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O jogo de xadrez
O xadrez é um jogo fascinante.
Rainhas, torres, bispos, peões, cavalos, todos se movem, coordenadamente, seguindo os passos da mesa,
procurando caminhos secretos e escondidos, a fim de achar em si um único objetivo, enquanto peças desse jogo: encurralar o
rei, colocando-o em xeque, ou aniquilá-lo, no caso do xeque-mate, destruindo por completo suas chances de escapar.
E aquelas duas pessoas, no cair da noite, faziam justamente isso: jogavam xadrez, até altas horas.
- Sua vez.
A torre move-se perigosamente em direção ao bispo adversário.
Torres, no entender da dialética que rege o jogo, são princesas, que, encarceradas, não tem outro remédio senão
andar, para a frente ou para os lados, em busca de salvação.
Bispos, por sua vez, são peças ariscas, ora pendendo de um lado, ora do outro - andando sempre em diagonal, à
procura do momento certo para atacar.
- Sua vez.
Um peão se move à frente.
Peça desnecessária, apenas morre por seu líder.
Não sabe porque está lá, ou o que virá a fazer depois.
Apenas move-se, uma casa por vez, procurando apenas um caminho para vencer - e talvez escapar de sua sina.
- Sua vez.
O cavalo se move.
Garboso, imponente, age na socapa, atacando de frente, para ir depois de lado.
Corre pelos prados, ataca os flancos, abrindo caminhos em seu movimento, estranho, porém eficaz.
- Sua vez.
O jogo torna-se tenso, frenético, compulsivo.
- Sua vez.
Move-se a rainha, a peça mais importante do jogo, aquela que pode destruir o rei atacando-o por suas costas.
Já foi um vizir, o amigo do rei, conselheiro talvez, mas em todos os casos, a mesma função: eminência parda,
aquele que se mexe em todas as direções, de todas as formas, pronto para destruir, e induzir ao erro, e proteger o rei.
Ou, talvez, matá-lo.
- Sua vez.
Mais tensão se sente no ar.
- Sua vez.
Os jogadores suam, desesperados, à procura de um movimento fatal.
Peças vão sendo retiradas, uma a uma, do jogo, ora um bispo morto em combate, ora uma torre destruída, ou
mesmo um peão que se foi, sem saudades.
- Sua vez.
Movimentos anunciam que o jogo está por terminar.
Mas algo paira no ar: por que esse jogo seria tão importante?
- Sua vez.
Por que uma simples partida de xadrez valeria tanto?
- Sua vez.
] Por que tanto ...
- Sua vez.
... por tão pouco?
...
Movimentos fatais, um erro e um descuido, e um deles coloca o rei por perto.
De um lado, um bispo, do outro, uma torre, e ao lado a rainha, a lhe ameaçar.
- Xeque!
- Não, amigo ...
Tira do bolso uma arma, e aponta ao outro.
- O que é isso, meu velho? Bebeu? O que ...
Não há tempo de saber o que pensava, ou mesmo o que faria.
Pois antes que pudesse dizer qualquer coisa, a arma cuspia, o fogo saia, e um corpo jazia, estendido no chão.
O vivo olhou em volta.
Um sorriso sarcástico lhe vinha aos lábios, lembrando-se de quanto tempo esperara por aquele momento.
Enfim, tudo estava acabado, “consumatum est”, em latim bem escrito.
Olhou para o morto, que segurava ainda o rei branco (o do suposto perdedor), e, tranquilo, disse-lhe a última coisa
antes de estourar –lhe definitivamente os miolos:
- Mate.
Omar O. Sirep

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O jogo de xadrez

  • 1. O jogo de xadrez O xadrez é um jogo fascinante. Rainhas, torres, bispos, peões, cavalos, todos se movem, coordenadamente, seguindo os passos da mesa, procurando caminhos secretos e escondidos, a fim de achar em si um único objetivo, enquanto peças desse jogo: encurralar o rei, colocando-o em xeque, ou aniquilá-lo, no caso do xeque-mate, destruindo por completo suas chances de escapar. E aquelas duas pessoas, no cair da noite, faziam justamente isso: jogavam xadrez, até altas horas. - Sua vez. A torre move-se perigosamente em direção ao bispo adversário. Torres, no entender da dialética que rege o jogo, são princesas, que, encarceradas, não tem outro remédio senão andar, para a frente ou para os lados, em busca de salvação. Bispos, por sua vez, são peças ariscas, ora pendendo de um lado, ora do outro - andando sempre em diagonal, à procura do momento certo para atacar. - Sua vez. Um peão se move à frente. Peça desnecessária, apenas morre por seu líder. Não sabe porque está lá, ou o que virá a fazer depois. Apenas move-se, uma casa por vez, procurando apenas um caminho para vencer - e talvez escapar de sua sina. - Sua vez. O cavalo se move. Garboso, imponente, age na socapa, atacando de frente, para ir depois de lado. Corre pelos prados, ataca os flancos, abrindo caminhos em seu movimento, estranho, porém eficaz. - Sua vez. O jogo torna-se tenso, frenético, compulsivo. - Sua vez. Move-se a rainha, a peça mais importante do jogo, aquela que pode destruir o rei atacando-o por suas costas. Já foi um vizir, o amigo do rei, conselheiro talvez, mas em todos os casos, a mesma função: eminência parda, aquele que se mexe em todas as direções, de todas as formas, pronto para destruir, e induzir ao erro, e proteger o rei. Ou, talvez, matá-lo. - Sua vez. Mais tensão se sente no ar. - Sua vez. Os jogadores suam, desesperados, à procura de um movimento fatal. Peças vão sendo retiradas, uma a uma, do jogo, ora um bispo morto em combate, ora uma torre destruída, ou mesmo um peão que se foi, sem saudades. - Sua vez.
  • 2. Movimentos anunciam que o jogo está por terminar. Mas algo paira no ar: por que esse jogo seria tão importante? - Sua vez. Por que uma simples partida de xadrez valeria tanto? - Sua vez. ] Por que tanto ... - Sua vez. ... por tão pouco? ... Movimentos fatais, um erro e um descuido, e um deles coloca o rei por perto. De um lado, um bispo, do outro, uma torre, e ao lado a rainha, a lhe ameaçar. - Xeque! - Não, amigo ... Tira do bolso uma arma, e aponta ao outro. - O que é isso, meu velho? Bebeu? O que ... Não há tempo de saber o que pensava, ou mesmo o que faria. Pois antes que pudesse dizer qualquer coisa, a arma cuspia, o fogo saia, e um corpo jazia, estendido no chão. O vivo olhou em volta. Um sorriso sarcástico lhe vinha aos lábios, lembrando-se de quanto tempo esperara por aquele momento. Enfim, tudo estava acabado, “consumatum est”, em latim bem escrito. Olhou para o morto, que segurava ainda o rei branco (o do suposto perdedor), e, tranquilo, disse-lhe a última coisa antes de estourar –lhe definitivamente os miolos: - Mate. Omar O. Sirep