinho faziam pose de que eram socialistas desde criancinhas, poderiam ser convincentes para o telespectador desinformado, mas não deixavam de parecer artificiais e até ridículas. Isto funciona até certo ponto, dadas as características do telespectador brasileiro, que gosta do que é superficial e imediato. Mas a longo prazo, as pessoas começam a questionar a veracidade das mensagens e a qualidade do produto que lhes foi vendido. 7 Jornal do Brasil, 20/05/2002.